Há um outro segmento da vida colonial brasileira em que a presença de alemães foi de importância duradoura. O marquês de Pombal chamara o conde Friedrich Wilhelm de Schaumburg-Lippe para Portugal, entregou-lhe o comando supremo para renovar as forças armadas e a arte bélica. (Kriegswesen). As preocupações de Lippe concentraram-se principalmente no esforço de elevar o nível da consciência moral dos soldados para com a pátria. Foi também o primeiro legislador do exército português pela qual implantou regras para as práticas militares, prescrições disciplinares e um código de guerra. Oberacker, citando Silva Barros resume o perfil de Lippe: "(....) nenhum legislador militar em toda história humana foi dotado de tamanha capacidade de síntese". (Oberacker, p. 141). Lippe regressou à Alemanha em 1764 onde fundou a famosa escola militar perto de Bückeburg. Manteve contudo permanente relacionamento com Portugal como conselheiro em assuntos militares e com sugestões de nomes de militares a serem contratados. Nessa condição sugeriu o nome de seu discípulo predileto Johann Heinrich Böhm para o seu lugar em Portugal. Böhm foi aceito pelo rei e promovido a marechal de campo e em 1767, por insistência do marquês de Pombal nomeou-o comandante de todas as tropas do Brasil. Como tal sua primeira e principal tarefa consistiu em equipar a colônia com um exército único sob comando central, em vez dos contingentes regionais mais ou menos autônomos e anárquicos, em condições de defender a colônia mesmo sem o concurso de tropas de Portugal. Böhm tornou-se assim o fundador do exército brasileiro no que diz respeito à sua organização hierárquica e no que tange também à filosofia e a base jurídica militar que o iria orientar daí para frente.
A obra de Johann Heinrich Böhm deve ser considerada como uma contribuição de primeira ordem na formação da nação brasileira. O conhecido sociólogo Oliveira Vianna (Evolução, p. 268) escreve: Surgiu desta forma um novo organismo na estrutura política e militar da colônia, motivado pela pressão das guerras externas. Abandona-se o mosaico do sistema regional dos pequenos contingentes regionais que gozavam de total autonomia, por uma organização ampla e una, na qual os núcleos de defesa dispersos pelas colônias, se organizavam em sintonia com um ponto de convergência (o Rio de Janeiro). (Oberacker, 1978, p. 145).
O general Böhm tornar-se-ia famoso também ao comandar as tropas brasileiras por ocasião da reconquista de Rio Grande do Sul e a consequente expulsão dos espanhóis dos territórios daquela região. Regressou para o Rio de Janeiro em 1779 e continuou a dedicar-se ao aperfeiçoamento do exército brasileiro até a sua morte em 22 de dezembro de 1783, sendo sepultado no mosteiro de Santo Antônio.
Na mesma época em que os espanhóis tentavam empurrar suas fronteiras para dentro do Rio Grande do Sul, empreendiam tentativas semelhantes nas fronteiras do norte do País. A fim de barrá-los foi organizado todo um aparato técnico-estratégico-militar para a região. Philipp Sturm, um jovem capitão de engenharia militar alemão imortalizaria seu nome nesta empreitada. Sob sua responsabilidade foram erguidos vários fortes na região responsáveis pelo estancamento das incursões espanholas pelo norte.
O que acabamos de fazer foi traçar um esboço muito sucinto sobre a presença alemã na Argentina, no Brasil e no Chile durante o período colonial. Para maiores informações remetemos os interessados para a literatura especializada no assunto, de modo especial as duas obras mais alentadas: Die Deutschen in Lateinamerika e Der Deutsche Beitrag zum Aufbau der Brasilianischen Nation, que forneceram basicamente os subsídios para o presente relato.
Conclusão
Como conclusão geral pode-se dizer que os três países apresentam características comuns no que tange à presença alemã nos seus territórios durante o período colonial.
Em primeiro lugar, merece destaque o fato de que durante o período colonial não houve uma imigração planejada da parte das administrações coloniais no sentido de promover um projeto de colonização por povoamento por meio de imigrantes não espanhóis ou portugueses. A presença deles aconteceu com indivíduos ou no máximo com grupos a serviço de alguma iniciativa específica de natureza comercial, técnica, militar ou religiosa.
Com essa constatação passamos à segunda conclusão: Nos três países em foco os alemães que neles atuaram dedicaram-se ao comércio, à implantação das bases da tecnologia nos mais diverso ramos e de acordo com as peculiaridades de cada situação. Encontramos assim peritos em mineração e metalurgia principalmente no Chile e na Argentina, construtores de moinhos e engenhos de cana no Brasil. Nos três casos os territórios das colônias os pioneiros no inventário e na pesquisa das riquezas naturais, da fauna e da flora foram invariavelmente cientistas alemães.
Um capítulo à parte da presença alemã refere-se à atividade militar, na qual se destacam invariavelmente alemães como técnicos militares como canhoneiros em navios, construtores de fortes e oficiais peritos em artes militares, estrategistas, artífices e comandantes de exércitos nacionais como foi caso do general Böhm no Brasil.
Os nomes dos comerciantes, engenheiros, peritos, cientistas e militares caíram, em grande parte no esquecimento, ou foram tragados pelo turbilhão inexorável da miscigenação ocorrida no embate com os mais diversos componentes étnicos que se encontraram nos territórios do três países em foco. Se formos rastrear a origem de inúmeras famílias importantes e decisivas na vida nacional desses países vamos encontrar, com surpresa, ancestrais alemães, até em casos onde não parece subsistir nenhum indício, como é o caso do marques de Pombal no Brasil ou o clã dos Flores e Montt no Chile.
E como último e talvez o mais curioso e mais permanente da presença alemã, temos a presença de alemães entre os missionários jesuítas que atuaram no Chile, na região do Prata e do Pampa na Argentina e na região Norte e nordeste do Brasil. O que os distingue dos membros da ordem vindos da Espanha e Portugal é a sua inesgotável doação à obra das missões e sua incansável dedicação à melhoria humana das populações, inclusive espanholas e portugueses. Onde quer que estivesse em andamento a implantação de um projeto de modernização tecnológica, de elevação do nível cultural através de escolas e colégios, a difusão de conhecimentos técnicos e artísticos, os estudos etnográficos e etnológicos, linguísticos, históricos, geográficos, etc. etc. estão presentes jesuítas vindos da Alemanha, Suíça ou Áustria.