Caros amigos e
amigas frequentadores do meu Blog.
Depois de uma
interrupçãoo de mais de meio ano volto com uma nova série de postagens. Elas
têm como objeto um documento histórico publicado no “Deutschess Volksblatt” em
sequência semanal que cobre o período de 15 de dezembro de 1896 e março de
1898. Por se tratar de uma crônica que retra em detalhes a situação da
colonização alemã da épcoa, tendo como referência Bom Jardim, hoje Ivoti,
decidi oferecer ao público sua versão em portugês, com uma apresentação de
contextualização e notas de rodapé, como segue. Pelo seu significado histórico
optei pelo título: “Deitando Raízes”
Apresentação
Entre as muitas
fontes inéditas relacionadas com a imigração alemã no Rio Grande do Sul, figura
"a Crônica de Bom Jardim - Chronik von Bom Jardim" - do Pe. Carl
Schlitz. Trata-se de um extenso e minucioso relato sobre os acontecimentos dos
primeiros 70 anos da colonização alemã de São Leopoldo e arredores, publicado
numa seqüência no jornal "Deutsches Volksblatt", entre 15 de dezembro
de 1896 e 15 de março de 1898. O título original completo foi "Chronik von
Bom Jardim oder kurzgefasste Geschichte der dortigen katholischen Gemeinde - Crônica
de Bom Jardim ou história condensada da comunidade católica local." Na
média aconteceu um seguimento por semana. Como fica claro no título completo, o
foco das atenções do autor veio a ser a comunidade católica de Bom Jardim. É do
conhecimento geral dos historiadores que a comunidade católica de Bom Jardim,
antes Berghanerschneis e hoje Ivoti, foi uma das primeiras a ser organizada no
contexto da imigração alemã para a região. A elevação à categoria de paróquia
aconteceu em 1857. Mais antigas no meio imigratório foram apenas as paróquias de Dois Irmãos em
1849 e de São José do Hortêncio também em 1849, criadas com a chegada dos
primeiros jesuítas alemães, o Pe. Augustin Lipinski e o Joseph Sedlac.
A Crônica de Bom Jardim constitui-se num documento único
e numa fonte preciosa para enriquecer os conhecimentos sobre as primeiras
décadas da imigração alemã no Rio Grande do Sul. O Pe. Carl Schlitz, seu autor,
não foi um amador, nem tão pouco um diletante,
em assuntos históricos. De um lado contava em seu currículo com um
elevado nível de formação superior, inclusive de História e, como ele mesmo
declara no início da Crônica, um amante da História. Do outro lado como pároco
de Bom Jardim da época, vivia em diuturno contato com as questões que
envolveram a comunidade em si e as circunvizinhanças em geral. Embora o seu interesse imediato fosse o bem
estar religioso e espiritual dos paroquianos, o envolvimento nos acontecimentos
políticos, o bem estar material e cultural, refletiam-se necessariamente sobre
a tranqüilidade ou a perturbação do bem estar espiritual. E, como pároco,
gozando da confiança dos paroquianos, tinha acesso fácil às fontes que lhe
forneciam as informações para a Crônica: os informantes orais. Quando o Pe.
Schlitz recolheu os dados no início da década de 1890, um bom número dos
"pioneiros da mata virgem" ainda estavam em condições de transmitir
oralmente suas vivências, suas experiências e suas reminiscências.
Não há dúvida de
que, considerando tanto o autor quanto as fontes orais, o exame do conteúdo
merece algumas precauções.
Primeiro. Quanto ao
autor Pe. Schlitz. No próprio subtítulo ele explicita que se trata de "uma breve história da comunidade
católica." Como é do conhecimento geral as primeiras comunidades de
imigrantes alemães de Dois Irmãos, São José do Hortêncio, Bom Jardim e as
demais, eram confessionalmente mistas, com uma leve predominância dos
protestantes. Compreende-se assim que
uma boa parte da Crônica se ocupe quase que exclusivamente dos católicos. Ao
tratar do desenvolvimento político, revoluções, guerra do Paraguai, progresso
econômico, a distinção confessional praticamente desaparece. Considerando esse
fato encontramo-nos, sob certo aspecto, diante de uma história confessional,
acompanhada de um tal ou qual caráter apologético em pelo menos alguns
capítulos. E, relacionado com isso ou, melhor dito, como pano de fundo, o
projeto da Restauração Católica, [1] consagrado pelo
Concílio Vaticano segundo, encontra-se em plena implantação, também nas
paróquias na área de colonização do Rio Grande do Sul. Como se sabe esse
Projeto de Igreja tinha como parâmetro a ortodoxia, a pureza da Fé e a volta à
disciplina religiosa do Concílio de Trento. O conceito "ecumenismo"
não tinha lugar neste contexto. Regras disciplinares rígidas definidas pelo
Direito Canônico, encarregavam-se de evitar o trânsito livre entre católicos e
protestantes em situações que pudessem facilitar a abertura de brechas na
ortodoxia católica. Citamos duas dessas situações. Os casamentos mistos e o
convite de padrinhos protestantes para batizados de crianças católicas. Essas
duas determinações do Direito Canônico foram uma constante preocupação dos
curas de almas dos católicos. Na condição de leis canônicas positivas não havia
como negociá-las com os protestantes. Tinham que ser aplicadas como o texto
canônico o disciplinava. No caso dos casamentos mistos, se fossem de fato
inevitáveis, havia duas saídas. Ou aconteciam à revelia da lei canônica o que acarretava a expulsão do cônjuge
católico da Igreja, com todos as suas seqüelas; ou o casamento era celebrado no
rito católico com o compromisso da parte protestante de não impedir o cônjuge
católico de praticar a sua religião e batizar e educar os filhos como
católicos. Neste caso a parte protestante abdicava na prática da sua confissão
para as gerações que nasceriam dessa união. Observe-se, porém, que o casamento
misto legitimado pelo rito católico nestas condições, em muitos casos, na
prática, não passava de um formalismo que
não era levado a sério e por isso
resultava na diminuição do espírito religioso e, em casos extremos, na
perda da fé. E, na verdade, se a convivência entre protestantes e católicos no
terreno político, social, econômico e cultural, costumava ser pacífica e até de
mútua colaboração e estímulo, os conflitos davam-se mais no plano da disciplina
canônica do que propriamente a nível de doutrina e fé. Foi para evitar esse tipo de inconvenientes
que, aos poucos, criou corpo a idéia de em novas fronteiras de colonização,
instalarem-se comunidades confessionalmente separadas e identificadas. Os
exemplos mais conhecidos são Bom Princípio e São Salvador, hoje Tupandi. E,
quando mais tarde, no começo do século vinte, as fronteiras avançaram sobre as
matas da região das Missões, Alto Uruguai e Oeste de Santa Catarina, em alguns
casos firmaram-se acordos interconfessionais neste sentido, sobressaindo como
exemplo a colonização de Serro Azul, hoje Cerro Largo e Porto Feliz e Porto
Novo, hoje Mondaí e Itapiranga, respectivamente.
Segundo. A Crônica é
uma história com foco local, inserida numa perspectiva regional, cujas
fronteiras foram, em grandes linhas, os três estados que hoje formam a Região Sul do Brasil: Rio Grande do Sul,
Santa Catarina e Paraná. Essa delimitação espacial justifica-se, tomando em
consideração, com destaque especial para o Rio Grande do Sul, dos seguintes
aspectos.
Em primeiro lugar a
Crônica descreve o modelo de ocupação, de povoamento, de organização
comunitária, econômica e religiosa, que se tornou paradigma para a presença dos
imigrantes alemães e seus descendentes nas décadas que se seguiram. O começo da
colonização protagonizado pelos alemães e seus descendentes em todas as frentes
de colonização, deu-se em áreas de mata virgem. Certamente não era tarefa para
fracos enfrentar a mata virgem do Sul do Brasil. Deste encontro do imigrante
alemão com a mata virgem resultou, sem tardar, um cenário de agricultura
diversificada, sobre lotes coloniais de tamanho médio a pequeno. Em menos de
uma geração as matas quase impenetráveis, cederam lugar a uma paisagem
humanizada. E não apenas a uma paisagem nova humanizada, mas ao surgimento e à
consolidação de um modelo de economia
rural, até então inédito no Brasil. A pequena propriedade familiar, baseada na
policultura no começo visando a subsistência, foi conquistando espaço ao lado
das enormes estâncias criadoras de gado. Na medida em que o processo avançava e
consolidava-se, os povoadores agruparam-se. organizaram-se e formaram
comunidades. Na forma de "picadas" ou "linhas",
movimentavam-se em torno dos seus interesses simbolizados pela igreja, a
escola, o cemitério, a casa de comércio, os artesanatos, os clubes, as
sociedades e associações.
O que a Crônica conta sobre a gênese de Bom Jardim
durante as primeiras décadas, irá repetir-se inúmeras vezes e em muitos lugares nos três estados do Sul.
É um paradigma que, respeitadas as características locais, irá multiplicar-se
nos mais de 180 anos, desde a entrada dos primeiros imigrantes. Foi por isso
que mais acima falamos numa obra com inspiração local, que na verdade termina
como um paradigma na perspectiva no mínimo
regional.
Em segundo lugar. A
Crônica quando refere o envolvimento de Bom Jardim,
de modo especial, na Guerra dos Farrapos, na
Guerra do Paraguai e na Revolução Federalista, torna-se novamente um documento importante para compreender a
história regional. Mais detalhes a respeito serão dados mais abaixo, ao
analisarmos as informações do Pe. Schlitz, referentes a esses acontecimentos e
o envolvimento dos colonos alemães neles.
Em terceiro lugar.
Como a Crônica se ocupa, antes de mais nada, com a comunidade católica de Bom
Jardim, as referências à comunidade protestante são poucas e só de passagem. Em
todo o caso o autor não procura desqualificar os protestantes, muito menos envolver-se
em polêmicas e discussões apologéticas, até compreensíveis na época. Tem-se a
impressão que neste particular ele evita cautelosamente pontos de desencontro e
atrito. Os casamentos mistos e os padrinhos protestantes em batizados de
católicos, inegociáveis para um cura de almas católico, mereceram referências
apenas periféricas. Sabe-se por outras fontes que foram esses os dois pontos
dos maiores e mais dolorosos desencontros entre as duas confissões. Tem-se a
impressão de que, salvo melhor juízo, a Crônica, para não acirrar as
diferenças, não se fixou na metade protestante de Bom Jardim.
[1] O projeto da Restauração Católica consistiu essencialmente na reafirmação das bases doutrinárias
dogmaticas, morais e disciplinares do Concílio de Trento, concentrando toda a
autoridade no papa. Chamado também de projeto ultramontano destinado a fazer
frente ao avanço do “modernismo” com as
suas, de modo especial o cientificismo, o socialismo, os diversos tipos de
igrejas nacionais, a laicização, etc. O Concílio Vaticano I foi momento
culminante pelas iniciativas tomadas e pelos princípios doutrinários impostos a
toda a Igreja. Os jesuítas, por assim dizer, a elite de vanguarda da Igreja
foram os grandes propagadores implantadores desse projeto, onde quer que
exercessem as suas atividades, obviamente também entre os colonos das paróquias
que fundavam e administravam