Bicentenário da Imigração - 21

A partir do final do século dezenove começou a ocupação definitiva da região com pioneiros vindos da costa do Atlântico, entre eles muitos alemães. Uma lista de nomes figura como exemplar na história da Patagônia. Nela sobressai o nome de Richard Fischer, natural de Leipzig. Instalou no território de Chubut uma estância modelo para criação de ovelhas. Em 1924 contava com 6000 cabeças. Quase ao mesmo tempo chegaram à região o suíço Friedrich Karl Tschudi e o badense Schelkly que se associaram a Fischer. Os três irmãos Miche, naturais de Berna, instalaram fazendas de criação de ovelhas. As fábricas de tecidos Mitau e Grether  adquiriram terras e fundaram a "Estanzia Marieg". Os criadores alemães de ovinos espalharam-se por toda a Patagônia. Grandes casas como Staudt, Lahnsen e Plate, sediadas em Buenos Aires, instalaram empreendimentos modelo na Patagônia. 

A bem sucedida criação de ovelhas estimulou o surgimento de frigoríficos especializados no processamento de carne ovina e o comércio de lã predominantemente controlado por alemães. 

O isolamento e a dificuldade de acesso  fez com que o Chaco se transformasse no refúgio natural dos índios cada vez mias acuados pelo avanço dos europeus. Ainda nos anos de 1880 as comunidades alemãs e suíças na região de Santa Fé, eram alvos constantes dos assaltos dos Tobas. O ministro da guerra em pessoa comandou em 1884 a expedição visando a submissão dos índios. Um número considerável de alemães participou desta expedição, com destaque para o primeiro tenente Francisco Horst, chefe dos pioneiros  e veterano da expedição de Roca à Patagônia. A submissão dos índios levou um par de décadas para completar-se e os recursos naturais pudessem ser explorados. As enormes reservas de  madeira e o tanino extraído do "quebracho vermelho", provocaram uma verdadeira corrida para o Chaco. O fornecimento de dormentes para as ferrovias em construção, serviu de base para empresas como a de Adodlf Schuster em 1910. Em 1880 os irmãos Hasteneck colocaram em funcionamento a primeira usina de extração de tanino do "quebracho vermelho".

As colônias  de lenhadores e as plantações de cana de açúcar em Tucumán e Salta, atraíram sempre mais índios. Em contato com os espanhóis e estrangeiros sucumbiram ao álcool e às doenças venéreas. Um pequeno número deles sobreviveu  nas poucas estações de missionários franciscanos e evangélicos.

O Chaco transformou-se definitivamente  num território de futuro quando se constatou que seu solo e clima favoreciam a produção de algodão, arroz, rícino e cana de açúcar. 

Depois das tentativas frustradas de tornar os rios Salado e Bermejo navegáveis, empreendeu-se a construção da ferrovia Resistencia-Metán. Esta obra que enfrentou incríveis obstáculos na implantação de seu leito cruzando florestas e pântanos, permitiu o acesso definitivo e permanente ao território. Três alemães foram responsáveis pela construção da ferrovia: o engenheiro chefe Storm e os engenheiros auxiliares Schnerr e Baur.

A implantação definitiva das colônias alemãs no Chaco foi resumida na obra já várias vezes citada "Deutschtum in Argentinien".

Na época de Tjark a presença alemã  em Resistencia era pouco representativa. Poucos anos depois, porém, desencadeou-se o fluxo de povoadores alemães que, nas duas décadas posteriores, foi-se avolumando cada vez mais, contribuindo decisivamente para o desenvolv8mento do Chaco e Formosa. Os primeiros agricultores alemães fixaram-se nas proximidades de Charata. Cultivaram algodão, mas nos primeiros anos enfrentaram sérias decepções. A seca e os gafanhotos aniquilaram sucessivas colheitas. A isso somou-se que os colonos haviam-se assentado em terras do Estado, não recebiam títulos regularizados e em parte tiveram que abandonar as terras depois de as tornarem produtivas. Muitos deles decepcionados abandonaram a região, embora as organizações alemãs de Buenos Aires tivessem posto em andamento uma obra de socorro. Os que perseveraram foram recompensados com os altos preços do algodão durante a primeira guerra mundial. Depois da guerra muitos alemães emigraram para o Chaco. Assim, contrariamente à Patagônia surgiriam aí grandes colônias alemãs com escolas e associações próprias. A solidariedade entre os povoadores alemães facilitou a luta pela existência dos novos imigrantes e contribuiu para que as colônias do Chaco  conquistassem um relativo bem estar, apesar de alguns reveses. Quando em 1930 a desertificação das terras, a queda dos preços do trigo e a prolongada seca no Pampa, infligiram uma grande penúria aos povoadores alemães, o Chaco se mostrou uma região alternativa apropriada para emigrar".  (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 214-215)

A "União dos Agricultores" fundada em 1927 em Buenos Aires conseguiu que o governo pusesse à disposição dos colonos 120000 hectares de terras, sem mato e ricas em água, ao norte de Roque Saenz Peña. A área foi dividida em lotes de 100 hectares e entregues aos colonos por um preço módico. Vencidas as dificuldades iniciais as novas colônias de Castelli e La Florida, desenvolveram-se para povoamentos em franco progresso e contando com várias escolas próprias.

A Província de Missiones no nordeste da Argentina foi a última a ser colonizada. Biogeograficamente pode ser considerada como  extensão das florestas e dos solos férteis do sul do Brasil. A erva mate a "yerba", em estado nativo, representou, ao lado de uma dúzia de espécies de madeiras nobres, a sua maior riqueza. Seu interesse histórico concentra-se  nos testemunhos das reduções jesuíticas que floresceram neste território nos séculos XVII e XVIII. Os elementos, porém, que exerceriam um fascínio irresistível sobre os colonizadores em potencial, foram os solos de alta fertilidade escondidos sob a floresta,  a riqueza em água e a topografia suave de toda a região. A colheita predatória da erva mate fazia-se presente há décadas. Depois que o alemão Neumann redescobriu a técnica de fazer germinar as sementes da erva mate, desenvolvida pelos missionários e esquecida depois da destruição das missões,  e o posterior desenvolvimento de ervais plantados, o "ouro verde", constituiu-se por muitos anos no carro chefe da riqueza de Missiones. 

Dados de 1903 informam que na Província residiam 59 famílias alemãs, somando 291 pessoas. A colonização sistemática da região se desencadearia a partir do término da primeira guerra mundial. A ocupação se deu por meio de assentamentos conduzidos tanto por empreendimentos privados como por iniciativa  do governo argentino. Para o primeiro caso foram  exemplares os projetos de Karl Culmey e Adolfo Schwelm. Karl Culmey coordenara, a partir de 1902, o projeto de colonização de Serro Azul (Cerrro Largo) no Rio Grande do Sul, promovida pela Sociedade União Popular. Seu parceiro inseparável nessa iniciativa fora o Pe. Max von Lassberg. Com a experiência adquirida e novamente contando com a colaboração do Pe. Lassberg e de Friedrich Rauber, coordenou a implantação de duas colonizações em Missiones: Puerto Rico destinada aos católicos e Monte Carlo destinada aos protestantes. O contingente inicial desses dois núcleos foram integrados por colonos procedentes do Rio Grande do Sul. No mesmo ano iniciou-se a colonização de Eldorado sob o comando de Adolfo Schwelm. Schwelm montou e pôs em funcionamento um poderoso aparato de propaganda. Depois de assumir também a administração de Puerto Rico e Monte Carlo, conseguiu atrair cerca de 3000 a 4000 colonizadores para os três projetos. 

Partindo da borda sul da mata da província de Missiones, o governo argentino organizou uma série de assentamentos: Cerro Cora, Bompland, Leandro Alem e Yerbal Viejo. Para as terras do governo encaminhavam-se de preferência imigrantes diretamente emigrados da Alemanha nos anos que se seguiram ao término da primeira guerra mundial. Em 1925 os alemães na região somavam cerca de 25000, fazendo com que o alemão fosse a única língua falada. Os colonos costumavam ser contemplados com lotes cobertos de mato de 50 hectares, pagos em seis prestações anuais, calculadas na base de dez a vinte pesos por hectare. O início desta colonização foi assim descrito:

Numa grande clareira encontra-se a aldéia "Meckring", assim denominada  em homenagem ao agente postal Heinrich Meckring. Numa elevação ergue-se  uma igrejinha de madeira, na qual atua um pastor alemão. Serve também para ministrar aulas para os meninos e meninas de cabeças cor de trigo. Numa outra elevação encontra-se uma hospedaria alemã muito asseada. Distribuídas pelas clareiras vêm-se ainda algumas casas, uma loja e uma outra com ferraria anexa. Este é o centro da colônia. A grande maioria dos povoadores mora oculta no fundo da mata, ao longo das picadas abertas pelo governo e que penetram muitos quilômetros mata virgem a dentro. Caminhos de terra vermelha contrastam com o verde da mata. Fontes e arroios por toda a parte dão vida à natureza. Para os povoadores alemães esta bela terra que, de alguma forma lembra  a Floresta Negra, deve ter dado a sensação de estar em casa (Deutschtum in Argentinien, 1980,)

A grande maioria dos povoadores diretamente imigrados  da Alemanha fixaram-se na província de Missiones entre os anos de 1922 e 1924, no auge da crise provocada pela inflação na Alemanha. Sua maior concentração aconteceu entre Monte Carlo e Eldorado.

Missiones com seus 25000 alemães experimentou um rápido progresso econômico à base da erva mate, de frutas cítricas e outras culturas. Verificou-se um poderoso estímulo na modernização e diversificação dos produtos agrícolas. O principal responsável por esse êxito foi o prof. Dr. K. E. Kempski. Depois de lecionar em universidades alemãs e trabalhar em estações experimentais em Java e no Ceylão, transferiu-se para a Argentina onde ocupou o cargo de diretor geral da agricultura em Santiago del Estero. Foi pioneiro na introdução em Missiones das culturas da soja, chá e tungue.

Os núcleos de colonização em Missiones deitaram rapidamente raízes, consolidaram-se e começaram a prosperar já na primeira geração dos colonizadores. Uma vez organizadas as comunidades surgiram, sem tardar,  os complementos indispensáveis: a implantação de uma rede de estradas e projetos multi utilitários, a organização de jardins de infância e cooperativas, etc. A união e a coesão entre os povoadores foi assegurada pelos serviços religiosos, escolas para o aprendizado da língua, associações, sociedades, clubes e até de um museu e de uma escola de silvicultura. A tudo isso somou-se uma primorosa rede de escolas comunitárias frequentadas em 1931 por 472 alunos, em Posadas, Eldorado, Monte Carlo, Cerro Corá e Leando Alem. 

Nesta síntese da colonização alemã na Argentina, faltou ser avaliada a parte que coube aos teuto-russos, emigrados do Volga e do Mar Negro. Sua importância para a história da Argentina, do Brasil e de outros países da América Latina, merece um capítulo próprio.

Bicentenário da Imigração - 20

A missão do general Roca não se resumia, porém, em assegurar militarmente a Patagônia. Deveria ser apenas o pressuposto para abrir a região ao povoamento e incorporá-la no contexto produtivo nacional. Com a finalidade de avaliar e mapear o potencial econômico, fez participar da sua expedição um considerável contingente de peritos e especialistas, encarregados de avaliar  as condições  do solo, a flora, a fauna, os recursos minerais, além  das possibilidades de colonização sistemática. A comissão científica para o rio Negro junto ao estado maior, era formada exclusivamente por técnicos e pesquisadores alemães. Entre  eles: o zoólogo Adolfo Doering da universidade de Córdova, com seus auxiliares Carlos Berg e Eduardo Homberg, os botânicos Pablo Lorenz de Córdova e Gustavo Niederlein e o ornitólogo Frederico Schultz.

A expedição de Roca  que se prolongou pelos meses de abril, maio e junho foi um sucesso sob o aspecto militar. Ao final os 15000 índios estavam reduzidos a um milhar. O êxito militar veio acompanhado de resultados científicos não menos significativos. As observações e as conclusões dos cientistas sobre a região do Rio Negro foram reunidos numa edição ilustrada de luxo de três volumes. Os dados mostraram que o povoamento da Patagônia era viável.

Os passos iniciais concretos para o povoamento da Patagônia foram dados por outro oficial alemão do estado maior de Roca, o primeiro tenente prussiano Rhode que participara da expedição de Roca. Depois de percorrer a bacia do Rio Negro publicou em 1883 várias matérias  no jornal alemão de La Plata, defendendo o povoamento da região com imigrantes alemães. Foi sua a manifestação: "Necessitamos povoadores de raça germânica, não românicos, esses esperam tudo do governo". Rhode conquistou para sua causa o Dr. Chr. Heusser e Georg Klaraz, que desde 1863 se dedicavam à vitivinicultura nas imediações de Bahia Blanca. Um relato sobre a possibilidade do povoamento da Patagônia, publicado por Heusser na Suíça, contribuiu para atrair colonos alemães. 

O interior da Patagônia, próximo à Cordilheira, permaneceu ainda por algumas décadas região de colonização a partir do Chile. Encontramos entre esses povoadores um número considerável e alemães. Destacou-se, por ex., Albert Euchelmayer que instalou uma estância de muitos milhares de hectares, próximo a Junin de los Andes. Visitantes do estabelecimento não pouparam elogios à primorosa organização que transformou a estância num empreendimento modelo por Albert Euchelmayer e seu filho Alfredo, apesar das enormes distâncias de quatro dias de viagem até os centros civilizados mais próximos. O dentista mais próximo atendia no seu consultório em Temuco no Chile. A travessia dos Andes exigia nada menos do que quatro dias. Os suíços Camilo e Felipe Goye semearam  centeio e aveia na região, instalaram hortas e criaram gado. A eles se juntaram gradativamente  mais suíços e alemães, imprimindo um certo caráter europeu a toda região  dos lagos. San Carlos de Bariloche deve seu nome ao alemão Karl Wiederhold. 

A colonização do vale do Rio Negro, a partir da costa da Argentina, enfrentou dois grandes obstáculos. Em primeiro lugar foi preciso abrir vias de acesso à região e em segundo lugar colocar à disposição dos povoadores um eficiente sistema de irrigação. O problema do acesso ao Rio Negro e a comunicação com os centros maiores foi resolvido lentamente. Projetos de irrigação mal concebidos e tecnicamente pior executados aniquilaram os sonhos de uma colonização nos melhores padrões da época. Desta maneira os lotes  de 100 hectares que seriam entregues aos colonos não tinham serventia e desfez-se  o sonho de uma colonização modelo no Rio Negro. De outra parte esboroou-se a melhor das intenções do governo em amparar os colonizadores com auxílios financeiros, ao defrontar-se com um dos vícios mais nefastos da época. Os recursos evaporavam-se nas diversas instâncias burocráticas interpostas entre o tesouro e o destino final, os colonos no Rio Negro. A este problema veio somar-se mais um. Entre os imigrantes recém-chegados  havia uma porcentagem significativa de pessoas sem tradição na agricultura. A sorte dos povoadores, que em outras circunstâncias teria sido fatalmente trágica, teve contudo um final feliz. Informado sobre a situação de seus compatriotas, o embaixador alemão von Holleben, viajou até o Rio Negro. O relatório que elaborou levou à dissolução da colônia e à transferência dos colonos para Buenos Aires, às expensas do Estado. Como sempre acontece em situações do gênero, alguns poucos permaneceram  na região. Dedicaram-se a diversas profissões ou envolveram-se em projetos  de pomicultura, horticultura, vitivinicultura, produção de leite, etc. Mas o projeto como tal acabara. Com ele, porém, a ideia de um aproveitamento produtivo do vale do Rio Negro, não foi abandonada.

No relatório da sua viagem pela região em 1897, W. Alemann observou que a parte superior do vale do Rio Negro com o auxílio da imigração, poderia, ser transformada num polo produtor de horti-fruti-granjeiros. O maior obstáculo, além dos problemas de irrigação, continuavam sendo a falta de acesso por vias permanentes e  confiáveis. Depois do seu retorno a Buenos Aires, Alemann esboçou uma proposta de projeto na qual sugeria a irrigação da área ao longo do Rio Negro, a criação de uma companhia de  colonização, a produção em sistema cooperativo de  uvas, vinho, frutas, pastagens, complementada com as respectivas agroindústrias: fábricas de conservas, curtumes, frigoríficos, moinhos. As previsões se materializaram nas décadas seguintes entre 1900 e 1930. Uma parte do sonho de Alemann contudo não se concretizou. A companhia que se destinaria para a implantação de uma colonização alemã maciça não se efetivou. Na Villa Regina instalaram-se imigrantes italianos   em lotes de 10 a 15 hectares. Estas e outras localidades experimentaram um grande sucesso. Em 1929 escreveu a seguinte apreciação sobre a situação do Rio Negro: "Não se entende como um pedaço paradisíaco de terra como este, já há muito tempo não foi entregue a uma cultura intensiva..." Em seguida descreveu o estabelecimento modelo "Los Alamos" de Rosauer perto de Paso Peñaiva:

Um motor diesel de 50 cavalos bombeia a água do rio e irriga cerca de 50 hectares, destinados ao cultivo de um milhão de árvores. Uma administração exemplar conduz o empreendimento. Além das variedades de frutas produzidas no Rio Negro, cultivam-se duzentas variedades de rosas, árvores frutíferas e ornamentais. Essa estação de silvicultura é de grande significado para a integração da produção na região do Rio Negro". (Deutschtum in Argentinien, 1980, p. 203).

No início da década de 1930 havia em torno de 1500 alemães na região do Rio Negro. Sobre eles novamente o depoimento de E. F. Alemann:

Em toda a parte encontram-se alemães e pessoas falando alemão, ou na condição de sitiantes bem sucedidos, ou como comerciantes, ou como hoteleiros, ou como funcionários e empregados. A melhor cerveja de General Roca é obviamente servida numa hospedaria alemã, que dispõe de instalações de refrigeração. Mas acontece que nesta região de futuro promissor e favorável para o comércio, não existe um povoamento fechado de alemães". 

Para o sul da região do Rio Negro estendem-se as pastagens naturais da Patagônia. Os campos impróprios para a agricultura inviabilizaram todas as iniciativas  visando uma colonização de povoamento. A solução para o seu aproveitamento foi encontrada na criação de ovinos. W. Vallentin, um prussiano oriental que combatera contra os ingleses na guerra dos Boers, adquiriu em 1905 por concessão uma área de 450 quilômetros quadrados no vale do Rio Pico. Infelizmente este projeto ficou só no sonho. 

Bicentenário da Imigração - 19

Colonizações alemãs na Argentina

As primeiras quatro décadas que se seguiram à independência da Argentina, caracterizaram-se por sucessivas perturbações políticas. A acomodação das diferentes fações que se digladiaram durante as décadas de 1820, 1830, 1840 e 1850, custaram a encontrar um consenso mínio em torno das bases políticas, administrativas, econômicas e sociais  que deveriam  servir de base para o estado nacional. A batalha de Monte Caseros marcou o início de uma nova era para a construção nacional da Argentina. Mesmo assim os desentendimentos entre "unitaristas" e "federalistas" continuaram ainda durante dez anos, antes de se chegar finalmente a um acordo. Até aquele momento a capital da "Confederação Argentina" havia sido Paraná. Buenos Aires abandonara a "Confederação" por não aceitar Urquiza como presidente. Em 1861 Urquiza foi derrotado por Mitre, assumindo este a presidência da Argentina em 1862. Foram necessários mais alguns anos até concluir definitivamente a organização nacional, equacionando as diferentes forças políticas. 

É evidente que durante esse  período a prioridade máxima se concentrasse na consolidação das bases políticas e institucionais da nova República. Somente depois abriu-se espaço para a formulação de políticas de desenvolvimento e nesse contexto, de  políticas, legislações e regulamentos para a colonização por imigrantes estrangeiros dos territórios devolutos.

Foi a partir de meados do século XIX, portanto, que a Argentina começou a receber imigrantes não ibéricos. Tornou-se, ao lado dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul, Austrália, Brasil e Chile, o destino dos imigrantes da Europa central e do norte. A corrente imigratória que desde então, até a década de 1940, afluiu à Argentina, era  composta principalmente por alemães e italianos. Como no caso do Brasil os alemães representavam o grupo numericamente menor. Apesar disto deixaram marcas indeléveis em várias regiões da Argentina, onde implantaram as suas colônias. Paralelamente surgiram comunidades alemãs urbanas em Buenos Aires,  Mendonça, Córdova e Rosário, desenvolvendo uma intensa vida cultural, associativa, educacional e religiosa. Werner Hoffmann caracterizou essa realidade em "Deutschen in Argentinien":

Mesmo que o elemento alemão em termos numéricos ficasse bem atrás dos imigrantes procedentes de outros países europeus, teve uma participação decisiva em todas as áreas do desenvolvimento do País. A história da germanidade na Argentina não é a história de uma colônia fechada sobre si mesma, isolada num mundo estranho, mas uma parte da história da Argentina. Seus portadores são gerações de homens de  origem alemã que legaram à terra dos seus filhos a herança da sua terra natal. (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 5)

Os assentamentos dos imigrantes alemães na Argentina durante o período da consolidação do estado nacional, concentraram-se, em grandes linhas, em três regiões: Patagônia, Chaco e Missiones. É preciso naturalmente acrescentar as comunidades urbanas de Buenos, Aires, Rosário, Córdova, Tucumán e outras. 

Passadas quase sete décadas da independência o território sob controle efetivo do governo da República Argentina, não ultrapassava significativamente  os limites do fim do período colonial. O grande Pampa, continuava isolando as estreitas faixas ao longo dos Andes e de ambas as margens do rio Paraná. O Pampa, a Patagônia e o Chaco encontravam-se nas mãos dos índios e as matas pluviais com seus excelentes solos, o "ouro verde, a yerba", e a riqueza em madeiras nobres, aguardavam a chegada dos colonos que mais tarde viriam do Sul do Brasil e da Europa. Durante as décadas de 1850 e 1860 os governos argentinos tiveram que enfrentar o grande desafio do controle das regiões dominadas pelos  índios. Neste jogo de forças entre as expedições governamentais e os nativos, os avanços e recuos de ambas as partes se prolongaram durante duas décadas. A dilatação do espaço controlado pelo governo central começou a definir-se com a "expedição ao deserto" do general Roca e a construção da ferrovia Rosário-Córdova. Os índios mantidos sob controle pela diplomacia e pela força por Rosas em 1652, avançaram novamente  as fronteiras. O major Bartolomé Miter empreendeu então, em 1855, saindo de Azul, uma desastrada expedição em direção ao Pampa. O resultado foi a consolidação da "fronteira sangrenta", que se estendia de Bahia Blanca a Pergamino. Tratava-se,  na verdade, de uma terra de ninguém, sem autoridade e sem lei. A situação dessa "frontera" mereceu a descrição:

Considerando que as tribos de índios no sul do País, mal somavam 15000 indivíduos, não se entende porque foi preciso tanto tempo para neutralizá-los. Já que os selvagens não dispunham de armas modernas, não estavam em condições e resistir a um exército treinado. Acontece que contra eles nunca foi enviado um exército, não por razões filantrópicas, mas porque políticos e comerciantes se aproveitavam da "frontera" para seus próprios negócios escusos. Durante meses e até anos os regimentos acantonados nos fortes de fronteira, não recebiam soldos. O dinheiro vindo de Buenos Aires e destinado para o  pagamento, desfazia-se como um bloco de gelo, ao longo do caminho da burocracia, passando por muitas mãos, antes de chegar ao destino. As tropas não dispunham nem de armas nem de cavalos, pois os fornecedores estavam mancomunados com oficiais e funcionários sem escrúpulos. Não entregavam nada mais além de sobras. O próprio abastecimento estava abaixo de toda a crítica. O fornecimento de gêneros alimentícios fora confiado a firmas particulares mediante comissionamento público. Não forneciam nem a décima parte a que se comprometiam nos documentos. Em poucos anos os oficiais que participavam dos negócios dos fornecedores tornavam-se homens abastados. Que os soldados não se amotinassem entende-se pelo fato de as tropas serem predominantemente integradas por criminosos e vagabundos, incorporados à força. Obviamente não alimentavam nenhum interesse sério no combate aos índios. Interessava-lhes unicamente como fazer para que alguma coisa do espólio terminasse em suas mãos. Os ataques aos selvagens ofereciam uma boa oportunidade. Nas ocasiões em que uma tropa de gado era subtraída a alguma estância, os oficiais e soldados compravam os couros por pouco dinheiro e os passavam adiante para outros compradores, os quais, por sua vez faziam ainda um bom negócio. Acontecia também que os índios vendessem  o gado ao próprio dono original. Assim todos na "frontera", menos os estancieiros prejudicados, tinham como se manter". (Deutsche in Argentinien, 1980, p. 177-178)

A situação acima descrita só não se prolongou por mais tempo porque os índios se tornaram cada vez mais agressivos e mais afoitos, durante a epidemia de cólera e a guerra contra o Paraguai. Uma outra ameaça esboçava-se pelo sudoeste. Os chilenos cruzavam os Andes em número crescente pondo em risco a soberania argentina sobre a Patagônia. O presidente Avellaneda resolveu agir energicamente para controlar a situação. Encarregou seu ministro da guerra, o general Julio Roca para submeter os índios. Em 14 de agosto de 1878 foi oficialmente incumbido de conquistar as 15000 milhas quadradas da Patagônia. O cumprimento desta missão implicava numa dupla tarefa: neutralizar e eliminar tanto a "frontera da corrupção" quanto a "frontera das carnificinas".  

O general Roca, primeiro comandante com formação científica do exército argentino, estudou cuidadosamente as condições geográficas, as possibilidades de deslocamento, as vias de penetração para o interior do território e as estratégias militares mais adequadas. Os subsídios básicos de que se valeu encontravam-se registrados  num relatório elaborado e entregue em 1873 no ministério da guerra pelos oficiais Frederico Melchert, Francisco Horst e Jordán Wysowski. Baseado nestes relatórios encarregou o futuro general Lorenzo Winter para explorar o rio Colorado e o major Horst o rio Negro.

Bicentenário da Imigração - 18

O projeto de colonização em andamento progredia numa dinâmica e ritmo  praticamente igual ou ao menos muito parecido ao de outros empreendimentos similares em toda América Latina da época, na Argentina, Brasil,  Paraguai, etc. Tratava-se de tarefa para pioneiros decididos a enfrentar uma natureza desconhecida, selvagem, entregues a si mesmos num total isolamento, rodeados por um contexto social totalmente estranho e não poucas vezes hostil, sem vias de comunicação, sem um mínimo de conforto, privados de  assistência médica, educacional e religiosa.... No caso da imigração alemã para o Chile interpuseram-se algumas dificuldades específicas. Uma das condições impostas a Philippi foi que apenas levasse imigrantes alemães católicos. Aconteceu, porém, que vários bispos católicos fizeram restrições à emigração de católicos e assim ele incluiu entre os imigrantes uma maioria de protestantes, fato que lhe valeu uma posterior hostilidade da parte dos chilenos. 

Uma outra dificuldade apareceu quando as primeiras levas arregimentadas por Philippi chegaram. Constatou-se que as terras nas proximidades de Valdivia já não estavam disponíveis e aquelas das proximidades do lago de Lhanguihe eram praticamente inacessíveis. Com a chegada de mais e mais levas de imigrantes estes começaram a ser encaminhados para o velho forte de Corral e ao atual Puerto Montt. Aí permaneceram durante dois anos nas condições mais precárias imagináveis. Puerto Montt foi oficialmente inaugurado em 1853. Pouco tempo depois as terras nas margens do lago foram medidas e distribuídas. Os colonos receberam a crédito uma junta de bois, uma vaca, 200 tábuas, pregos e outros artigos necessários para construírem  as casas. Em cartas que datam da época fala-se das grandes dificuldades encontradas com o manejo da floresta, a carência de carretas de quatro rodas, o inverno inclemente acompanhado de fome e privação. Não demorou, porém, dentro de alguns anos, as povoações perto do lago, assim como Puerto Montt, Puerto Varas, Puerto Arenas, Osorno, Frutillar, Valdivia etc., começaram a exibir um visível progresso.

Os imigrantes alemães que povoaram o sul do Chile, procediam, como aconteceu também no Brasil e na Argentina, de todas as regiões da Europa onde predominava a assim chamada "ordem alemã". Correspondia, em grandes linhas, á atual República da Alemanha, territórios da Pomerânia, Silésia, Boêmia e Prússia Oriental, incorporados depois da segunda guerra mundial á Rússia, Polônia e á República Checa, à Áustria, Suíça, Alsácia e Lorena, Luxemburgo e alguns territórios menores na periferia. O contingente mais significativo, entretanto, procedeu de Hessen, Kassel e Rotenburg devido à influência dos  irmãos Philippi. Contingentes ainda significativos  emigraram da Silésia, de Württemberg, Vestfália, Brandenburgo, Saxônia, Hannover e Hamburgo. Na década de 1870, depois que as margens do lago de Lhanguihue estavam completamente ocupadas, aportou mais um grupo significativo procedente da Boêmia. Fundaram em 1875  Nueva Brunau. Completara-se assim a primeira fase do povoamento por imigrantes alemães das terras disponíveis na proximidades do lago de Lhanguihue no sul do Chile. 

No decorrer das décadas de 1870 e 1880 o governo chileno lançou-se à tarefa de incorporar no esquema produtivo do País a grande área localizada entre o Chile meridional e central denominada "Frontera". Originalmente havia sido reservada para os índios araucanos. Um pequeno grupo de imigrantes alemães,  contudo, veio a fixar-se no território já em 1850. Quase uma década depois, em 1858 e 1859, um outro pequeno grupo de 36 famílias foi assentada na localidade de Humán. A rebelião dos índios de 1859 fez com que as autoridades chilenas desistissem temporariamento do projeto de colonização da Frontera. Formando uma pequena minoria esses imigrantes, ao contrário dos do sul,  não tardaram em abandonar a língua e os costumes alemães em meio a uma população predominantemente chilena. 

A ocupação da Frontera com imigrantes europeus, experimentou um considerável alento nas décadas de 1870 e 1880, depois que ações militares contra os índios e uma nova legislação de colonização  franquearam  o território para colonizações de maior porte. Dos 36092 imigrantes que entraram na região entre 1883 e 1898 apenas 2041 foram alemães. Uma minoria, portanto que se concentrou principalmente em Contulmo, Timuco e Quillén. Procediam das regiões ao leste do Elba e da Alemanha do Norte e interessavam-se mais por ocupações urbanas do que pela agricultura. É óbvio que a dispersão de uma minoria dessas  num território tão vasto impedisse a formação de comunidades alemãs fechadas como aconteceu no sul. Dispersaram-se por isso em doze assentamentos diversos por todo o território, compartilhados com outros europeus e com chilenos. 

No começo do século 20 ocorreu mais um pequeno assentamento  em Comuy no território da Frontera. A companhia  de colonização "Sociedad Ganadera  e Industrial de Valdivia" recebeu do governo chileno 20000 hectares, localizados a 30 quilômetros distantes da estação da estrada de ferro Pitrufquén. O contrato previa que as terras fossem colonizadas com imigrantes vindos da Europa. A companhia, entretanto,  as ocupou com elementos mal sucedidos na ilha de Chiloé e outras colônias localizadas na área de mata virgem. Sem estradas e outras vias de comunicação a vida para esses pioneiros foi extremamente dura. A maioria deles transferiu-se como assalariados para a cidade de Temuco, outros abandonaram a região e os que ficaram tiveram muitas dificuldades em progredir de alguma forma. Em 1912 desembarcaram na colônia 23 novas famílias vindas da Alemanha, inclusive duas do Brasil, seguidas depois por suíços alemães, teuto-russos e europeus de várias procedências. Formou-se assim uma colônia mista que ao final da primeira geração mostrava sinais evidentes de prosperidade com moinhos de trigo, serrarias, tornearias, marcenarias, etc. em pleno funcionamento.

Em 1924 foi criado  um fundo para a colonização e em 1929 ocorreu o assentamento pelo governo chileno, de um grupo de famílias católicas bávaras em Peñaflores, nos arredores de Santiago. Dedicaram-se principalmente à cultura de hortaliças e frutas. A este último projeto de imigração seguiram mais outros menores com o de La Serena em 1951 e o controvertido grupo de 230 imigrantes vindos de Siegburg nas margens do Lahn em 1961. Compraram a gleba El Lavadero e entre 1966 e 1968 provocaram uma grande controvérsia pelos jornais por causa de sua maneira de ser um tanto misteriosa. Abstraindo, porém, deste particular a Colonia Dignidad ou "La Sociedad Benefactora y Educacional Dignidad", nome pelo qual é conhecida oficialmente, contribui,  ainda hoje, de forma decisiva para o progresso de toda a região. 


A pedra fundamental do teuto-chilenismo foi indubitavelmente colocada durante o século XIX. Durante o século XX seguiram ainda algumas ondas imigratórias  pequenas e até minúsculas. Os descendentes dos teuto-chilenos do sul expandiram-se para outras regiões. Assim, por ex., encontravam-se, já em 1895, alemães e seus descendentes no Chile inteiro, a começar pelo estreito de Magalhães até o deserto de Atacama, nas pequenas e grandes cidades e até nas aldeias mais afastadas. Os filhos dos colonos do mar casavam e circulavam no circuito das velhas colônias, até Osorno e Valdívia. Raramente ultrapassavam a Frontera. Os filhos de famílias mais ambiciosas formaram-se professores, médicos, engenheiros de minas ou funcionários. Outros tocavam pequenos negócios ou trabalhavam para as grandes indústrias do norte. Uma minoria dos antigos colonos se deu mal e teve que ser amparada pelos patrícios. Na obra monumental "Die Deutschen in Lateinamerika" a gênese e a dinâmica do teuto-chilenismo foi assim resumida:

Como se pode ver a onda imigratória de alemães para o Chile aconteceu durante o século 19. Apesar de terem encontrado dificuldades no início da imigração, pode-se dizer que elas foram relativamente simples para os colonos. Entre os anos de 1850 e 1870 os preços das terras do governo permaneceram relativamente estáveis. Acresce ainda que na época os ibero-chilenos estavam mais interessados no Chile Central, facilitando-se assim o assentamentos de grupos inteiros de alemães no sul. Com o correr dos anos  os colonos do sul multiplicaram suas propriedades. Assim, por ex., em 1903, 32 das 34 maiores propriedades de Valdívia  encontravam-se em mãos de famílias com sobrenome alemão. A mesma situação  valia para Puerto Montt e Puerto Varas.   (Fröschle, 1979, p. 313)

Conforme um relatório  de 1940 os alemães ou seus descendentes ocupavam cerca de 1,5 milhões de hectares, importando em 7,5 por cento das terras aproveitáveis de todo o país. Até 1898 a legislação impedia  os chilenos autóctones   colonizar o sul e a chamada Frontera. Esta é uma explicação ao menos parcial para o fato de os imigrantes alemães predominarem na região. Essa legislação pretendia assim impedir que os agricultores do Chile central migrassem para fora da sua região.

O analista continua:

Embora os povoadores alemães somassem menos do que 10000 até a virada do século, contribuíram em muito para o reerguimento da região que depois da saída dos espanhóis caíra em decadência. Em apenas poucas décadas o sul conquistou uma importância considerável tanto no plano agrícola como no industrial. O poeta José Alfonso referiu-se assim ao fato: "Nem todas as partes do Chile foram beneficiados com alemães". Outros intelectuais do século 19 concordam. V. Sanchez escreveu na sua história de Osorno: A chegada do povo louro teve o efeito de uma transfusão: novas ideias, novos métodos, nova energia. O início da colonização trouxe  um rejuvenescimento dos hábitos e do sistema de trabalho, a cidade acordou de seu sono.
O Chile, de modo especial o sul com seu clima ameno e sua paisagens semelhantes  às da Alemanha, tornou-se a querência de muitos que fugiram das perturbações da Alemanha do século 19, época em que o Chile era um dos países mais estáveis da América Latina. Todos saíram ganhando: no sul, na Frontera e nas cidades: os imigrantes a quem se ofereciam possibilidades  contanto que fossem laboriosos e o país, o Chile beneficiando-se com a colaboração de colonos, profissionais e empreendedores alemães. (Fröschle, 1979, p. )

Bicentenário da Imigração - 17

Imigração alemã na AL nos séculos XIX e XX
Argentina, Brasil e Chile

Introdução

A imigração alemã para a América Latina propriamente dita tem o seu início depois da independência dos países do continente. Os governos das repúblicas recém emancipadas do Chile e da Argentina e o Império do Brasil, tiveram uma preocupação comum. Nos três países havia extensas regiões praticamente desocupadas, dotadas de solos, relevo e clima propícios para desenvolver projetos de colonização e assim atender às necessidades de abastecimento interno com gêneros alimentícios e diversas matérias primas. As áreas em questão costumavam localizar-se onde sua ocupação e incorporação definitiva no todo nacional implicava na própria segurança das fronteiras. Os traçados nos mapas resultado dos processos históricos de ocupação ou de tratados bi- ou multi laterais, em muitos casos, não passavam de uma ficção enquanto os espaços imediatamente contíguos não fossem assegurados por meio de um povoamento sistemático e estável. Situações deste tipo encontramos no centro e no sul do Chile, ao longo de praticamente toda fronteira oeste e norte da Argentina, e do Brasil meridional com os países do Prata. Uma terceira característica desses povoamentos vem somar-se às duas anteriores. Nos três países em análise formaram comunidades de pequenos proprietários que desenvolveram uma agricultura de subsistência de variados produtos básicos que tinham como finalidade imediata assegurar a subsistência da família e num segundo momento abastecer o mercado com alimentos e algumas outras matérias primas. Esses povoamentos representaram um contraponto aos grandes latifúndios de monocultura principalmente do Brasil e da Argentina. Do substrato assim posto originou-se uma economia de subsistência e de abastecimento dos mercados consumidores urbanos, a formação de comunidades solidamente organizadas  e uma classe média rural preenchendo o vácuo social e político existente entre a  aristocracia  dos grandes proprietários e a massa de peões, diaristas, trabalhadores sazonais, meeiros, etc. Começamos este estudo comparativo pela colonização que ocorreu a partir de 1851 no centro e no sul do Chile, no lago de Lhanguihue, onde sobressaem como centros mais conhecidos Puerto Montt,  Puerto Varas, Puerto Arenas, Frutillar, Vila Rica, Valdivia além de outros e na região mais ao norte até Temuco, conhecida na época como "La Frontera". 

Colonizações alemãs no Chile
A presença alemã no Chile começa realmente a se intensificar e a se estender para todo o país, após a independência. Num primeiro momento, isto é até meados do século XIX, os alemães que chegavam costumavam ser solteiros e estabeleceram-se como comerciantes nas cidades maiores, como Santiago e Valparaíso. Em 1822 um primeiro estabelecimento comercial começou as suas atividades nesta última cidade. Entre a independência e a vinda dos imigrantes propriamente ditos, a presença de alemães tornou-se cada vez mais  frequente também em outras cidades e regiões do Chile. Foram esses  imigrantes, entre os quais destacou-se Bernhard Eunum Philippi, que  prepararam o terreno e colocaram as bases para uma imigração de povoamento mais ambiciosa e a longo prazo, concretizada a partir da metade do século, com famílias que foram estabelecer-se no sul do país. Uma fidelidade acentuada á língua e ás tradições e a consequente aversão ao caldeamento com outras etnias, de modo especial com os autóctones, com predomínio dos Mapuches, mantiveram os núcleos de imigrantes alemães,  etnicamente isolados e identificados durante as primeiras gerações. Imprimiram, desta forma características que aproximam bastante a paisagens europeias, como na Alemanha Central e do Norte, a toda a região entre Temuco, Puerto Montt e Puerto Arenas. O arranjo das propriedades, as moradias e as  benfeitorias contíguas, o plantio de cevada, trigo, batata... a criação de gado leiteiro, o estilo arquitetônico  e a decoração das moradias, igrejas e sedes de clubes, o nível cultural do povo, os costumes, etc. etc., marcam inconfundivelmente a região. 

Philippi tornou-se a figura decisiva na implantação dos primeiros núcleos de colonização planejada no sul do Chile. Após uma viagem à Alemanha e principalmente à sua cidade de origem Berlim, regressou ao Chile em 1841 para dar andamento aos seus planos e projetos, enquanto o prof. Wappäus  encarregou-se de desencadear, por meio de artigos,  uma insistente propaganda pela colonização do  sul do Chile. Philippi voltou depois ao Chile, percorreu a região das atuais  províncias de Valdivia, Chiloe e Llanguihue para um exame mais minucioso das terras e avaliar as perspectivas para uma colonização por povoamento. Uma lenda dizia que o lago abrigava espíritos malignos. Philippi  encontrou de fato  as proximidades do lago de Lhanguihue despovoadas e tomadas por uma floresta quase impenetrável. Confeccionou um mapa detalhado da região depois mandou para ministro do interior do Chile um memorandum acompanhado com um plano de colonização. Argumentava que a execução do projeto seria de utilidade tanto para o Chile quanto para Alemanha, pois previa a transferência de técnicos que, segundo o autor, sobravam na Alemanha e faziam falta no Chile. O memorandum com o projeto anexo não teve resposta da parte do ministro do interior. 

Philippi não desanimou depois deste insucesso. Participou da expedição que conquistou o Estreito de Magalhães para o Chile. Em reconhecimento o governo do Chile o nomeou governador de Magalhães e distinguiu-o com patente militar. Seus interesses, porém, continuaram a concentrar-se em projetos de colonização nas margens do lago Lhanguihue. Então pôs em andamento um novo projeto de colonização, desta vez na desembocadura do rio Maullin. O projeto previa a dragagem do rio por conta própria em contrapartida de isenção de impostos futuros. O governo não aceitou a proposta argumentando que a dragagem era uma obra da competência do Estado. Declinou então do cargo de governador de Magalhães e do seu posto militar, para dedicar-se como empreendedor privado a novos projetos de colonização nas proximidades do lago de Lhanguihue. 

Neste meio tempo o comerciante e cônsul prussiano Ferdinand Flindt havia adquirido terras nas proximidades de Osorno. Antes, porém, que as primeiras famílias arregimentadas para o plano chegassem da Alemanha, ele já falira e um outro comerciante, Franz Kindermann assumira o projeto em parceria com seu sogro Johann Renous. Eles incompatibilizaram-se depois de pouco tempo com o estado chileno. Renous foi acusado de haver adquirido ilegalmente terras dos índios. O real interesse de Kindermann resumia-se em adquirir tantas terras quantas pudesse e fazer negócios colonizando-as. Com essa intenção  pôs-se em contato com a "Associação para a Centralização da Emigração e Colonização alemã" com sede em Berlim e com a associação do mesmo nome em Stuttgart, a procura de apoio e recursos. (cf. Fröschle, 1979, p. 306)

Em 1848 o cunhado  de Kindermann, o revolucionário Alexander Simon, fundou o grupo de Stuttgart. O plano de colonização por ele  concebido previa o envio de três levas de imigrantes, cada um formado por 1000 pessoas para o projeto de Kindermann e Renous. Obviamente os dois estavam mais interessados em fazer negócios com terra do que própriamente criar as condições para que os imigrantes encontrassem no sul do Chile condições propícias para construir um futuro definitivo, digno e promissor para si e seus descendentes. De imediato apareceram os problemas relacionados com a situação legal daquelas terras. Devido a ela as primeiras nove famílias que chegaram  no projeto, não tardaram em transferir-se para a região de Valdivia, Osorno e La Unión. Prosperaram rapidamente e se tornaram os melhores propagandistas para a colonização alemã no sul do Chile. O problema  nunca definitivamente resolvido da legitimidade da posse da terra, iria acompanhar como um pesadelo os teuto-chilenos, até o governo do presidente Allende no início da década de 1970. Mais de cento e vinte anos depois da chegada dos primeiros imigrantes regulares. Tratou-se principalmente de por sob suspeita a legitimidade da aquisição, por parte de protestantes, de terras nas comunidades de Osorno e Concepción. O pastor Jung atribuiu a tentativa de contestar tão tardiamente a legalidade da posse (1973), como excrescências de uma reforma agrária carregada de ódios. (cf. Fröschle, 1979, 307)

De qualquer forma estavam colocados as bases mínimas para iniciar-se uma imigração regular para o sul do Chile para a qual a Lei da Colonização de 1845 formulou os pressupostos de segurança mais essenciais. Todas esses circunstâncias deram novo ânimo para Philippi. Ele voltou a integrar-se no exército chileno e tornou-se assessor do presidente Bulnes para imigração. Entre 1848 e 1852 atuou como agente oficial de imigração. Foi encarregado de agenciar entre 180 e 200 famílias alemãs católicas sob a condição de arcar com as despesas com recursos próprios ou em caso de emergência com financiamento do governo. O projeto previa o assentamento na margem sul do lago de Lhanguihue, com financiamento a ser ressarcido, fornecimento de ferramentas e sementes, isenção de impostos, financiamento para a manutenção de curas de alma, professores e médicos alemães. 

Seguiu-se uma grande campanha de arregimentação de candidatos para a imigração, concentrada de início na região de Kassel. A propaganda feita por meio  de jornais, volantes, cartazes, etc. além de ressaltarem as vantagens e as perspectivas da imigração para o Chile, continham indicações sobre o perfil dos candidatos a imigrante: que deveriam imigrar somente pessoas de posse de uma profissão aproveitável e algum capital; que os profissionais, os agricultores e os empreendedores tivessem boas chances; que a "massa pobre" assim como aqueles que preferem ocupar-se com a pena e  boca em vez das mãos permanecessem na Alemanha. Em 1847 seguiu para Valdivia um outro agente de imigração de nome Cäsar Maas. Aproveitou a viagem que fez á Alemanha para se casar e ao mesmo tempo angariar imigrantes para aquela região. 

Bicentenário da Imigração - 16

Há um outro segmento da vida colonial brasileira em que a presença de alemães foi de importância duradoura. O marquês de Pombal chamara o conde Friedrich Wilhelm de Schaumburg-Lippe para Portugal, entregou-lhe o comando supremo para renovar as forças armadas e a arte bélica. (Kriegswesen). As preocupações de Lippe concentraram-se principalmente no esforço de elevar o nível da consciência moral dos soldados para com a pátria. Foi também o primeiro legislador do exército português pela qual implantou regras para as práticas militares, prescrições disciplinares e um código de guerra. Oberacker, citando Silva Barros resume o perfil de Lippe: "(....) nenhum legislador militar em toda história humana foi dotado de tamanha capacidade de síntese". (Oberacker, p. 141). Lippe regressou à Alemanha em 1764 onde fundou a famosa escola militar perto de Bückeburg. Manteve contudo permanente relacionamento com  Portugal como conselheiro em assuntos militares e com sugestões de nomes de militares a serem contratados. Nessa condição sugeriu o nome  de seu discípulo predileto Johann Heinrich Böhm para o seu lugar em Portugal. Böhm foi aceito pelo rei e promovido a marechal de campo e em 1767, por insistência do marquês de Pombal nomeou-o  comandante de todas as tropas do Brasil. Como tal sua primeira e principal tarefa consistiu em equipar  a colônia com um exército único sob comando central, em vez dos contingentes regionais mais ou menos autônomos e anárquicos, em condições de defender a colônia mesmo sem o concurso de tropas de Portugal. Böhm tornou-se assim o fundador do exército brasileiro no que diz respeito à sua organização hierárquica e no que tange também à filosofia e a base jurídica militar que o  iria orientar daí para frente. 

A obra de Johann Heinrich Böhm deve ser considerada como uma contribuição de primeira ordem na formação da nação brasileira. O conhecido sociólogo Oliveira Vianna (Evolução, p. 268) escreve: Surgiu desta forma um novo organismo na estrutura política e militar da colônia, motivado pela pressão das guerras externas. Abandona-se  o mosaico do sistema regional dos pequenos contingentes  regionais que gozavam de total autonomia, por uma organização ampla e una, na qual os núcleos de defesa dispersos pelas colônias,  se organizavam em sintonia com um ponto de convergência (o Rio de Janeiro). (Oberacker, 1978, p. 145).

O general Böhm tornar-se-ia famoso também ao comandar as tropas brasileiras por ocasião da   reconquista de Rio Grande do Sul e a consequente expulsão dos espanhóis dos territórios daquela região. Regressou para o Rio de Janeiro em 1779 e continuou  a dedicar-se ao aperfeiçoamento do exército brasileiro até a sua morte em 22 de dezembro de 1783, sendo sepultado no mosteiro de Santo Antônio. 

Na mesma época em que os espanhóis tentavam empurrar suas fronteiras para dentro do Rio Grande do Sul, empreendiam tentativas semelhantes nas fronteiras do norte do País. A fim de barrá-los  foi organizado todo um aparato técnico-estratégico-militar para a região. Philipp Sturm, um jovem capitão de engenharia militar alemão imortalizaria seu nome nesta empreitada. Sob sua responsabilidade foram erguidos vários fortes na região responsáveis pelo estancamento das incursões espanholas pelo norte. 

O que acabamos de fazer foi traçar um esboço muito sucinto sobre a  presença alemã na Argentina, no Brasil e no Chile durante o período colonial. Para maiores informações remetemos os interessados para a literatura especializada no assunto, de modo especial as duas obras  mais alentadas: Die Deutschen in Lateinamerika e Der Deutsche Beitrag zum Aufbau der Brasilianischen Nation, que forneceram basicamente  os subsídios para o presente relato. 


Conclusão

Como conclusão geral pode-se dizer que os três países apresentam características comuns no que tange à presença alemã nos seus territórios durante o período colonial. 

Em primeiro lugar, merece destaque o fato de que durante o período colonial não houve uma imigração planejada da parte das administrações coloniais no sentido de promover um projeto de colonização por povoamento por meio de imigrantes não espanhóis ou portugueses. A presença deles aconteceu com  indivíduos ou no máximo  com  grupos a serviço de alguma iniciativa específica de natureza comercial, técnica, militar ou religiosa. 

Com essa constatação passamos à segunda conclusão: Nos três países em foco os alemães que neles atuaram dedicaram-se ao comércio, à implantação das bases da tecnologia nos mais diverso ramos e de acordo com as peculiaridades de cada situação. Encontramos assim peritos em mineração e metalurgia principalmente no Chile e na Argentina, construtores de moinhos e engenhos de cana no Brasil. Nos três casos os territórios das colônias os pioneiros no inventário e na pesquisa das riquezas naturais, da fauna e da flora foram invariavelmente cientistas alemães. 

Um capítulo à parte da presença alemã refere-se à atividade militar, na qual se destacam invariavelmente alemães como técnicos militares como canhoneiros em navios, construtores  de fortes e oficiais peritos em  artes militares, estrategistas, artífices e comandantes de exércitos nacionais como foi caso do general Böhm no Brasil. 

Os nomes dos comerciantes, engenheiros, peritos, cientistas e militares caíram, em grande parte no esquecimento, ou  foram tragados pelo turbilhão inexorável da miscigenação ocorrida no embate com os mais diversos componentes étnicos que se encontraram nos territórios do três países em foco. Se formos rastrear a origem de inúmeras famílias importantes e decisivas na vida nacional desses países vamos encontrar, com surpresa, ancestrais alemães, até em casos onde não parece subsistir nenhum indício, como é o caso do marques de Pombal no Brasil ou o clã dos Flores e Montt no Chile.

E como último e talvez o mais curioso e mais permanente da presença alemã, temos a presença de alemães entre os missionários jesuítas que atuaram no Chile, na região do Prata e do Pampa na Argentina e na região Norte e nordeste do Brasil. O que os distingue dos membros da ordem vindos da Espanha e Portugal é a sua inesgotável doação à obra das missões e sua incansável dedicação à melhoria humana das populações, inclusive espanholas e portugueses. Onde quer que estivesse em andamento a implantação de um projeto de modernização tecnológica, de elevação do nível cultural através de escolas e colégios, a difusão de conhecimentos técnicos e artísticos, os estudos etnográficos e etnológicos, linguísticos, históricos, geográficos, etc. etc. estão presentes jesuítas vindos da Alemanha, Suíça ou Áustria.