Bicentenário da Imigração - 47

Jesuítas alemães

Neste meio tempo acontecimentos adversos aos jesuítas  na Europa Central vieram em benefício dos colonos alemães no sul do Brasil. A revolução de 1848 fizera seus estragos também na Áustria. Os jesuítas  perderam propriedades, tiveram seus colégios fechados e um grande número ficou liberado para qualquer tipo de convocação por parte dos superiores. O Pe. geral da Ordem solicitou então ao superior da província da Galícia que destacasse alguns jesuítas dos seus quadros a fim de envia-los para o Brasil. Este pediu aos interessados que lhe mandassem seus nomes para escolher entre eles aqueles com perfil adequado para a missão. Da lista de voluntários os nomes escolhidos foram: P. Augustin Lipinski, Pe. Johann Sedlac e o irmão leigo Anton Sontag. Os  critérios de seleção foram  determinados pelo tipo de trabalho a ser desenvolvido. Como primeira condição constava o domínio perfeito da língua alemã, uma saúde física à toda a prova, criatividade, versatilidade, bom trato e um excepcional solidez psicológica e religiosa. 

O Pe. Schupp resumiu o perfil de cada um dos escolhidos.

O Pe. Lipinski era um silesiano austríaco nascido em 1809. Possuidor de um caráter enérgico, entrara com 19 anos na Companhia de Jesus.  ( ... ) Méritos especiais lhe rendeu o apaziguamento dos colonos da Galícia, sublevados em 1848. Chegou ao Brasil com 40 anos de idade, portanto, em pleno vigor físico.

O Pe. Sedlac nasceu em 1812 na diocese de Budweis na Boêmia. Ordenara-se sacerdote em 1837, para entrar na Companhia de Jesus depois de sete anos de atividade como padre secular. 

O irmão Sontag natural da Silésia foi a incarnação do modelo do bom irmão leigo, distinguindo-se além disto, pela inteligência e a grande versatilidade. (Schupp, 2,004, p. 139)

Os três embarcaram no dia primeiro de fevereiro de 1849. Depois de sobreviver a pesadas tempestades no mar do norte e apos uma travessia do Atlântico cheia de perigos, desembarcaram no Rio de Janeiro no dia cinco de maio. De lá seguiram viagem até Rio Grande no navio Imperatriz Tereza. Finalmente pisaram em terra firme na capital da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, no dia 14 de julho de 1849. Os padres espanhóis os receberam com júbilo e, apos alguns dias de descanso, depois da apresentação protocolar ao Presidente da Província, não havia ainda bispo embora a diocese estivesse erigida desde 14 de maio por meio de bula de Pio IX. Com a devida jurisdição em mãos, partiram para Dois Irmãos, ponto de partida para a sua missão definitiva. Chegaram ao destino no dia 14  de agosto sob um céu chuvoso e toldado, depois de passar por caminhos  lamacentos e escorregadios, como é comum nesta época do ano. 

Este 14 de agosto não foi um dia qualquer para o  sul do Brasil. Foi um marco  de repercussão histórica de difícil avaliação não só para o futuro dos imigrantes alemães, como para a história das demais vertentes étnicas radicadas na região.

Começa a atividade regular dos Jesuítas
Até  aqui nos ocupamos com a presença dos jesuítas no Sul do Brasil após a restauração da Ordem, traçamos um perfil da situação religiosa da região na primeira metade do século XIX. Sob o regime do padroado, vigente então, predominava um tipo de Igreja mais afinada com os ditames dos administradores seculares, com os caprichos das lideranças leigas e, não em último lugar, dos hábitos locais, do que com as ordens e diretrizes emanadas de Roma. A própria organização eclesiástica dificultava em muito a melhoria da situação. A criação das paróquias e capelanias dependia  do “placet”  da Câmara Provincial, assim como a escolha dos párocos. Na criação e na ereção de uma paróquia decidia simultaneamente a autoridade eclesiástica. A civil, representada pela Câmara  dos Deputados, estabelecia os limites de cada paróquia, na maioria dos casos em sintonia com as autoridades eclesiásticas. Em seguida decretava-se a ereção da paróquia. 

Com a ereção de uma nova paróquia vinculava-se uma série de direitos e privilégios civis. Nomeava-se um juiz e um escrivão de paz com poder de assinar contratos com validade legal. Esse simples fato evitava que as pessoas tivessem que se deslocar por distancias enormes a fim de legitimar documentos de primeira necessidade. Uma segunda vantagem tinha a ver com o exercício  do voto  exercido na sede do distrito paroquial. A confirmação eclesiástica de uma ereção civil de paróquia podia ser imediata, levar algum tempo ou simplesmente  não acontecer. A instalação tanto civil com canônica de uma paróquia implicava nos emolumentos, subsídios ou “côngruas”, que na época importavam e 200 mil eis ao ano, concedidas  ao pároco pelo governo, motivo de constantes atritos, reclamações e desentendimentos. Aos sacerdotes estrangeiros era vedado o recebimento desses subsídios a não ser depois de naturalizados. Essa situação iria mudar radicalmente depois da proclamação da República em 1889, quando todos os sacerdotes, brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros perderam o direito ao apoio financeiro do Estado. 

Além disso, até 1848, o sul do Brasil estava sob a jurisdição do bispo do Rio de Janeiro. Os imensos territórios que costumavam abranger as jurisdições paroquiais, somavam-se  aos demais problemas como mais um a entravar uma atividade pastoral com as mínimas condições de êxito. 

Na data em que os três jesuítas iniciaram a sua atividade na Colônia Alemã de São Leopoldo, a situação da organização eclesiástica no Sul era em resumo  esta. Até o ano de 1842 O Rio Grande do Sul fizera parte da diocese do Rio de Janeiro. Em maio daquele ano  o papa Pio IX criou a diocese do Rio Grande do Sul. A posse do primeiro bispo ocorreu, porém, somente em 30 de julho de 1853, na pessoa de D. Feliciano José Rodrigues Pimenta. O novo bispo como relatam  as fontes, não era nenhum intelectual de renome. Como pároco da cidade de Encruzilhada, no interior da Província, gozava de uma grande estima entre o povo. Ele próprio dedicava-se à agricultura ao ao ser convocado pelo papa para assumir e organizar a nova diocese. O fato de a freguesia de Encruzilhada ser  uma exceção para a época com sua extraordinário afluência aos sacramentos, deve  ter sido decisivo na escolha do seu pároco para administrar  a nova diocese. Ainda mais. Pio IX propusera-se, desde a sua eleição, fazer do seu pontificado um período de renovação da Igreja, por meio de um amplo,  profundo e ambicioso projeto de Restauração Católica. E, como o fomento da vida sacramental se constituiu num dos pilares mestres do Projeto, a escolha recaiu sobre um sacerdote que fizera dessa prática a base da  sua atividade pastoral, transformando a freguesia sob sua responsabilidade, numa exceção em meio ao contexto religioso da Província.

Na época da criação da diocese do Rio Grande do Sul existiam poucas paróquias  na Província. Nos 283000 quilômetros  quadrados cada uma delas exercia jurisdição sobre áreas imensas. O território de quase todas elas era maior do que as atuais dioceses no Rio Grande do Sul. 

No ano da chegada dos primeiros jesuítas de fala alemã em 1849, a região colonial alemã encontrava-se sob a jurisdição  de três paróquias: São José do Hortêncio, desmembrada da paróquia de Sant´Ana  em 1848, Dois Irmãos pertencente a São Leopoldo e toda a margem direita do Rio Caí sob a jurisdição de Triunfo.

Ao desembarcarem os padres alemães encontraram o campo de trabalho relativamente organizado. As comunidade dos colonos estavam formadas ou em vias de  formação e não poucas já consolidadas em torno das suas capelas, escolas e cemitério. Para entender melhor essa organização comunal faz-se necessário destacar as características dessa organização e a nomenclatura usual nas áreas de colonização alemã.

O conceito talvez mais recorrente  nesse contexto foi provavelmente o de “colônia”. Dependo do caso podiam ter vários  sentidos. Um deles designa toda área inicialmente  colonizada pelos imigrantes alemães e mais tarde também pelos italianos e outras vertentes imigratórias. Num segundo sentido toma-se como referencia  os promotores  das colonizações. Nesse caso fala-se em “colônias imperiais”, “colônias provinciais”, “colônias estaduais”, “colônias municipais”, “colônias de empresas de colonização”, “colônias de associações”, “colônias particulares”. Um terceiro sentido vinha da composição étnica e ou religiosa dos assentamentos. Fala-se neste caso em “colônias mistas”, colônias religiosa ou etnicamente separadas”. Colônia designava também o lote de terra ou “colônia de terra” em poder de um determinado colono, cujo tamanho, em grandes linhas oscilava entre 25 e 70 hectares. Finalmente era corrente também um sentido atribuído ao termo colônia que nada tem a ver com a posse ou distribuição de terra. Tem a sua origem em comunidades étnicas urbanas: “colônia portuguesa” do Rio de Janeiro, “colônia italiana” de São Paulo, “colônia alemã” de Porto Alegre. 

Ocorrem ainda outras designações conforme já lembramos mais acima, que se repetem constantemente e são importantes para a compreensão do entorno geográfico e humano em que os jesuítas desenvolveram  a sua atividade pastoral. O mais comum talvez venha a ser o de “picada”. O sentido original designava a trilha aberta na mata virgem pelos agrimensores responsáveis  pela delimitação e demarcação  dos lotes. Uma vez ocupados os lotes ampliavam-se e melhoravam-se as trilhas transformando-as aos poucos em caminhos e, finalmente, em estradas.

As moradias do colonos acrescidas das diversas benfeitorias, eram instaladas ao longo e próximo às picadas, assumindo uma disposição linear. Daí surgiu um segundo conceito presente em toda a região colonial, “a linha”. Como se vê também esse conceito teve, na sua origem, um sentido geográfico, referindo-se  à sucessão de mordias alinhadas ao longo das picadas ou trilhas abertas na mata virgem.

Ao serem colonizadas, a partir de 1880, as regiões virgens no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, um terceiro conceito vai somar-se aos anteriores. “o lajeado” Sua origem remonta aos leitos rochosos e pedregosos  dos arroios e rios do planalto. Nessa região  eles serviram não poucas vezes como referência  para a demarcação dos lotes e a posterior instalação dos colonos. Como nos dois casos anteriores também neste, uma realidade geográfica originou o termo.

Numa localização central, tanto na linha como na picada e o lajeado, costumava construir-se  a igreja, capela e a escola, instalava-se o cemitério, a casa de comércio e os artesanatos, enfim, a infra-estrutura básica que permitia o funcionamento da comunidade. Dessa forma o que de início não passava de uma denominação geográfica espacial foi assumindo o significado de unidades comunais, isto é, a picada, a linha e o lajeado, passaram a identificar comunidades; Picada Café, Linha Bonita, Lajeado Grande.

Bicentenário da Imigração - 46

A visita dos primeiros jesuítas

A primeira visita de jesuítas ao Sul do Brasil após a restauração da Ordem, aconteceu em 1842, como consequência  da sua atuação tumultuada sob o regime do ditador Rosas na Argentina (1830-1852). No começo ele os tratara muito bem. Pretendia coopta-los para servirem às suas intenções despóticas. Como se recusaram a fazer esse papel, determinou a sua expulsão do território argentino, por meio de um decreto de 22 de março de 1841, dando-lhes oito dias para abandonar o pais. O Pe. Mariani Verdugo, superior dos jesuítas latino americanos, refugiou-se em Montevidéu. Para lá retiraram-se também outros membros da Ordem, para aguardar tempos mais favoráveis e retornar aos seus postos na Argentina. Neste meio tempo dedicaram-se a atividades próprias da sua vocação no Uruguai e fora dele.

Neste contexto o Pe. Verdugo viajou para o Rio de Janeiro, em companhia do Pe. Sadó, com a intenção de abrir aí um novo campo de atividades. Escolheu o Rio de Janeiro porque aí os jesuítas contavam com um aliado e defensor de peso  na pessoa do internúncio apostólico Ambrosio Campodonico, empenhado no retorno dos jesuítas a todo o território nacional. Naquela ocasião haviam chegado  informações sobre a precária situação religiosa do sul do Brasil, acompanhadas com o pedido de socorro no sentido de enviar sacerdotes para lá. O internúncio propôs ao bispo o envio de jesuítas para o Rio Grande do Sul. Para o bispo, entretanto colocaram-se duas dúvidas. Em primeiro lugar mandar jesuítas exatamente para a Província em que o fantasma pombalino ainda se fazia muito presente, poderia reavivar com facilidade, episódios históricos não totalmente esquecidos. Em segundo lugar havia a questão dos subsídios. Num rescrito de 22 de janeiro de 1824, o governo permitia aos colonos alemães terem seus próprios curas de alma, mas pelo mesmo documento era vedado aos estrangeiros o recebimento de subsídios do governo. A questão ficou equacionada quando, apos um acerto com o Pe. Verdugo, o internúncio comunicou ao bispo que os padres renunciavam aos subsídios. 

Removidos os obstáculos o Pe. Vedugo chamou o Pe. Coris de Montevidéu, para em seguida, enviá-lo para o sul do Brasil na companhia do Pe. Sadó. Começaram a viagem para Porto Alegre no dia 25 de julho de 1841. A viagem de navio foi interrompida por uma tempestade na altura de Santa Catarina e a embarcação arrastada para ilha do mesmo nome. Receando novas peripécias numa viagem marítima até o destino, os padres optaram pela via terrestre, percorrendo por terra 400 quilômetros. Finalmente no dia 15 de outubro de 1842 apresentaram-se às autoridades eclesiásticas e civis  em Porto Alegre. Tiveram uma recepção calorosa de ambas. O pároco da matriz fez questão de hospedá-los na sua casa.

Sem tardar os padres Coris e Sadó começaram as suas atividades apostólicas. Escolheram as missões populares como primeira contribuição para a renovação religiosa, que se encontrava numa situação nada animadora entre os habitantes de origem lusa e açoriana em Porto Alegre e Pelotas. Preferiram começar por Pelotas por uma razão prática. Pouco versados no português começariam a pregação por uma cidade menor, interiorana para adquirir mais fluência na língua nacional. Entre outubro e março pregaram em Pelotas oito missões, uma após a outra, para depois fixarem residência em Porto Alegre. Não demorou para que uma rica dama de nome Delfina Carlota Araújo Brusque, lhes cedesse gratuitamente uma casa e um escravo. O pároco forneceu a mobília para a residência e gêneros alimentícios.

No seu já citado livro a “A Missão dos Jesuítas alemães no Rio Grande do Sul”, o Pe. Schupp resumiu as missões em Porto Alegre.

O afluxo do povo foi de todo extraordinário: a igreja estava repleta até o coro; participaram exatamente os cidadãos de maior destaque da cidade.

Durante o sermão reinava um silêncio reverente. Os confessionários foram sitiados. De modo especial no dia da comunhão geral oito padres atenderam às confissões da manhã até o entardecer, sem conseguir satisfazer a todos que se apresentaram  para a confissão. Assistiu-se a uma maravilhosa movimentação que empolgava a população inteira de Porto Alegre.

Com certeza os horrores da guerra civil que ainda não terminara de todo, contribuiu com a sua parte. Quem sabe também o exemplo de muitos argentinos fervorosos refugiados em Porto Alegre, fugidos  dos bandos assassinos de Rosas, não deixaram de ter a sua parte de influência. O certo é que desde aquela data aconteceu em Porto Alegre uma profunda mudança na vida religiosa. (Schupp, 2004, p. 102)

Naquela altura dos acontecimentos a colônia alemã expandia-se num ritmo acelerado entre 30 a 50 quilômetros ao norte de Porto Alegre. Católicos e protestantes viviam misturados numa proporção que favorecia levemente os últimos. Acontece que os protestantes dispunham, desde muito cedo de pregadores, embora não ordenados, escolhidos dentre os membros das comunidades, suprindo de alguma forma  as necessidades espirituais dos fieis. Entre os alemães católicos a situação era bem mais difícil, para não dizer critica. Também eles viviam em comunidades organizadas, costumavam reunir-se aos domingos e dias santos para a oração e os cantos em comum, emprestar-se apoio mutuo e ouvir comentários sobre textos da Sagrada Escritura, feitos por alguém um pouco mais instruído, credenciado por eles. Careciam, porém, daquilo que para um católico era fundamental e sem o qual o esforço de qualquer boa vontade, terminaria  a médio e curto prazo, em desorientação doutrinária, no relaxamento da disciplina religiosa, na dissolução dos costumes e na perda da própria identidade. Tornara-se pois, urgente providenciar por uma assistência religiosa prestada pela presença regular de sacerdotes. A ausência de uma assistência nesses moldes durante quase 20 anos, levara muitos aos limites perigosos da indiferença religiosa, da troca do catolicismo pelo protestantismo, do abandono das orientações morais da Igreja. A religiosidade contudo, embora precária, dormitava debaixo das cinzas, falando apenas a ocasião para irromper com todo o vigor. E esse momento se concretizou quando em 1844 os padres Sadó e Coris aceitaram o convite para pregar uma missão em São Leopoldo, sede da Colônia Alemã. A missão começou com uma procissão pelas ruas da cidade. Um relato da época descreveu assim o acontecimento.

Todos participaram em tamanha ordem e edificação, como não tinham sido observados em nenhuma missão anterior. O espetáculo em que católicos caminhavam em grande número em parte misturados com não poucos protestantes que, longe de ofender  e ridicularizar, participaram com o maior respeito, constituiu-se  num triunfo da religião. Chegaram ao ponto de não poucos deles, entre eles o pastor e o chefe militar protestantes, participarem do culto divino, persignarem-se como se fossem católicos, rezarem e acompanharem a cerimônia em tudo.
Um registro todo especial merece a devoção e piedade dos colonos alemães. Deslocavam-se diariamente das suas picadas, às vezes por quatro ou cinco horas, a pé, pessoas isoladas ou em grupos, percorrendo caminhos acidentados, rezando e cantando para marcar presença nos sermões e instruções, dos quais a grande maioria não entendia nada. (Schupp, 2004, p. 103-104)

As missões pregadas pelos padres Sató e Coris em Pelotas, Porto Alegre e, por fim, em São Leopoldo, revestiram-se de um significado bem mais profundo e bem mais duradouro do que poderia parecer à primeira vista. Pensando bem, se a expulsão dos jesuítas da Argentina pelo ditador Rosas, privou aquele pais duma poderosa força renovadora e restauradora no plano religioso, esta foi transferida para o sul do Brasil. Com as missões pregadas por esses jesuítas deu-se início a história de um florescimento religioso que tornaria o sul do Brasil exemplo para toda a América Latina. As sementes plantadas  entre 1842 e 1844, caíram em solo fértil, germinaram e deram frutos em abundância. A velha igreja de tradição lusa, desgarrada em parte da doutrina e disciplina oficial, submissa aos ditames e aos caprichos das autoridades civis sob o regime do padroado, começava a ser superada, por um catolicismo no caminho de retorno à doutrina e disciplina do Concílio de Trento, sob o comando do romano Pontífice. Em outras palavras. O projeto da Restauração Católica começava a dar os primeiros passos no sul do Brasil. Por isso chega a configurar até certo ponto um equívoco quando se relaciona a visita dos jesuítas espanhóis, exclusivamente à penúria religiosa dos imigrantes alemães. Tanto assim que suas primeiras atividades missionárias tiveram como palco Pelotas e Porto Alegre, duas cidades de predominância lusa e açoriana absoluta. Somente um ano depois pregaram uma missão em São Leopoldo, onde vivia também um número respeitável  de lusos. A incursão apostólica nas comunidades inteiramente alemãs no interior, aconteceu apenas em 1844. O que, portanto, importava era o despertar religioso de todos os católicos, independente da sua origem étnica, para o catolicismo romanizado que tomava impulso no mundo inteiro. Esse mesmo objetivo iria pautar a atividade pastoral dos jesuítas alemães que chegaram ao sul do Brasil a partir de 1849.

No ano seguinte, 1845, os mesmos padres Sató e Coris retomaram as missões, desta vez na colônia alemã propriamente dita. Pregaram sucessivamente em Bom Jardim, São José do Hortêncio e Dois Irmãos. Apesar de não entenderem nada do que os missionários falavam nos sermões, a atenção dos colonos foi total como que intuindo o que lhes era dito. O mais importante foi certamente a ocasião que se lhes oferecia para porem em dia  as suas consciências pela confissão, apesar das dificuldades da língua, participarem da eucaristia e regularizarem batismos e matrimônios. O que deixou uma impressão toda especial foram as solenidades das primeiras comunhões. O Pe. Schupp registrou o fato na sua já citada obra.

Duas coisas  impressionaram de modo especial, o piedoso canto dos alemães, amantes do canto e as solenidades da primeira comunhão, incluindo todas as cerimônias que ainda hoje costumam acompanhar o espírito piedoso na terra natal. (Schupp, 2.004, p. 140)

A passagem dos padres Sató e Coris pelas colônias alemãs do Rio Grande do Sul, além de por em dia  a vida sacramental dos colonos,  teve uma outra conseqüência não menos importante.  Já que a curto prazo não havia  uma perspectiva concreta para uma assistência pastoral permanente por parte de sacerdotes que dominavam a língua alemã, os padres espanhóis lançaram mão de outros meios para amenizar de alguma forma a situação. O primeiro deles consistiu em fornecer livros edificantes e instrutivos para, de alguma forma suprir a ausência de catequeses, prédicas, instruções religiosas, ou simplesmente satisfazer a sede de boas leituras. A idéia foi apresentada ao Pe. Roothan, geral da Ordem. Ele a julgou pertinente e encarregou o P. Beckx para concretiza-la. Não demorou e foi descarregada em Porto Alegre uma enorme caixa com livros. O Pe. Sató em pessoa encarregou-se  de leva-los até a colônia onde a distribuição ficou ao encargo dos fabriqueiros. Como consta em relatos esses livros foram mais tarde passados de geração em geração, como preciosos objetos de herança. 

A segunda solicitação encaminhada aos superiores da Ordem, tinha como objetivo resolver a longo prazo a questão da assistência pastoral entre os imigrantes alemães. Sem uma solução definitiva dessa questão, desenhava-se no horizonte a perspectiva de um arrefecimento religioso fatal, especialmente entre as gerações nascidas no Brasil, ou a passagem em massa para o protestantismo que, na época, já contava com uma assistência religiosa regular, embora deixasse muito a desejar.

A iniciativa de recorrer aos superiores da Ordem, partiu novamente dos missionários espanhóis. O Pe. Morey, superior da província espanhola, encaminhou uma petição neste sentido ao Geral. O pedido encontrou pronta simpatia por parte do Pe. Roothan.

A Escola comunitária Teuto-Brasileira


Com a intenção de colaborar com o grave problema da educação no País, o autor pesquisando a documentação referente à imigração alemã no sul do Brasil, encontrou farto material sobre a Escola Comunitária. Como se trata de uma escola criada pela comunidade local, por ela amparada, financiada e garantida, parece válido apresentá-la como um modelo pertinente para sua época. Mais ainda, a ideia de escola comunitária, em moldes semelhantes, porém inserida na conjuntura de hoje, talvez possa contribuir para a solução do problema educacional e, quem sabe, de problemas de outra natureza.

Não se pretende, portanto, restringir o trabalho ao mero apanhado histórico. Pretende-se mostrar aos interessados como a escola nas comunidades Teuto-brasileiras representou o foco polarizador de todas as atividades comunitárias e não apenas a educação formal. A escola não foi mais uma repartição municipal ou estadual, oferecida pela generosidade das autoridades locais ou regionais. Foi uma instituição criada e ciosamente defendida pelas comunidades coloniais. Quem mexesse nela intrometia-se no próprio santuário no qual se guardavam e perpetuavam os valores culturais cultivados por séculos. São quatro os conteúdos referência do texto que segue em dois volumes: A História dessa escola, sua Natureza didático pedagógica, a Associação dos professores e a Formação dos professores. 

Por razões práticas escolhi como foco a Escola Comunitária Católica, fazendo referências à Escola Comunitária Protestante em momentos que se fizer oportuno. As restrições são meramente práticas e nada tem a ver com as divergência doutrinárias e ou disciplinares. Muito pelo contrário, as Escolas de ambas as confissões tiveram as mesmas características e em comum cumpriram a mesma função essencial. As fontes e documentos consultados e analisados encontram-se basicamente no Instituto Anchietano de Pesquisas e no Memorial Jesuíta na biblioteca central da Unisinos. Destaco os mais importantes: “Lehrerzeitung”, “Deutsches Volksblatt”, “Familienfreund Kalender”, “Sankt Paulusblatt” e não poucas informações avulsas. O texto foi enriquecido também com entrevistas de  antigos professores aina vivos na época.

A justiça manda registrar o meu agradecimento ao diretor do Instituto Anchietano de Pesquisas, Pe. Pedro I. Schmitz, que franqueou o acesso às fontes e documentos aí guardados. Agradeço também e modo especial ao Pe. Arthur Rabuske (in memoriam), pelas suas valiosas sugestões e informações sobre documentos e fontes. Espero contribuir com o presente trabalho no sentido de mostrar como a Escola Comunitária salvou da decadência cultural e religiosa as comunidades coloniais durante mais de um século (1835-1938) e, ao mesmo tempo, quem sabe,  contribuir enfrentar os desafios pelos quais a educação no País tenta superar neste começo do terceiro milênio.




Bicentenário da Imigração - 45

Os Jesuítas e a Imigração alemã

Introdução
Desde o seu descobrimento a América Latina tornara-se o cenário em que os jesuítas, mais do que os membros de qualquer outra ordem religiosa, implantaram projetos de cristianização e de promoção humana. Universalmente famosa  e conhecida por todos foi a obra por eles edificada durante os séculos XVI, XVII e XVIII, tanto nas colônias espanholas quanto nas portuguesas. Podem ser encontrados no Chile liderando iniciativas no ensino, na instalação de oficinas, tipografias, artesanatos diversos, além de se dedicarem à catequese dos nativos e dos filhos dos espanhóis. Estão presentes no Chaco argentino na Província de Entre Rios e, principalmente, nas missões localizadas nos atuais territórios do Norte da Argentina, sul do Paraguai e sul do Brasil. Desde 1549 os jesuítas  tornaram-se presença obrigatória no Brasil, empenhados de modo especial na catequese dos índios e na abertura de colégios para os filhos e descendentes de portugueses.

Depois da expulsão das colônias latino americanas e mais ainda depois da supressão da Ordem, suas obras foram entregues ao arbítrio e cobiça, aos interesses escusos, à hostilidade contra a Igreja e às investidas do iluminismo e demais correntes inovadoras do pensamento, que tomaram conta dos regimes europeus e por tabela  também das colônias na América Latina. Relatos chegados até nós, correspondências, obras de inestimável valor histórico, etnográfico e antropológico, alem das imponentes ruínas  de templos, as reduções e aldeamentos, testemunham ainda hoje, 350 anos depois, o que foi a obra começada pelos jesuítas de então. Por meio delas é possível avaliar, de alguma forma, o tamanho dessa obra e  intuir o espírito, a dinâmica e a lógica que a orientou. 

Restaurada a Ordem em 1914, em poucos anos os discípulos de Santo Inácio, como que emergindo revigorados de um “retiro” compulsório de 40 anos, retornaram aos antigos cenários apostólicos, para dar continuidade à obra interrompida. Voltaram aos colégios, reassumiram as missões populares, recomeçaram a conquista para a Igreja dos povos  autóctones em todos os continentes e acompanharam pelo mundo afora, os emigrantes europeus em busca de novas pátrias. Foi em meio a essa dinâmica  que em 1842 chegaram ao sul do Brasil os primeiros jesuítas da Ordem restaurada. Sua missão voltava-se agora, não para a catequese dos índios, mas oferecer assistência pastoral aos núcleos de povoamento em formação, cuidar da educação religiosa e profana e dar andamento a ambiciosos projetos de promoção humana. 

O cenário físico e humano no sul do Brasil

No começo do século XIX. 
A denominação Sul do Brasil não coincide aqui com a atual divisão do Pais em regiões. Refere-se apenas ao estado do Rio grande do Sul. Trata-se de uma área de 283000 quilômetros quadrados que, durante o Império, correspondia  à Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e, com a proclamação da República e 1889, como estado do Rio Grande do Sul. Em 1842, ano em que os primeiros jesuítas  após a restauração da Ordem, pisaram o solo da Província de São Pedro, as condições físico-geográficas, sociais, políticas, econômicas e religiosas, podem ser resumidas, em linhas gerais, da seguinte forma. 

Durante a década de 1820, após inúmeras escaramuças e uma verdadeira guerra, conhecida como a guerra  Cisplatina, terminou por ser fixado o traçado definitivo  das fronteiras entre as repúblicas da Argentina e principalmente do Uruguai e o Império do Brasil. No centro sul da Província predominavam as enormes extensões de campos naturais, a Campanha, ocupada por fazendeiros, donos de enormes estâncias, nas quais criavam rebanhos de gado, que lhes rendiam riquezas apreciáveis com a comercialização do charque e dos couros. Também o norte e o nordeste da Província, exibia as mesmas características com campos naturais a perder de vista,  por sobre o planalto numa altitude media entre 800 a 900 metros, ocupado também por estâncias de criação de gado, rendendo prosperidade aos donos. 

Entre as duas áreas de campos naturais localizavam-se  as bacias medias e superiores dos rios que descem das encostas da assim chamada Serra, cobertas de florestas virgens praticamente intocadas. Formavam uma continuidade ininterrupta desde leste da Província até a parte central e de lá tomavam a direção norte e noroeste, cobrindo as regiões da Serra, Missões e Alto Uruguai. 

As estâncias de criação de gado encontravam-se nas mãos de luso-brasileiros, e imigrantes açorianos e seus descendentes. Entre os peões de suas estâncias predominava o elemento mestiço, batizado genericamente como gaúcho. À margem das estâncias encontramos um tipo humano etnicamente heterogêneo, remanescente das contínuas campanhas militares, caçadores de escravos indígenas, aventureiros, foragidos da justiça, descendentes dos índios das reduções jesuíticas e seus mestiços com outras procedências ainda hoje conhecidos como “missioneiros”. Reunidos em pequenas tribos os sobreviventes dos povos indígenas, conhecidos como caingangues e guaranis, sobreviviam primitivamente, no recesso da mata virgem. 

Como já lembramos mais acima foi na Província de São Pedro, especificamente na porção coberta por florestas pluviais e portadora de solos de alta fertilidade que, na transição  do Reino Unido a Portugal e a Independência do Brasil, começou a ser testado um novo modelo de desenvolvimento econômico e social. Até então os únicos modelos de desenvolvimento no Brasil contemplado iniciativas de grande envergadura. Prosperaram então os ciclos do algodão, da cana do café e do gado, este último na Província de São Pedro. As grandes áreas florestais, sem indícios maiores de riquezas  naturais como ouro, prata, cobre, pedras preciosas, ... permaneciam à margem do desenvolvimento econômico regional e nacional. Apesar de, na maioria dos casos, terem sido possessões legítimas de pessoas físicas ou do governo, na realidade não passavam de terras de ninguém e corriam o risco de serem simplesmente ocupadas, despojadas das suas reservas de madeira e seus solos depredados. Tornara-se inadiável ocupá-las planejada e racionalmente e torná-las produtivas. A opção foi por um modelo até então inédito no Pais: o assentamento de agricultores em pequenas propriedades entre 25 e 70 hectares, em regime de empreendimentos familiares, dedicados à policultura de  subsistência em primeiro lugar e à geração de excedentes destinados ao abastecimento local e regional. Com essa estratégia pretendiam-se alcançar ao mesmo tempo vários objetivos: povoar de vez essas terras, estimular o surgimento de uma classe média rural de bom nível, produzir alimentos como feijão, arroz, farinha de mandioca, batata, trigo, etc. para, além de alimentar a família, abastecer as cidades, as tropas e, quem sabe, exportá-los para os outros estados. Ao mesmo tempo favorecia-se a atividade de artesãos, complementar à agricultura e, quem sabe, para servirem de gérmen para o futuro surgimento de indústrias.

A primeira experiência neste sentido já fora feita durante a segunda metade do século XVIII, com colonos vindos dos Açores. Como essas ilhas não dispunham de excedentes em número suficiente para povoar todas as terras disponíveis no sul do Brasil, a saída foi recorrer a outras fontes de imigração. A preferência recaiu sobre alemães e italianos, pelo menos na primeira etapa. Os motivos para essa preferência estão ligadas a motivos diversos, entre os quais podem ser citados: a tradição várias vezes milenar desses povos na dedicação à agricultura familiar em pequenas glebas, o fato de alemães e italianos nunca se terem envolvido em tentativas de ocupação de partes do Brasil como aconteceu como os franceses, ingleses e holandeses, o fato de o príncipe herdeiro D. Pedro ser casado com a princesa austríaca D. Leopoldina de Habsburgo e outras razões mais.

A primeira leva de imigrantes alemães desembarcou em São Leopoldo no dia 25  de julho de 1824 e estabeleceu-se na Real Feitoria do Linho cânhamo, local escolhido como ponto de irradiação do novo projeto colonizador. Seguiram-se levas e mais levas de novos imigrantes até que o fluxo foi interrompido por 10 anos, o tempo que durou a Guerra dos Farrapos (1835-1845). A imigração foi retomada com vigor redobrado  a partir de 1848. Os imigrantes alemães que chegavam  distribuíam-se numa proporção de 46% de católicos para 54% de protestantes. Os núcleos coloniais que se  multiplicavam rapidamente, na maioria dos casos, não adotaram qualquer tipo de providência para separar  os povoadores por confissão religiosa. Essa situação iria contribuir mais tarde para uma série dificuldades no exercício da cura de almas, de modo especial entre os católicos, devido à proibição canônica dos casamentos mistos e a não admissão de padrinhos protestantes para os batizados católicos. Aliás os católicos ficaram sem qualquer tipo de assistência religiosa por parte de sacerdotes, até o ano de 1843 e, somente a partir de 1849, puderam contar com a presença regular de sacerdotes de língua alemã. 

Nos 25 primeiros anos preservaram, da melhor forma possível, ao menos o essencial da sua fé e religiosidade. Para tanto recorreram às orações e ensinamentos em família e às devoções coletivas aos domingos em encontros dedicados à  oração. O Pe. Ambros Schupp, registrou a situação ao escrever em seu livro: Os Jesuítas alemães no Rio Grande do Sul (Brasil).

Certamente não foi um sacrifício pequeno para o espírito profundamente religioso dos colonos alemães, ao se verem, assim de uma hora para a outra, erradicados de seu ambiente natal acalentado pelo espírito da fé. Aqui na mata virgem não soava nenhum sino chamando-os para a igreja, nenhum órgão dispondo-os para a devoção, nada  em seu derredor que lembrasse as belas festas da terra natal. Aproximava-se o natal e o sol queimava e a natureza exibia seu esplendor festivo. Nenhum vestígio da neve e das flores da neve na janela, tão características do natal na Alemanha. Aproximava-se a Páscoa com o campo e a floresta ostentando a sua exuberância e esplendor. Entretanto na colônia era outono e o inverno se aproximava. Passavam, umas depois das outras, as belas festas de Nossa Senhora e, se não fosse a voz interior, nem sequer seriam lembradas. (Schupp, 2004)

A situação começaria a mudar para melhor a partir de 1842

Bicentenário da Imigração - 44

Entretanto encontrou-se uma outra forma capaz de arregimentar os católicos em torno do seu Projeto de Restauração: os congressos dos católicos – os “Katholikentage ou Kathollikenversammlungen”, como ficariam conhecidos. O primeiro deles teve lugar em 1898 em Harmonia, no interior de Montenegro. Esses eventos  tiveram seqüência regular a cada ano ou a cada dois anos até 1940. Serviram de fórum em que os católicos analisavam sua situação econômica, social, política, educacional e principalmente religiosa. Procuravam identificar os problemas, discutiam soluções  e propunham meios e estratégias. Já no congresso  de 1898 nasceu a Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul. A ela foi foi confiado o encargo de coordenar o projeto educacional das escolas comunitárias. No congresso de 1899 foi fundada a Associação Riograndense de Agricultores, iniciativa do Pe. Theodor Amstad e de um grupo de lideres leigos. Tratava-se, na verdade de um ambicioso projeto de promoção humana, alinhado com a proposta da Restauração Católica em pleno andamento. A Associação tinha como objetivos vigiar e administrar o sistema escolar  e  proposta educacional posta em prática nas comunidades coloniais; coordenar  a política de abertura de novas fronteiras de colonização; organizar as atividades econômicas nas bases da cooperação e solidariedade comunitária, incentivando as cooperativas de crédito, de produção de comercialização e de consumo; desenvolver mecanismos iniciativas de assistência  e seguridade social; zelar pela pureza da doutrina religiosa. O notável nessa organização foi o fato de ter sido confiada inteiramente às lideranças leigas, entre as quais eram eleitas as diretorias central, municipal e local. Os párocos e demais religiosos comprometidos com o Projeto não participavam nem na condição de assistentes eclesiásticos. Sua influência sem dúvida decisiva, emanava  do fato de que a investidura  que haviam recebido, fazia com que a influência se efetivasse, não a nível administrativo, mas no plano do propósito maior da catolicidade romana.

Em 1912, a Sociedade União Popular tomou o lugar da Associação Riograndense de Agricultores. Estritamente confessional engajou-se ainda mais no Projeto da Restauração Católica. Como tal o foco dos seus interesses e  o objeto  das suas preocupações foram os mesmos dos da Associação Riograndense de Agricultores que a precedeu e foi a inspiradora da sua criação. Nos congressos convocados de dois em dois anos pela Sociedade União Popular, aprofundaram-se e ampliaram-se em muito as questões de interesse básico como a escola, a educação, a economia, a organização comunitária, o solidarismo, projetos de novas fronteiras de colonização, assistência social, cuidado para com a saúde, a velhice, a organização paroquial, a prática da religião,  a vida sacramental, o respeito e a obediência  irrestrita às orientações da Igreja, a observância da disciplina católica. 

Os resultados do esforço das duas grandes organizações: a Associação Riograndense de  Agricultores e a Sociedade União Popular, tornaram-se cada vez mais visíveis no decorrer das décadas de 1920 e 1930. Ao começar a Segunda Guerra Mundial, o Projeto da Restauração Católica atingira o seu ponto mais alto, isto é, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná e, em grande parte do restante do Pais, predominava um catolicismo calcado nos princípios teológicos, nos dogmas, na moral e na disciplina,  afinados com Roma. A tal ponto isso é verdade que se podia falar  não em Igreja “ultramontana”, mas em Igreja “ultra mare”, “ultra oceânica”. 

O Projeto da Restauração Católica contou com outro fator de grande importância: A imprensa católica. Aqui não é a ocasião nem o lugar para uma exposição sobre toda a imprensa católica no Estado, muito menos entrar em detalhes. Limitar-nos-emos às três publicações mais importantes. 

Em 1871 os jesuítas fundaram em São Leopoldo o jornal “Deutsches Volksblatt”. Foi composto e publicado naquela cidade até 1890. Transferido para Porto Alegre e, depois de passar pelas mãos de vários jornalistas, foi parar em poder do jornalista  Hugo Metzler. Com o seu falecimento  foi assumido pelo filho Franz Metzler que o editou até o seu fechamento na Campanha de Nacionalização em 1939. O jornal passou a ser o veículo de formação e informação mais importante e permanente do universo católico nos quase sessenta anos em que foi editado. Decididamente engajado  no Projeto da Restauração registrou em suas páginas tudo que pudesse interessar aos católicos teutos que o liam regularmente. Oferecia matérias de fundo principalmente no suplemento dominical “Sonntagsstimmen”, visando a formação humana e religiosa dos leitores. O “Deutsches Volksblatt” representa uma fonte indispensável para quem quiser entender a Restauração Católica  no sul do Brasil.

Entre 1900 e 1940 circulou a “Lehrerzeitung”, uma publicação mensal destinada aos professores das comunidades católicas. Sua linha editorial manteve-se  igualmente fiel ao Projeto da Restauração, tendo como alvo a formação, a informação e a orientação dos professores da rede comunitária. É difícil avaliar a importância  desse jornalzinho de apenas dezesseis páginas pois, destinava-se ao professor paroquial a quem como responsável pela educação, cabia introduzir as novas gerações no espírito da Restauração. Pelo fato de em suas mãos se concentrar a responsabilidade de alfabetizar, de catequizar e, principalmente, de formar e educar as crianças afinadas com a visão religiosa das comunidades, pelo fato de, além disso, ser o braço direito e muitas vezes o substituto dos párocos, pelo fato ainda de o professor exercer  a função de líder, conselheiro e modelo de virtudes  nas comunidades, fizeram do professor  o referencial de como deveria ser e deveria agir o cristão da Igreja Restaurada. 

Um jornalzinho menos conhecido e de duração mais curta foi o “Bauernfreund”, que circulou de 1900 a 1914. Como os anteriores  foi um veículo de formação e informação a serviço da Associação Riograndense de Agricultores. Em suas páginas ficaram registrados os objetivos, os projetos, as preocupações e as realizações dessa importante organização. 

Em 1912 foi criada a Sociedade União Popular. No mesmo ano começou a circular o “Skt. Paulusblatt”. Nas suas edições mensais essa revista assumiu o papel de porta-voz mais importante da nova Sociedade e do seu papel na Restauração. As matérias nela publicadas  podem ser novamente classificadas como de formação e informação. Sua linha editorial deixa claro desde o primeiro número a que veio: a defesa ostensiva do catolicismo teuto. O “Skt. Paulusblatt”. Com a circulação interrompida em 1939 ressurgiu em 1948 e, até 1960 continuou  serviço da Restauração Católica. É publicado ainda hoje como um dos raros periódicos em língua alemã no Brasil, mas, como é compreensível, seguindo uma linha editorial ajustada às circunstâncias do mundo e da Igreja de hoje.

No mesmo ano de 1912 entrou em circulação o almanaque anual “Der Familienfreund”. Como o “Skt Paulusblatt”, informava sobre os acontecimentos mais diversos, sempre numa perspectiva católica abordando  matérias  destinadas à formação do homem, da mulher, da juventude e da infância, em sintonia com os propósitos da Igreja. Além das publicações regulares circularam muitas outras avulsas, na sua maioria perseguindo o mesmo objetivo.

O último e o mais importante dos elementos que contribuíram para o êxito do Projeto da Restauração Católica foi a formação do clero tanto secular quanto regular. Nessa tarefa coube aos padres jesuítas uma responsabilidade toda especial. Ao assumir a arquidiocese de Porto Alegre em 1912, D. João Becker confiou a eles a formação do seu clero. No ano seguinte o seminário diocesano foi ocupar os prédios do antigo Colégio Nossa Senhora da Conceição em São Leopoldo, chamando-se daí para frente  Seminário Central de São Leopoldo. Até o final da década de 1930 funcionou aí também o Seminário Menor. Transferido para novos prédios e instalações em Gravataí, continuou contudo sendo dirigido pelos padres jesuítas. O seminário maior, filosofia e teologia, permaneceu em São Leopoldo. A ele afluíram além dos  seminaristas da arquidiocese, também os das demais dioceses do Rio Grande do Sul, de dioceses de Santa Catarina, do Paraná e de outros estados. Algumas congregações  religiosas mandavam seus futuros sacerdotes também para  o Seminário Central. O Seminário permaneceu em São Leopoldo até 1956, quando foi transferido para Viamão e confiado ao clero diocesano. 

Nos quarenta e três anos em que ditaram a orientação para a formação do clero, os jesuítas destinaram sempre os melhores quadros em filosofia, teologia, ascética, moral, direito canônico, para a formação dos seminaristas. E o resultado não podia ter sido outro: um clero inteiramente alinhado com o Projeto da Restauração Católica. De suas fileiras saíram dezenas de párocos e seus auxiliares, que em poucos anos ocuparam todas as paróquias do Rio Grande do Sul e parte das de Santa Catarina. Praticamente uma geração inteira de bispos tinham sido alunos do Seminário Central. Por suas dependências passou uma dezena de bispos de dioceses de outros estados, inclusive o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro D. Jaime de Barros Câmara. 

Nesse cenário não se podem esquecer outros seminários menores como o de Cerro Largo e Santa Maria, também sob a responsabilidade dos jesuítas. 

A dinâmica da formação do clero diocesano foi acompanhada no mesmo ritmo e com a mesma seriedade  e empenho, na formação do clero regular em uma dezena de instituições mantidas pelas respectivas  ordens e congregações clericais como franciscanos, capuchinhos, jesuítas, redentoristas, palotinos, salesianos, etc. 

É preciso lembrar ainda que as congregações não clericais, como maristas e lassalistas e as muitas congregações religiosas femininas eram eficientes laboratórios em que se formavam, testavam e habilitavam os futuros agentes responsáveis pela edificação da Igreja Restaurada. 

Conclusões 
Uma conclusão geral que se pode tirar, considerando o grande conjunto de meios postos em prática pelas lideranças católicas e pelo povo em geral, para atingir o seu objetivo e devolver à Igreja a autonomia em relação ao Estado, a pureza da doutrina, a observância da disciplina religiosa e a vida sacramental foi, na verdade, um gigantesco Programa de Restauração Católica. 

Como segunda conclusão pode-se afirmar que os esforços empenhados pelas autoridades eclesiásticas, pelo clero, pelos religiosos e pelo povo católico em geral, foram amplamente recompensados. Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, a Restauração havia triunfado em quase tudo o que se propusera. Roma e o Romano Pontífice significavam a última instância em temos de doutrina e disciplina eclesiástica. O clero secularizado e a serviço de interesses profanos e levando uma vida pouco recomendável, cedera lugar a um clero teologicamente bem formado e disciplinarmente comprometido, uma prática religiosa voltada para a participação nos    sacramentos, uma religiosidade calcada nas verdades da fé tomara o lugar dos rituais sem consistência doutrinária, folclóricos e até francamente profanos.

Enfim uma nova Igreja tomara o lugar da velha Igreja do Padroado, uma Igreja que ocupava o seu lugar de destaque na sociedade brasileira, respeitando o Estado mas não lhe devendo favores muito menos fazendo concessões; uma Igreja livre, autônoma, fiel aos princípios doutrinários emanados de Roma; uma Igreja disciplinada, fazendo jus ao adjetivo de militante; uma Igreja que considerava este mundo como uma passagem, um período de provação; uma Igreja que preparava os fiéis para torná-los dignos de fazer um dia parte da Igreja Triunfante.

Associativismo - Cooperativismo


A partir de 25 de julho de 1824, começaram a fixar-se no sul do Brasil os imigrantes de origem germânica. Vieram estimulados  pela política imperial da ocupação rápida das grandes áreas vazias dos estados do sul, cobertas de densas  florestas pluviais, situadas na bacia do Guaíba, da região da Serra, Missões, Alto Uruguai, oeste de Santa Catarina e Paraná. Nessas áreas proliferaram as pequenas propriedades de menos de 100 hectares dedicadas, em primeiro lugar, para a subsistência familiar, características de uma colonização de povoamento.. A dinâmica dessa colonização consistia essencialmente na formação de comunidades rurais de pequenos proprietários. Nos primeiros anos de sua presença no sul do Brasil os imigrantes enfrentaram uma série de dificuldades inerentes, de um lado, à sua identidade étnica e cultural e, do outro, às características geográficas e condições sócio culturais.

Procedentes da Europa Central e do Norte, vinham a ser descendentes dos diversos povos germânicos. Culturalmente  eram herdeiros e portadores da cultura  que emergira, pelo menos em linhas gerais, do contexto sócio cultural e geográfico da “Ordem Alemã”. O termo significa, antes de mais nada, a unidade histórico cultural dos povos que atualmente se localizam na Alemanha, nas repúblicas do Báltico, na Áustria, Suíça e, em parte na Polônia, República Tcheca, Alsácia, Lorena, Luxemburgo e arredores.

Considerados sob esse ângulo, os imigrantes alemães inseriram-se no contexto brasileiro como um componente inteiramente estranho, enfrentando as dificuldades inevitáveis originadas pelo convívio com os demais segmentos étnicos e culturais aqui encontrados. Todos esses fatores somados resultaram nas primeiras décadas num relativo isolamento. Enfrentaram as muitas e grandes dificuldades pondo em marcha uma série de iniciativas e estratégias para garantir a sobrevivência física e, principalmente, a cultural. Organizaram-se em comunidades, construíram igrejas, criaram escolas comunitárias, desenvolveram o comércio, os artesanatos e por aí vai. Simultaneamente os imigrantes criaram  iniciativas ricas e diversificadas direcionadas a atividades associativas. O proverbial instinto de os alemães e seus descendentes se associarem para as mais diversas modalidades de lazer, exporte, cultura e outras deu  origem, a partir da década de 1850, a centenas de clubes, associações, sociedades. Nelas as pessoas se encontravam para cultivar amizades, boas conversas, promover atividades esportivas, dedicar-se à arte, ao teatro, a iniciativas de assistência, de mútuo amparo, de promoção da saúde e, por fim, para por em andamento organizações amplas de desenvolvimento econômico e promoção humana.

Entre essas últimas a mais abrangente e por isso mesmo a mais ambiciosa foi a Associação Rio-grandense de Agricultores fundada em 1899 em Santa Catarina de Feliz. Com ela foi posto em andamento um autêntico projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana, com base no compromisso solidário, aberto também aos imigrantes italianos, poloneses como também aos luso-brasileiros. Deixando de lado querelas de natureza doutrinária e ou disciplinares, propôs a colaboração com os protestantes e católicos com a finalidade de por em andamento um amplo projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana. No seio dessa organização foram concebidas e postas em funcionamento as primeiras cooperativas de crédito e 1902 em Nova Petrópolis. A elas se somariam com o andar dos anos cooperativas de produção, comercialização e muitas outras modalidades. Na Associação Rio-grandense e Agricultores foi praticada com entusiasmo o espírito e cooperação inter étnica, intercultural e pela primeira vez praticou-se um autêntico ecumenismo.

Resgatar pelo menos em linhas gerais, essa inestimável contribuição  com  que os imigrantes alemães e de outras procedências que colaboraram e colaboram, ainda, na consolidação da identidade dos estados do sul do Brasil, constitui-se num questão de justiça. A fim de colaborar para que, com aproximação do bicentenário. A imigração, ofereço meu livro: “O Associativismo Teuto-Brasileiro e os Primórdios do Cooperativismo no sul do Brasil”, edição da Editora Unisinos.