Bicentenário da Imigração - 15

Um capítulo à parte da presença alemã no Brasil colonial está vinculado à ocupação holandesa do nordeste. No período da ocupação do nordeste, os Países Baixos formavam ainda uma unidade étnica com os povos germânicos dos francos, saxões e frísios que politicamente integravam o "Sacro Império Romano de Nação Alemã". Explica-se, desta forma, a forte presença alemã naquele empreendimento. 

Começa com o personagem emblemático da ocupação holandesa que foi Maurício de Nassau, cujo nome completo foi: Johann Moritz von Nassau-Siegen-Dillenburg, nascido em 1604 em Hessen, filho de Johann von Nassau-Siegen-Dillenburg e Margarete von Holstein-Sonderburg, numa família de ilustrados e artistas. Oberacker nos deixou um magnífico resumo do que Maurício Nassau e a ocupação holandesa no nordeste representou em termos de presença alemã. 

Recebeu a formação mais aprimorada do seu tempo na escola superior de Herborn e nas universidades da Basiléia e Genebra. Laços próximos de parentesco com o governador (administrador) geral das Países Baixos, levaram-no para a Holanda em 1620, engajando-se imediatamente nas lutas pela independência contra a Espanha. No decorrer dessa guerra subiu rapidamente na hierarquia militar. Distinguiu-se por sua bravura sem limites no cerco a Herzogenbusch (1629)  e, em 1632,  seu nome estava na boca de todos, depois de forçar à retirada diante de Melchen, o famoso general von Pappenheim. Consolidou a sua fama  em 1636 ao conquistar a fortaleza de Schenkenschanz, ocupada pelos espanhóis.  

Maurício de Nassau contava com apenas 32  anos quando foi nomeado comandante supremo de todas as forças marítimas e terrestres e o administrador geral da Nova Holanda. Desembarcou no Recife em 23 de janeiro de 1637, depois que os holandeses a tinham feito a capital de sua possessão, depois do incêndio de Olinda. Foi recebido solenemente pelo comandante supremo das tropas holandesas, Siegmund von Schkopke e senhor de Krebsbergen e Gross-Cotzen na Silésia, assim como pelo corpo de oficiais, funcionários, comerciantes e povoadores.

Entre os imigrantes que se estabeleceram no Recife durante a soberania holandesa, encontravam-se inúmeros alemães. Destacamentos militares inteiros  eram compostos por mercenários alemães. Na sua maioria era de alemães também o corpo de oficiais. Foi a primeira vez que na história  desembarcaram alemães às centenas no Brasil. Não é de se admirar, quando se considera que os Países Baixos, apesar de sua relativa independência, encontravam-se, até 1648, incorporados no "Sacro Império Romano de Nação Alemã" e vivendo em estreita vinculação econômica e cultural com o Hinterland alemão. A vinculação da Holanda com a Alemanha fica visível pelo fato de, quando do desembarque de Maurício de Nassau, ao lado das bandeiras da Companhia, da bandeira holandesa e da bandeira da casa de Orange, foi içada como fato óbvio, a bandeira do "Sacro Império Romano de Nação Alemã". (Oberacker, 1978, p.  82-83)

A movimentação sobretudo de cientistas e técnicos alemães dedicados aos mais diversos ramos foi muito intensa durante o tempo de Nassau. Foram botânicos, zoólogos, mineralogistas, etnólogos, geólogos, geógrafos, engenheiros, arquitetos, comerciantes, artistas, escritores, e por aí vai, que lançaram, no nordeste,  as bases para uma nova civilização ao modelo da Europa central e do Norte.  O espaço aqui disponível não permite aprofundar a muito menos detalhar a participação de cada personagem em particular. Remetemos as informações mais detalhadas para a obra de Carlos Oberacker: "Der Deutsche Beitrag zum Aufbau der Brasilianischen Nation". 

O período colonial brasileiro assemelha-se ao do Chile  e da Argentina pela presença de missionários jesuítas. Sobre a questão escreveu Oberacker:

Como a Companhia de Jesus não apenas soube manter a sua férrea disciplina interna, assumindo ao mesmo tempo grande influência em Portugal e nas suas colônias, sua influência sobre o desenvolvimento cultural da população colonial foi muito significativa. Capistrano de Abreu, um dos maiores historiadores brasileiros escreveu: "Sem tomar em consideração a história dos jesuítas, não é possível escrever a história do Brasil. Não se pode negar que o trabalho planejado de missionagem, de educação e de promoção da cultura da ordem, deixou marcas visíveis na configuração da nação brasileira. Na verdade essas marcas deixadas pelos jesuítas, apagadas pela sua dispersão na metade do  século dezoito, foram também exageradas. De qualquer forma os jesuítas influíram no pensamento espiritual e ético da população nos 200 anos em que atuaram em seus estabelecimentos organizados de acordo com seus princípios. (Oberacker,1978, p. 119-121.

O primeiro jesuíta de nacionalidade alemã entrou no Brasil, ao que tudo indica, em 1598, na pessoa de um irmão leigo Pedro de Gouveia, veio do norte da Alemanha e cujo nome alemão não se conhece. A partir daí houve um afluxo constante de jesuítas alemães para todas as regiões da então colônia do Brasil. Atuaram em colégios, na catequese entre os índios e outras atividades de construção cultural. Um dos empreendimentos de maior envergadura e onde os missionários alemães se distinguiram de modo especial, foi a grandiosa obra cultural empreendida no assim chamado Marañon e Solimões e respectivos afluentes. O Pe. Samuel, Fritz de Trautenau da terra dos Sudetos foi nomeado superior geral do empreendimento. Em companhia de inúmeros jesuítas, entre eles os padres Heinrich Richter e Wenzel Breyer fundaram, a partir de 1685 dezenas de aldeamentos  e povoações menores que no auge do florescimento somavam 169 núcleos e 100.000 habitantes. 

Observa-se um paralelismo muito grande entre o projeto missionário do Amazonas e do Prata. Paralelamente à catequese propriamente dita os jesuítas empenharam-se em ensinar aos índios métodos racionais de cultivo a produtos como arroz, milho, cacau, cana, tabaco, etc. e ensinavam-nos técnicas artesanais, música, construção de casas e igrejas. O Pe. Fritz passou 40 anos entre os índios e  acabou seus dias entre eles. O etnólogo famoso e amigo dos índios de nome Curt Unkel-Nimuendaju, disse do Pe. Fritz: "Este homem foi uma personalidade sem igual que procurava preservar e defender a maneira de ser própria dos índios e com isso provocou o conflito com os portugueses. Como nenhum outro atraía a si os índios como  um ímã. Por meios pacíficos evitava as guerras entre as tribos, respeitando sempre as suas peculiaridades". ( Oberacker, p. 122). Famosos se tornaram os mapas da região amazônica confeccionados pelo Pe. Fritz. A história das missões da região e o mapeamento feito por Brentano, outro jesuíta alemão e os relatos e descrições de Veigl sobre os território dos Maynas na América do Sul, foi publicada em Nüremberg. 

Famosa se tornou também a dupla de jesuítas alemães Johann Philipp Bettendorf e Kaspar Misch, dois homens de ótima formação europeia que atuaram como missionários no Amazonas, organizaram escolas em Belém e São Luís. Nessas cidades fundaram escolas de nível mais adiantado, os colégios. Ao colégio de São Luís agregaram, uma faculdade de teologia, transferida mais tarde para Belém. A instituição conquistou tamanha fama que alunos da Universidade de Coimbra terminavam nela os seus estudos. Bettendorf tornou-se conhecido também como etnólogo com o seu "Compêndio da doutrina cristã na língua brasílica". Organizou ainda uma gramática da língua Tupi e é autor da "Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado Maranhão". Jodokus Perret que, antes de partir para o Brasil, tinha sido professor de filosofia em Munique e Dilllingen, foi outro dos colaboradores diretos de Bettendorf na construção da obra missionária. Aos anteriores vem juntar-se Aloys Konrad Pfeil, sempre presente nas fronteiras missionárias mais afastadas. Era um exímio desenhista e cartógrafo. Deixou três mapas: um da costa norte do Brasil "Mapa do grande rio Amazonas; um de toda região das missões, do Piauí até as Guianas "Mapa da Missão do Maranhão e o "Mapa do rio Amazonas norte". Pfeil foi um grande conhecedor das fronteiras, tanto assim que o rei o chamou para Lisboa, quando das negociações do tratado de Utrecht. Seus registros e seus mapas auxiliaram ao Barão do Rio Branco na defesa das pretensões brasileiras relativas às fronteiras do norte. Merecem ainda citação o Pe. Hans Xaver Treyer um artista plástico que foi ensinar a arte aos índios no colégio de Belém. Para faculdade de filosofia de Belém foi destinado o Pe. Aloysius Balecci de Friburgo, como missionários o Pe. Häckel e Franz Wolff, Rochus Hundertpfund, Karl von Steinen, o cartógrafo e arquiteto Lorenz Kaulen, Anton Meisterburg, Martin Schwarz, Joseph Kayling, Heinrich Hoffmayer, David Ludwig Fay, Ecdkart,  Meisterburg, autor do trabalho: "Nachrichten von den Sprachen in Brasilien", "Historia Persecutionis Societatis Jesu in Lusitania", "Zusätze zu Pedro Cudenas Beschreibung der Länder von Brasilien". Este é um brevíssimo apanhado da presença dos jesuítas alemães no norte e nordeste do Brasil. De qualquer forma fornece uma pista da contribuição alemã em regiões do Brasil normalmente passadas muito ao largo ou até inteiramente ignoradas.

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