Bicentenário da Imigração - 15

Um capítulo à parte da presença alemã no Brasil colonial está vinculado à ocupação holandesa do nordeste. No período da ocupação do nordeste, os Países Baixos formavam ainda uma unidade étnica com os povos germânicos dos francos, saxões e frísios que politicamente integravam o "Sacro Império Romano de Nação Alemã". Explica-se, desta forma, a forte presença alemã naquele empreendimento. 

Começa com o personagem emblemático da ocupação holandesa que foi Maurício de Nassau, cujo nome completo foi: Johann Moritz von Nassau-Siegen-Dillenburg, nascido em 1604 em Hessen, filho de Johann von Nassau-Siegen-Dillenburg e Margarete von Holstein-Sonderburg, numa família de ilustrados e artistas. Oberacker nos deixou um magnífico resumo do que Maurício Nassau e a ocupação holandesa no nordeste representou em termos de presença alemã. 

Recebeu a formação mais aprimorada do seu tempo na escola superior de Herborn e nas universidades da Basiléia e Genebra. Laços próximos de parentesco com o governador (administrador) geral das Países Baixos, levaram-no para a Holanda em 1620, engajando-se imediatamente nas lutas pela independência contra a Espanha. No decorrer dessa guerra subiu rapidamente na hierarquia militar. Distinguiu-se por sua bravura sem limites no cerco a Herzogenbusch (1629)  e, em 1632,  seu nome estava na boca de todos, depois de forçar à retirada diante de Melchen, o famoso general von Pappenheim. Consolidou a sua fama  em 1636 ao conquistar a fortaleza de Schenkenschanz, ocupada pelos espanhóis.  

Maurício de Nassau contava com apenas 32  anos quando foi nomeado comandante supremo de todas as forças marítimas e terrestres e o administrador geral da Nova Holanda. Desembarcou no Recife em 23 de janeiro de 1637, depois que os holandeses a tinham feito a capital de sua possessão, depois do incêndio de Olinda. Foi recebido solenemente pelo comandante supremo das tropas holandesas, Siegmund von Schkopke e senhor de Krebsbergen e Gross-Cotzen na Silésia, assim como pelo corpo de oficiais, funcionários, comerciantes e povoadores.

Entre os imigrantes que se estabeleceram no Recife durante a soberania holandesa, encontravam-se inúmeros alemães. Destacamentos militares inteiros  eram compostos por mercenários alemães. Na sua maioria era de alemães também o corpo de oficiais. Foi a primeira vez que na história  desembarcaram alemães às centenas no Brasil. Não é de se admirar, quando se considera que os Países Baixos, apesar de sua relativa independência, encontravam-se, até 1648, incorporados no "Sacro Império Romano de Nação Alemã" e vivendo em estreita vinculação econômica e cultural com o Hinterland alemão. A vinculação da Holanda com a Alemanha fica visível pelo fato de, quando do desembarque de Maurício de Nassau, ao lado das bandeiras da Companhia, da bandeira holandesa e da bandeira da casa de Orange, foi içada como fato óbvio, a bandeira do "Sacro Império Romano de Nação Alemã". (Oberacker, 1978, p.  82-83)

A movimentação sobretudo de cientistas e técnicos alemães dedicados aos mais diversos ramos foi muito intensa durante o tempo de Nassau. Foram botânicos, zoólogos, mineralogistas, etnólogos, geólogos, geógrafos, engenheiros, arquitetos, comerciantes, artistas, escritores, e por aí vai, que lançaram, no nordeste,  as bases para uma nova civilização ao modelo da Europa central e do Norte.  O espaço aqui disponível não permite aprofundar a muito menos detalhar a participação de cada personagem em particular. Remetemos as informações mais detalhadas para a obra de Carlos Oberacker: "Der Deutsche Beitrag zum Aufbau der Brasilianischen Nation". 

O período colonial brasileiro assemelha-se ao do Chile  e da Argentina pela presença de missionários jesuítas. Sobre a questão escreveu Oberacker:

Como a Companhia de Jesus não apenas soube manter a sua férrea disciplina interna, assumindo ao mesmo tempo grande influência em Portugal e nas suas colônias, sua influência sobre o desenvolvimento cultural da população colonial foi muito significativa. Capistrano de Abreu, um dos maiores historiadores brasileiros escreveu: "Sem tomar em consideração a história dos jesuítas, não é possível escrever a história do Brasil. Não se pode negar que o trabalho planejado de missionagem, de educação e de promoção da cultura da ordem, deixou marcas visíveis na configuração da nação brasileira. Na verdade essas marcas deixadas pelos jesuítas, apagadas pela sua dispersão na metade do  século dezoito, foram também exageradas. De qualquer forma os jesuítas influíram no pensamento espiritual e ético da população nos 200 anos em que atuaram em seus estabelecimentos organizados de acordo com seus princípios. (Oberacker,1978, p. 119-121.

O primeiro jesuíta de nacionalidade alemã entrou no Brasil, ao que tudo indica, em 1598, na pessoa de um irmão leigo Pedro de Gouveia, veio do norte da Alemanha e cujo nome alemão não se conhece. A partir daí houve um afluxo constante de jesuítas alemães para todas as regiões da então colônia do Brasil. Atuaram em colégios, na catequese entre os índios e outras atividades de construção cultural. Um dos empreendimentos de maior envergadura e onde os missionários alemães se distinguiram de modo especial, foi a grandiosa obra cultural empreendida no assim chamado Marañon e Solimões e respectivos afluentes. O Pe. Samuel, Fritz de Trautenau da terra dos Sudetos foi nomeado superior geral do empreendimento. Em companhia de inúmeros jesuítas, entre eles os padres Heinrich Richter e Wenzel Breyer fundaram, a partir de 1685 dezenas de aldeamentos  e povoações menores que no auge do florescimento somavam 169 núcleos e 100.000 habitantes. 

Observa-se um paralelismo muito grande entre o projeto missionário do Amazonas e do Prata. Paralelamente à catequese propriamente dita os jesuítas empenharam-se em ensinar aos índios métodos racionais de cultivo a produtos como arroz, milho, cacau, cana, tabaco, etc. e ensinavam-nos técnicas artesanais, música, construção de casas e igrejas. O Pe. Fritz passou 40 anos entre os índios e  acabou seus dias entre eles. O etnólogo famoso e amigo dos índios de nome Curt Unkel-Nimuendaju, disse do Pe. Fritz: "Este homem foi uma personalidade sem igual que procurava preservar e defender a maneira de ser própria dos índios e com isso provocou o conflito com os portugueses. Como nenhum outro atraía a si os índios como  um ímã. Por meios pacíficos evitava as guerras entre as tribos, respeitando sempre as suas peculiaridades". ( Oberacker, p. 122). Famosos se tornaram os mapas da região amazônica confeccionados pelo Pe. Fritz. A história das missões da região e o mapeamento feito por Brentano, outro jesuíta alemão e os relatos e descrições de Veigl sobre os território dos Maynas na América do Sul, foi publicada em Nüremberg. 

Famosa se tornou também a dupla de jesuítas alemães Johann Philipp Bettendorf e Kaspar Misch, dois homens de ótima formação europeia que atuaram como missionários no Amazonas, organizaram escolas em Belém e São Luís. Nessas cidades fundaram escolas de nível mais adiantado, os colégios. Ao colégio de São Luís agregaram, uma faculdade de teologia, transferida mais tarde para Belém. A instituição conquistou tamanha fama que alunos da Universidade de Coimbra terminavam nela os seus estudos. Bettendorf tornou-se conhecido também como etnólogo com o seu "Compêndio da doutrina cristã na língua brasílica". Organizou ainda uma gramática da língua Tupi e é autor da "Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado Maranhão". Jodokus Perret que, antes de partir para o Brasil, tinha sido professor de filosofia em Munique e Dilllingen, foi outro dos colaboradores diretos de Bettendorf na construção da obra missionária. Aos anteriores vem juntar-se Aloys Konrad Pfeil, sempre presente nas fronteiras missionárias mais afastadas. Era um exímio desenhista e cartógrafo. Deixou três mapas: um da costa norte do Brasil "Mapa do grande rio Amazonas; um de toda região das missões, do Piauí até as Guianas "Mapa da Missão do Maranhão e o "Mapa do rio Amazonas norte". Pfeil foi um grande conhecedor das fronteiras, tanto assim que o rei o chamou para Lisboa, quando das negociações do tratado de Utrecht. Seus registros e seus mapas auxiliaram ao Barão do Rio Branco na defesa das pretensões brasileiras relativas às fronteiras do norte. Merecem ainda citação o Pe. Hans Xaver Treyer um artista plástico que foi ensinar a arte aos índios no colégio de Belém. Para faculdade de filosofia de Belém foi destinado o Pe. Aloysius Balecci de Friburgo, como missionários o Pe. Häckel e Franz Wolff, Rochus Hundertpfund, Karl von Steinen, o cartógrafo e arquiteto Lorenz Kaulen, Anton Meisterburg, Martin Schwarz, Joseph Kayling, Heinrich Hoffmayer, David Ludwig Fay, Ecdkart,  Meisterburg, autor do trabalho: "Nachrichten von den Sprachen in Brasilien", "Historia Persecutionis Societatis Jesu in Lusitania", "Zusätze zu Pedro Cudenas Beschreibung der Länder von Brasilien". Este é um brevíssimo apanhado da presença dos jesuítas alemães no norte e nordeste do Brasil. De qualquer forma fornece uma pista da contribuição alemã em regiões do Brasil normalmente passadas muito ao largo ou até inteiramente ignoradas.

Bicentenário da Imigração - 14

Um número significativo de alemães tomou parte também nas Bandeiras. Contavam-se entre eles  aventureiros clássicos como estão sempre presentes em empreendimentos desta natureza. Há-os também que aliam a procura de aventuras e emoções a objetivos científicos. Entre os alemães que integraram  Bandeiras predominaram, como é perfeitamente explicável, peritos em prospecção de minerais, geólogos e até engenheiros de minas. Entre os engenheiros que acompanharam Dom Francisco de Souza, nas suas incursões por São Paulo para mapear jazidas, entre 1591 e 1602, encontrava-se o alemão Jakob Unhalt, que consta nos registros também como "Unhalte" ou "Oalte". Entre 1601 e 1602 Dom Francisco de Souza organizou uma expedição até Minas Gerais e nela fez-se acompanhar por Unhalt e os outros engenheiros. Confiou o comando da expedição a André Leão e Wilhelm J. Glimmer. Este último um ousado aventureiro versado em conhecimentos de História Natural, esteve mais tarde a serviço de Maurício de Nassau e chegou a ser nomeado governador da ilha de Fernando Noronha. Unhalt forneceu subsídios sobre o sul do Brasil para os naturalistas Pies e Marcgrave elaborar a sua obra clássica: “Historia Rerum Naturalium Brasiliae”.

No final do século XVII ficou claro para a administração colonial que era preciso dirigir  atenção especial para assegurar as fronteiras do sul do Brasil. A dificuldade que os portugueses enfrentavam para transpor a muralha da Serra do mar e penetrar no interior dos territórios da atual região sul, já parcialmente ocupada com a expansão das vacarias dos jesuítas espanhóis, fez com que se desencadeasse uma política aliada a estratégias duradouras e efetivas em relação a esses territórios. Por volta de 1645 Duarte Corrêa Vasqueanos, administrador da cidade do Rio de Janeiro, encarregou desse empreendimento o alemão Eleodor Ebano,  provavelmente filho do já acima citado   Heliodor  Eoban Hesse. Esse reuniu uma expedição, como era usual na época, formada por brancos, mamelucos e índios. Como comandante duma  "frota de guerra", composta de barcos de combate, dirigiu-se para a costa sul do Paraná. Transpôs a Serra do Mar  e implantou assentamentos no planalto. Um deles, Nossa Senhora da Luz dos Pinhais evoluiria posteriormente para a atual Curitiba. Mesmo que a expedição tivesse como objetivo primeiro a prospecção de jazidas de ouro e prata e a subjugação dos índios, principalmente os agressivos carijós, o resultado a médio e longo prazo para a região foi outro e muito mais importante para a sua evolução. Os assentamentos fixos e definitivos que Eleodor Ebano mandou implantar em toda a região do planalto do Paraná, franquearam ou pelo menos facilitaram a penetração de expedições portuguesas para os planaltos de Santa Catarina e mais ao sul, para o Rio Grande do Sul.

Também na região nordeste do Brasil a presença alemã no período colonial assumiu caraterísticas similares das outras regiões, isto é, de peritos na exploração dos recursos de importância. Na capitania de Pernambuco ao lado da Bahia desenvolveu-se o centro  de maior progresso na região, calcada na riqueza mais importante, quase única, o açúcar. Logo após Duarte Coelho ter criado a primeira colônia, logo após 1535,  instalaram-se nela desde o início alguns alemães. Entre estes tornar-se-iam lendários na história posterior do nordeste o clã dos Holanda (Holland) e dos Lins. Arnual von Holland, era, do lado paterno filho de um nobre holandês e de parte de mãe da nobreza alemã Arnual von Hollands, irmã do último papa alemão, Adriano VI. O jovem Arnual Holland estabeleceu-se como solteiro em Pernambuco e casou com uma portuguesa de nome Brites de Vasconcelos. Duarte Coelho deu-lhe grandes extensões de terras como presente de casamento. Nelas cultivou plantações de cana e construiu dois engenhos. Gozou de grande influência na alta sociedade pernambucana e na sua descendência. Além  de outros nomes significativos constam os do Visconde Albuquerque e do Marquês de Pombal. 

Os Lins emigram para o Brasil na segunda metade do século dezesseis, cinco ao todo: Os irmãos Christopf (Cristóvão) e Bartholmäus (Bartolomeu), Roderich (Rodrigo), meio irmão dos anteriores,  Konrad (Conrado), grau de parentesco com os demais não definido,  Sebald (Sebaldo), primo dos primeiros. Sobre os Lins o historiador Carl Oberacker faz o seguinte comentário: 

Por causa da sua forte participação na economia os cinco imigrantes alemães de sobrenome Lins ocuparam uma posição de liderança na jovem vida da sociedade de Pernambuco. O tamanho do seu prestígio pode ser avaliado pelo fato de um deles ter casado com uma parente próxima de um  feudatário  e que um outro teria sido elevado à nobreza. Enquanto os Lins se extinguiam na Alemanha, multiplicaram-se enormemente no amplo espaço do Brasil. Há anos viviam somente na cidade do Recife 4000 portadores com este nome. A nação Brasileira agradece inúmeros homens importantes  da história do Brasil, como oficiais, homens públicos e escritores, a esses cinco imigrantes vindos da Suábia. (Oberacker, 1978, p. 72).

Cristóvão foi o mais importante dentre os cinco Lins acima mencionados. Entrou definitivamente na história do nordeste como o conquistador e o povoador do atual estado de Alagoas, como iniciador da produção de açúcar naquele estado e grande usineiro. Mais tarde participou ainda da conquista e fundação da Paraíba. 

Encontramos alemães em todo o processo de ocupação do nordeste em favor de Portugal. Na conquista do Ceará sobressai a figura de Mathias Beck e de seus dois companheiros e auxiliares: Karl Helbach e Hans Simplisel. Sob a orientação deles procederam-se as primeiras incursões planejadas  para o interior do território em busca de riquezas naturais, como prata, ouro, etc. Dos seis  peritos estrangeiros em prospecção e mineração que cem anos mais tarde, 1743-1744, procuraram cobre e prata  nas minas de Ubajara, no Ceará, todos eles parecem ter sido alemães. Trabalhavam sob a direção de dois alemães: Johann Christopf Sprongel e Martin Fugeor (Fugger?). 

Na conquista e consolidação do Maranhão como possessão portuguesa empenhou-se decisivamente um número considerável de alemães. Entre as tropas que em 1614 empreenderam a expulsão dos franceses encontrava-se o tenente Konrad Lins. Na história do Maranhão tornaram-se conhecidos os irmãos Beckmann, filhos de pai alemão e mãe portuguesa. Merece ainda menção Kaspar Werneck que  construiu a primeira fragata no Brasil no estaleiro que mantinha em companhia com Simão Ferreira Coimbra. Iria tornar-se um dos fundadores das conhecidas famílias Varneque, Berneque e Werneck. No final do século 17 encontramos Franz Potfilz médico, grande comerciante e caçador de ouro. Entre 1710 e 1727 percorreu, em companhia de peritos em mineração, os afluentes do Amazonas, principalmente o Tocantins, e em busca de madeiras nobres, sem grandes êxitos entretanto. Um pouco mais tarde, cerca de 1739-1749, o cirurgião Nicolas Hotsmann avançou até o rio Negro. Deixou um minucioso relato de viagem pouco conhecido com o título: "Diário de uma viagem por terra pela região  amazônica".

Bicentenário da Imigração - 13

Alemães no Brasil colonial
Da mesma forma como aconteceu no Chile e na Argentina colonial, também o  Brasil colonial, caracterizou-se pela participação de comerciantes, técnicos, militares, cientistas, administradores, religiosos além de profissionais de todos os tipos. Também no Brasil não houve tentativas de estabelecer um  povoamento local ou regional por imigrantes alemães, devido em grande parte à política de colonização portuguesa hostil à participação de estrangeiros nesse tipo de empreendimentos.  Ocorreu então que a presença alemã se desse mediante indivíduos que exerceram as mais diversas atividades. Constata-se, no tocante a esse aspecto, porém, uma flagrante diferença quando se compara o Brasil com o Chile e a Argentina. O número chega a ser incomparavelmente superior e consequentemente a sua presença deixou muito mais vestígios do que nos outros dois países. '

Martim Afonso de Souza trouxe da ilha da Madeira Antônio (Anton) Leme de origem Flamenga cujo antepassado Martim Lem ou Lems fixara-se como comerciante em Lisboa, em 1440. De Antônio Leme descende toda a estirpe dos Leme no Brasil. Atribui-se a ele a importação para o Brasil das primeiras mudas de cana de açúcar, que se tornaria em seguida a maior fonte de riquezas ao lado do pau Brasil.  A João Leme segue, também, no início da colônia o perito em construção de moinhos hidráulicos, João (Johann) von Hülsen. Aparece também nos documentos com o nome modificado de Veniste, Visante ou Visnait. Os moinhos hidráulicos por ele construídos puseram em marcha os mais antigos empreendimentos industriais  do Brasil Colônia. 

A Leme e von Hülsen soma-se Erasmo (Erasmus) Schetz. Dono de uma grande casa de comércio ocupava-se, ao lado do comércio ultramarino, com operações bancárias e era proprietário da usina de açúcar São Jorge em São Vicente. A colônia São Vicente desenvolveu-se rapidamente juntamente com a colônia filial Santos. Pelos anos de 1550 estavam em funcionamento quatro usinas de açúcar. Esses empreendimentos tiveram a sua construção planejada e executada por Heliodoro (Heliodor) Eoban Hesse, outro alemão, filho do humanista Helius Eobanus Hessus, amigo de Lutero e professor de história em Marburg. 

Conforme Oberacker, o primeiro alemão do período colonial a conquistar fama internacional foi Hans Staden. Depois de ver frustrada a sua pretensão de viajar à Índia integrou-se como canhoneiro à tripulação de um cargueiro português. Visitou o norte do País e depois de conhecer Pernambuco voltou à Europa. Entrou então no serviço da Espanha e viajou para a América do Sul na expedição de Diego Sanabria. À altura da costa do Paraná uma tempestade dispersou os navios e Hans Staden e seus companheiros foram  dar  na baía de Paranaguá.  De lá seguiram para a ilha de Florianópolis. Embarcou depois para São Vicente  de onde pretendia retomar a viagem para La Plata, mas na altura de Itanhaém também este navio se perdeu. Os náufragos seguiram a pé até São Vicente. A localidade encontrava-se sob constante ameaça de ataques dos índios. Tomou-se a decisão de tornar a defesa mais eficiente construindo um muro de proteção de pedra. A pedido de Braz Cubas assumiu a responsabilidade pela defesa da povoação. Tomé de Souza ordenou a continuação da construção das fortificações e nomeou Hans Staden como o responsável pela execução e comandante do forte de Bertioga. Numa saída à mata para uma caçada foi aprisionado pelos índios e por eles levado ao local onde fica Ubatuba onde tencionavam devorá-lo num festim de antropofagia. Temendo a ira do Deus dos cristãos os índios não o sacrificaram, mas submeteram-no durante dez meses, a um cativeiro desumano. Finalmente um capitão de navio francês comprou sua liberdade e em fevereiro de 1555 retornou à terra natal em Wohlhagen no Hesse onde presumivelmente morreu em 1576. 

A fama internacional de Hans Staden  não se deve à sua contribuição para com a defesa da colônia, mas pelas obra literária e científica que deixou. Deve-se basicamente ao relato que fez das duas viagens ao Brasil. A obra foi publicado em mais de 78 edições, das quais só no original alemão são 25 e no português 15, além de  edições em quase todas línguas cultas. Falando da obra  escreveu Oberacker:  

Hans Staden observou  o mundo desconhecido entre São Vicente e Rio de Janeiro, com seus animais e homens, de maneira especial os índios brasileiros, com um olhar de rara agudeza, realística e aproximando-se de uma postura científica moderna. Sua obra nos oferece a mais antiga e a mais exata  descrição dos usos e costumes da população brasileira autóctone  e como tal se constitui numa contribuição extremamente  valiosa para o estudo etnográfico do País. (Oberacker, 1978, p. 59).

Um outro alemão, Heliodor Eoban Hesse, conquistou notoriedade na fundação do Rio de Janeiro. Na década de 1550 o Brasil na expressão de Oberacker "não passava muito de um vago conceito geográfico". (p. 61). O que havia de concreto eram os assentamentos nas redondezas de São Vicente e os mais ao norte no litoral da Bahia e do nordeste. Os franceses aproveitando-se do vazio geográfico e do significado estratégico da baía da Guanabara, instalaram aí assentamentos com as respectivas fortificações. O governador geral Mem de Sá tomou a decisão de desalojar os franceses do Rio de Janeiro. Para tanto apelou para a colaboração de São Vicente. Heliodor Eoban Hesse pôs-se à disposição do governador geral e foi encarregado do comando de nove barcos de guerra índios com 300 indígenas e mestiços. Em 1° de março de 1565 desembarcaram no sopé do Pão de Açúcar e fundaram a povoação de São Sebastião. No combate decisivo com os franceses em 20 de janeiro de 1567 distinguiram-se de modo especial Estácio de Sá e Heliodor Hesse. Heliodor Hesse casou-se mais tarde com Maria Pereira de Souza, a filha do "Botafogo". Desta união originou-se a estirpe dos Ebano Pereira. Heliodor Hesse participou ainda na derrota de uma incursão francesa no dia 8 de junho de 1568 em Cabo Frio. Num golpe de mão apoderou-se do navio francês e com os canhões de bordo guarneceu a fortaleza Nossa Senhora da Guia a atual fortaleza de Santa Cruz. Pelo que indicam os registros o alemão pereceu nesta escaramuça. 

Bicentenário da Imigração - 12

Um capítulo de especial importância na história da América latina colonial cabe aos jesuítas, como já foi observado em relação ao Chile, com destaque especial  para os missionários oriundos das regiões  onde predominou a "ordem alemã":  Áustria, Suíça, Silésia, Boêmia, Baviera, Luxenburgo, Alsácia, Lorena, Tirol do norte do sul. Antes de referir nomes e apontar as respectivas contribuições é preciso chamar a atenção para um detalhe histórico importante. No período em que a presença de jesuítas alemães foi mais significativo, 1600 a 1770, o território da atual Argentina, do Paraguai e uma boa parte do sul do Brasil, hoje pertencentes aos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, encontrava-se sob a jurisdição da administração colonial espanhola como estabelecera o Tratado de Tordesilhas. Com a finalidade de facilitar o governo e  a "conquista espiritual" nesta imensa região, o Geral da Companhia de Jesus criou em 1607 a província do Paraguai. A ela estavam subordinadas as grandes frentes missionárias dos arredores de Buenos Aires  e do Pampa, do Chaco e de modo especial dos povos guaranis nas bacias  do Uruguai e do Paraná. Até aquele momento esses povos haviam sido atendidos pelos missionários itinerantes, com destaque para os franciscanos, que percorreram esses territórios durante décadas, porém,  sem resultados permanentes e duradouros. Uma das primeiras medidas foi  implantar centros de missionagem estáveis em pontos estratégicos. Depois de revogada a proibição  da imigração de estrangeiros para as colônias espanholas, o número de missionários de origem alemã cresceu visivelmente e inaugurou-se um período de mais de um século de intenso crescimento cultural. Mais do que para qualquer outra região da América Latina vale para o Prata  a opinião expressada por Otto Quelle do Instituto Ibero-americano válida de modo especial para o período entre 1660 e 1770:

Quando se faz uma avaliação global da atividade dos missionários alemães em tantos lugares na América do Sul entre 1660 e 1770, estamos frente ao maior feito cultural dos alemães na América do Sul no século XVII e XVIII. (Fröschle, 1979, p. 48).

O primeiro grande missionário  jesuíta  a desembarcar na região do Prata foi o tirolês Anton Sepp, oriundo de Brixen, hoje Bressanone no norte da Itália. Seu nome completo foi Anton Klemens Sepp von Seppenburg. Desde muito cedo demonstrou um dom todo especial pela música. Integrou o coro dos meninos da capela imperial e numa viagem posterior até a Inglaterra viu abrir-se à  sua frente uma brilhante careira como artista. Numa decisão repentina e definitiva decidiu renunciar à carreira e entrar na ordem dos jesuítas. Contando 36 anos os superiores o enviaram para as missões do Prata. Cheio de detalhes ele mesmo relatou a sua viagem de navio em companhia de couros mal cheirosos, ovelhas, galinhas, porcos, percevejos, piolhos e pulgas.  Descreveu depois a  viagem pelo rio da Prata e o Uruguai em direção às reduções, em canoas conduzidas por remadores índios, como bem mais agradável e muito mais confortável. Seu destino veio a ser a redução de Yapejú, dedicada aos Reis Magos. Em pouco tempo a redução transformou-se no centro da educação musical de todas as missões.  Além das atividades pastorais e do ensino da música o Pe. Sepp dedicou-se aos doentes, preocupou-se com o trabalho nos campos,  com as atividades nas oficinas, com a preservação dos templos e com as  moradias dos nativos. Sob sua condução a redução de São Miguel evoluiu a tal ponto que não demorou que a superpopulação levasse à fundação  das reduções filiais  de São João Batista,  São Luís, São Xavier, La Cruz e São José, onde faleceu 1733 com 77 anos de idade. 

O Pe.  Sepp deixou, além das descrições de viagem  uma outra obra com o título latino "Continuatio Laborum Apostolicorum", que também teve uma edição em alemão. Os demais escritos permaneceram manuscritos. Os escritos de Sepp  somados aos do Pe. Florian Paucke e do Pe.  Dobritzhoffer enumeram-se entre as fontes mais importantes das missões jesuíticas do Prata. 

Outro jesuíta alemão que se destacou nas missões do Prata foi o Pe. Florian Paucke, nascido em 1719 na Silésia. Tinha em comum com o Pe. Sepp o talento musical. De resto, entretanto, distinguia-se do coirmão pelo seu tino prático e artístico. Descreveu sua viagem para a América e suas experiências como missionário num livro intitulado "Hin und Her" (Para Cá e para Lá). A obra mostra Paucke como 

...um homem de temperamento jovial que sabia lidar com as dificuldades. Muito menos expansivo  que Sepp, mas de forma alguma árido. As histórias que permeiam as narrativas não são novelísticas como as de Sepp. Não se alinham com o barroco tardio mas com a ilustração. (Fröschle, 1979, p. 50)

Paucke foi destinado pelos superiores para as missões do Chaco. Seu primeiro posto de trabalho foi a Missão de San Javier entre os mocobieros, um povo nômade, rude e guerreiro, de índole rebelde, mais difíceis e refratários dos que os guaranis do Pe. Sepp, muito mais dóceis e mais dispostos ao trabalho e mais dispostos ao trabalho.

A primeira iniciativa que tomou foi tentar substituir as cabanas de barro com moradias de tijolos e cobertas com telhas. Só a muito custo conseguiu motivar os índios para o trabalho em olarias e na construção das casas. Costumavam trabalhar apenas enquanto lhes dava prazer para então entregar-se à bebedeira, vício generalizado e profundamente arraigado entre eles. Depois de interditados os locais públicos de consumo de cerveja de milho e alfarroba, embebedavam-se às escondidas. Só a muito custo e com algum êxito o Pe. Paucke conseguiu substituir a bebida alcoólica pelo mate importado das outras reduções. Teve que travar uma batalha ainda maior para que os nativos aceitassem dedicar-se a uma agricultura sistemática e de acordo com padrões capazes de dar resultados compensadores. O missionário registrou, contudo a sua admiração pela extraordinária capacidade de trabalho e principalmente de aprender, uma vez vencidas as resistências iniciais. Demonstravam habilidade toda especial quando se tratava de aprender música,  trabalhos manuais e de modo especial trabalhos de marcenaria, tornearia, escultura, pintura, tecelagem....

Os resultados do imenso esforço do Pe. Paucke em substituir o ócio e a bebedeira pelo trabalho sistemático, não tardaram em aparecer. Em pouco tempo a redução contava com 30.000 cabeças de gado. Não demorou e San Javier tornou-se conhecida pelas esculturas de seus homens e os tecidos de suas mulheres, além do coral e da orquestra de violinos, celos, flautas, harpas e tubas, frequentemente convidados para apresentações em Santa Fé e Buenos Aires. 

O Pe. Paucke teve ainda tempo para fundar a nova redução de San Pedro, antes de o decreto real de 1767 interrompesse a atividade dos jesuítas nas colônias espanholas. Tinha conquistado de tal maneira a simpatia e a fidelidade dos índios, que os espanhóis temiam por uma revolta a tal ponto que o comissário encarregado de realizar o inventário em San Javier e providenciar a retirada do missionário, a pedir uma escolta armada como garantia contra uma possível reação dos  nativos. 

Werner Hoffmann, autor do capítulo sobre os alemães na Argentina na obra "Deutschen in Lateinamerika", concluiu os seus comentários sobre o Pe. Paucke:

Como em outros casos a expulsão dos jesuítas das reduções junto aos macóbios, significou um pesado retrocesso para o Chaco espanhol. Os índios de San Pedro abandonaram a aldeia e retomaram a antiga vida de nômades. San Javier continuou como uma localidade caracterizada pela constante diminuição da população e aumento da pobreza. O Pe. Pauke retornou à pátria. Sua obra "Para Cá e para Lá" (Hin und Her), que pode ser encontrada em nova edição alemã e na tradução em espanhol, graças às excelentes observações do autor, seu talento  em reproduzir em cores vivas as cenas da vida dos índios, dos animais e plantas dos Chaco, pelas representações vivas e confiáveis dos dados, é interessante tanto para os historiadores da cultura, como para os etnógrafos, botânicos e zoólogos. (Fröschle, 1979, p. 52-53).

Martin Dobrizhoffer foi mais um dos jesuítas alemães que se destacaram entre os missionários da ordem que atuaram na região do Prata no período colonial. Como seu coirmão nasceu na Áustria em Steiermark, não no Tirol. Foi um autêntico cientista. Os superiores destinaram Dobrizhoffer para trabalhar com os Abipones do Chaco, um povo caracterizado pelos cronistas da colônia como o mais desenfreado e amante da liberdade de todo o Chaco, onde as mulheres cavalgavam de igual para igual com os homens. O autor do capítulo do livro observa: "e para junto deste povo enviou-se um professor vestido de sotaina". (Fröschle, p. 53).

A vida de Dobrizhoffer entre os índios  Abipones pode ser resumida num rosário de infortúnios e insucessos, devido em grande parte à índole dos nativos e, em parte, sem dúvida à própria personalidade do missionário. Resumiu seu estado de espírito entre os Abipones na redução de Concepción com o desabafo: "Preferiria morar entre os mouros do Marrocos do que entre os bárbaros que aqui me cercam". (Fröschle, p. 54).

Depois de inúmeras peripécias e infortúnios foi mandado recuperar-se nas missões dos guaranis por ele mesmo classificadas como uma "ilha de paz". Alcançou-o aí o decreto de expulsão. Os conhecedores de sua "História dos  Abipones" afirmam dela como sendo um retrato fidedigno deste povo de índole viril, de sua indomável vitalidade, selvajaria, crueldade e ao mesmo tempo de sua magnanimidade para com os vencidos. Apesar de toda a sua exatidão científica  soube ser um narrador magistral. Cunnigham Graham afirma de sua obra: "Quem lê essas narrativas deliciosas não pode deixar de tornar-se amigo pessoal de Dobrizhoffer". (Cf. Die Deutschen in Lateinamerika. P. 55).

Um quarto jesuíta de nacionalidade alemã, Mathias Strobel de Steiermark, tornou-se conhecido nas missões do Prata e do Pampa. Atuou por algum tempo entre os Guaranis para depois ser destinado para os índios Pampas. O contato com os brancos e a consequente generalização do vício da bebida haviam arruinado esses povos. Strobel fixou na redução de Concepción o centro de irradiação de suas atividades. Deu início a um combate sem futuro contra os comerciantes espanhóis. Buenos Aires encontrava-se demasiado próxima tornando inviável a proteção dos índios contra os castelhanos. Mais tarde viveu a mesma experiência com os Puelches da redução de Pilar nas proximidades de Mar del Plata. 

Strobel foi nomeado superior das missões junto aos Guaranís  que somavam em torno de 100.000  índios, na fase mais crítica dessas reduções nos cento e cinquenta anos de sua existência. A troca dos sete povos pela Colônia do Sacramento  acertada entre Espanha e Portugal por  Fernando VI, previa a transferência dos Guaranis dos  Sete Povos do Rio Grande do Sul, para a margem direita do rio Uruguai. O Geral da ordem concordara com a transferência e o Pe. Strobel, pela dupla obediência que devia ao superior geral e ao rei, viu-se na complicada missão de tentar a passassem pacifica dos índios para a outra margem do rio. Aconteceu o previsível. Os guaranis que cultivavam uma grande afeição pelas suas aldeias, terras, plantações e rebanhos de gado, pela primeira vez rebelaram-se contra os "pais e  guias" e recusaram-se a abandonar as aldeias. O que aconteceu depois é por todos conhecido. Uma parte dos guaranis de fato passou para a margem direita do Uruguai em território Argentino, os outros, após uma resistência armada sem futuro, derrotados, embrenharam-se nas florestas e retornaram à vida selvagem, ou permaneceram nas reduções e com elas decaíram física e espiritualmente até um nível deplorável. 

O historiador que fixou para a posteridade os episódios que envolveram a troca da região dos Sete Povos no Rio Grande do Sul pela Colônia do Sacramento, foi um outro missionário jesuíta alemão, natural da Baviera de nome Bernhard Nussdorfer. Chegou ao posto de reitor do ginásio de Santa Fé e superior provincial da província do Paraguai dos jesuítas. Sua obra "Relación" representa uma das fontes mais importantes para o estudo da "Guerra dos índios Guaranis". 

É óbvio que nem todos os missionários jesuítas que foram destinados para a região do Prata tiveram a envergadura de Sepp, Pauke, Dobrizthoffer, Strobel e Nussdorfer. Um número significativo deles imortalizou-se nas diversas especialidades a que se dedicaram como missionários entre nativos dos mais diversos povos. A soma de suas contribuições foi decisiva para o esplendor, o progresso e o nível civilizatório extraordinário alcançado pelas reduções do Prata entre 1600 a 1770.

Sem a pretensão de fornecer uma lista completa  dos jesuítas alemães que se destacaram na época em pauta, fornecemos os nomes e as obras de alguns deles, afim de possibilitar de alguma forma a avaliação da sua importância: Johannes Kraus projetou a igreja de Santo Inácio, a mais antiga de Buenos Aires. Sucedeu-o na conclusão da obra e na construção do colégio o irmão leigo Johannes Wolf natural de Bamberg, por sua vez substituído por outro irmão leigo Peter Weger, oriundo de Kempten. A magistral obra barroca da igreja da Estanzia Jesuita Santa Catalina em Córdova  foi obra de Anton Harls de Tegersee e a igreja de San Telmo em Buenos Aires do seu conterrâneo Josef Schmidt. Ao lado dos artistas contam-se artesãos como o fundidor de sinos Josef Klausner de Munique, o ferreiro e construtor de relógios Karl Frank de Innsbruck, os construtores de órgãos e outros instrumentos de música Sepp, Paucke e Martin Schmidt. Schmidt não só fabricava instrumentos como ensinava os índios a tocá-los como cantava e dançava com eles. Ele dizia de si mesmo: Apesar disso sou missionário. Sou missionário porque canto, danço e toco. Schmid e o boêmio alemão Johannes Messner abasteciam as missões dos chiquitos com violinos e contrabaixos de cedro, clavicórdios, harpas trombetas, etc. A primeira tipografia posta em funcionamento  na província da ordem no Paraguai foi instalada por Johann  Neumann e o jesuíta espanhol José Serrano. Só o papel vinha da Europa. Os índios fundiam os tipos sob a supervisão de Neumann além de realizarem as vinhetas e lâminas de cobre. O livro argentino mais antigo de que dispomos, um volume com 438 páginas de duas colunas, 67 vinhetas e 43 lâminas de cobre, é o tratado "De la diferentia entre lo Temporal y lo Enterno", traduzido para o guarani pelo padre Nieremberg. Uma das maiores preocupações dos missionários consistia em manter os índios o mais possível afastados da influência dos espanhóis. Para tanto aprenderam  e estudaram a fundo as línguas dos nativos e as transformaram em veículo de comunicação oficial. Consequentemente foi preciso confeccionar gramáticas e dicionários em guarani, macobiano e outras, obrigando os missionários a serem de alguma forma lingüistas, filólogos, gramáticos, etc. Nessa tarefa sobressaiu o Pe. Josef Brigniel de Klagenfurt autor de uma gramática e um dicionário da língua dos Abipones.

O isolamento dos espanhóis deixou a descoberto a importante área de necessidades relacionados com a saúde a serem supridas pelos missionários. Por essa razão os padres, que de alguma forma dominavam os conhecimentos e as práticas médicas, embora sem uma habilitação formal por escolas de medicina convencionais, assumiam uma importância vital para o atendimento de seus protegidos. Neste particular sobressaiu o padre Sigismund Asperger, natural de Innsbruck na Áustria. Dominava não só os conhecimentos e os medicamentos europeus como adquirira uma grande familiaridade com raízes e ervas medicinais da tradição indígena. Na sua bagagem trouxe da Europa uma enorme quantidade de medicamentos e foi ele que logrou sustar o surto de peste que grassava em 1718 em Córdova. O silesiano Heinrich Peschke se tornou famoso pelas coleções de ervas medicinais que reuniu durante a sua estada também em Córdova. 

Missionários alemães como os irmãos leigos Gartner de Iglau, Gleisner da Vestfália, Herl da Baviera, Kobel da Suábia e Elvers de Hamburgo, foram os grandes responsáveis pela instalação de tecelagens de algodão em Alta Garcia, Córdova. O padre Josef Klein, um silesiano de Glatz montou serrarias e implantou importantes estâncias de criação de gado na região do Chaco. Sobressaíram como cartógrafos de grande precisão da área das missões vários padres alemães com destaque para Karl Rechberg, natural de Altdorf na Suíça. Resumindo é lícito afirmar: 

Os jesuítas foram os portadores da cultura no período colonial espanhol. Sua contribuição foi essencial para o desenvolvimento econômico de sua província sul-americana. Religiosos alemães que junto de  seus superiores gozavam da fama de "missionários incansáveis e exemplares"  contribuíram com uma parcela importante na obra civilizadora da ordem na região do Prata. (Fröschle, 1979,  p. 59).

Além dos muitos missionários jesuítas alemães que  deixaram sua contribuição para sempre marcada na região do Prata, outros alemães em menor número deram seus préstimos para a administração colonial. O rei de Espanha contratou  para atuarem no vice-reinado de Buenos Aires, o diretor de minas Zacharias Helms. Este veio acompanhado dos engenheiros von Nordenflycht e  Daniel Weber, peritos nas técnicas de amálgama. Helms, depois de desembarcar em Buenos Aires, seguiu por terra para as minas de Potosí, na época pertencentes ao vice-reinado de La Plata. No seu relato de viagem resumiu a sua opinião sobre o atraso das colônias espanholas na América Latina com um julgamento que acertou em cheio o prego na cabeça:

Caso os espanhóis se preocupassem mais com o bem estar do conjunto dos países do que pela promoção dos interesses pessoais, não deveria ser difícil  educar os índios selvagens para súditos úteis da coroa, através de um comércio amistoso,  como o demonstram as tribos de índios civilizados. Acontece, porém, que na América do Sul só os escravos trabalham. Os índios representam em última análise a única classe que trabalha. Ao trabalho desses pacientes burros de carga devemos todo o ouro e prata produzida na América Espanhola. (Fröschle, 1979,  p. 60)

No seu relatório  de viagem publicado em alemão em 1798 e em inglês em 1806, pintou um retrato muito negro das dificuldades que encontrou, sobretudo ligadas à corrupção dos administradores e funcionários da colônia. Em Potosí montou um laboratório no qual desenvolveu uma técnica de processamento do cobre que reduziu em vinte vezes as técnicas em uso na época. No esforço  em modernizar as minas entrou em conflito com governadores e subalternos e entre o povo foi estigmatizado como arqui-herege e judeu, acusado de privar os mineiros do pão com os novos métodos de mineração. Com a saúde arruinada e de posse de um parecer médico decidiu voltar para a Europa.

Bicentenário da Imigração - 11

Alemães na Argentina colonial

Da mesma forma como aconteceu no Chile também na Argentina a presença alemã se faz notar desde os primeiros anos depois do descobrimento da América. As evidências mais antigas relativas à  contribuição alemã na exploração dos territórios que formariam mais tarde a Argentina, aparecem na expedição de Fernão de Magalhães. Cartógrafos, impressores, náuticos, canhoneiros e outros peritos alemães gozavam de excelente conceito junto à corte portuguesa. Quando o navegador empreendeu a viagem à procura de uma passagem até "as ilhas das especiarias", contornando, a serviço do rei de Espanha,  o extremo sul da América, valeu-se das cartas náuticas desenhadas por Martin Bechaim ou Martin de Boemie, como registrou  o cronista da viagem. Parte da viagem, num valor de 10.000 ducados, foi financiada pela Casa Fugger através do seu representante na Espanha. Trata-se do óbvio quando se afirma que havia um número considerável de alemães embarcados nos cinco navios da expedição. Um deles mereceu referências especiais dos cronistas da viagem. Trata-se do primeiro sargento canhoneiro Hans Varge de apenas 25 anos. Após muitas peripécias os navegadores chegaram finalmente às ilhas nos mares do sul. Hans Varge sobreviveu à fome e ao escorbuto e conseguiu livrar-se das armadilhas  dos moradores das ilhas. Aprisionado pelos portugueses nas ilhas Molucas, passou cinco anos em prisões desumanas e finalmente transportado para Lisboa morreu no calabouço do "Limonero".

Como recompensa pelo suporte financeiro recebido pelos Fugger e Welser, o imperador Carlos V. concedeu às duas casas, em 1525, os mesmos direitos que aos espanhóis, para atuarem nos territórios de interesse dos espanhóis no além-mar. Já em 1526 foi organizada uma expedição para, contornando a América do Sul e passando pelo estreito de Magalhães, alcançar as ilhas dos mares do sul. O comando coube a Sebastião Caboto e nela tomaram parte representantes das duas casas. Caboto, alcançado o rio da Prata, deixou-se convencer por informações de índios brasileiros sobre fabulosas montanhas de prata. Num ato de flagrante desobediência aos superiores mudou o roteiro original da expedição e subiu o rio da Prata em busca das  jazidas de prata no Peru. Na expedição viajavam Hans Brunberger, agente dos Fugger e Kasimir Nürnberger da casa Welser. Por força de um acordo entre a casa Fugger e o Conselho das Índias toda a região sudoeste do continente até o estreito de Magalhães passou para a sua influência. Houve várias tentativas de implantar colônias na América do Sul  por parte dos Fugger. O que, porém, mais interessou e mais foi  realizado por eles e os Welser foram atividades comerciais. 

As expedições de 1535 tiveram como finalidade principal o reconhecimento do país. Deixaram como  marcos duradouros de sua passagem alguns dos expedicionários que as acompanharam, dispersos em diversos pontos do rio da Prata. A primeira expedição, com o propósito real de estabelecer assentamentos duradouros ao longo do rio, começou com o empreendimento de  D. Pedro de Mendonça na a sua viagem à América do Sul em 1535, embarcado em 14 navios e uma tripulação total de 1.500 homens. Um desses navios pertencia ao  banqueiro de Augsburg Sebastian Neithart e do comerciante de Nürenberg Jakob Welser. Nas tripulações encontravam-se ainda 80 alemães. Entre esses tripulantes viajava o jovem primeiro sargento Ulrich Schmidl de 25 anos, integrando o contingente de arcabuzeiros.  Ele deixou um relato de sua permanência na região de La Plata entre 1534 e 1554, publicado pelos “Straubinger Hefte em 2008 com o título completo: Ulrich Schmide/Ulrico Schmidel – Reise in die La Plata Gegend – 1534-1554. Esse documento foi por mim traduzido para o português e deverá ser publicado no contexto de um projeto que está sendo executado pelo PPGH de Hisrória da Unisinos sob a coordenação da profa. Maria Cristina Bohn Martins.

O projeto de colonização de Mendonça enfrentou duas dificuldades insuperáveis que terminaram por frustrá-lo. Em primeiro lugar foram os marinheiros e os agricultores que levara preferiram proteger-se numa "cidade" de choupanas cobertas de palha cercada por uma paliçada. Deixavam-se abastecer de carne e de peixes pelos índios Querandis. Estes finalmente cansaram e negaram-lhes  os suprimentos. Uma expedição foi organizada para castigar os índios, mas estes se aliaram aos vizinhos e sitiaram a "cidade". Depois de um mês os espanhóis partiram reduzidos a apenas 600 homens.  

Schmidl participou da expedição de Domingo Irala e participou da fundação de Asunción. Desta maneira transferiu-se de Buenos Aires para Asunción o centro das atividades dos espanhóis na região. Depois de consolidar sua autoridade sobre Asunción e os povos indígenas nas redondezas, Irala empreendeu uma expedição até o Perú sempre acompanhado por Schmidl e um cronista alemão. Depois da aventura ao Perú Schmidl despediu-se de seu "capitão" na América e em companhia de 20 índios abriu caminho até São Vicente em São Paulo onde embarcou para a Europa. De volta à pátria escreveu a obra "Descrição Verdadeira". O general Mitre observou a respeito da importância da obra como fonte histórica:

Ele (Schmidl) é um observador tranquilo e atento da natureza, despreocupado e sem fantasias. Relata os acontecimentos de maneira seca e objetiva, sem enfeites e sem digressões. Só ocasionalmente emite um juízo ou faz uma observação que leva a pensar, uma constatação de natureza etnográfica, geológica, estatística, astronômica o de  conhecimentos da natureza. Em poucas pinceladas nos brinda com um retrato, uma paisagem, um animal ou um planta, contribuindo assim com a concepção que temos de povos e raças esquecidos. Oferece também um material útil para entender a história da colonização do Rio da Prata pelos povos da Europa. (citado em Die Deutschen in Lateinamerika, p. 45).   (Fröschle, 1979, p. 45)

 Depois da  conquista seguiu a verdadeira colonização. Sobre o destino dos pioneiros europeus e no caso específico  dos alemães que ficaram para  sempre na América Latina, em qualquer um dos países, aplica-se o que acima já foi observado.

Na maioria das vezes viviam com uma ou mais índias. Nos seus filhos conquistadores e conquistados amalgamaram-se num único povo. Também os descendentes dos alemães submergiram nessa raça mestiça europeia-índia. Seus nomes foram na maioria dos casos deturpados pelos escrivães holandeses ou então hispanizados pelos próprios portadores. 

Depois da renúncia de Carlos V somente alemães esparsos  chegaram até a América espanhola. Desta maneira o elemento alemão significa apenas uma gota na mistura de sangue da qual emergiu o "crioulo". (Fröschle, 1979, p. 45)

Bicentenário da Imigração - 10

Alemães na América Latina Colonial

Alemães no Chile colonial.
O primeiro alemão de que se tem notícia na história do Chile  foi Barthel Blümlein, também conhecido como Bartholomäus Blumen, um comerciante que, partindo de Sevilha, empreendeu viagens para a América do Sul. Em 1540 associou-se ao capitão Pedro Valdivia na sua viagem para o Chile. Consta mais tarde na lista dos 40 integrantes do conselho que indicou Pedro Valdivia administrador da recém-fundada cidade de  Santiago. Já em 1541 aparece com o nome de  Bartolomé Flores, ocupando o cargo de procurador e síndico. Conhecido como amigo dos índios teve uma filha na relação que manteve com a filha do cacique. Reconheceu-a como herdeira única das muitas terras que lhe haviam sido concedidas pelo alto posto que ocupava. A filha Elvira que tivera  com  a índia foi casada com Peter Lisperguer outro alemão. De Lisperguer com a filha de Blümlein originou-se um importante clã da aristocracia colonial chilena. Entre seus descendentes contam-se três presidentes sul-americanos, além de outros homens proeminentes como Manuel e Pedro Montt.

Começa aqui a desenhar-se uma característica comum a todos os países da América Latina que receberam a contribuição alemã no decorrer de sua história. Numericamente chegou a ser insignificante no período colonial e modesto depois da independência. Em termos de contribuição nos mais diversos setores da formação dessas sociedades, porém, pode ser considerada excepcional. O Chile se constitui, neste particular, num dos exemplos mais completos. No período colonial os registros de alemães  ocupados com o comércio, com o desenvolvimento  técnico, com a mineração,  ou participando diretamente da organização da sociedade, ou da própria edificação da nacionalidade chilena, não passam em muito dos dois nomes acima citados. Há entretanto no período colonial uma contribuição muito significativa de jesuítas alemães como foi o caso também em toda a restante América Latina. Mas também neste caso constata-se uma visível diferença em relação, por ex., aos  países do Prata. Nesta região todo o empenho dos jesuítas, também dos alemães, concentrou-se na atividade missionária nas reduções sob o domínio dos espanhóis e nos aldeamentos dos jesuítas portugueses. Os jesuítas alemães enviados ao Chile durante o  período colonial não reduziram ou aldearam indígenas, não chegaram propriamente para serem em primeiro lugar missionários, mas para atuarem como fermento no contexto da formação da sociedade colonial chilena. E entre os jesuítas, obviamente na maioria de procedência espanhola, contavam-se  numerosos membros da ordem vindos dos estados alemães, da Áustria e da Suíça, etc. A importância de sua contribuição cultural ficou magnificamente resumida na obra já várias vezes citada: Die Deutschen in Lateinamerika:

Jesuítas alemães desempenharam um papel brilhante no Chile. Um dos primeiros jesuítas a trabalhar em solo sul-americano desde 1616, foi Andreas Feldmann natural de Hegau na Badênia. Desenvolveu suas atividades no Chile desde 1625 até a sua morte. Um tirolês de nome Bitterich exerceu a atividade de escultor, arquiteto e engenheiro. Foi grande a sua influência sobre o desenvolvimento artístico do Chile no século 18. A ele seguiram grupos inteiros de jesuítas, profissionais em todos os tipos de artes e ofícios. É conhecido, por ex., que na bagagem de 45 jesuítas constavam 386 caixas e fardos contendo ferramentas, livros, instrumentos de música, artigos farmacêuticos e até os equipamentos para montar uma tipografia. O historiador Barros Arana emitiu a seguinte opinião sobre o grupo: Fundiam sinos do tamanho e de uma beleza, que se sobrepunham a tudo o que se conhecia até então no Chile. Fabricavam móveis para igrejas e sacristias com tal acabamento e grandiosidade que despertava a admiração dos contemporâneos. Construíam rocas para o processamento de tecidos de lã. Serra um outro historiador escreve que jesuítas alemães haviam pesquisado o sul 100 anos antes de serem instaladas os assentamentos de  alemães. Entre os  jesuítas alemães e de fala alemã encontravam-se igualmente linguistas que se ocupavam com a língua dos araucanos. Menção toda especial merecem os farmacêuticos a maioria bávaros. A Zeitler, o mais notável entre eles, foi concedida a autorização especial de permanecer mais quatro anos, após a expulsão dos jesuítas de Santiago em 1767. Não era apenas farmacêutico, como também químico e médico prático. Já no século 18 os jesuítas empenharam-se no desenvolvimento do ensino superior no Chile. Davam ênfase às ciências humanísticas, de modo especial a história universal e a língua grega. (Deutschen in Lateinamerika, p. 303-304). (Fröschle, 1979, p. 303-304)