Bicentenário da Imigração - 19

Colonizações alemãs na Argentina

As primeiras quatro décadas que se seguiram à independência da Argentina, caracterizaram-se por sucessivas perturbações políticas. A acomodação das diferentes fações que se digladiaram durante as décadas de 1820, 1830, 1840 e 1850, custaram a encontrar um consenso mínio em torno das bases políticas, administrativas, econômicas e sociais  que deveriam  servir de base para o estado nacional. A batalha de Monte Caseros marcou o início de uma nova era para a construção nacional da Argentina. Mesmo assim os desentendimentos entre "unitaristas" e "federalistas" continuaram ainda durante dez anos, antes de se chegar finalmente a um acordo. Até aquele momento a capital da "Confederação Argentina" havia sido Paraná. Buenos Aires abandonara a "Confederação" por não aceitar Urquiza como presidente. Em 1861 Urquiza foi derrotado por Mitre, assumindo este a presidência da Argentina em 1862. Foram necessários mais alguns anos até concluir definitivamente a organização nacional, equacionando as diferentes forças políticas. 

É evidente que durante esse  período a prioridade máxima se concentrasse na consolidação das bases políticas e institucionais da nova República. Somente depois abriu-se espaço para a formulação de políticas de desenvolvimento e nesse contexto, de  políticas, legislações e regulamentos para a colonização por imigrantes estrangeiros dos territórios devolutos.

Foi a partir de meados do século XIX, portanto, que a Argentina começou a receber imigrantes não ibéricos. Tornou-se, ao lado dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Brasil e Chile, o destino dos imigrantes da Europa central e do norte. A corrente imigratória que desde então, até a década de 1940, afluiu à Argentina, era  composta principalmente por alemães e italianos. Como no caso do Brasil os alemães representavam o grupo numericamente menor. Apesar disto deixaram marcas indeléveis em várias regiões da Argentina, onde implantaram as suas colônias. Paralelamente surgiram comunidades alemãs urbanas em Buenos Aires,  Mendonça, Córdova e Rosário, desenvolvendo uma intensa vida cultural, associativa, educacional e religiosa. Werner Hoffmann caracterizou essa realidade em "Deutschen in Argentinien":

Mesmo que o elemento alemão em termos numéricos ficasse bem atrás dos imigrantes procedentes de outros países europeus, teve uma participação decisiva em todas as áreas do desenvolvimento do País. A história da germanidade na Argentina não é a história de uma colônia fechada sobre si mesma, isolada num mundo estranho, mas uma parte da história da Argentina. Seus portadores são gerações de homens de  origem alemã que legaram à terra dos seus filhos a herança da sua terra natal. (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 5)

Os assentamentos dos imigrantes alemães na Argentina durante o período da consolidação do estado nacional, concentraram-se, em grandes linhas, em três regiões: Patagônia, Chaco e Missiones. É preciso naturalmente acrescentar as comunidades urbanas de Buenos, Aires, Rosário, Córdova, Tucumán e outras. 

Passadas quase sete décadas da independência o território sob controle efetivo do governo da República Argentina, não ultrapassava significativamente  os limites do fim do período colonial. O grande Pampa, continuava isolando as estreitas faixas ao longo dos Andes e de ambas as margens do rio Paraná. O Pampa, a Patagônia e o Chaco encontravam-se nas mãos dos índios e as matas pluviais com seus excelentes solos, o "ouro verde, a yerba", e a riqueza em madeiras nobres, aguardavam a chegada dos colonos que mais tarde viriam do Sul do Brasil e da Europa. Durante as décadas de 1850 e 1860 os governos argentinos tiveram que enfrentar o grande desafio do controle das regiões dominadas pelos  índios. Neste jogo de forças entre as expedições governamentais e os nativos, os avanços e recuos de ambas as partes se prolongaram durante duas décadas. A dilatação do espaço controlado pelo governo central começou a definir-se com a "expedição ao deserto" do general Roca e a construção da ferrovia Rosário-Córdova. Os índios mantidos sob controle pela diplomacia e pela força por Rosas em 1652, avançaram novamente  as fronteiras. O major Bartolomé Miter empreendeu então, em 1855, saindo de Azul, uma desastrada expedição em direção ao Pampa. O resultado foi a consolidação da "fronteira sangrenta", que se estendia de Bahia Blanca a Pergamino. Tratava-se,  na verdade, de uma terra de ninguém, sem autoridade e sem lei. A situação dessa "frontera" mereceu a descrição:

Considerando que as tribos de índios no sul do País, mal somavam 15000 indivíduos, não se entende porque foi preciso tanto tempo para neutralizá-los. Já que os selvagens não dispunham de armas modernas, não estavam em condições e resistir a um exército treinado. Acontece que contra eles nunca foi enviado um exército, não por razões filantrópicas, mas porque políticos e comerciantes se aproveitavam da "frontera" para seus próprios negócios escusos. Durante meses e até anos os regimentos acantonados nos fortes de fronteira, não recebiam soldos. O dinheiro vindo de Buenos Aires e destinado para o  pagamento, desfazia-se como um bloco de gelo, ao longo do caminho da burocracia, passando por muitas mãos, antes de chegar ao destino. As tropas não dispunham nem de armas nem de cavalos, pois os fornecedores estavam mancomunados com oficiais e funcionários sem escrúpulos. Não entregavam nada mais além de sobras. O próprio abastecimento estava abaixo de toda a crítica. O fornecimento de gêneros alimentícios fora confiado a firmas particulares mediante comissionamento público. Não forneciam nem a décima parte a que se comprometiam nos documentos. Em poucos anos os oficiais que participavam dos negócios dos fornecedores tornavam-se homens abastados. Que os soldados não se amotinassem entende-se pelo fato de as tropas serem predominantemente integradas por criminosos e vagabundos, incorporados à força. Obviamente não alimentavam nenhum interesse sério no combate aos índios. Interessava-lhes unicamente como fazer para que alguma coisa do espólio terminasse em suas mãos. Os ataques aos selvagens ofereciam uma boa oportunidade. Nas ocasiões em que uma tropa de gado era subtraída a alguma estância, os oficiais e soldados compravam os couros por pouco dinheiro e os passavam adiante para outros compradores, os quais, por sua vez faziam ainda um bom negócio. Acontecia também que os índios vendessem  o gado ao próprio dono original. Assim todos na "frontera", menos os estancieiros prejudicados, tinham como se manter". (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 177-178)

A situação acima descrita só não se prolongou por mais tempo porque os índios se tornaram cada vez mais agressivos e mais afoitos, durante a epidemia de cólera e a guerra contra o Paraguai. Uma outra ameaça esboçava-se pelo sudoeste. Os chilenos cruzavam os Andes em número crescente pondo em risco a soberania argentina sobre a Patagônia. O presidente Avellaneda resolveu agir energicamente para controlar a situação. Encarregou seu ministro da guerra, o general Julio Roca para submeter os índios. Em 14 de agosto de 1878 foi oficialmente incumbido de conquistar as 15000 milhas quadradas da Patagônia. O cumprimento desta missão implicava numa dupla tarefa: neutralizar e eliminar tanto a "frontera da corrupção" quanto a "frontera das carnificinas".  

O general Roca, primeiro comandante com formação científica do exército argentino, estudou cuidadosamente as condições geográficas, as possibilidades de deslocamento, as vias de penetração para o interior do território e as estratégias militares mais adequadas. Os subsídios básicos de que se valeu encontravam-se registrados  num relatório elaborado e entregue em 1873 no ministério da guerra pelos oficiais Frederico Melchert, Francisco Horst e Jordán Wysowski. Baseado nestes relatórios encarregou o futuro general Lorenzo Winter para explorar o rio Colorado e o major Horst o rio Negro.

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