Bicentenário da Imigração - 24

Imigração alemã para o Brasil-
Propaganda e Realidade

Voltamos a Carlos Fouquet com a sua afirmação de que  “história da humanidade é uma história de migrações e suas consequências”. A afirmação é válida para os tempos primitivos, sobre os quais nos informam os registros arqueológicos. Vale também para os poucos milênios sobre os quais dispomos de informações escritas. Vale de maneira especial, para os assim chamados tempos modernos, os últimos cinco séculos, desde 1500, com suas migrações maciças para as Américas, Austrália, Nova Zelândia, sul da África e outras partes do mundo. 

Para o momento  interessa, mais de perto, a emigração procedente da Europa Central e do Norte. Novamente, segundo Fouquet, todos os países da Europa contribuíram para essa migração recente, de longe a mais abrangente. Ela processou-se em  ondas sucessivas com intensidades periódicas maiores ou menores. Ora se tratava de desbravadores, ora de pioneiros como os portugueses, ingleses e russos, ora imigrantes tardios e posteriores, como os alemães, italianos, poloneses e outros. Havia-os também que atuaram como matrizes de novas etnias ou fundadores de novos estados como Portugal, Espanha, Inglaterra e Rússia. Havia também os países que,  por sua vez, apenas forneciam  contingentes humanos. Foi o caso principalmente da Alemanha, Itália, Polônia, Áustria, Suíça e outros da Europa Central e do Norte.

Quando se fala e emigração-imigração, emigrantes-imigrantes, coloca-se uma interrogação, fácil de formular mas para responder nem tanto. A movimentação, o deslocamento, a migração de pessoas e principalmente de grupos, tem tudo a ver  com a pergunta: Porque se migra? Porque indivíduos, grupos humanos e povos inteiros abandonam os locais e as terras onde nasceram, para enfrentarem caminhos desconhecidos em busca de uma terra não menos  desconhecida? Uma constatação parece óbvia. As pessoas, em situação normal, só abandonam sua terra natal em busca de uma nova se  aquela já não oferece condições mínimas  para realizar-se dignamente. Relembramos a máxima dos antigos romanos: “ubi bene ibi pátria”. A pátria do ser humano encontra-se lá onde ele se sente bem. No momento em que vida se torna difícll ou  insustentável, as pessoas começam a sonhar com terras desconhecidas, paraísos impossíveis, quimeras ilusórias. Utopias fantasiosas e fantásticas começam a tomar conta das mentes ao ponto de tornar impossível qualquer avaliação serena e objetiva. Seja por razões econômicas, seja por motivos religiosos, seja por motivos sociais, étnicos ou quaisquer outros, mundos desconhecidos, realidades imaginárias apresentam-se como solução para  os problemas, a superação das frustrações e o caminho para o encontro com a dignidade e a felicidade.

A miséria, a pobreza extrema, a marginalização, as perseguições políticas e ou religiosas, a absoluta ausência  de soluções ou perspectivas, compuseram o caldo em que a propaganda dos agentes de emigração encontraram ouvidos sempre atentos. É nesse clima que conseguiram com maior facilidade vender ilusões, apresentar utopias como se fossem realizáveis, ou até emprestar credibilidade às inverdades mais descaradas. Apelam para as necessidades mais  elementares da vida, jogam  com os sentimentos humanos mais sagrados e mais íntimos ou acenam com a emigração como o cumprimento de uma missão divina. 

Restrinjo-me aqui à “propaganda e realidade”, envolvendo a imigração europeia para o sul do Brasil. Apresento, em primeiro lugar algumas amostras dessa propaganda, para em seguida pintar a realidade que os imigrantes encontraram. Para ilustrar de alguma forma os apelos aliciadores de imigrantes, especificamente para o Brasil, lançamos mão de algumas amostras pinçadas da obra de Freden e Smolka: “O Brasil na canção alemã”. Uma antiga canção de propaganda cantada na região do Hunsrück, em tradução livre, dizia: “João, depois de amanhã partiremos todos para o Brasil. Não deixa de avisar a Gertrud Bummes, senão ela é capaz de se atrasar. Não esqueça a tia Cristina lá do Beco Torto. Também o Matias da aldeia de Lay, que gosta de participar de tudo com vocês. Venha comigo, ainda é tempo. Na Holanda o navio nos espera”.

“João, João, vem comigo emigremos para o Brasil, essa terra gigantesca. As batatas são do tamanho de uma cabeça. Todos os dias mata-se um porco e toma-se o melhor dos vinhos. E a maioria das panelas são pequenas para caberem as patas, os fígados e as cabeças. João, não te faz esperar porque o navio na Holanda nos espera”. 

“No Brasil não se trabalha por uma remuneração miserável. A terra brilha de tanto ouro. Parece um pedaço do paraíso que Deus reservou para os pobres que, mergulhados em profunda miséria, o imploram todos os dias por uma migalha de pão. Há tempo de descanso para todos”. 

Uma outra canção muito apreciada e muito popular, repetia o estribilho: “O Brasil não dista muito daqui”. Sobre essa canção informa Bösche que a escutou no navio como se fossem “urrros assustadores”, ao embarcar em 1824 em Hamburgo. Num livro sobre o Rio de Janeiro em 1829, relata-se que os viajantes podiam escutar a “bela canção”, vindo do navio. O Dr. Blumenau observou que na década de 1820, quando essa canção se encontrava no auge, do como ela pintava aos imigrantes o Brasil, como um Eldorado, como um paraíso. Bastava chegar lá par se tornar um homem rico e feliz. Ainda em 1851 os soldados da “Legião Alemã” a cantavam.

Tem a sua origem no Hunsrück uma canção de conteúdo religioso, tentando convencer que o emigrar significava atender a um chamado de Deus. Reproduzo algumas estrofes como amostra.

“Fomos chamados por Deus, pois de outra forma não teríamos chegado à essa decisão. Por isso cremos e a Seu mando emigramos. Deus falou a Abraão. Sai da tua terra e vai para a terra que te mostrarei, guiado por minha forte mão. Também nós confiamos firmemente em Deus e na sua sagrada palavra. Movidos por ela partimos para o Brasil. Também nós confiamos firmemente em Deus. Enfrentemos, portanto, a viagem e vamos para  o Brasil.

De uma coletânea publicada em 1830 extraímos algumas amostras que  retratam muito bem o clima de expectativa, o nível de um exagero beirando o irracional, ao ponto de fazer  transparecer um tom de deboche, emprestado a um número de  versos e poesias inteiras. Esses apelos circulavam em bom número praticamente em todas as regiões donde partiam contingentes importantes de emigrantes, como Odenwald, Baixa Saxônia, Hunsrück, Romênia, Rússia e outras. 

“Chegou o momento e a hora. Vamos para a América. Os cavalos estão prontos. Partiremos para uma terra estranha. Amigos que nos conhecestes, apertemo-nos as mãos pela última vez, não choremos, não choremos demais, vemo-nos hoje e nunca mais”. 

“O café amadurece em todos os arbustos e seu consumo está ao alcance de qualquer um. O trigo turco é sadio. Muitas vezes uma única espiga pesa até três onças”:

“Lá  os peixes são grandes, como fomos informados e podem ser apanhados com a mão. Não raro as carpas pesam até meio quintal”.

“Batatas há que como se fossem massa-pão. Em cada pé há três  alqueires delas. Partimos para a terra sempre verde, onde as rosas florescem até no inverno”.

Os emigrantes de Odenwald partiam para a viagem, cantando:

“Quando o navio vem navegando pela margem, entoa-se uma canção!.

Os alemães do Volga cantavam.

“A carroça está pronta à porta. Partiremos com mulher e filhos, partiremos para a terra prometida; lá o ouro é abundante como a areia. Trallala, Trallala, sem demora estaremos em Brasilia”. 

Consta ainda uma outra canção cantada entre os alemães russos, apontando sem reticências os motivos da emigração. Fala dos privilégios que Catarina, a Grande, concedera para atraí-los  para as colônias do Volga e a posterior retirada dos mesmos pelo Czar.

“O manifesto da Imperatriz dirigia-se aos alemães. Convidava-os para semear pão e plantar videiras; convidava-os para serem colonos”. 

“Deixamos a nossa terra e partimos para a terra dos russos; os russos muito nos invejaram, porque por tanto tempo estávamos livres (do serviço militar). Com astúcia conseguiram que  não deveríamos continuar como colonos. Ah, sim, já não somos colonos e obrigaram-nos a carregar uma arma. O que aconteceu com a história da inveja, foi destruir o manifesto”. 

“Se nos pretendem acorrentar, quebramos as correntes. Não queremos ser russos, queremos permanecer alemães”. 

“Aqui na Rússia não se pode viver, porque à força nos fazem soldados. O que conseguimos economizar, a viagem para o Brasil consome, a viagem para a terra onde não há inverno”. 

“Chegando na cidade de Hamburgo, nosso dinheiro nos será tirado. Na travessia do oceano, nossa bolsa se esvazia”,

Da Alsácia vem os versos.

“Quando chegamos no mar nossas bolsas estavam vazias”. 

Do Hunsrück vem a observação.

“Os preguiçosos não se conseguem estabelecer e por isso viajam para o Brasil”. 

E de um desconhecido vem a crítica à terra natal.

“Seja feliz terra natal mal-agradecida. Vamos para uma outra terra. Vamos a Brasilia. Para trás deixamos as dívidas”. (cf. Fouquet, 1974, p. 80-82).

E para encerrar a parte da propaganda, vale a pena reproduzir um fragmento dos apelos feitos aos judeus da Rússia emigrados para o sul do Brasil. As terras do outro lado do oceano eram pintadas como intermináveis, não custando quase nada, a natureza exuberante, a abundância sem fim, o clima paradisíaco. Tudo isso incentivava a imaginação desses camponeses à beira do desespero e os levou a cultivar esperanças impossíveis  e francamente absurdas. Embarcavam com as mulheres e os filhos pois, na outra banda do Atlântico os aguardava, senão o paraíso perdido, pelo menos uma existência menos atribulada do que aquela que levavam sob o tacão do Czar.

Embutidos na propaganda da época  explorava-se até o inverossímil, uma série de apelos muito caros aos judeus. No interior do Nordeste estaria localizada a terra de Ofir. Da mesma forma ter-se-iam refugiado em alguma parte na América as tribos perdidas de Israel. De alguma maneira o rei Salomão estaria relacionado com o rio Solimões e Cristovão Colombo teria sido um judeu que, antes de mais nada, recebera a missão de encontrar terras para que os judeus pudessem viver em paz, longe dos tentáculos da inquisição, num lugar, enfim, onde houvesse condições de recuperar a identidade e auto estima. 

É da autoria de Marcos Folowitsch a matéria de propaganda: “Numa clara manhã de abril (...) quando a estepe começava a reverdecer na alegre entrada da primavera, apareceram em Zegradowka, pequena e risonha aldeia russa da província de Kersau, lindíssimos prospectos  com ilustrações coloridas descrevendo a excelência do clima, da fertilidade da terra, da riqueza e variedade da fauna, da beleza e exuberância da flora de um vasto e longínquo país, chamado Brasil”.

No cartaz destacava-se : “Sob o céu azul e distante, de um azul muito doce, um lavrador, chapéu de abas largas, camisa arreganhada, empunhando encurvado, as rabiças de uma arado puxado por uma junta de bois, revolvendo a terra virgem. Um pouco mais longe, no fundo, o ouro vegetal de extensos trigais maduros. Mais além ainda, azulados pela distância, coqueiros, palmeiras e florestas misteriosas.  E, no primeiro plano, destacando-se em cores vivas, um enorme pomar  em que predominavam as laranjeiras  e na sua sombra porcos comiam lindas laranjas caídas no chão”. (Fouquet, 1974,  p. 89-91).

É fácil imaginar o efeito que  um cartaz de propaganda desses  exerceu sobre o ânimo dos miseráveis camponeses judeus da Rússia. Havia em primeiro lugar, a esperança bem fundamentada de se tornarem donos de um pedaço de terra de dimensões nem sequer sonháveis na terra natal. Havia em segundo lugar, o fascínio de viver numa terra na qual encontrariam um clima acolhedor e uma natureza excepcionalmente pródiga; chamava-os em terceiro lugar, a terra virgem  e fértil, garantia maior de uma alimentação farta; chamava-os em quarto lugar, um autêntico paraíso, onde as laranjas, fruta símbolo da nobreza e prodigalidade da natureza, serviam de alimento aos porcos,  animais desqualificados e impuros  para os judeus.  Se sobravam laranjas até para os porcos, o que um judeu não se poderia permitir  esperar?.

Motivações semelhantes incendiavam a imaginação e as expectativas dos camponeses da Polônia, subjugados pela Prússia, Rússia e Áustria. A mesma quimera que motivou dezenas de milhares de aldeões de Cremona, Veneza, Trento, Trevisio, Bérgamo e demais  regiões do norte da Itália, cantar o  refrão: “Merica, Merica, Merica” ... e  peregrinar  em massa até os  portos do Mediterrâneo  e enfrentar a longa travessia do oceeano nas piores condições imagináveis. 

E assim, alemães, suíços, russos, judeus, poloneses, austríacos, italianos e muitos outros emigraram para o Brasil, perseguindo cada qual à sua maneira, um sonho e uma utopia.

Depois de mostrar que a propaganda nas suas mais diversas formas e modalidades contribuiu como instrumento para estimular a emigração europeia, cabe a pergunta:

E como foi a realidade encontrada ao desembarcarem no sul do Brasil?

Em grandes linhas a realidade encontrada foi a mesma para todos. Merece atenção, em primeiro lugar, a realidade geográfica. As terras destinadas aos imigrantes pelo governo imperial, concentravam-se no sul do país, em áreas cobertas por florestas subtropicais de difícil penetração. Encobriam solos de alta fertilidade e o clima ameno permitia uma grande variedade de culturas. Essas florestas haviam ficado, até então, à margem dos interesses do Brasil Colônia. Eram impróprias para a criação de gado. Os invernos de até zero  graus desaconselhavam  culturas como café, cana de açúcar e algodão, as grandes vedetes da economia nacional de então. De outra parte essa região de florestas ficara à margem dos interesses porque em seu sub solo não havia jazidas de minerais importantes, nem pedras preciosas, nem ouro. As madeiras e demais essências vegetais também não ofereciam perspectivas de aproveitamento econômico em escala maior.

Pois, foram essas florestas ou matas virgens, que cobriam aproximadamente  metade das terras destinadas aos imigrantes. Com isso estava posto o cenário geográfico com o qual seriam obrigados a conviver e nele construir o seu futuro. E foi neste momento que a dura realidade começou a tomar o lugar do cenário construído a partir das propagandas que lhe haviam incendiado a imaginação. Na verdade, a floresta que encontraram era imensa, impressionante,  majestosa e fascinante de um lado. Do outro, porém, a mesma floresta inspirava temor, ocultava incógnitas, despertava suspeitas de que em suas entranhas  escondiam-se as surpresas mais inesperadas.

Um dos primeiros desafios consistiu em aprender a lidar com a floresta, encontrar a forma menos trabalhosa para limpar um eito de mato, pôr abaixo as árvores maiores, deixar livre o solo fértil e semear a primeira colheita. Além de lidar com a floresta havia ainda os predadores naturais que dizimavam as colheitas, os animais domésticos e não raro punham em risco a vida das pessoas. E para tornar a situação ainda mais dramática, os imigrantes não encontraram nem métodos nem pessoas em quem se pudessem inspirar ou a quem recorrer. Como única maneira de lidar com a mata virgem conhecia-se a coivara, isto é, a derrubada de uma porção de mato e a posterior queima quando seco. Este método usado pelos dos índios, foi universalmente adotado pelos imigrantes como forma de lidar com a floresta.

Havia ainda um outro obstáculo a ser enfrentado e vencido. Nas matas do sul do Brasil haviam-se refugiado dezenas de tribos de indígenas. Tratava-se das sobras e sobreviventes  do período missioneiro, dos caçadores de escravos e do avanço da ocupação europeia, principalmente dos açorianos nas estâncias de criação de gado da fronteira sul e dos campos de cima da serra. Seminômades deslocavam-se pelas matas alimentando-se de frutas silvestres, dos pinhões das florestas de araucárias e da caça. Quando os colonos começaram a se instalar na região, suas plantações de milho, mandioca e feijão, tornaram-se alvo frequente das incursões dos assim chamados “bugres”. Confrontos diretos com os colonos ocorreram, mas de forma esporádica. Há registro de alguns assassinatos de colonos e o sequestro de mulheres e crianças. No Rio Grande do Sul não há registro de expedições organizadas para manter os “bugres” afastados ou dizimá-los. Já em Santa Catarina a caça ao índio tornou-se prática em algumas regiões. Mas o que nesta questão merece destaque é que os “bugres”, pelo princípio do “ius primi possidentis”, eram os donos legítimos daquelas florestas. Mas como no Brasil da época a posse se dava pela ocupação e não pela compra, a lógica mandava conceder aos nativos pelo menos determinadas áreas a título de posse com valor legal. De outra parte os imigrantes foram instalados na região, no contexto de uma colonização oficial. No início as terras lhes foram dadas pelo Império dono delas e mais tarde adquiridas por compra. Ninguém, portanto, poria em dúvida  a legitimidade da posse por parte dos colonos. De qualquer forma, o conflito se instalou e por várias gerações a referência aos “bugres”, punha os colonos em alerta, mesmo quando há décadas eles já não vagavam mais pelas florestas que esperavam pelo machado dos imigrantes.

Sob esse pano de fundo fica mais do que claro que a propaganda incentivando a emigração, não passava de um engodo, de uma mistificação. As terras, sem dúvida, eram abundantes, oferecidas de graça no primeiro momento. Os solos eram altamente férteis e o clima permitia a produção de alimentos praticamente o ano todo. Todo o restante que a propaganda sugeria esboroava-se, desfazia-se  na medida em que os imigrantes tomavam contato com a nova realidade. Não encontraram nem ouro, nem prata, nem pedras preciosas. A fartura em alimentos era possível, mas com muito suor e sangue. Não havia escola nem igreja, não havia comunidade organizada. Era preciso erguer o primeiro abrigo para  a família utilizando varas do mato, cipós e folhas de palmeira e abrir as primeiras trilhas na mata virgem. Não havia nem médicos nem hospitais. 

Esse quadro assumia contornos ainda mais dramáticos quando se considera o entorno social em que os imigrantes foram assentados. O sul do Brasil na época era uma área de fronteira em disputa, povoada por luso-brasileiros, mestiços, castelhanos e tribos dispersas de índios, cujas línguas e costumes não tinham nada a ver com os dos imigrantes. A região estava mergulhada  em permanentes escaramuças  e guerras de fronteira, entre lusos e castelhanos. Entre 1835 e 1845 aconteceu a Guerra dos Farrapos e por algum tempo foi declarada a independência do sul do Brasil do Império brasileiro. Além das dificuldades apontadas  mais acima, foram forçados a aprender a conviver e a participar desse cenário tumultuado na nova pátria.

Como é fácil concluir a propaganda que moveu as populações  centro-europeias a emigrar para o sul do Brasil, pintou uma realidade totalmente ilusória, acenou com a solução fácil de todos os problemas, com a superação de todas frustrações, com a troca de uma situação de desespero, para a de um paraíso distante e possível. Se tudo isso não  passou de uma ilusão, de uma mistificação, houve contudo algo de real e objetivo. No sul do Brasil encontravam-se em potencial as condições, os pressupostos para começar uma nova vida, para construir um futuro promissor. E os imigrantes, passado o primeiro susto, puseram mãos à obra e, com denodo, com perseverança, com a obstinação peculiar ao camponês, enfrentaram os obstáculos e as hostilidades e terminaram por transformar o sul do Brasil na região mais próspera e mais desenvolvida do país.

Bicentenário da Imigração - 23

As áreas colonizadas até aqui tinham sido de propriedade do Governo Imperial. Em torno delas localizavam-se extensões de maior ou menor tamanho em mãos de particulares, tanto no curso médio e superior do rio dos Sinos e seus afluentes, como do Caí e Taquari em toda a sua extensão. Foi sobre essas matas que a lógica do avanço orientou o fluxo colonizador. As terras em ambas as margens do Santa Maria (Paranhana), pertenciam a Tristão Monteiro. Batizou-as com o sugestivo nome de Mundo Novo quando começou a colonizá-las com imigrantes alemães. O povoamento do Mundo Novo iniciou efetivamente em 1847 e prolongou-se até o final da década de 1870, quando contava com 284 famílias, das quais apenas 10 não eram de origem alemã. Vizinha ao Mundo Novo ficava a Fazenda Padre Eterno, vendida em lotes aos colonos pelo proprietário o Barão do Jacuí. Idêntico caminho tomou na mesma época a família Leão, proprietária do "Leonerhof" (Sapiranga e arredores). O prolongamento da colônia da Feitoria, o Morro Pelado na margem do rio dos Sinos, foi colonizado por seus donos Chico Santos e Fialho.

Simultaneamente às colonizações ao leste do núcleo inicial de São Leopoldo no vale do rio dos Sinos, intensificou-se o avanço para o oeste e o norte, para dentro do vale do rio Caí. Todas essas terras de alta fertilidade, encontravam-se em mãos de particulares e uma parte menor sob jurisdição imperial. Estendiam-se ao longo das margens do Caí e de seus quatro principais afluentes: o Forromeco, o Salvador e o Maratá na margem direita e o Cadeia na esquerda. Os donos dessas terras as lotearam e venderam aos colonos procedentes, na sua maioria das áreas antigas da colonização no vale do Sinos e  em menor número diretamente imigrados da Alemanha.

Na mesma época em que o vale do rio Caí foi colonizado, iniciou-se o povoamento do vale do Taquari. Na grande maioria também esses  colonos procederam das colônias mais antigas do Sinos. O avanço se deu num ritmo impressionante. Todo o vale do Caí e todo o vale do Taquari foram por assim dizer, tomados de assalto e conquistados ao mesmo tempo. Como aconteceu no Caí também no Taquari pertenciam a  proprietários particulares. Os dois mais conhecidos no Taquari foram Vito Mena Barreto  na margem esquerda e Antônio Fialho na margem direita. Não demorou e as terras férteis do rio Forqueta fossem incorporadas na frente de colonização. O mesmo se repetiria mais para o interior na margem esquerda do Taquari com a colonização de Teutônia. Na margem direita o avanço tomou a direção de Santa Clara, Sampaio, Venâncio Aires, Santa Emília e arredores. As terras do Governo de Monte Alverne fora colonizadas na mesma época e serviram de ligação para a colônia de Santa Cruz e Rio Pardinho.

O avanço da colonização, a começar por Taquara do Mundo Novo até Santa Cruz dp Sul, incorporara as terras mais planas dos cursos médios dos rios. Os vales mais afastados e as encostas da Serra, em mãos de proprietários menores, entraram no mesmo processo a partir de 1875. Em questão de 20 anos  todas as terras de alguma forma aproveitáveis haviam sido ocupadas. Apesar das dificuldades da topografia e da distância dos centros maiores, contribuíram com uma parcela significativa dos produtos básicos da época: feijão, milho, banha e na região de Santa Cruz e Venâncio Aires, tabaco. Neste avanço incluíram-se também as colonizações mais ao sul como Rincão del Rei e as localizadas entre Candelária e Santa Maria.

No decorrer da década de 1880 haviam-se esgotado as últimas reservas de terras disponíveis nas bacias dos rios dos Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Nas colônias aí existentes, porém, a pressão por mais e mais terras virgens aumentava a cada dia. Na época a única forma capaz de aliviar essa tensão, encontrava-se na abertura de novas fronteiras de colonização. Desta vez a lógica apontava para o norte e para o oeste em direção às imensas áreas cobertas de mata virgem, encobrindo solos e topografia altamente favoráveis. Foi nesta direção que se orientou então o fluxo migratório a partir da década de 1890.

Em 1890 abriram-se as primeiras clareiras na mata onde hoje floresce Ijuí, a metrópole da Serra. O Pe. Amstad comparou Ijuí a São Leopoldo. Assim como São Leopoldo foi centro de irradiação das chamadas colônias antigas, ou colônias "velhas", assim Ijuí desempenhava o papel de centro de irradiação das colônias "novas" no norte e no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. A partir daí a região transformou-se num grande laboratório de experiências de colonização. Entre os anos de 1890 e 1930 foram implantados no mínimo quatro modelos. Ijuí foi uma iniciativa do governo federal, Santa Rosa do governo estadual e Santo Ângelo um projeto municipal. Todas as demais colonizações foram empreendimentos particulares, ou de empresas, ou de pessoas físicas, ou de associações. Na sua monumental obra  comemorativa do centenário da imigração, o Pe. Amstad resumiu assim a colonização de toda essa região:

Com essas colonizações abrira-se o espaço para os excedentes populacionais das colônias antigas. E no fim da revolução em 1895 começou um novo e alegre movimento migratório. As mudanças aconteciam via trem, a cavalo, de carro e até em carroças de boi. Não raro podia-se assistir ao espetáculo inusitado  como pessoas que até aquele momento mal haviam ultrapassado os marcos de fronteira de seu município, carregavam com toda a naturalidade seus pertences numa carroça,  passando três a quatro semanas peregrinando, até alcançarem o extremo noroeste do nosso Estado, em Cerro Azul, Pirapó, ljuí, Serro Pelado, para aí construírem sua nova Querência.

Tempos difíceis esperavam para breve pelas aves de arribação. Gafanhotos, seca e por fim os ratos migratórios tornaram a vida amarga. Mas o tempo de penúria passou e quando os pioneiros e os mais pobres tinham aberto a brecha, seguiu um reforço financeiramente  mais bem dotado, gente com dinheiro. Adquiriram muitas vezes, complexos de terras maiores também na colônia de Guarani pertencente ao governo. Em questão de 10 a 15 anos o rio Ijuí, de Cerro Azul até a sua desembocadura no rio Uruguai, numa extensão de 70 a 80 quilômetros, fora ocupado. Acabara-se de fundar a São Leopoldo do século XX.

Fato semelhante se verifica com as colônias de Passo Fundo e Cruz Alta. A diferença é que nelas residia uma população étnica e confessionalmente mais mesclada. Mesmo assim encontram-se nesta região distritos coloniais de exclusiva descendência alemã, como é o caso da Colônia Selbach, Barra do Colorado, Neu Würtemberg, General Osório e outras. Desta forma, também aí os excedentes das colônias antigas encontraram assentamentos novos fechados. Quem hoje visitar as  colônias de Passo Fundo, Palmeira, Cruz Alta, Santo Ângelo e São Luiz, pode estar certo de encontrar ali assentados conhecidos procedentes das colônias antigas. Já se desenvolveu um ativo intercâmbio entre o norte e o sul e entre o leste e o oeste e não se constitui numa raridade que famílias inteiras das colônias novas, locomovendo-se em carroças, vão fazer visitas nas colônias velhas. E exatamente nessas visitas acontece que, muitas vezes, os hóspedes das colônias velhas adquirem terras para si e seus filhos, quando as circunstâncias das novas colônias agradam. Em muitas dessas visitas segue então, num prazo mais curto ou mais longo, a correspondente transferência para os novos assentamentos, os quais tomam rapidamente um acelerado ritmo de progresso, impulsionado pelos colonos acostumados ao trabalho.

Um pouco mais adiante o Pe. Amstad chega a falar de uma verdadeira febre migratória que teria acometido os colonos de todas as regiões do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1910 e 1920:

Havia duas razões que explicam  o surgimento do fenômeno nada desejável da febre de emigração: o sistema de colonização do governo estadual do Rio Grande do Sul e a especulação dos compradores e vendedores de terras.
Já que a maioria das colônias particulares e das pertencentes a companhias colonizadoras, haviam sido ocupadas, restavam  aos colonos à procura de terra para assentamentos, as colônias do governo. O sistema de colonização dos atuais governantes positivistas, consiste em abrir colônias mistas, nas quais são assentadas misturadas pessoas das mais diversas nacionalidades. Esse sistema não agrada nem aos colonos de descendência alemã, nem aos de descendência italiana, nem aos  de descendência polonesa. Isto fez com que, durante os últimos dez anos, os melhores elementos, possuidores de mais capital, fossem fixar-se fora do nosso Estado em colônias confessionais e etnicamente separadas, em Santa Catarina, Paraná e Argentina. (Cem anos de germanidade, 1999, p. 128-131)

Depois da primeira grande guerra a febre migratória empurrara os excedentes tanto das colônias alemãs como das italianas, até a barranca do rio Uruguai em toda a extensão norte e noroeste do Estado. As matas virgens praticamente intactas da margem direita do rio, tanto no vizinho estado de Santa Catarina como na Argentina estimularam com seu fascínio ainda mais o ímpeto da nova geração à procura de terra.

Três foram as áreas que canalizaram as atenções dos novos pioneiros: o vale do rio do Peixe na região central de Santa Catarina, o extremo oeste do mesmo estado e a Província de Missiones na Argentina. Colonos procedentes  das mais diversas  localidades das antigas colônias no Rio Grande do Sul, povoaram toda a área que atualmente tem como centro a cidade de Joaçaba. Outros ultrapassaram essa região para irem fundar Porto União e União da Vitória, em ambas as margens do rio Iguaçu, no extremo norte de Santa Catarina e no sul do Paraná. No extremo oeste a colonização irradiou-se de dois núcleos iniciais mais importantes: Porto Feliz, hoje Mondaí e Porto Novo, a Itapiranga de hoje. A partir deles, em questão de 30 anos, todo o oeste de Santa Catarina foi incorporado ao fluxo da colonização.

A colonização de grande parte da Província argentina de Missiones: Posadas, Puerto Rico, Monte Carlo, San Aberto, Eldorado, etc.,  foi citada quando examinamos a colonização alemã na Argentina.

Já no final da década de 1950 a ordem "vamos para as colônias novas", que impulsionara a colonização do norte do Rio Grande do Sul e o centro e o oeste de Santa Catarina, foi substituída por outra palavra de ordem: "vamos ao Paraná". Milhares de colonos procedentes de todas as regiões do Rio Grande do Sul, somados à primeira geração de excedentes de Santa Catarina, avançaram sobre as novas fronteiras de colonização no oeste do Paraná. O ritmo foi ainda mais acelerado e mais intenso do que nas etapas anteriores. Em praticamente um geração as áreas disponíveis na região estavam colonizadas. 

No decorrer das décadas de 1980 e 1990 o fluxo migratório avançou pelo Mato Grosso do Sul e pelo Mato Grosso, Rondônia e Acre, para, enfim, alcançar a fronteira norte do País no estado do Rio Branco. Na mesma época aconteceu a participação de agricultores vindos do sul, muitos deles descendentes de imigrantes alemães, em projetos de colonização e empreendimentos agrícolas diversos  na Bahia, no Maranhão, no Pará e até no Amapá,  de modo mais intenso, porém, nos cerrados de Goiás e Mato Grosso tanto do Sul quanto do Norte 

Conclusão
O estudo comparativo entre as colonizações alemãs no Brasil, Argentina e Chile, que acabamos de apresentar, mostram no atacado muitas semelhanças. Nos três países existiam no início do século XIX  imensas áreas econômica, social e politicamente à margem dos estados. No Chile estendiam-se, em grandes linhas, da cidade de Temuco para o sul, até Puerto Montt, Puerto Varas e a ilha de Chiloe. O filé dessas terras situava-se nas proximidades do lago de Lhanguihe. Na verdade elas constituíam o território dos índios Mapuches e costumava ser tratada como "frontera". O termo sugere uma situação de indefinição de posse até uma indefinição de soberania do Estado Chileno, recém independente, sobre a região. Impunha-se, portanto a necessidade e além da necessidade a urgência de garantir a soberania o que  implicava na consolidação da "frontera" no sul.

A soberania colocava-se como pressuposto para o aproveitamento do seu potencial econômico. Tratava-se de extensas áreas planas de terras próprias para a agricultura cobertas de densas florestas virgens. Elas abrigavam solos férteis e reservas incalculáveis de madeira, sob um clima relativamente ameno. Tornar produtivas essas terras mediante o povoamento sistemático por colonos alemães, pareceu a solução mais prática para as autoridades chilenas. A imigração alemã a partir do final de 1840, contribuiu decisivamente  para a integração da região no todo nacional e transformá-la numa rica fonte de produtos agro-pecuários. A inóspita paisagem mudou rapidamente de feição. No lugar das florestas selvagens na orla do lago de Lhanguihe e das costas do oceano Pacífico, a laboriosidade e a maneira de ser dos imigrantes, plasmou uma paisagem humanizada inédita no País. Em volta dos centros maiores de polarização como Puerto Montt, Puerto Varas, Puerto Arenas, Frutillar, Valdivia, Osorno, Concepción, etc... multiplicaram-se centenas de   comunidades. Os colonos proprietários  de pequenas glebas familiares, dedicavam-se em tempo integral à tarefa de tornar produtiva a terra e fazer florescer uma intensa vida religiosa e cultural, polarizada pelas igrejas, as escolas, as associações, as sociedades, os clubes, etc.

Em várias regiões da Argentina verificava-se, na mesma época, uma situação muito parecida com a do Chile, porém, mais complexa e mais heterogênea. Em vez de uma região passível de colonização compacta a Argentina oferecia três: os vales dos rios Negro e Colorado, o chaco e a bacia média e superior do rio Paraná, nas províncias de Entre Rios e Missiones. Também para essa tarefa foram convidados colonos alemães. Pode-se concluir que o objetivo principal  da colonização dessa s regiões, foi o mesmo daquele do Chile, isto é, consolidar a soberania sobre elas e incorporá-las no esquema produtivo do País, mediante uma colonização sistemática. No caso argentino a questão indígena assumiu proporções muito mais importantes do que no Chile. A região do rio Negro e Colorado e a do Chaco abrigavam numerosas  populações nativas que foram subjugadas e em grande parte exterminadas. No rio Negro e Colorado havia ainda o risco da apropriação das terras por chilenos, entre os quais um número expressivo de alemães, vindos do outro lado dos Andes. 

As colônias alemãs mais numerosas e mais importantes foram implantadas no curso médio e superior do Paraná, em Entre Rios e Missiones, durante toda a segunda metade do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX. Na sua essência não diferem  muito estrutural e institucionalmente daquelas do sul do Chile e do Chaco.

A mais extensa  e a mais antiga das colonizações alemãs na América Latina aconteceu no Brasil, a partir de 1824. O núcleo irradiador inicial foi implantado na fazenda real do Linho Cânhamo em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. A partir dele a expansão  da colonização tomou o rumo oeste até Santa Maria no centro do Estado, numa extensão de mais ou menos  70 por 400 quilômetros. No final do século dezenove tomou o rumo norte e noroeste e na primeira metade do século vinte avançou pelo oeste de Santa Catarina e o Paraná. Um segundo polo irradiador iniciou-se na década de 1850 no leste de Santa Catarina e um terceiro menos importante no Espírito Santo bem mais confinado do que dois anteriores. Aproximadamente a terça parte da paisagem humana do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e boa parte do oeste do Paraná, exibe, ainda hoje, os traços inconfundíveis  da presença  e das tradições alemãs.

Como avaliação geral é lícito afirmar que as colonizações alemãs no Chile, na Argentina e no Brasil, cumpriram basicamente a mesma função: povoar grandes regiões vazias com imigrantes capazes de fazê-las produtivas, incorporá-las no todo nacional, estimular um modelo agrícola alternativo ao existente e tornar os respectivos países socialmente mais equilibrados com uma classe média sólida e bem constituída. É o óbvio que em cada caso particular seja possível detectar nuances mais ou menos importantes, fruto das peculiaridades físico geográficas, étnicas e culturais, com que os imigrantes alemães se defrontaram.

Bicentenário da Imigração - 22

Colonizações  alemãs no Brasil.  

Entre os países da América Latina onde foram implantados projetos de colonização com imigrantes alemães, a primeira iniciativa coube, historicamente falando, ao Brasil. Depois que a colonização em escala maior por açorianos se mostrou impraticável, a administração colonial optou por convidar colonos de outras regiões da Europa. A exclusão dos ingleses, franceses e holandeses se  entende por razões históricas óbvias. Estes estiveram presentes no Brasil desde o início do período colonial disputando com os portugueses a soberania de regiões inteiras da Colônia. Um motivo semelhante desaconselhava de todo em todo o ingresso de espanhóis no território brasileiro na condição de povoadores. Na prática teria significado  abdicar da luta pela posse de vastos territórios das fronteiras em disputa, sobretudo na região do Prata. As preferências voltaram-se então para imigrantes procedentes da Europa Central e do Norte. As razões da opção por alemães, italianos e outros, resumiram-se basicamente na tradição camponesa milenar em pequenas propriedades desses povos e o fato de nunca se terem intrometido na soberania da Colônia. Com certeza influiu também a experiência positiva de outros países de imigração, como por ex., os Estados Unidos, onde os  imigrantes alemães e italianos, contavam entre os colonizadores mais disciplinados, mais empreendedores e mais bem sucedidos. O casamento do príncipe D. Pedro com a princesa austríaca Leopoldina, acrescentou mais um motivo para a preferência pelos alemães.

Os primeiros assentamentos de colonos aconteceram, ainda antes da independência, na Bahia com as colônias Leopoldina e Frankental e no Rio de Janeiro na região de Petrópolis.

Entretanto a colonização alemã que iria marcar definitivamente regiões inteiras do País, concentrou-se nos três estados do sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A ocupação por europeus dos grandes espaços vazios, cobertos de florestas, fazia parte do projeto do  Império que, no seu bojo visava vários objetivos. Entre eles merecem destaque: a colonização sistemática e  intensiva das terras devolutas, a implantação de um  modelo de pequena propriedade familiar, a formação de uma classe média rural, o incremento da produção diversificada de alimentos, o branqueamento da raça, o fornecimento de suprimentos para as tropas envolvidas nas guerras de fronteira e a própria consolidação das fronteiras.

Foi com essas expectativas, alimentadas pelo governo imperial, que ocorreu a implantação do primeiro núcleo de colonização em 1824, na fazenda do Linho Cânhamo em São Leopoldo. A Colônia Alemã  de São Leopoldo, como passaria a ser conhecida na história da imigração no Brasil, foi realmente o ponto de partida  e o paradigma que orientou  as colonizações até 1980 em  vastas áreas dos três estados há pouco mencionados. Vencidas as dificuldades iniciais as comunidades solidamente organizadas em torno de sua igreja, escola, cemitério, casa de comércio, artesanatos, clubes e associações, foram-se multiplicando com muita rapidez. Uma alta taxa de natalidade somada a um baixa mortalidade infantil e, até o início da primeira guerra mundial, o aporte de novos imigrantes, alimentaram essa dinâmica.

Num esboço muito sucinto essa história de 200 anos da imigração alemã no sul do Brasil, pode ser resumida mais ou menos assim: O primeiro núcleo definitivo foi instalado na Real Feitoria do Linho Cânhamo em São Leopoldo em 1824. A ele seguiram-se mais tarde em 1827 dois outros  no Rio Grande do Sul,  independentes do primeiro: São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, ambas nas imediações de Torres. Vinte e poucos anos mais tarde, a partir de década de 1850, foram-se instalando os primeiros núcleos de   colonização alemã em Santa Catarina, tendo Blumeau como matriz. A Blumenau seguiram-se: Joinville, Brusque, Pomerode, Rio do Sul, São Bento, Mafra, Forquilhinha e muitos outros. 

Cada um desses polos de irradiação, o de São Leopoldo no Rio Grande do Sul e o de Blumenau e Joinvile em Santa Catarina, seguiu dinâmicas semelhantes mas independentes um do outro. Acompanhemos primeiro o mais antigo, o da Colônia Alemã de São Leopoldo. Apenas a título de observação vale lembrar que as colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas ficaram, durante um século, praticamente confinadas no isolamento do litoral norte do Rio Grande do Sul.

Voltemos à Colônia de São Leopoldo. Vencidas as dificuldades iniciais os imigrantes e seus descendentes da Colônia de São Leopoldo não demoraram em implantar suas comunidades em áreas próximas. O processo de expansão colonial começara. Como já foi dito mais acima, dois foram os fatores principais que impulsionaram o processo: o crescimento vegetativo da população e o afluxo de novos imigrantes. Já a partir da década de 1850 a primeira geração  nascida no Brasil, chegara à idade de procurar o seu próprio lote de terra. Ora, é por todos conhecido que as famílias eram numerosas ao mesmo tempo em que a mortalidade infantil situava-se em patamares relativamente baixos para a época.

De outra parte os lotes coloniais com suas dimensões reduzidas não recomendavam mais do que uma ou no máximo duas divisões. Levantamentos realizados na época mostram que cada 1000  famílias geravam, na média por ano, nada menos do que 200 excedentes, candidatos naturais a novos lotes. Tendo-se em vista que o crescimento vegetativo de uma população avança em progressão geométrica, fica fácil imaginar a movimentação no meio colonial.

Já o final da primeira década após o início da imigração alemã, marcou o começo da ocupação das terras fora dos limites da área inicial destinada para a colonização. Na obra Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - (1824-1924), o Pe. Theodor Amstad descreveu assim a situação:

No começo da Guerra dos Farrapos, como já foi dito, está ocupada somente a parte anterior e plana da colônia governamental de São Leopoldo e a primeira parcela das três picadas: Dois Irmãos, Picada Berghan e Picada dos Portugueses. Poucos povoadores, como por ex., M. Mombach, arriscaram-se a cruzar o topo dos primeiros morros. Já em 1832, na Picada dos Portugueses, foi preciso desistir dos postos avançados do Fritzenberg e Rosental e concentrar-se mais na parte baixa, por causa do ataque dos bugres. Somente na década de quarenta, ao terminar a Guerra dos Farrapos, arriscou-se a ocupação das áreas mais afastadas das Picadas. (Cem anos de germanidade, 1999).

A retirada dos subsídios para a imigração em 1831 estagnou quase por completo a corrente imigratória. A Guerra dos Farrapos, 1835-1845,  terminou por desestimular definitivamente a vinda de imigrantes. O término desta guerra marcou a retomada da imigração e o início sistemático da ocupação das áreas periféricas do núcleo original da imigração. Nos dez anos que se seguiram entre 1845 e 1855, o avanço da colonização teve como alvos preferenciais o vale do rio Feitoria, afluente do rio Cai, tendo a Picada de Dois Irmãos como ponto de irradiação e o Rio Cadeia, também afluente da margem esquerda do rio Caí, onde a Picada dos Portugueses serviu de referência mais importante. Foram sendo sucessivamente povoados o Bugerberg ou Bucherberg,  Jammertal e a Walachei. Em seguida o avanço tomou o rumo do Erval. 

Uma dinâmica semelhante impulsionou o povoamento das porções posteriores das Picadas dos Berghan e da Picada dos Portugueses. Neste processo destacaram-se Bohnental, Linha Nova, Schneiderstal, Holanda e Picada Café, com suas diversas ramificações. 

A obra já citada "Cem Anos de Germanidade" resumiu assim os 25 primeiros anos da expansão colonial:

É lícito afirmar então que em meados dos anos cinquenta as terras postas à disposição para a colonização pelo governo imperial nas três picadas antigas, estavam em linhas gerais povoadas. A Picada Feliz, que veio somar-se em 1845, contava na época com 90 a 100 famílias, podendo ser considerada ocupada, tomando em consideração as condições populacionais da época. Nada mais natural então que muitos pais de família numerosa e muitos jovens empreendedores da colônia, procurassem terras favoráveis em outra parte (Cem anos de germanidade, (1999, p. 108)

Bicentenário da Imigração - 21

A partir do final do século dezenove começou a ocupação definitiva da região com pioneiros vindos da costa do Atlântico, entre eles muitos alemães. Uma lista de nomes figura como exemplar na história da Patagônia. Nela sobressai o nome de Richard Fischer, natural de Leipzig. Instalou no território de Chubut uma estância modelo para criação de ovelhas. Em 1924 contava com 6000 cabeças. Quase ao mesmo tempo chegaram à região o suíço Friedrich Karl Tschudi e o badense Schelkly que se associaram a Fischer. Os três irmãos Miche, naturais de Berna, instalaram fazendas de criação de ovelhas. As fábricas de tecidos Mitau e Grether  adquiriram terras e fundaram a "Estanzia Marieg". Os criadores alemães de ovinos espalharam-se por toda a Patagônia. Grandes casas como Staudt, Lahnsen e Plate, sediadas em Buenos Aires, instalaram empreendimentos modelo na Patagônia. 

A bem sucedida criação de ovelhas estimulou o surgimento de frigoríficos especializados no processamento de carne ovina e o comércio de lã predominantemente controlado por alemães. 

O isolamento e a dificuldade de acesso  fez com que o Chaco se transformasse no refúgio natural dos índios cada vez mias acuados pelo avanço dos europeus. Ainda nos anos de 1880 as comunidades alemãs e suíças na região de Santa Fé, eram alvos constantes dos assaltos dos Tobas. O ministro da guerra em pessoa comandou em 1884 a expedição visando a submissão dos índios. Um número considerável de alemães participou desta expedição, com destaque para o primeiro tenente Francisco Horst, chefe dos pioneiros  e veterano da expedição de Roca à Patagônia. A submissão dos índios levou um par de décadas para completar-se e os recursos naturais pudessem ser explorados. As enormes reservas de  madeira e o tanino extraído do "quebracho vermelho", provocaram uma verdadeira corrida para o Chaco. O fornecimento de dormentes para as ferrovias em construção, serviu de base para empresas como a de Adodlf Schuster em 1910. Em 1880 os irmãos Hasteneck colocaram em funcionamento a primeira usina de extração de tanino do "quebracho vermelho".

As colônias  de lenhadores e as plantações de cana de açúcar em Tucumán e Salta, atraíram sempre mais índios. Em contato com os espanhóis e estrangeiros sucumbiram ao álcool e às doenças venéreas. Um pequeno número deles sobreviveu  nas poucas estações de missionários franciscanos e evangélicos.

O Chaco transformou-se definitivamente  num território de futuro quando se constatou que seu solo e clima favoreciam a produção de algodão, arroz, rícino e cana de açúcar. 

Depois das tentativas frustradas de tornar os rios Salado e Bermejo navegáveis, empreendeu-se a construção da ferrovia Resistencia-Metán. Esta obra que enfrentou incríveis obstáculos na implantação de seu leito cruzando florestas e pântanos, permitiu o acesso definitivo e permanente ao território. Três alemães foram responsáveis pela construção da ferrovia: o engenheiro chefe Storm e os engenheiros auxiliares Schnerr e Baur.

A implantação definitiva das colônias alemãs no Chaco foi resumida na obra já várias vezes citada "Deutschtum in Argentinien".

Na época de Tjark a presença alemã  em Resistencia era pouco representativa. Poucos anos depois, porém, desencadeou-se o fluxo de povoadores alemães que, nas duas décadas posteriores, foi-se avolumando cada vez mais, contribuindo decisivamente para o desenvolv8mento do Chaco e Formosa. Os primeiros agricultores alemães fixaram-se nas proximidades de Charata. Cultivaram algodão, mas nos primeiros anos enfrentaram sérias decepções. A seca e os gafanhotos aniquilaram sucessivas colheitas. A isso somou-se que os colonos haviam-se assentado em terras do Estado, não recebiam títulos regularizados e em parte tiveram que abandonar as terras depois de as tornarem produtivas. Muitos deles decepcionados abandonaram a região, embora as organizações alemãs de Buenos Aires tivessem posto em andamento uma obra de socorro. Os que perseveraram foram recompensados com os altos preços do algodão durante a primeira guerra mundial. Depois da guerra muitos alemães emigraram para o Chaco. Assim, contrariamente à Patagônia surgiriam aí grandes colônias alemãs com escolas e associações próprias. A solidariedade entre os povoadores alemães facilitou a luta pela existência dos novos imigrantes e contribuiu para que as colônias do Chaco  conquistassem um relativo bem estar, apesar de alguns reveses. Quando em 1930 a desertificação das terras, a queda dos preços do trigo e a prolongada seca no Pampa, infligiram uma grande penúria aos povoadores alemães, o Chaco se mostrou uma região alternativa apropriada para emigrar".  (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 214-215)

A "União dos Agricultores" fundada em 1927 em Buenos Aires conseguiu que o governo pusesse à disposição dos colonos 120000 hectares de terras, sem mato e ricas em água, ao norte de Roque Saenz Peña. A área foi dividida em lotes de 100 hectares e entregues aos colonos por um preço módico. Vencidas as dificuldades iniciais as novas colônias de Castelli e La Florida, desenvolveram-se para povoamentos em franco progresso e contando com várias escolas próprias.

A Província de Missiones no nordeste da Argentina foi a última a ser colonizada. Biogeograficamente pode ser considerada como  extensão das florestas e dos solos férteis do sul do Brasil. A erva mate a "yerba", em estado nativo, representou, ao lado de uma dúzia de espécies de madeiras nobres, a sua maior riqueza. Seu interesse histórico concentra-se  nos testemunhos das reduções jesuíticas que floresceram neste território nos séculos XVII e XVIII. Os elementos, porém, que exerceriam um fascínio irresistível sobre os colonizadores em potencial, foram os solos de alta fertilidade escondidos sob a floresta,  a riqueza em água e a topografia suave de toda a região. A colheita predatória da erva mate fazia-se presente há décadas. Depois que o alemão Neumann redescobriu a técnica de fazer germinar as sementes da erva mate, desenvolvida pelos missionários e esquecida depois da destruição das missões,  e o posterior desenvolvimento de ervais plantados, o "ouro verde", constituiu-se por muitos anos no carro chefe da riqueza de Missiones. 

Dados de 1903 informam que na Província residiam 59 famílias alemãs, somando 291 pessoas. A colonização sistemática da região se desencadearia a partir do término da primeira guerra mundial. A ocupação se deu por meio de assentamentos conduzidos tanto por empreendimentos privados como por iniciativa  do governo argentino. Para o primeiro caso foram  exemplares os projetos de Karl Culmey e Adolfo Schwelm. Karl Culmey coordenara, a partir de 1902, o projeto de colonização de Serro Azul (Cerrro Largo) no Rio Grande do Sul, promovida pela Sociedade União Popular. Seu parceiro inseparável nessa iniciativa fora o Pe. Max von Lassberg. Com a experiência adquirida e novamente contando com a colaboração do Pe. Lassberg e de Friedrich Rauber, coordenou a implantação de duas colonizações em Missiones: Puerto Rico destinada aos católicos e Monte Carlo destinada aos protestantes. O contingente inicial desses dois núcleos foram integrados por colonos procedentes do Rio Grande do Sul. No mesmo ano iniciou-se a colonização de Eldorado sob o comando de Adolfo Schwelm. Schwelm montou e pôs em funcionamento um poderoso aparato de propaganda. Depois de assumir também a administração de Puerto Rico e Monte Carlo, conseguiu atrair cerca de 3000 a 4000 colonizadores para os três projetos. 

Partindo da borda sul da mata da província de Missiones, o governo argentino organizou uma série de assentamentos: Cerro Cora, Bompland, Leandro Alem e Yerbal Viejo. Para as terras do governo encaminhavam-se de preferência imigrantes diretamente emigrados da Alemanha nos anos que se seguiram ao término da primeira guerra mundial. Em 1925 os alemães na região somavam cerca de 25000, fazendo com que o alemão fosse a única língua falada. Os colonos costumavam ser contemplados com lotes cobertos de mato de 50 hectares, pagos em seis prestações anuais, calculadas na base de dez a vinte pesos por hectare. O início desta colonização foi assim descrito:

Numa grande clareira encontra-se a aldéia "Meckring", assim denominada  em homenagem ao agente postal Heinrich Meckring. Numa elevação ergue-se  uma igrejinha de madeira, na qual atua um pastor alemão. Serve também para ministrar aulas para os meninos e meninas de cabeças cor de trigo. Numa outra elevação encontra-se uma hospedaria alemã muito asseada. Distribuídas pelas clareiras vêm-se ainda algumas casas, uma loja e uma outra com ferraria anexa. Este é o centro da colônia. A grande maioria dos povoadores mora oculta no fundo da mata, ao longo das picadas abertas pelo governo e que penetram muitos quilômetros mata virgem a dentro. Caminhos de terra vermelha contrastam com o verde da mata. Fontes e arroios por toda a parte dão vida à natureza. Para os povoadores alemães esta bela terra que, de alguma forma lembra  a Floresta Negra, deve ter dado a sensação de estar em casa (Deutschtum in Argentinien, 1980,)

A grande maioria dos povoadores diretamente imigrados  da Alemanha fixaram-se na província de Missiones entre os anos de 1922 e 1924, no auge da crise provocada pela inflação na Alemanha. Sua maior concentração aconteceu entre Monte Carlo e Eldorado.

Missiones com seus 25000 alemães experimentou um rápido progresso econômico à base da erva mate, de frutas cítricas e outras culturas. Verificou-se um poderoso estímulo na modernização e diversificação dos produtos agrícolas. O principal responsável por esse êxito foi o prof. Dr. K. E. Kempski. Depois de lecionar em universidades alemãs e trabalhar em estações experimentais em Java e no Ceylão, transferiu-se para a Argentina onde ocupou o cargo de diretor geral da agricultura em Santiago del Estero. Foi pioneiro na introdução em Missiones das culturas da soja, chá e tungue.

Os núcleos de colonização em Missiones deitaram rapidamente raízes, consolidaram-se e começaram a prosperar já na primeira geração dos colonizadores. Uma vez organizadas as comunidades surgiram, sem tardar,  os complementos indispensáveis: a implantação de uma rede de estradas e projetos multi utilitários, a organização de jardins de infância e cooperativas, etc. A união e a coesão entre os povoadores foi assegurada pelos serviços religiosos, escolas para o aprendizado da língua, associações, sociedades, clubes e até de um museu e de uma escola de silvicultura. A tudo isso somou-se uma primorosa rede de escolas comunitárias frequentadas em 1931 por 472 alunos, em Posadas, Eldorado, Monte Carlo, Cerro Corá e Leando Alem. 

Nesta síntese da colonização alemã na Argentina, faltou ser avaliada a parte que coube aos teuto-russos, emigrados do Volga e do Mar Negro. Sua importância para a história da Argentina, do Brasil e de outros países da América Latina, merece um capítulo próprio.

Bicentenário da Imigração - 20

A missão do general Roca não se resumia, porém, em assegurar militarmente a Patagônia. Deveria ser apenas o pressuposto para abrir a região ao povoamento e incorporá-la no contexto produtivo nacional. Com a finalidade de avaliar e mapear o potencial econômico, fez participar da sua expedição um considerável contingente de peritos e especialistas, encarregados de avaliar  as condições  do solo, a flora, a fauna, os recursos minerais, além  das possibilidades de colonização sistemática. A comissão científica para o rio Negro junto ao estado maior, era formada exclusivamente por técnicos e pesquisadores alemães. Entre  eles: o zoólogo Adolfo Doering da universidade de Córdova, com seus auxiliares Carlos Berg e Eduardo Homberg, os botânicos Pablo Lorenz de Córdova e Gustavo Niederlein e o ornitólogo Frederico Schultz.

A expedição de Roca  que se prolongou pelos meses de abril, maio e junho foi um sucesso sob o aspecto militar. Ao final os 15000 índios estavam reduzidos a um milhar. O êxito militar veio acompanhado de resultados científicos não menos significativos. As observações e as conclusões dos cientistas sobre a região do Rio Negro foram reunidos numa edição ilustrada de luxo de três volumes. Os dados mostraram que o povoamento da Patagônia era viável.

Os passos iniciais concretos para o povoamento da Patagônia foram dados por outro oficial alemão do estado maior de Roca, o primeiro tenente prussiano Rhode que participara da expedição de Roca. Depois de percorrer a bacia do Rio Negro publicou em 1883 várias matérias  no jornal alemão de La Plata, defendendo o povoamento da região com imigrantes alemães. Foi sua a manifestação: "Necessitamos povoadores de raça germânica, não românicos, esses esperam tudo do governo". Rhode conquistou para sua causa o Dr. Chr. Heusser e Georg Klaraz, que desde 1863 se dedicavam à vitivinicultura nas imediações de Bahia Blanca. Um relato sobre a possibilidade do povoamento da Patagônia, publicado por Heusser na Suíça, contribuiu para atrair colonos alemães. 

O interior da Patagônia, próximo à Cordilheira, permaneceu ainda por algumas décadas região de colonização a partir do Chile. Encontramos entre esses povoadores um número considerável e alemães. Destacou-se, por ex., Albert Euchelmayer que instalou uma estância de muitos milhares de hectares, próximo a Junin de los Andes. Visitantes do estabelecimento não pouparam elogios à primorosa organização que transformou a estância num empreendimento modelo por Albert Euchelmayer e seu filho Alfredo, apesar das enormes distâncias de quatro dias de viagem até os centros civilizados mais próximos. O dentista mais próximo atendia no seu consultório em Temuco no Chile. A travessia dos Andes exigia nada menos do que quatro dias. Os suíços Camilo e Felipe Goye semearam  centeio e aveia na região, instalaram hortas e criaram gado. A eles se juntaram gradativamente  mais suíços e alemães, imprimindo um certo caráter europeu a toda região  dos lagos. San Carlos de Bariloche deve seu nome ao alemão Karl Wiederhold. 

A colonização do vale do Rio Negro, a partir da costa da Argentina, enfrentou dois grandes obstáculos. Em primeiro lugar foi preciso abrir vias de acesso à região e em segundo lugar colocar à disposição dos povoadores um eficiente sistema de irrigação. O problema do acesso ao Rio Negro e a comunicação com os centros maiores foi resolvido lentamente. Projetos de irrigação mal concebidos e tecnicamente pior executados aniquilaram os sonhos de uma colonização nos melhores padrões da época. Desta maneira os lotes  de 100 hectares que seriam entregues aos colonos não tinham serventia e desfez-se  o sonho de uma colonização modelo no Rio Negro. De outra parte esboroou-se a melhor das intenções do governo em amparar os colonizadores com auxílios financeiros, ao defrontar-se com um dos vícios mais nefastos da época. Os recursos evaporavam-se nas diversas instâncias burocráticas interpostas entre o tesouro e o destino final, os colonos no Rio Negro. A este problema veio somar-se mais um. Entre os imigrantes recém-chegados  havia uma porcentagem significativa de pessoas sem tradição na agricultura. A sorte dos povoadores, que em outras circunstâncias teria sido fatalmente trágica, teve contudo um final feliz. Informado sobre a situação de seus compatriotas, o embaixador alemão von Holleben, viajou até o Rio Negro. O relatório que elaborou levou à dissolução da colônia e à transferência dos colonos para Buenos Aires, às expensas do Estado. Como sempre acontece em situações do gênero, alguns poucos permaneceram  na região. Dedicaram-se a diversas profissões ou envolveram-se em projetos  de pomicultura, horticultura, vitivinicultura, produção de leite, etc. Mas o projeto como tal acabara. Com ele, porém, a ideia de um aproveitamento produtivo do vale do Rio Negro, não foi abandonada.

No relatório da sua viagem pela região em 1897, W. Alemann observou que a parte superior do vale do Rio Negro com o auxílio da imigração, poderia, ser transformada num polo produtor de horti-fruti-granjeiros. O maior obstáculo, além dos problemas de irrigação, continuavam sendo a falta de acesso por vias permanentes e  confiáveis. Depois do seu retorno a Buenos Aires, Alemann esboçou uma proposta de projeto na qual sugeria a irrigação da área ao longo do Rio Negro, a criação de uma companhia de  colonização, a produção em sistema cooperativo de  uvas, vinho, frutas, pastagens, complementada com as respectivas agroindústrias: fábricas de conservas, curtumes, frigoríficos, moinhos. As previsões se materializaram nas décadas seguintes entre 1900 e 1930. Uma parte do sonho de Alemann contudo não se concretizou. A companhia que se destinaria para a implantação de uma colonização alemã maciça não se efetivou. Na Villa Regina instalaram-se imigrantes italianos   em lotes de 10 a 15 hectares. Estas e outras localidades experimentaram um grande sucesso. Em 1929 escreveu a seguinte apreciação sobre a situação do Rio Negro: "Não se entende como um pedaço paradisíaco de terra como este, já há muito tempo não foi entregue a uma cultura intensiva..." Em seguida descreveu o estabelecimento modelo "Los Alamos" de Rosauer perto de Paso Peñaiva:

Um motor diesel de 50 cavalos bombeia a água do rio e irriga cerca de 50 hectares, destinados ao cultivo de um milhão de árvores. Uma administração exemplar conduz o empreendimento. Além das variedades de frutas produzidas no Rio Negro, cultivam-se duzentas variedades de rosas, árvores frutíferas e ornamentais. Essa estação de silvicultura é de grande significado para a integração da produção na região do Rio Negro". (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 203).

No início da década de 1930 havia em torno de 1500 alemães na região do Rio Negro. Sobre eles novamente o depoimento de E. F. Alemann:

Em toda a parte encontram-se alemães e pessoas falando alemão, ou na condição de sitiantes bem sucedidos, ou como comerciantes, ou como hoteleiros, ou como funcionários e empregados. A melhor cerveja de General Roca é obviamente servida numa hospedaria alemã, que dispõe de instalações de refrigeração. Mas acontece que nesta região de futuro promissor e favorável para o comércio, não existe um povoamento fechado de alemães". 

Para o sul da região do Rio Negro estendem-se as pastagens naturais da Patagônia. Os campos impróprios para a agricultura inviabilizaram todas as iniciativas  visando uma colonização de povoamento. A solução para o seu aproveitamento foi encontrada na criação de ovinos. W. Vallentin, um prussiano oriental que combatera contra os ingleses na guerra dos Boers, adquiriu em 1905 por concessão uma área de 450 quilômetros quadrados no vale do Rio Pico. Infelizmente este projeto ficou só no sonho. 

Bicentenário da Imigração - 19

Colonizações alemãs na Argentina

As primeiras quatro décadas que se seguiram à independência da Argentina, caracterizaram-se por sucessivas perturbações políticas. A acomodação das diferentes fações que se digladiaram durante as décadas de 1820, 1830, 1840 e 1850, custaram a encontrar um consenso mínio em torno das bases políticas, administrativas, econômicas e sociais  que deveriam  servir de base para o estado nacional. A batalha de Monte Caseros marcou o início de uma nova era para a construção nacional da Argentina. Mesmo assim os desentendimentos entre "unitaristas" e "federalistas" continuaram ainda durante dez anos, antes de se chegar finalmente a um acordo. Até aquele momento a capital da "Confederação Argentina" havia sido Paraná. Buenos Aires abandonara a "Confederação" por não aceitar Urquiza como presidente. Em 1861 Urquiza foi derrotado por Mitre, assumindo este a presidência da Argentina em 1862. Foram necessários mais alguns anos até concluir definitivamente a organização nacional, equacionando as diferentes forças políticas. 

É evidente que durante esse  período a prioridade máxima se concentrasse na consolidação das bases políticas e institucionais da nova República. Somente depois abriu-se espaço para a formulação de políticas de desenvolvimento e nesse contexto, de  políticas, legislações e regulamentos para a colonização por imigrantes estrangeiros dos territórios devolutos.

Foi a partir de meados do século XIX, portanto, que a Argentina começou a receber imigrantes não ibéricos. Tornou-se, ao lado dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Brasil e Chile, o destino dos imigrantes da Europa central e do norte. A corrente imigratória que desde então, até a década de 1940, afluiu à Argentina, era  composta principalmente por alemães e italianos. Como no caso do Brasil os alemães representavam o grupo numericamente menor. Apesar disto deixaram marcas indeléveis em várias regiões da Argentina, onde implantaram as suas colônias. Paralelamente surgiram comunidades alemãs urbanas em Buenos Aires,  Mendonça, Córdova e Rosário, desenvolvendo uma intensa vida cultural, associativa, educacional e religiosa. Werner Hoffmann caracterizou essa realidade em "Deutschen in Argentinien":

Mesmo que o elemento alemão em termos numéricos ficasse bem atrás dos imigrantes procedentes de outros países europeus, teve uma participação decisiva em todas as áreas do desenvolvimento do País. A história da germanidade na Argentina não é a história de uma colônia fechada sobre si mesma, isolada num mundo estranho, mas uma parte da história da Argentina. Seus portadores são gerações de homens de  origem alemã que legaram à terra dos seus filhos a herança da sua terra natal. (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 5)

Os assentamentos dos imigrantes alemães na Argentina durante o período da consolidação do estado nacional, concentraram-se, em grandes linhas, em três regiões: Patagônia, Chaco e Missiones. É preciso naturalmente acrescentar as comunidades urbanas de Buenos, Aires, Rosário, Córdova, Tucumán e outras. 

Passadas quase sete décadas da independência o território sob controle efetivo do governo da República Argentina, não ultrapassava significativamente  os limites do fim do período colonial. O grande Pampa, continuava isolando as estreitas faixas ao longo dos Andes e de ambas as margens do rio Paraná. O Pampa, a Patagônia e o Chaco encontravam-se nas mãos dos índios e as matas pluviais com seus excelentes solos, o "ouro verde, a yerba", e a riqueza em madeiras nobres, aguardavam a chegada dos colonos que mais tarde viriam do Sul do Brasil e da Europa. Durante as décadas de 1850 e 1860 os governos argentinos tiveram que enfrentar o grande desafio do controle das regiões dominadas pelos  índios. Neste jogo de forças entre as expedições governamentais e os nativos, os avanços e recuos de ambas as partes se prolongaram durante duas décadas. A dilatação do espaço controlado pelo governo central começou a definir-se com a "expedição ao deserto" do general Roca e a construção da ferrovia Rosário-Córdova. Os índios mantidos sob controle pela diplomacia e pela força por Rosas em 1652, avançaram novamente  as fronteiras. O major Bartolomé Miter empreendeu então, em 1855, saindo de Azul, uma desastrada expedição em direção ao Pampa. O resultado foi a consolidação da "fronteira sangrenta", que se estendia de Bahia Blanca a Pergamino. Tratava-se,  na verdade, de uma terra de ninguém, sem autoridade e sem lei. A situação dessa "frontera" mereceu a descrição:

Considerando que as tribos de índios no sul do País, mal somavam 15000 indivíduos, não se entende porque foi preciso tanto tempo para neutralizá-los. Já que os selvagens não dispunham de armas modernas, não estavam em condições e resistir a um exército treinado. Acontece que contra eles nunca foi enviado um exército, não por razões filantrópicas, mas porque políticos e comerciantes se aproveitavam da "frontera" para seus próprios negócios escusos. Durante meses e até anos os regimentos acantonados nos fortes de fronteira, não recebiam soldos. O dinheiro vindo de Buenos Aires e destinado para o  pagamento, desfazia-se como um bloco de gelo, ao longo do caminho da burocracia, passando por muitas mãos, antes de chegar ao destino. As tropas não dispunham nem de armas nem de cavalos, pois os fornecedores estavam mancomunados com oficiais e funcionários sem escrúpulos. Não entregavam nada mais além de sobras. O próprio abastecimento estava abaixo de toda a crítica. O fornecimento de gêneros alimentícios fora confiado a firmas particulares mediante comissionamento público. Não forneciam nem a décima parte a que se comprometiam nos documentos. Em poucos anos os oficiais que participavam dos negócios dos fornecedores tornavam-se homens abastados. Que os soldados não se amotinassem entende-se pelo fato de as tropas serem predominantemente integradas por criminosos e vagabundos, incorporados à força. Obviamente não alimentavam nenhum interesse sério no combate aos índios. Interessava-lhes unicamente como fazer para que alguma coisa do espólio terminasse em suas mãos. Os ataques aos selvagens ofereciam uma boa oportunidade. Nas ocasiões em que uma tropa de gado era subtraída a alguma estância, os oficiais e soldados compravam os couros por pouco dinheiro e os passavam adiante para outros compradores, os quais, por sua vez faziam ainda um bom negócio. Acontecia também que os índios vendessem  o gado ao próprio dono original. Assim todos na "frontera", menos os estancieiros prejudicados, tinham como se manter". (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 177-178)

A situação acima descrita só não se prolongou por mais tempo porque os índios se tornaram cada vez mais agressivos e mais afoitos, durante a epidemia de cólera e a guerra contra o Paraguai. Uma outra ameaça esboçava-se pelo sudoeste. Os chilenos cruzavam os Andes em número crescente pondo em risco a soberania argentina sobre a Patagônia. O presidente Avellaneda resolveu agir energicamente para controlar a situação. Encarregou seu ministro da guerra, o general Julio Roca para submeter os índios. Em 14 de agosto de 1878 foi oficialmente incumbido de conquistar as 15000 milhas quadradas da Patagônia. O cumprimento desta missão implicava numa dupla tarefa: neutralizar e eliminar tanto a "frontera da corrupção" quanto a "frontera das carnificinas".  

O general Roca, primeiro comandante com formação científica do exército argentino, estudou cuidadosamente as condições geográficas, as possibilidades de deslocamento, as vias de penetração para o interior do território e as estratégias militares mais adequadas. Os subsídios básicos de que se valeu encontravam-se registrados  num relatório elaborado e entregue em 1873 no ministério da guerra pelos oficiais Frederico Melchert, Francisco Horst e Jordán Wysowski. Baseado nestes relatórios encarregou o futuro general Lorenzo Winter para explorar o rio Colorado e o major Horst o rio Negro.