Bicentenário da Imigração - 20

A missão do general Roca não se resumia, porém, em assegurar militarmente a Patagônia. Deveria ser apenas o pressuposto para abrir a região ao povoamento e incorporá-la no contexto produtivo nacional. Com a finalidade de avaliar e mapear o potencial econômico, fez participar da sua expedição um considerável contingente de peritos e especialistas, encarregados de avaliar  as condições  do solo, a flora, a fauna, os recursos minerais, além  das possibilidades de colonização sistemática. A comissão científica para o rio Negro junto ao estado maior, era formada exclusivamente por técnicos e pesquisadores alemães. Entre  eles: o zoólogo Adolfo Doering da universidade de Córdova, com seus auxiliares Carlos Berg e Eduardo Homberg, os botânicos Pablo Lorenz de Córdova e Gustavo Niederlein e o ornitólogo Frederico Schultz.

A expedição de Roca  que se prolongou pelos meses de abril, maio e junho foi um sucesso sob o aspecto militar. Ao final os 15000 índios estavam reduzidos a um milhar. O êxito militar veio acompanhado de resultados científicos não menos significativos. As observações e as conclusões dos cientistas sobre a região do Rio Negro foram reunidos numa edição ilustrada de luxo de três volumes. Os dados mostraram que o povoamento da Patagônia era viável.

Os passos iniciais concretos para o povoamento da Patagônia foram dados por outro oficial alemão do estado maior de Roca, o primeiro tenente prussiano Rhode que participara da expedição de Roca. Depois de percorrer a bacia do Rio Negro publicou em 1883 várias matérias  no jornal alemão de La Plata, defendendo o povoamento da região com imigrantes alemães. Foi sua a manifestação: "Necessitamos povoadores de raça germânica, não românicos, esses esperam tudo do governo". Rhode conquistou para sua causa o Dr. Chr. Heusser e Georg Klaraz, que desde 1863 se dedicavam à vitivinicultura nas imediações de Bahia Blanca. Um relato sobre a possibilidade do povoamento da Patagônia, publicado por Heusser na Suíça, contribuiu para atrair colonos alemães. 

O interior da Patagônia, próximo à Cordilheira, permaneceu ainda por algumas décadas região de colonização a partir do Chile. Encontramos entre esses povoadores um número considerável e alemães. Destacou-se, por ex., Albert Euchelmayer que instalou uma estância de muitos milhares de hectares, próximo a Junin de los Andes. Visitantes do estabelecimento não pouparam elogios à primorosa organização que transformou a estância num empreendimento modelo por Albert Euchelmayer e seu filho Alfredo, apesar das enormes distâncias de quatro dias de viagem até os centros civilizados mais próximos. O dentista mais próximo atendia no seu consultório em Temuco no Chile. A travessia dos Andes exigia nada menos do que quatro dias. Os suíços Camilo e Felipe Goye semearam  centeio e aveia na região, instalaram hortas e criaram gado. A eles se juntaram gradativamente  mais suíços e alemães, imprimindo um certo caráter europeu a toda região  dos lagos. San Carlos de Bariloche deve seu nome ao alemão Karl Wiederhold. 

A colonização do vale do Rio Negro, a partir da costa da Argentina, enfrentou dois grandes obstáculos. Em primeiro lugar foi preciso abrir vias de acesso à região e em segundo lugar colocar à disposição dos povoadores um eficiente sistema de irrigação. O problema do acesso ao Rio Negro e a comunicação com os centros maiores foi resolvido lentamente. Projetos de irrigação mal concebidos e tecnicamente pior executados aniquilaram os sonhos de uma colonização nos melhores padrões da época. Desta maneira os lotes  de 100 hectares que seriam entregues aos colonos não tinham serventia e desfez-se  o sonho de uma colonização modelo no Rio Negro. De outra parte esboroou-se a melhor das intenções do governo em amparar os colonizadores com auxílios financeiros, ao defrontar-se com um dos vícios mais nefastos da época. Os recursos evaporavam-se nas diversas instâncias burocráticas interpostas entre o tesouro e o destino final, os colonos no Rio Negro. A este problema veio somar-se mais um. Entre os imigrantes recém-chegados  havia uma porcentagem significativa de pessoas sem tradição na agricultura. A sorte dos povoadores, que em outras circunstâncias teria sido fatalmente trágica, teve contudo um final feliz. Informado sobre a situação de seus compatriotas, o embaixador alemão von Holleben, viajou até o Rio Negro. O relatório que elaborou levou à dissolução da colônia e à transferência dos colonos para Buenos Aires, às expensas do Estado. Como sempre acontece em situações do gênero, alguns poucos permaneceram  na região. Dedicaram-se a diversas profissões ou envolveram-se em projetos  de pomicultura, horticultura, vitivinicultura, produção de leite, etc. Mas o projeto como tal acabara. Com ele, porém, a ideia de um aproveitamento produtivo do vale do Rio Negro, não foi abandonada.

No relatório da sua viagem pela região em 1897, W. Alemann observou que a parte superior do vale do Rio Negro com o auxílio da imigração, poderia, ser transformada num polo produtor de horti-fruti-granjeiros. O maior obstáculo, além dos problemas de irrigação, continuavam sendo a falta de acesso por vias permanentes e  confiáveis. Depois do seu retorno a Buenos Aires, Alemann esboçou uma proposta de projeto na qual sugeria a irrigação da área ao longo do Rio Negro, a criação de uma companhia de  colonização, a produção em sistema cooperativo de  uvas, vinho, frutas, pastagens, complementada com as respectivas agroindústrias: fábricas de conservas, curtumes, frigoríficos, moinhos. As previsões se materializaram nas décadas seguintes entre 1900 e 1930. Uma parte do sonho de Alemann contudo não se concretizou. A companhia que se destinaria para a implantação de uma colonização alemã maciça não se efetivou. Na Villa Regina instalaram-se imigrantes italianos   em lotes de 10 a 15 hectares. Estas e outras localidades experimentaram um grande sucesso. Em 1929 escreveu a seguinte apreciação sobre a situação do Rio Negro: "Não se entende como um pedaço paradisíaco de terra como este, já há muito tempo não foi entregue a uma cultura intensiva..." Em seguida descreveu o estabelecimento modelo "Los Alamos" de Rosauer perto de Paso Peñaiva:

Um motor diesel de 50 cavalos bombeia a água do rio e irriga cerca de 50 hectares, destinados ao cultivo de um milhão de árvores. Uma administração exemplar conduz o empreendimento. Além das variedades de frutas produzidas no Rio Negro, cultivam-se duzentas variedades de rosas, árvores frutíferas e ornamentais. Essa estação de silvicultura é de grande significado para a integração da produção na região do Rio Negro". (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 203).

No início da década de 1930 havia em torno de 1500 alemães na região do Rio Negro. Sobre eles novamente o depoimento de E. F. Alemann:

Em toda a parte encontram-se alemães e pessoas falando alemão, ou na condição de sitiantes bem sucedidos, ou como comerciantes, ou como hoteleiros, ou como funcionários e empregados. A melhor cerveja de General Roca é obviamente servida numa hospedaria alemã, que dispõe de instalações de refrigeração. Mas acontece que nesta região de futuro promissor e favorável para o comércio, não existe um povoamento fechado de alemães". 

Para o sul da região do Rio Negro estendem-se as pastagens naturais da Patagônia. Os campos impróprios para a agricultura inviabilizaram todas as iniciativas  visando uma colonização de povoamento. A solução para o seu aproveitamento foi encontrada na criação de ovinos. W. Vallentin, um prussiano oriental que combatera contra os ingleses na guerra dos Boers, adquiriu em 1905 por concessão uma área de 450 quilômetros quadrados no vale do Rio Pico. Infelizmente este projeto ficou só no sonho. 

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