Jesuítas alemães
Neste meio tempo acontecimentos adversos aos jesuítas na Europa Central vieram em benefício dos colonos alemães no sul do Brasil. A revolução de 1848 fizera seus estragos também na Áustria. Os jesuítas perderam propriedades, tiveram seus colégios fechados e um grande número ficou liberado para qualquer tipo de convocação por parte dos superiores. O Pe. geral da Ordem solicitou então ao superior da província da Galícia que destacasse alguns jesuítas dos seus quadros a fim de envia-los para o Brasil. Este pediu aos interessados que lhe mandassem seus nomes para escolher entre eles aqueles com perfil adequado para a missão. Da lista de voluntários os nomes escolhidos foram: P. Augustin Lipinski, Pe. Johann Sedlac e o irmão leigo Anton Sontag. Os critérios de seleção foram determinados pelo tipo de trabalho a ser desenvolvido. Como primeira condição constava o domínio perfeito da língua alemã, uma saúde física à toda a prova, criatividade, versatilidade, bom trato e um excepcional solidez psicológica e religiosa.
O Pe. Schupp resumiu o perfil de cada um dos escolhidos.
O Pe. Lipinski era um silesiano austríaco nascido em 1809. Possuidor de um caráter enérgico, entrara com 19 anos na Companhia de Jesus. ( ... ) Méritos especiais lhe rendeu o apaziguamento dos colonos da Galícia, sublevados em 1848. Chegou ao Brasil com 40 anos de idade, portanto, em pleno vigor físico.
O Pe. Sedlac nasceu em 1812 na diocese de Budweis na Boêmia. Ordenara-se sacerdote em 1837, para entrar na Companhia de Jesus depois de sete anos de atividade como padre secular.
O irmão Sontag natural da Silésia foi a incarnação do modelo do bom irmão leigo, distinguindo-se além disto, pela inteligência e a grande versatilidade. (Schupp, 2,004, p. 139)
Os três embarcaram no dia primeiro de fevereiro de 1849. Depois de sobreviver a pesadas tempestades no mar do norte e apos uma travessia do Atlântico cheia de perigos, desembarcaram no Rio de Janeiro no dia cinco de maio. De lá seguiram viagem até Rio Grande no navio Imperatriz Tereza. Finalmente pisaram em terra firme na capital da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, no dia 14 de julho de 1849. Os padres espanhóis os receberam com júbilo e, apos alguns dias de descanso, depois da apresentação protocolar ao Presidente da Província, não havia ainda bispo embora a diocese estivesse erigida desde 14 de maio por meio de bula de Pio IX. Com a devida jurisdição em mãos, partiram para Dois Irmãos, ponto de partida para a sua missão definitiva. Chegaram ao destino no dia 14 de agosto sob um céu chuvoso e toldado, depois de passar por caminhos lamacentos e escorregadios, como é comum nesta época do ano.
Este 14 de agosto não foi um dia qualquer para o sul do Brasil. Foi um marco de repercussão histórica de difícil avaliação não só para o futuro dos imigrantes alemães, como para a história das demais vertentes étnicas radicadas na região.
Começa a atividade regular dos Jesuítas
Até aqui nos ocupamos com a presença dos jesuítas no Sul do Brasil após a restauração da Ordem, traçamos um perfil da situação religiosa da região na primeira metade do século XIX. Sob o regime do padroado, vigente então, predominava um tipo de Igreja mais afinada com os ditames dos administradores seculares, com os caprichos das lideranças leigas e, não em último lugar, dos hábitos locais, do que com as ordens e diretrizes emanadas de Roma. A própria organização eclesiástica dificultava em muito a melhoria da situação. A criação das paróquias e capelanias dependia do “placet” da Câmara Provincial, assim como a escolha dos párocos. Na criação e na ereção de uma paróquia decidia simultaneamente a autoridade eclesiástica. A civil, representada pela Câmara dos Deputados, estabelecia os limites de cada paróquia, na maioria dos casos em sintonia com as autoridades eclesiásticas. Em seguida decretava-se a ereção da paróquia.
Com a ereção de uma nova paróquia vinculava-se uma série de direitos e privilégios civis. Nomeava-se um juiz e um escrivão de paz com poder de assinar contratos com validade legal. Esse simples fato evitava que as pessoas tivessem que se deslocar por distancias enormes a fim de legitimar documentos de primeira necessidade. Uma segunda vantagem tinha a ver com o exercício do voto exercido na sede do distrito paroquial. A confirmação eclesiástica de uma ereção civil de paróquia podia ser imediata, levar algum tempo ou simplesmente não acontecer. A instalação tanto civil com canônica de uma paróquia implicava nos emolumentos, subsídios ou “côngruas”, que na época importavam e 200 mil eis ao ano, concedidas ao pároco pelo governo, motivo de constantes atritos, reclamações e desentendimentos. Aos sacerdotes estrangeiros era vedado o recebimento desses subsídios a não ser depois de naturalizados. Essa situação iria mudar radicalmente depois da proclamação da República em 1889, quando todos os sacerdotes, brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros perderam o direito ao apoio financeiro do Estado.
Além disso, até 1848, o sul do Brasil estava sob a jurisdição do bispo do Rio de Janeiro. Os imensos territórios que costumavam abranger as jurisdições paroquiais, somavam-se aos demais problemas como mais um a entravar uma atividade pastoral com as mínimas condições de êxito.
Na data em que os três jesuítas iniciaram a sua atividade na Colônia Alemã de São Leopoldo, a situação da organização eclesiástica no Sul era em resumo esta. Até o ano de 1842 O Rio Grande do Sul fizera parte da diocese do Rio de Janeiro. Em maio daquele ano o papa Pio IX criou a diocese do Rio Grande do Sul. A posse do primeiro bispo ocorreu, porém, somente em 30 de julho de 1853, na pessoa de D. Feliciano José Rodrigues Pimenta. O novo bispo como relatam as fontes, não era nenhum intelectual de renome. Como pároco da cidade de Encruzilhada, no interior da Província, gozava de uma grande estima entre o povo. Ele próprio dedicava-se à agricultura ao ao ser convocado pelo papa para assumir e organizar a nova diocese. O fato de a freguesia de Encruzilhada ser uma exceção para a época com sua extraordinário afluência aos sacramentos, deve ter sido decisivo na escolha do seu pároco para administrar a nova diocese. Ainda mais. Pio IX propusera-se, desde a sua eleição, fazer do seu pontificado um período de renovação da Igreja, por meio de um amplo, profundo e ambicioso projeto de Restauração Católica. E, como o fomento da vida sacramental se constituiu num dos pilares mestres do Projeto, a escolha recaiu sobre um sacerdote que fizera dessa prática a base da sua atividade pastoral, transformando a freguesia sob sua responsabilidade, numa exceção em meio ao contexto religioso da Província.
Na época da criação da diocese do Rio Grande do Sul existiam poucas paróquias na Província. Nos 283000 quilômetros quadrados cada uma delas exercia jurisdição sobre áreas imensas. O território de quase todas elas era maior do que as atuais dioceses no Rio Grande do Sul.
No ano da chegada dos primeiros jesuítas de fala alemã em 1849, a região colonial alemã encontrava-se sob a jurisdição de três paróquias: São José do Hortêncio, desmembrada da paróquia de Sant´Ana em 1848, Dois Irmãos pertencente a São Leopoldo e toda a margem direita do Rio Caí sob a jurisdição de Triunfo.
Ao desembarcarem os padres alemães encontraram o campo de trabalho relativamente organizado. As comunidade dos colonos estavam formadas ou em vias de formação e não poucas já consolidadas em torno das suas capelas, escolas e cemitério. Para entender melhor essa organização comunal faz-se necessário destacar as características dessa organização e a nomenclatura usual nas áreas de colonização alemã.
O conceito talvez mais recorrente nesse contexto foi provavelmente o de “colônia”. Dependo do caso podiam ter vários sentidos. Um deles designa toda área inicialmente colonizada pelos imigrantes alemães e mais tarde também pelos italianos e outras vertentes imigratórias. Num segundo sentido toma-se como referencia os promotores das colonizações. Nesse caso fala-se em “colônias imperiais”, “colônias provinciais”, “colônias estaduais”, “colônias municipais”, “colônias de empresas de colonização”, “colônias de associações”, “colônias particulares”. Um terceiro sentido vinha da composição étnica e ou religiosa dos assentamentos. Fala-se neste caso em “colônias mistas”, colônias religiosa ou etnicamente separadas”. Colônia designava também o lote de terra ou “colônia de terra” em poder de um determinado colono, cujo tamanho, em grandes linhas oscilava entre 25 e 70 hectares. Finalmente era corrente também um sentido atribuído ao termo colônia que nada tem a ver com a posse ou distribuição de terra. Tem a sua origem em comunidades étnicas urbanas: “colônia portuguesa” do Rio de Janeiro, “colônia italiana” de São Paulo, “colônia alemã” de Porto Alegre.
Ocorrem ainda outras designações conforme já lembramos mais acima, que se repetem constantemente e são importantes para a compreensão do entorno geográfico e humano em que os jesuítas desenvolveram a sua atividade pastoral. O mais comum talvez venha a ser o de “picada”. O sentido original designava a trilha aberta na mata virgem pelos agrimensores responsáveis pela delimitação e demarcação dos lotes. Uma vez ocupados os lotes ampliavam-se e melhoravam-se as trilhas transformando-as aos poucos em caminhos e, finalmente, em estradas.
As moradias do colonos acrescidas das diversas benfeitorias, eram instaladas ao longo e próximo às picadas, assumindo uma disposição linear. Daí surgiu um segundo conceito presente em toda a região colonial, “a linha”. Como se vê também esse conceito teve, na sua origem, um sentido geográfico, referindo-se à sucessão de mordias alinhadas ao longo das picadas ou trilhas abertas na mata virgem.
Ao serem colonizadas, a partir de 1880, as regiões virgens no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, um terceiro conceito vai somar-se aos anteriores. “o lajeado” Sua origem remonta aos leitos rochosos e pedregosos dos arroios e rios do planalto. Nessa região eles serviram não poucas vezes como referência para a demarcação dos lotes e a posterior instalação dos colonos. Como nos dois casos anteriores também neste, uma realidade geográfica originou o termo.
Numa localização central, tanto na linha como na picada e o lajeado, costumava construir-se a igreja, capela e a escola, instalava-se o cemitério, a casa de comércio e os artesanatos, enfim, a infra-estrutura básica que permitia o funcionamento da comunidade. Dessa forma o que de início não passava de uma denominação geográfica espacial foi assumindo o significado de unidades comunais, isto é, a picada, a linha e o lajeado, passaram a identificar comunidades; Picada Café, Linha Bonita, Lajeado Grande.