Imigração alemã na AL nos séculos XIX e XX
Argentina, Brasil e Chile
Introdução
A imigração alemã para a América Latina propriamente dita tem o seu início depois da independência dos países do continente. Os governos das repúblicas recém emancipadas do Chile e da Argentina e o Império do Brasil, tiveram uma preocupação comum. Nos três países havia extensas regiões praticamente desocupadas, dotadas de solos, relevo e clima propícios para desenvolver projetos de colonização e assim atender às necessidades de abastecimento interno com gêneros alimentícios e diversas matérias primas. As áreas em questão costumavam localizar-se onde sua ocupação e incorporação definitiva no todo nacional implicava na própria segurança das fronteiras. Os traçados nos mapas resultado dos processos históricos de ocupação ou de tratados bi- ou multi laterais, em muitos casos, não passavam de uma ficção enquanto os espaços imediatamente contíguos não fossem assegurados por meio de um povoamento sistemático e estável. Situações deste tipo encontramos no centro e no sul do Chile, ao longo de praticamente toda fronteira oeste e norte da Argentina, e do Brasil meridional com os países do Prata. Uma terceira característica desses povoamentos vem somar-se às duas anteriores. Nos três países em análise formaram comunidades de pequenos proprietários que desenvolveram uma agricultura de subsistência de variados produtos básicos que tinham como finalidade imediata assegurar a subsistência da família e num segundo momento abastecer o mercado com alimentos e algumas outras matérias primas. Esses povoamentos representaram um contraponto aos grandes latifúndios de monocultura principalmente do Brasil e da Argentina. Do substrato assim posto originou-se uma economia de subsistência e de abastecimento dos mercados consumidores urbanos, a formação de comunidades solidamente organizadas e uma classe média rural preenchendo o vácuo social e político existente entre a aristocracia dos grandes proprietários e a massa de peões, diaristas, trabalhadores sazonais, meeiros, etc. Começamos este estudo comparativo pela colonização que ocorreu a partir de 1851 no centro e no sul do Chile, no lago de Lhanguihue, onde sobressaem como centros mais conhecidos Puerto Montt, Puerto Varas, Puerto Arenas, Frutillar, Vila Rica, Valdivia além de outros e na região mais ao norte até Temuco, conhecida na época como "La Frontera".
Colonizações alemãs no Chile
A presença alemã no Chile começa realmente a se intensificar e a se estender para todo o país, após a independência. Num primeiro momento, isto é até meados do século XIX, os alemães que chegavam costumavam ser solteiros e estabeleceram-se como comerciantes nas cidades maiores, como Santiago e Valparaíso. Em 1822 um primeiro estabelecimento comercial começou as suas atividades nesta última cidade. Entre a independência e a vinda dos imigrantes propriamente ditos, a presença de alemães tornou-se cada vez mais frequente também em outras cidades e regiões do Chile. Foram esses imigrantes, entre os quais destacou-se Bernhard Eunum Philippi, que prepararam o terreno e colocaram as bases para uma imigração de povoamento mais ambiciosa e a longo prazo, concretizada a partir da metade do século, com famílias que foram estabelecer-se no sul do país. Uma fidelidade acentuada á língua e ás tradições e a consequente aversão ao caldeamento com outras etnias, de modo especial com os autóctones, com predomínio dos Mapuches, mantiveram os núcleos de imigrantes alemães, etnicamente isolados e identificados durante as primeiras gerações. Imprimiram, desta forma características que aproximam bastante a paisagens europeias, como na Alemanha Central e do Norte, a toda a região entre Temuco, Puerto Montt e Puerto Arenas. O arranjo das propriedades, as moradias e as benfeitorias contíguas, o plantio de cevada, trigo, batata... a criação de gado leiteiro, o estilo arquitetônico e a decoração das moradias, igrejas e sedes de clubes, o nível cultural do povo, os costumes, etc. etc., marcam inconfundivelmente a região.
Philippi tornou-se a figura decisiva na implantação dos primeiros núcleos de colonização planejada no sul do Chile. Após uma viagem à Alemanha e principalmente à sua cidade de origem Berlim, regressou ao Chile em 1841 para dar andamento aos seus planos e projetos, enquanto o prof. Wappäus encarregou-se de desencadear, por meio de artigos, uma insistente propaganda pela colonização do sul do Chile. Philippi voltou depois ao Chile, percorreu a região das atuais províncias de Valdivia, Chiloe e Llanguihue para um exame mais minucioso das terras e avaliar as perspectivas para uma colonização por povoamento. Uma lenda dizia que o lago abrigava espíritos malignos. Philippi encontrou de fato as proximidades do lago de Lhanguihue despovoadas e tomadas por uma floresta quase impenetrável. Confeccionou um mapa detalhado da região depois mandou para ministro do interior do Chile um memorandum acompanhado com um plano de colonização. Argumentava que a execução do projeto seria de utilidade tanto para o Chile quanto para Alemanha, pois previa a transferência de técnicos que, segundo o autor, sobravam na Alemanha e faziam falta no Chile. O memorandum com o projeto anexo não teve resposta da parte do ministro do interior.
Philippi não desanimou depois deste insucesso. Participou da expedição que conquistou o Estreito de Magalhães para o Chile. Em reconhecimento o governo do Chile o nomeou governador de Magalhães e distinguiu-o com patente militar. Seus interesses, porém, continuaram a concentrar-se em projetos de colonização nas margens do lago Lhanguihue. Então pôs em andamento um novo projeto de colonização, desta vez na desembocadura do rio Maullin. O projeto previa a dragagem do rio por conta própria em contrapartida de isenção de impostos futuros. O governo não aceitou a proposta argumentando que a dragagem era uma obra da competência do Estado. Declinou então do cargo de governador de Magalhães e do seu posto militar, para dedicar-se como empreendedor privado a novos projetos de colonização nas proximidades do lago de Lhanguihue.
Neste meio tempo o comerciante e cônsul prussiano Ferdinand Flindt havia adquirido terras nas proximidades de Osorno. Antes, porém, que as primeiras famílias arregimentadas para o plano chegassem da Alemanha, ele já falira e um outro comerciante, Franz Kindermann assumira o projeto em parceria com seu sogro Johann Renous. Eles incompatibilizaram-se depois de pouco tempo com o estado chileno. Renous foi acusado de haver adquirido ilegalmente terras dos índios. O real interesse de Kindermann resumia-se em adquirir tantas terras quantas pudesse e fazer negócios colonizando-as. Com essa intenção pôs-se em contato com a "Associação para a Centralização da Emigração e Colonização alemã" com sede em Berlim e com a associação do mesmo nome em Stuttgart, a procura de apoio e recursos. (cf. Fröschle, 1979, p. 306)
Em 1848 o cunhado de Kindermann, o revolucionário Alexander Simon, fundou o grupo de Stuttgart. O plano de colonização por ele concebido previa o envio de três levas de imigrantes, cada um formado por 1000 pessoas para o projeto de Kindermann e Renous. Obviamente os dois estavam mais interessados em fazer negócios com terra do que própriamente criar as condições para que os imigrantes encontrassem no sul do Chile condições propícias para construir um futuro definitivo, digno e promissor para si e seus descendentes. De imediato apareceram os problemas relacionados com a situação legal daquelas terras. Devido a ela as primeiras nove famílias que chegaram no projeto, não tardaram em transferir-se para a região de Valdivia, Osorno e La Unión. Prosperaram rapidamente e se tornaram os melhores propagandistas para a colonização alemã no sul do Chile. O problema nunca definitivamente resolvido da legitimidade da posse da terra, iria acompanhar como um pesadelo os teuto-chilenos, até o governo do presidente Allende no início da década de 1970. Mais de cento e vinte anos depois da chegada dos primeiros imigrantes regulares. Tratou-se principalmente de por sob suspeita a legitimidade da aquisição, por parte de protestantes, de terras nas comunidades de Osorno e Concepción. O pastor Jung atribuiu a tentativa de contestar tão tardiamente a legalidade da posse (1973), como excrescências de uma reforma agrária carregada de ódios. (cf. Fröschle, 1979, 307)
De qualquer forma estavam colocados as bases mínimas para iniciar-se uma imigração regular para o sul do Chile para a qual a Lei da Colonização de 1845 formulou os pressupostos de segurança mais essenciais. Todas esses circunstâncias deram novo ânimo para Philippi. Ele voltou a integrar-se no exército chileno e tornou-se assessor do presidente Bulnes para imigração. Entre 1848 e 1852 atuou como agente oficial de imigração. Foi encarregado de agenciar entre 180 e 200 famílias alemãs católicas sob a condição de arcar com as despesas com recursos próprios ou em caso de emergência com financiamento do governo. O projeto previa o assentamento na margem sul do lago de Lhanguihue, com financiamento a ser ressarcido, fornecimento de ferramentas e sementes, isenção de impostos, financiamento para a manutenção de curas de alma, professores e médicos alemães.
Seguiu-se uma grande campanha de arregimentação de candidatos para a imigração, concentrada de início na região de Kassel. A propaganda feita por meio de jornais, volantes, cartazes, etc. além de ressaltarem as vantagens e as perspectivas da imigração para o Chile, continham indicações sobre o perfil dos candidatos a imigrante: que deveriam imigrar somente pessoas de posse de uma profissão aproveitável e algum capital; que os profissionais, os agricultores e os empreendedores tivessem boas chances; que a "massa pobre" assim como aqueles que preferem ocupar-se com a pena e boca em vez das mãos permanecessem na Alemanha. Em 1847 seguiu para Valdivia um outro agente de imigração de nome Cäsar Maas. Aproveitou a viagem que fez á Alemanha para se casar e ao mesmo tempo angariar imigrantes para aquela região.