Bicentenário da Imigração - 21

A partir do final do século dezenove começou a ocupação definitiva da região com pioneiros vindos da costa do Atlântico, entre eles muitos alemães. Uma lista de nomes figura como exemplar na história da Patagônia. Nela sobressai o nome de Richard Fischer, natural de Leipzig. Instalou no território de Chubut uma estância modelo para criação de ovelhas. Em 1924 contava com 6000 cabeças. Quase ao mesmo tempo chegaram à região o suíço Friedrich Karl Tschudi e o badense Schelkly que se associaram a Fischer. Os três irmãos Miche, naturais de Berna, instalaram fazendas de criação de ovelhas. As fábricas de tecidos Mitau e Grether  adquiriram terras e fundaram a "Estanzia Marieg". Os criadores alemães de ovinos espalharam-se por toda a Patagônia. Grandes casas como Staudt, Lahnsen e Plate, sediadas em Buenos Aires, instalaram empreendimentos modelo na Patagônia. 

A bem sucedida criação de ovelhas estimulou o surgimento de frigoríficos especializados no processamento de carne ovina e o comércio de lã predominantemente controlado por alemães. 

O isolamento e a dificuldade de acesso  fez com que o Chaco se transformasse no refúgio natural dos índios cada vez mias acuados pelo avanço dos europeus. Ainda nos anos de 1880 as comunidades alemãs e suíças na região de Santa Fé, eram alvos constantes dos assaltos dos Tobas. O ministro da guerra em pessoa comandou em 1884 a expedição visando a submissão dos índios. Um número considerável de alemães participou desta expedição, com destaque para o primeiro tenente Francisco Horst, chefe dos pioneiros  e veterano da expedição de Roca à Patagônia. A submissão dos índios levou um par de décadas para completar-se e os recursos naturais pudessem ser explorados. As enormes reservas de  madeira e o tanino extraído do "quebracho vermelho", provocaram uma verdadeira corrida para o Chaco. O fornecimento de dormentes para as ferrovias em construção, serviu de base para empresas como a de Adodlf Schuster em 1910. Em 1880 os irmãos Hasteneck colocaram em funcionamento a primeira usina de extração de tanino do "quebracho vermelho".

As colônias  de lenhadores e as plantações de cana de açúcar em Tucumán e Salta, atraíram sempre mais índios. Em contato com os espanhóis e estrangeiros sucumbiram ao álcool e às doenças venéreas. Um pequeno número deles sobreviveu  nas poucas estações de missionários franciscanos e evangélicos.

O Chaco transformou-se definitivamente  num território de futuro quando se constatou que seu solo e clima favoreciam a produção de algodão, arroz, rícino e cana de açúcar. 

Depois das tentativas frustradas de tornar os rios Salado e Bermejo navegáveis, empreendeu-se a construção da ferrovia Resistencia-Metán. Esta obra que enfrentou incríveis obstáculos na implantação de seu leito cruzando florestas e pântanos, permitiu o acesso definitivo e permanente ao território. Três alemães foram responsáveis pela construção da ferrovia: o engenheiro chefe Storm e os engenheiros auxiliares Schnerr e Baur.

A implantação definitiva das colônias alemãs no Chaco foi resumida na obra já várias vezes citada "Deutschtum in Argentinien".

Na época de Tjark a presença alemã  em Resistencia era pouco representativa. Poucos anos depois, porém, desencadeou-se o fluxo de povoadores alemães que, nas duas décadas posteriores, foi-se avolumando cada vez mais, contribuindo decisivamente para o desenvolv8mento do Chaco e Formosa. Os primeiros agricultores alemães fixaram-se nas proximidades de Charata. Cultivaram algodão, mas nos primeiros anos enfrentaram sérias decepções. A seca e os gafanhotos aniquilaram sucessivas colheitas. A isso somou-se que os colonos haviam-se assentado em terras do Estado, não recebiam títulos regularizados e em parte tiveram que abandonar as terras depois de as tornarem produtivas. Muitos deles decepcionados abandonaram a região, embora as organizações alemãs de Buenos Aires tivessem posto em andamento uma obra de socorro. Os que perseveraram foram recompensados com os altos preços do algodão durante a primeira guerra mundial. Depois da guerra muitos alemães emigraram para o Chaco. Assim, contrariamente à Patagônia surgiriam aí grandes colônias alemãs com escolas e associações próprias. A solidariedade entre os povoadores alemães facilitou a luta pela existência dos novos imigrantes e contribuiu para que as colônias do Chaco  conquistassem um relativo bem estar, apesar de alguns reveses. Quando em 1930 a desertificação das terras, a queda dos preços do trigo e a prolongada seca no Pampa, infligiram uma grande penúria aos povoadores alemães, o Chaco se mostrou uma região alternativa apropriada para emigrar".  (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 214-215)

A "União dos Agricultores" fundada em 1927 em Buenos Aires conseguiu que o governo pusesse à disposição dos colonos 120000 hectares de terras, sem mato e ricas em água, ao norte de Roque Saenz Peña. A área foi dividida em lotes de 100 hectares e entregues aos colonos por um preço módico. Vencidas as dificuldades iniciais as novas colônias de Castelli e La Florida, desenvolveram-se para povoamentos em franco progresso e contando com várias escolas próprias.

A Província de Missiones no nordeste da Argentina foi a última a ser colonizada. Biogeograficamente pode ser considerada como  extensão das florestas e dos solos férteis do sul do Brasil. A erva mate a "yerba", em estado nativo, representou, ao lado de uma dúzia de espécies de madeiras nobres, a sua maior riqueza. Seu interesse histórico concentra-se  nos testemunhos das reduções jesuíticas que floresceram neste território nos séculos XVII e XVIII. Os elementos, porém, que exerceriam um fascínio irresistível sobre os colonizadores em potencial, foram os solos de alta fertilidade escondidos sob a floresta,  a riqueza em água e a topografia suave de toda a região. A colheita predatória da erva mate fazia-se presente há décadas. Depois que o alemão Neumann redescobriu a técnica de fazer germinar as sementes da erva mate, desenvolvida pelos missionários e esquecida depois da destruição das missões,  e o posterior desenvolvimento de ervais plantados, o "ouro verde", constituiu-se por muitos anos no carro chefe da riqueza de Missiones. 

Dados de 1903 informam que na Província residiam 59 famílias alemãs, somando 291 pessoas. A colonização sistemática da região se desencadearia a partir do término da primeira guerra mundial. A ocupação se deu por meio de assentamentos conduzidos tanto por empreendimentos privados como por iniciativa  do governo argentino. Para o primeiro caso foram  exemplares os projetos de Karl Culmey e Adolfo Schwelm. Karl Culmey coordenara, a partir de 1902, o projeto de colonização de Serro Azul (Cerrro Largo) no Rio Grande do Sul, promovida pela Sociedade União Popular. Seu parceiro inseparável nessa iniciativa fora o Pe. Max von Lassberg. Com a experiência adquirida e novamente contando com a colaboração do Pe. Lassberg e de Friedrich Rauber, coordenou a implantação de duas colonizações em Missiones: Puerto Rico destinada aos católicos e Monte Carlo destinada aos protestantes. O contingente inicial desses dois núcleos foram integrados por colonos procedentes do Rio Grande do Sul. No mesmo ano iniciou-se a colonização de Eldorado sob o comando de Adolfo Schwelm. Schwelm montou e pôs em funcionamento um poderoso aparato de propaganda. Depois de assumir também a administração de Puerto Rico e Monte Carlo, conseguiu atrair cerca de 3000 a 4000 colonizadores para os três projetos. 

Partindo da borda sul da mata da província de Missiones, o governo argentino organizou uma série de assentamentos: Cerro Cora, Bompland, Leandro Alem e Yerbal Viejo. Para as terras do governo encaminhavam-se de preferência imigrantes diretamente emigrados da Alemanha nos anos que se seguiram ao término da primeira guerra mundial. Em 1925 os alemães na região somavam cerca de 25000, fazendo com que o alemão fosse a única língua falada. Os colonos costumavam ser contemplados com lotes cobertos de mato de 50 hectares, pagos em seis prestações anuais, calculadas na base de dez a vinte pesos por hectare. O início desta colonização foi assim descrito:

Numa grande clareira encontra-se a aldéia "Meckring", assim denominada  em homenagem ao agente postal Heinrich Meckring. Numa elevação ergue-se  uma igrejinha de madeira, na qual atua um pastor alemão. Serve também para ministrar aulas para os meninos e meninas de cabeças cor de trigo. Numa outra elevação encontra-se uma hospedaria alemã muito asseada. Distribuídas pelas clareiras vêm-se ainda algumas casas, uma loja e uma outra com ferraria anexa. Este é o centro da colônia. A grande maioria dos povoadores mora oculta no fundo da mata, ao longo das picadas abertas pelo governo e que penetram muitos quilômetros mata virgem a dentro. Caminhos de terra vermelha contrastam com o verde da mata. Fontes e arroios por toda a parte dão vida à natureza. Para os povoadores alemães esta bela terra que, de alguma forma lembra  a Floresta Negra, deve ter dado a sensação de estar em casa (Deutschtum in Argentinien, 1980,)

A grande maioria dos povoadores diretamente imigrados  da Alemanha fixaram-se na província de Missiones entre os anos de 1922 e 1924, no auge da crise provocada pela inflação na Alemanha. Sua maior concentração aconteceu entre Monte Carlo e Eldorado.

Missiones com seus 25000 alemães experimentou um rápido progresso econômico à base da erva mate, de frutas cítricas e outras culturas. Verificou-se um poderoso estímulo na modernização e diversificação dos produtos agrícolas. O principal responsável por esse êxito foi o prof. Dr. K. E. Kempski. Depois de lecionar em universidades alemãs e trabalhar em estações experimentais em Java e no Ceylão, transferiu-se para a Argentina onde ocupou o cargo de diretor geral da agricultura em Santiago del Estero. Foi pioneiro na introdução em Missiones das culturas da soja, chá e tungue.

Os núcleos de colonização em Missiones deitaram rapidamente raízes, consolidaram-se e começaram a prosperar já na primeira geração dos colonizadores. Uma vez organizadas as comunidades surgiram, sem tardar,  os complementos indispensáveis: a implantação de uma rede de estradas e projetos multi utilitários, a organização de jardins de infância e cooperativas, etc. A união e a coesão entre os povoadores foi assegurada pelos serviços religiosos, escolas para o aprendizado da língua, associações, sociedades, clubes e até de um museu e de uma escola de silvicultura. A tudo isso somou-se uma primorosa rede de escolas comunitárias frequentadas em 1931 por 472 alunos, em Posadas, Eldorado, Monte Carlo, Cerro Corá e Leando Alem. 

Nesta síntese da colonização alemã na Argentina, faltou ser avaliada a parte que coube aos teuto-russos, emigrados do Volga e do Mar Negro. Sua importância para a história da Argentina, do Brasil e de outros países da América Latina, merece um capítulo próprio.

This entry was posted on sábado, 30 de abril de 2022. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.