As áreas colonizadas até aqui tinham sido de propriedade do Governo Imperial. Em torno delas localizavam-se extensões de maior ou menor tamanho em mãos de particulares, tanto no curso médio e superior do rio dos Sinos e seus afluentes, como do Caí e Taquari em toda a sua extensão. Foi sobre essas matas que a lógica do avanço orientou o fluxo colonizador. As terras em ambas as margens do Santa Maria (Paranhana), pertenciam a Tristão Monteiro. Batizou-as com o sugestivo nome de Mundo Novo quando começou a colonizá-las com imigrantes alemães. O povoamento do Mundo Novo iniciou efetivamente em 1847 e prolongou-se até o final da década de 1870, quando contava com 284 famílias, das quais apenas 10 não eram de origem alemã. Vizinha ao Mundo Novo ficava a Fazenda Padre Eterno, vendida em lotes aos colonos pelo proprietário o Barão do Jacuí. Idêntico caminho tomou na mesma época a família Leão, proprietária do "Leonerhof" (Sapiranga e arredores). O prolongamento da colônia da Feitoria, o Morro Pelado na margem do rio dos Sinos, foi colonizado por seus donos Chico Santos e Fialho.
Simultaneamente às colonizações ao leste do núcleo inicial de São Leopoldo no vale do rio dos Sinos, intensificou-se o avanço para o oeste e o norte, para dentro do vale do rio Caí. Todas essas terras de alta fertilidade, encontravam-se em mãos de particulares e uma parte menor sob jurisdição imperial. Estendiam-se ao longo das margens do Caí e de seus quatro principais afluentes: o Forromeco, o Salvador e o Maratá na margem direita e o Cadeia na esquerda. Os donos dessas terras as lotearam e venderam aos colonos procedentes, na sua maioria das áreas antigas da colonização no vale do Sinos e em menor número diretamente imigrados da Alemanha.
Na mesma época em que o vale do rio Caí foi colonizado, iniciou-se o povoamento do vale do Taquari. Na grande maioria também esses colonos procederam das colônias mais antigas do Sinos. O avanço se deu num ritmo impressionante. Todo o vale do Caí e todo o vale do Taquari foram por assim dizer, tomados de assalto e conquistados ao mesmo tempo. Como aconteceu no Caí também no Taquari pertenciam a proprietários particulares. Os dois mais conhecidos no Taquari foram Vito Mena Barreto na margem esquerda e Antônio Fialho na margem direita. Não demorou e as terras férteis do rio Forqueta fossem incorporadas na frente de colonização. O mesmo se repetiria mais para o interior na margem esquerda do Taquari com a colonização de Teutônia. Na margem direita o avanço tomou a direção de Santa Clara, Sampaio, Venâncio Aires, Santa Emília e arredores. As terras do Governo de Monte Alverne fora colonizadas na mesma época e serviram de ligação para a colônia de Santa Cruz e Rio Pardinho.
O avanço da colonização, a começar por Taquara do Mundo Novo até Santa Cruz dp Sul, incorporara as terras mais planas dos cursos médios dos rios. Os vales mais afastados e as encostas da Serra, em mãos de proprietários menores, entraram no mesmo processo a partir de 1875. Em questão de 20 anos todas as terras de alguma forma aproveitáveis haviam sido ocupadas. Apesar das dificuldades da topografia e da distância dos centros maiores, contribuíram com uma parcela significativa dos produtos básicos da época: feijão, milho, banha e na região de Santa Cruz e Venâncio Aires, tabaco. Neste avanço incluíram-se também as colonizações mais ao sul como Rincão del Rei e as localizadas entre Candelária e Santa Maria.
No decorrer da década de 1880 haviam-se esgotado as últimas reservas de terras disponíveis nas bacias dos rios dos Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí. Nas colônias aí existentes, porém, a pressão por mais e mais terras virgens aumentava a cada dia. Na época a única forma capaz de aliviar essa tensão, encontrava-se na abertura de novas fronteiras de colonização. Desta vez a lógica apontava para o norte e para o oeste em direção às imensas áreas cobertas de mata virgem, encobrindo solos e topografia altamente favoráveis. Foi nesta direção que se orientou então o fluxo migratório a partir da década de 1890.
Em 1890 abriram-se as primeiras clareiras na mata onde hoje floresce Ijuí, a metrópole da Serra. O Pe. Amstad comparou Ijuí a São Leopoldo. Assim como São Leopoldo foi centro de irradiação das chamadas colônias antigas, ou colônias "velhas", assim Ijuí desempenhava o papel de centro de irradiação das colônias "novas" no norte e no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. A partir daí a região transformou-se num grande laboratório de experiências de colonização. Entre os anos de 1890 e 1930 foram implantados no mínimo quatro modelos. Ijuí foi uma iniciativa do governo federal, Santa Rosa do governo estadual e Santo Ângelo um projeto municipal. Todas as demais colonizações foram empreendimentos particulares, ou de empresas, ou de pessoas físicas, ou de associações. Na sua monumental obra comemorativa do centenário da imigração, o Pe. Amstad resumiu assim a colonização de toda essa região:
Com essas colonizações abrira-se o espaço para os excedentes populacionais das colônias antigas. E no fim da revolução em 1895 começou um novo e alegre movimento migratório. As mudanças aconteciam via trem, a cavalo, de carro e até em carroças de boi. Não raro podia-se assistir ao espetáculo inusitado como pessoas que até aquele momento mal haviam ultrapassado os marcos de fronteira de seu município, carregavam com toda a naturalidade seus pertences numa carroça, passando três a quatro semanas peregrinando, até alcançarem o extremo noroeste do nosso Estado, em Cerro Azul, Pirapó, ljuí, Serro Pelado, para aí construírem sua nova Querência.
Tempos difíceis esperavam para breve pelas aves de arribação. Gafanhotos, seca e por fim os ratos migratórios tornaram a vida amarga. Mas o tempo de penúria passou e quando os pioneiros e os mais pobres tinham aberto a brecha, seguiu um reforço financeiramente mais bem dotado, gente com dinheiro. Adquiriram muitas vezes, complexos de terras maiores também na colônia de Guarani pertencente ao governo. Em questão de 10 a 15 anos o rio Ijuí, de Cerro Azul até a sua desembocadura no rio Uruguai, numa extensão de 70 a 80 quilômetros, fora ocupado. Acabara-se de fundar a São Leopoldo do século XX.
Fato semelhante se verifica com as colônias de Passo Fundo e Cruz Alta. A diferença é que nelas residia uma população étnica e confessionalmente mais mesclada. Mesmo assim encontram-se nesta região distritos coloniais de exclusiva descendência alemã, como é o caso da Colônia Selbach, Barra do Colorado, Neu Würtemberg, General Osório e outras. Desta forma, também aí os excedentes das colônias antigas encontraram assentamentos novos fechados. Quem hoje visitar as colônias de Passo Fundo, Palmeira, Cruz Alta, Santo Ângelo e São Luiz, pode estar certo de encontrar ali assentados conhecidos procedentes das colônias antigas. Já se desenvolveu um ativo intercâmbio entre o norte e o sul e entre o leste e o oeste e não se constitui numa raridade que famílias inteiras das colônias novas, locomovendo-se em carroças, vão fazer visitas nas colônias velhas. E exatamente nessas visitas acontece que, muitas vezes, os hóspedes das colônias velhas adquirem terras para si e seus filhos, quando as circunstâncias das novas colônias agradam. Em muitas dessas visitas segue então, num prazo mais curto ou mais longo, a correspondente transferência para os novos assentamentos, os quais tomam rapidamente um acelerado ritmo de progresso, impulsionado pelos colonos acostumados ao trabalho.
Um pouco mais adiante o Pe. Amstad chega a falar de uma verdadeira febre migratória que teria acometido os colonos de todas as regiões do Rio Grande do Sul, entre os anos de 1910 e 1920:
Havia duas razões que explicam o surgimento do fenômeno nada desejável da febre de emigração: o sistema de colonização do governo estadual do Rio Grande do Sul e a especulação dos compradores e vendedores de terras.
Já que a maioria das colônias particulares e das pertencentes a companhias colonizadoras, haviam sido ocupadas, restavam aos colonos à procura de terra para assentamentos, as colônias do governo. O sistema de colonização dos atuais governantes positivistas, consiste em abrir colônias mistas, nas quais são assentadas misturadas pessoas das mais diversas nacionalidades. Esse sistema não agrada nem aos colonos de descendência alemã, nem aos de descendência italiana, nem aos de descendência polonesa. Isto fez com que, durante os últimos dez anos, os melhores elementos, possuidores de mais capital, fossem fixar-se fora do nosso Estado em colônias confessionais e etnicamente separadas, em Santa Catarina, Paraná e Argentina. (Cem anos de germanidade, 1999, p. 128-131)
Depois da primeira grande guerra a febre migratória empurrara os excedentes tanto das colônias alemãs como das italianas, até a barranca do rio Uruguai em toda a extensão norte e noroeste do Estado. As matas virgens praticamente intactas da margem direita do rio, tanto no vizinho estado de Santa Catarina como na Argentina estimularam com seu fascínio ainda mais o ímpeto da nova geração à procura de terra.
Três foram as áreas que canalizaram as atenções dos novos pioneiros: o vale do rio do Peixe na região central de Santa Catarina, o extremo oeste do mesmo estado e a Província de Missiones na Argentina. Colonos procedentes das mais diversas localidades das antigas colônias no Rio Grande do Sul, povoaram toda a área que atualmente tem como centro a cidade de Joaçaba. Outros ultrapassaram essa região para irem fundar Porto União e União da Vitória, em ambas as margens do rio Iguaçu, no extremo norte de Santa Catarina e no sul do Paraná. No extremo oeste a colonização irradiou-se de dois núcleos iniciais mais importantes: Porto Feliz, hoje Mondaí e Porto Novo, a Itapiranga de hoje. A partir deles, em questão de 30 anos, todo o oeste de Santa Catarina foi incorporado ao fluxo da colonização.
A colonização de grande parte da Província argentina de Missiones: Posadas, Puerto Rico, Monte Carlo, San Aberto, Eldorado, etc., foi citada quando examinamos a colonização alemã na Argentina.
Já no final da década de 1950 a ordem "vamos para as colônias novas", que impulsionara a colonização do norte do Rio Grande do Sul e o centro e o oeste de Santa Catarina, foi substituída por outra palavra de ordem: "vamos ao Paraná". Milhares de colonos procedentes de todas as regiões do Rio Grande do Sul, somados à primeira geração de excedentes de Santa Catarina, avançaram sobre as novas fronteiras de colonização no oeste do Paraná. O ritmo foi ainda mais acelerado e mais intenso do que nas etapas anteriores. Em praticamente um geração as áreas disponíveis na região estavam colonizadas.
No decorrer das décadas de 1980 e 1990 o fluxo migratório avançou pelo Mato Grosso do Sul e pelo Mato Grosso, Rondônia e Acre, para, enfim, alcançar a fronteira norte do País no estado do Rio Branco. Na mesma época aconteceu a participação de agricultores vindos do sul, muitos deles descendentes de imigrantes alemães, em projetos de colonização e empreendimentos agrícolas diversos na Bahia, no Maranhão, no Pará e até no Amapá, de modo mais intenso, porém, nos cerrados de Goiás e Mato Grosso tanto do Sul quanto do Norte
Conclusão
O estudo comparativo entre as colonizações alemãs no Brasil, Argentina e Chile, que acabamos de apresentar, mostram no atacado muitas semelhanças. Nos três países existiam no início do século XIX imensas áreas econômica, social e politicamente à margem dos estados. No Chile estendiam-se, em grandes linhas, da cidade de Temuco para o sul, até Puerto Montt, Puerto Varas e a ilha de Chiloe. O filé dessas terras situava-se nas proximidades do lago de Lhanguihe. Na verdade elas constituíam o território dos índios Mapuches e costumava ser tratada como "frontera". O termo sugere uma situação de indefinição de posse até uma indefinição de soberania do Estado Chileno, recém independente, sobre a região. Impunha-se, portanto a necessidade e além da necessidade a urgência de garantir a soberania o que implicava na consolidação da "frontera" no sul.
A soberania colocava-se como pressuposto para o aproveitamento do seu potencial econômico. Tratava-se de extensas áreas planas de terras próprias para a agricultura cobertas de densas florestas virgens. Elas abrigavam solos férteis e reservas incalculáveis de madeira, sob um clima relativamente ameno. Tornar produtivas essas terras mediante o povoamento sistemático por colonos alemães, pareceu a solução mais prática para as autoridades chilenas. A imigração alemã a partir do final de 1840, contribuiu decisivamente para a integração da região no todo nacional e transformá-la numa rica fonte de produtos agro-pecuários. A inóspita paisagem mudou rapidamente de feição. No lugar das florestas selvagens na orla do lago de Lhanguihe e das costas do oceano Pacífico, a laboriosidade e a maneira de ser dos imigrantes, plasmou uma paisagem humanizada inédita no País. Em volta dos centros maiores de polarização como Puerto Montt, Puerto Varas, Puerto Arenas, Frutillar, Valdivia, Osorno, Concepción, etc... multiplicaram-se centenas de comunidades. Os colonos proprietários de pequenas glebas familiares, dedicavam-se em tempo integral à tarefa de tornar produtiva a terra e fazer florescer uma intensa vida religiosa e cultural, polarizada pelas igrejas, as escolas, as associações, as sociedades, os clubes, etc.
Em várias regiões da Argentina verificava-se, na mesma época, uma situação muito parecida com a do Chile, porém, mais complexa e mais heterogênea. Em vez de uma região passível de colonização compacta a Argentina oferecia três: os vales dos rios Negro e Colorado, o chaco e a bacia média e superior do rio Paraná, nas províncias de Entre Rios e Missiones. Também para essa tarefa foram convidados colonos alemães. Pode-se concluir que o objetivo principal da colonização dessa s regiões, foi o mesmo daquele do Chile, isto é, consolidar a soberania sobre elas e incorporá-las no esquema produtivo do País, mediante uma colonização sistemática. No caso argentino a questão indígena assumiu proporções muito mais importantes do que no Chile. A região do rio Negro e Colorado e a do Chaco abrigavam numerosas populações nativas que foram subjugadas e em grande parte exterminadas. No rio Negro e Colorado havia ainda o risco da apropriação das terras por chilenos, entre os quais um número expressivo de alemães, vindos do outro lado dos Andes.
As colônias alemãs mais numerosas e mais importantes foram implantadas no curso médio e superior do Paraná, em Entre Rios e Missiones, durante toda a segunda metade do século XIX e nas três primeiras décadas do século XX. Na sua essência não diferem muito estrutural e institucionalmente daquelas do sul do Chile e do Chaco.
A mais extensa e a mais antiga das colonizações alemãs na América Latina aconteceu no Brasil, a partir de 1824. O núcleo irradiador inicial foi implantado na fazenda real do Linho Cânhamo em São Leopoldo no Rio Grande do Sul. A partir dele a expansão da colonização tomou o rumo oeste até Santa Maria no centro do Estado, numa extensão de mais ou menos 70 por 400 quilômetros. No final do século dezenove tomou o rumo norte e noroeste e na primeira metade do século vinte avançou pelo oeste de Santa Catarina e o Paraná. Um segundo polo irradiador iniciou-se na década de 1850 no leste de Santa Catarina e um terceiro menos importante no Espírito Santo bem mais confinado do que dois anteriores. Aproximadamente a terça parte da paisagem humana do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina e boa parte do oeste do Paraná, exibe, ainda hoje, os traços inconfundíveis da presença e das tradições alemãs.
Como avaliação geral é lícito afirmar que as colonizações alemãs no Chile, na Argentina e no Brasil, cumpriram basicamente a mesma função: povoar grandes regiões vazias com imigrantes capazes de fazê-las produtivas, incorporá-las no todo nacional, estimular um modelo agrícola alternativo ao existente e tornar os respectivos países socialmente mais equilibrados com uma classe média sólida e bem constituída. É o óbvio que em cada caso particular seja possível detectar nuances mais ou menos importantes, fruto das peculiaridades físico geográficas, étnicas e culturais, com que os imigrantes alemães se defrontaram.