Colonizações alemãs no Brasil.
Entre os países da América Latina onde foram implantados projetos de colonização com imigrantes alemães, a primeira iniciativa coube, historicamente falando, ao Brasil. Depois que a colonização em escala maior por açorianos se mostrou impraticável, a administração colonial optou por convidar colonos de outras regiões da Europa. A exclusão dos ingleses, franceses e holandeses se entende por razões históricas óbvias. Estes estiveram presentes no Brasil desde o início do período colonial disputando com os portugueses a soberania de regiões inteiras da Colônia. Um motivo semelhante desaconselhava de todo em todo o ingresso de espanhóis no território brasileiro na condição de povoadores. Na prática teria significado abdicar da luta pela posse de vastos territórios das fronteiras em disputa, sobretudo na região do Prata. As preferências voltaram-se então para imigrantes procedentes da Europa Central e do Norte. As razões da opção por alemães, italianos e outros, resumiram-se basicamente na tradição camponesa milenar em pequenas propriedades desses povos e o fato de nunca se terem intrometido na soberania da Colônia. Com certeza influiu também a experiência positiva de outros países de imigração, como por ex., os Estados Unidos, onde os imigrantes alemães e italianos, contavam entre os colonizadores mais disciplinados, mais empreendedores e mais bem sucedidos. O casamento do príncipe D. Pedro com a princesa austríaca Leopoldina, acrescentou mais um motivo para a preferência pelos alemães.
Os primeiros assentamentos de colonos aconteceram, ainda antes da independência, na Bahia com as colônias Leopoldina e Frankental e no Rio de Janeiro na região de Petrópolis.
Entretanto a colonização alemã que iria marcar definitivamente regiões inteiras do País, concentrou-se nos três estados do sul: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A ocupação por europeus dos grandes espaços vazios, cobertos de florestas, fazia parte do projeto do Império que, no seu bojo visava vários objetivos. Entre eles merecem destaque: a colonização sistemática e intensiva das terras devolutas, a implantação de um modelo de pequena propriedade familiar, a formação de uma classe média rural, o incremento da produção diversificada de alimentos, o branqueamento da raça, o fornecimento de suprimentos para as tropas envolvidas nas guerras de fronteira e a própria consolidação das fronteiras.
Foi com essas expectativas, alimentadas pelo governo imperial, que ocorreu a implantação do primeiro núcleo de colonização em 1824, na fazenda do Linho Cânhamo em São Leopoldo. A Colônia Alemã de São Leopoldo, como passaria a ser conhecida na história da imigração no Brasil, foi realmente o ponto de partida e o paradigma que orientou as colonizações até 1980 em vastas áreas dos três estados há pouco mencionados. Vencidas as dificuldades iniciais as comunidades solidamente organizadas em torno de sua igreja, escola, cemitério, casa de comércio, artesanatos, clubes e associações, foram-se multiplicando com muita rapidez. Uma alta taxa de natalidade somada a um baixa mortalidade infantil e, até o início da primeira guerra mundial, o aporte de novos imigrantes, alimentaram essa dinâmica.
Num esboço muito sucinto essa história de 200 anos da imigração alemã no sul do Brasil, pode ser resumida mais ou menos assim: O primeiro núcleo definitivo foi instalado na Real Feitoria do Linho Cânhamo em São Leopoldo em 1824. A ele seguiram-se mais tarde em 1827 dois outros no Rio Grande do Sul, independentes do primeiro: São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas, ambas nas imediações de Torres. Vinte e poucos anos mais tarde, a partir de década de 1850, foram-se instalando os primeiros núcleos de colonização alemã em Santa Catarina, tendo Blumeau como matriz. A Blumenau seguiram-se: Joinville, Brusque, Pomerode, Rio do Sul, São Bento, Mafra, Forquilhinha e muitos outros.
Cada um desses polos de irradiação, o de São Leopoldo no Rio Grande do Sul e o de Blumenau e Joinvile em Santa Catarina, seguiu dinâmicas semelhantes mas independentes um do outro. Acompanhemos primeiro o mais antigo, o da Colônia Alemã de São Leopoldo. Apenas a título de observação vale lembrar que as colônias de São Pedro de Alcântara e Três Forquilhas ficaram, durante um século, praticamente confinadas no isolamento do litoral norte do Rio Grande do Sul.
Voltemos à Colônia de São Leopoldo. Vencidas as dificuldades iniciais os imigrantes e seus descendentes da Colônia de São Leopoldo não demoraram em implantar suas comunidades em áreas próximas. O processo de expansão colonial começara. Como já foi dito mais acima, dois foram os fatores principais que impulsionaram o processo: o crescimento vegetativo da população e o afluxo de novos imigrantes. Já a partir da década de 1850 a primeira geração nascida no Brasil, chegara à idade de procurar o seu próprio lote de terra. Ora, é por todos conhecido que as famílias eram numerosas ao mesmo tempo em que a mortalidade infantil situava-se em patamares relativamente baixos para a época.
De outra parte os lotes coloniais com suas dimensões reduzidas não recomendavam mais do que uma ou no máximo duas divisões. Levantamentos realizados na época mostram que cada 1000 famílias geravam, na média por ano, nada menos do que 200 excedentes, candidatos naturais a novos lotes. Tendo-se em vista que o crescimento vegetativo de uma população avança em progressão geométrica, fica fácil imaginar a movimentação no meio colonial.
Já o final da primeira década após o início da imigração alemã, marcou o começo da ocupação das terras fora dos limites da área inicial destinada para a colonização. Na obra Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul - (1824-1924), o Pe. Theodor Amstad descreveu assim a situação:
No começo da Guerra dos Farrapos, como já foi dito, está ocupada somente a parte anterior e plana da colônia governamental de São Leopoldo e a primeira parcela das três picadas: Dois Irmãos, Picada Berghan e Picada dos Portugueses. Poucos povoadores, como por ex., M. Mombach, arriscaram-se a cruzar o topo dos primeiros morros. Já em 1832, na Picada dos Portugueses, foi preciso desistir dos postos avançados do Fritzenberg e Rosental e concentrar-se mais na parte baixa, por causa do ataque dos bugres. Somente na década de quarenta, ao terminar a Guerra dos Farrapos, arriscou-se a ocupação das áreas mais afastadas das Picadas. (Cem anos de germanidade, 1999).
A retirada dos subsídios para a imigração em 1831 estagnou quase por completo a corrente imigratória. A Guerra dos Farrapos, 1835-1845, terminou por desestimular definitivamente a vinda de imigrantes. O término desta guerra marcou a retomada da imigração e o início sistemático da ocupação das áreas periféricas do núcleo original da imigração. Nos dez anos que se seguiram entre 1845 e 1855, o avanço da colonização teve como alvos preferenciais o vale do rio Feitoria, afluente do rio Cai, tendo a Picada de Dois Irmãos como ponto de irradiação e o Rio Cadeia, também afluente da margem esquerda do rio Caí, onde a Picada dos Portugueses serviu de referência mais importante. Foram sendo sucessivamente povoados o Bugerberg ou Bucherberg, Jammertal e a Walachei. Em seguida o avanço tomou o rumo do Erval.
Uma dinâmica semelhante impulsionou o povoamento das porções posteriores das Picadas dos Berghan e da Picada dos Portugueses. Neste processo destacaram-se Bohnental, Linha Nova, Schneiderstal, Holanda e Picada Café, com suas diversas ramificações.
A obra já citada "Cem Anos de Germanidade" resumiu assim os 25 primeiros anos da expansão colonial:
É lícito afirmar então que em meados dos anos cinquenta as terras postas à disposição para a colonização pelo governo imperial nas três picadas antigas, estavam em linhas gerais povoadas. A Picada Feliz, que veio somar-se em 1845, contava na época com 90 a 100 famílias, podendo ser considerada ocupada, tomando em consideração as condições populacionais da época. Nada mais natural então que muitos pais de família numerosa e muitos jovens empreendedores da colônia, procurassem terras favoráveis em outra parte (Cem anos de germanidade, (1999, p. 108)