Bicentenário da Imigração - 44

Entretanto encontrou-se uma outra forma capaz de arregimentar os católicos em torno do seu Projeto de Restauração: os congressos dos católicos – os “Katholikentage ou Kathollikenversammlungen”, como ficariam conhecidos. O primeiro deles teve lugar em 1898 em Harmonia, no interior de Montenegro. Esses eventos  tiveram seqüência regular a cada ano ou a cada dois anos até 1940. Serviram de fórum em que os católicos analisavam sua situação econômica, social, política, educacional e principalmente religiosa. Procuravam identificar os problemas, discutiam soluções  e propunham meios e estratégias. Já no congresso  de 1898 nasceu a Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul. A ela foi foi confiado o encargo de coordenar o projeto educacional das escolas comunitárias. No congresso de 1899 foi fundada a Associação Riograndense de Agricultores, iniciativa do Pe. Theodor Amstad e de um grupo de lideres leigos. Tratava-se, na verdade de um ambicioso projeto de promoção humana, alinhado com a proposta da Restauração Católica em pleno andamento. A Associação tinha como objetivos vigiar e administrar o sistema escolar  e  proposta educacional posta em prática nas comunidades coloniais; coordenar  a política de abertura de novas fronteiras de colonização; organizar as atividades econômicas nas bases da cooperação e solidariedade comunitária, incentivando as cooperativas de crédito, de produção de comercialização e de consumo; desenvolver mecanismos iniciativas de assistência  e seguridade social; zelar pela pureza da doutrina religiosa. O notável nessa organização foi o fato de ter sido confiada inteiramente às lideranças leigas, entre as quais eram eleitas as diretorias central, municipal e local. Os párocos e demais religiosos comprometidos com o Projeto não participavam nem na condição de assistentes eclesiásticos. Sua influência sem dúvida decisiva, emanava  do fato de que a investidura  que haviam recebido, fazia com que a influência se efetivasse, não a nível administrativo, mas no plano do propósito maior da catolicidade romana.

Em 1912, a Sociedade União Popular tomou o lugar da Associação Riograndense de Agricultores. Estritamente confessional engajou-se ainda mais no Projeto da Restauração Católica. Como tal o foco dos seus interesses e  o objeto  das suas preocupações foram os mesmos dos da Associação Riograndense de Agricultores que a precedeu e foi a inspiradora da sua criação. Nos congressos convocados de dois em dois anos pela Sociedade União Popular, aprofundaram-se e ampliaram-se em muito as questões de interesse básico como a escola, a educação, a economia, a organização comunitária, o solidarismo, projetos de novas fronteiras de colonização, assistência social, cuidado para com a saúde, a velhice, a organização paroquial, a prática da religião,  a vida sacramental, o respeito e a obediência  irrestrita às orientações da Igreja, a observância da disciplina católica. 

Os resultados do esforço das duas grandes organizações: a Associação Riograndense de  Agricultores e a Sociedade União Popular, tornaram-se cada vez mais visíveis no decorrer das décadas de 1920 e 1930. Ao começar a Segunda Guerra Mundial, o Projeto da Restauração Católica atingira o seu ponto mais alto, isto é, no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no Paraná e, em grande parte do restante do Pais, predominava um catolicismo calcado nos princípios teológicos, nos dogmas, na moral e na disciplina,  afinados com Roma. A tal ponto isso é verdade que se podia falar  não em Igreja “ultramontana”, mas em Igreja “ultra mare”, “ultra oceânica”. 

O Projeto da Restauração Católica contou com outro fator de grande importância: A imprensa católica. Aqui não é a ocasião nem o lugar para uma exposição sobre toda a imprensa católica no Estado, muito menos entrar em detalhes. Limitar-nos-emos às três publicações mais importantes. 

Em 1871 os jesuítas fundaram em São Leopoldo o jornal “Deutsches Volksblatt”. Foi composto e publicado naquela cidade até 1890. Transferido para Porto Alegre e, depois de passar pelas mãos de vários jornalistas, foi parar em poder do jornalista  Hugo Metzler. Com o seu falecimento  foi assumido pelo filho Franz Metzler que o editou até o seu fechamento na Campanha de Nacionalização em 1939. O jornal passou a ser o veículo de formação e informação mais importante e permanente do universo católico nos quase sessenta anos em que foi editado. Decididamente engajado  no Projeto da Restauração registrou em suas páginas tudo que pudesse interessar aos católicos teutos que o liam regularmente. Oferecia matérias de fundo principalmente no suplemento dominical “Sonntagsstimmen”, visando a formação humana e religiosa dos leitores. O “Deutsches Volksblatt” representa uma fonte indispensável para quem quiser entender a Restauração Católica  no sul do Brasil.

Entre 1900 e 1940 circulou a “Lehrerzeitung”, uma publicação mensal destinada aos professores das comunidades católicas. Sua linha editorial manteve-se  igualmente fiel ao Projeto da Restauração, tendo como alvo a formação, a informação e a orientação dos professores da rede comunitária. É difícil avaliar a importância  desse jornalzinho de apenas dezesseis páginas pois, destinava-se ao professor paroquial a quem como responsável pela educação, cabia introduzir as novas gerações no espírito da Restauração. Pelo fato de em suas mãos se concentrar a responsabilidade de alfabetizar, de catequizar e, principalmente, de formar e educar as crianças afinadas com a visão religiosa das comunidades, pelo fato de, além disso, ser o braço direito e muitas vezes o substituto dos párocos, pelo fato ainda de o professor exercer  a função de líder, conselheiro e modelo de virtudes  nas comunidades, fizeram do professor  o referencial de como deveria ser e deveria agir o cristão da Igreja Restaurada. 

Um jornalzinho menos conhecido e de duração mais curta foi o “Bauernfreund”, que circulou de 1900 a 1914. Como os anteriores  foi um veículo de formação e informação a serviço da Associação Riograndense de Agricultores. Em suas páginas ficaram registrados os objetivos, os projetos, as preocupações e as realizações dessa importante organização. 

Em 1912 foi criada a Sociedade União Popular. No mesmo ano começou a circular o “Skt. Paulusblatt”. Nas suas edições mensais essa revista assumiu o papel de porta-voz mais importante da nova Sociedade e do seu papel na Restauração. As matérias nela publicadas  podem ser novamente classificadas como de formação e informação. Sua linha editorial deixa claro desde o primeiro número a que veio: a defesa ostensiva do catolicismo teuto. O “Skt. Paulusblatt”. Com a circulação interrompida em 1939 ressurgiu em 1948 e, até 1960 continuou  serviço da Restauração Católica. É publicado ainda hoje como um dos raros periódicos em língua alemã no Brasil, mas, como é compreensível, seguindo uma linha editorial ajustada às circunstâncias do mundo e da Igreja de hoje.

No mesmo ano de 1912 entrou em circulação o almanaque anual “Der Familienfreund”. Como o “Skt Paulusblatt”, informava sobre os acontecimentos mais diversos, sempre numa perspectiva católica abordando  matérias  destinadas à formação do homem, da mulher, da juventude e da infância, em sintonia com os propósitos da Igreja. Além das publicações regulares circularam muitas outras avulsas, na sua maioria perseguindo o mesmo objetivo.

O último e o mais importante dos elementos que contribuíram para o êxito do Projeto da Restauração Católica foi a formação do clero tanto secular quanto regular. Nessa tarefa coube aos padres jesuítas uma responsabilidade toda especial. Ao assumir a arquidiocese de Porto Alegre em 1912, D. João Becker confiou a eles a formação do seu clero. No ano seguinte o seminário diocesano foi ocupar os prédios do antigo Colégio Nossa Senhora da Conceição em São Leopoldo, chamando-se daí para frente  Seminário Central de São Leopoldo. Até o final da década de 1930 funcionou aí também o Seminário Menor. Transferido para novos prédios e instalações em Gravataí, continuou contudo sendo dirigido pelos padres jesuítas. O seminário maior, filosofia e teologia, permaneceu em São Leopoldo. A ele afluíram além dos  seminaristas da arquidiocese, também os das demais dioceses do Rio Grande do Sul, de dioceses de Santa Catarina, do Paraná e de outros estados. Algumas congregações  religiosas mandavam seus futuros sacerdotes também para  o Seminário Central. O Seminário permaneceu em São Leopoldo até 1956, quando foi transferido para Viamão e confiado ao clero diocesano. 

Nos quarenta e três anos em que ditaram a orientação para a formação do clero, os jesuítas destinaram sempre os melhores quadros em filosofia, teologia, ascética, moral, direito canônico, para a formação dos seminaristas. E o resultado não podia ter sido outro: um clero inteiramente alinhado com o Projeto da Restauração Católica. De suas fileiras saíram dezenas de párocos e seus auxiliares, que em poucos anos ocuparam todas as paróquias do Rio Grande do Sul e parte das de Santa Catarina. Praticamente uma geração inteira de bispos tinham sido alunos do Seminário Central. Por suas dependências passou uma dezena de bispos de dioceses de outros estados, inclusive o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro D. Jaime de Barros Câmara. 

Nesse cenário não se podem esquecer outros seminários menores como o de Cerro Largo e Santa Maria, também sob a responsabilidade dos jesuítas. 

A dinâmica da formação do clero diocesano foi acompanhada no mesmo ritmo e com a mesma seriedade  e empenho, na formação do clero regular em uma dezena de instituições mantidas pelas respectivas  ordens e congregações clericais como franciscanos, capuchinhos, jesuítas, redentoristas, palotinos, salesianos, etc. 

É preciso lembrar ainda que as congregações não clericais, como maristas e lassalistas e as muitas congregações religiosas femininas eram eficientes laboratórios em que se formavam, testavam e habilitavam os futuros agentes responsáveis pela edificação da Igreja Restaurada. 

Conclusões 
Uma conclusão geral que se pode tirar, considerando o grande conjunto de meios postos em prática pelas lideranças católicas e pelo povo em geral, para atingir o seu objetivo e devolver à Igreja a autonomia em relação ao Estado, a pureza da doutrina, a observância da disciplina religiosa e a vida sacramental foi, na verdade, um gigantesco Programa de Restauração Católica. 

Como segunda conclusão pode-se afirmar que os esforços empenhados pelas autoridades eclesiásticas, pelo clero, pelos religiosos e pelo povo católico em geral, foram amplamente recompensados. Ao eclodir a Segunda Guerra Mundial, a Restauração havia triunfado em quase tudo o que se propusera. Roma e o Romano Pontífice significavam a última instância em temos de doutrina e disciplina eclesiástica. O clero secularizado e a serviço de interesses profanos e levando uma vida pouco recomendável, cedera lugar a um clero teologicamente bem formado e disciplinarmente comprometido, uma prática religiosa voltada para a participação nos    sacramentos, uma religiosidade calcada nas verdades da fé tomara o lugar dos rituais sem consistência doutrinária, folclóricos e até francamente profanos.

Enfim uma nova Igreja tomara o lugar da velha Igreja do Padroado, uma Igreja que ocupava o seu lugar de destaque na sociedade brasileira, respeitando o Estado mas não lhe devendo favores muito menos fazendo concessões; uma Igreja livre, autônoma, fiel aos princípios doutrinários emanados de Roma; uma Igreja disciplinada, fazendo jus ao adjetivo de militante; uma Igreja que considerava este mundo como uma passagem, um período de provação; uma Igreja que preparava os fiéis para torná-los dignos de fazer um dia parte da Igreja Triunfante.

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