Alemães no Brasil colonial
Da mesma forma como aconteceu no Chile e na Argentina colonial, também o Brasil colonial, caracterizou-se pela participação de comerciantes, técnicos, militares, cientistas, administradores, religiosos além de profissionais de todos os tipos. Também no Brasil não houve tentativas de estabelecer um povoamento local ou regional por imigrantes alemães, devido em grande parte à política de colonização portuguesa hostil à participação de estrangeiros nesse tipo de empreendimentos. Ocorreu então que a presença alemã se desse mediante indivíduos que exerceram as mais diversas atividades. Constata-se, no tocante a esse aspecto, porém, uma flagrante diferença quando se compara o Brasil com o Chile e a Argentina. O número chega a ser incomparavelmente superior e consequentemente a sua presença deixou muito mais vestígios do que nos outros dois países. '
Martim Afonso de Souza trouxe da ilha da Madeira Antônio (Anton) Leme de origem Flamenga cujo antepassado Martim Lem ou Lems fixara-se como comerciante em Lisboa, em 1440. De Antônio Leme descende toda a estirpe dos Leme no Brasil. Atribui-se a ele a importação para o Brasil das primeiras mudas de cana de açúcar, que se tornaria em seguida a maior fonte de riquezas ao lado do pau Brasil. A João Leme segue, também, no início da colônia o perito em construção de moinhos hidráulicos, João (Johann) von Hülsen. Aparece também nos documentos com o nome modificado de Veniste, Visante ou Visnait. Os moinhos hidráulicos por ele construídos puseram em marcha os mais antigos empreendimentos industriais do Brasil Colônia.
A Leme e von Hülsen soma-se Erasmo (Erasmus) Schetz. Dono de uma grande casa de comércio ocupava-se, ao lado do comércio ultramarino, com operações bancárias e era proprietário da usina de açúcar São Jorge em São Vicente. A colônia São Vicente desenvolveu-se rapidamente juntamente com a colônia filial Santos. Pelos anos de 1550 estavam em funcionamento quatro usinas de açúcar. Esses empreendimentos tiveram a sua construção planejada e executada por Heliodoro (Heliodor) Eoban Hesse, outro alemão, filho do humanista Helius Eobanus Hessus, amigo de Lutero e professor de história em Marburg.
Conforme Oberacker, o primeiro alemão do período colonial a conquistar fama internacional foi Hans Staden. Depois de ver frustrada a sua pretensão de viajar à Índia integrou-se como canhoneiro à tripulação de um cargueiro português. Visitou o norte do País e depois de conhecer Pernambuco voltou à Europa. Entrou então no serviço da Espanha e viajou para a América do Sul na expedição de Diego Sanabria. À altura da costa do Paraná uma tempestade dispersou os navios e Hans Staden e seus companheiros foram dar na baía de Paranaguá. De lá seguiram para a ilha de Florianópolis. Embarcou depois para São Vicente de onde pretendia retomar a viagem para La Plata, mas na altura de Itanhaém também este navio se perdeu. Os náufragos seguiram a pé até São Vicente. A localidade encontrava-se sob constante ameaça de ataques dos índios. Tomou-se a decisão de tornar a defesa mais eficiente construindo um muro de proteção de pedra. A pedido de Braz Cubas assumiu a responsabilidade pela defesa da povoação. Tomé de Souza ordenou a continuação da construção das fortificações e nomeou Hans Staden como o responsável pela execução e comandante do forte de Bertioga. Numa saída à mata para uma caçada foi aprisionado pelos índios e por eles levado ao local onde fica Ubatuba onde tencionavam devorá-lo num festim de antropofagia. Temendo a ira do Deus dos cristãos os índios não o sacrificaram, mas submeteram-no durante dez meses, a um cativeiro desumano. Finalmente um capitão de navio francês comprou sua liberdade e em fevereiro de 1555 retornou à terra natal em Wohlhagen no Hesse onde presumivelmente morreu em 1576.
A fama internacional de Hans Staden não se deve à sua contribuição para com a defesa da colônia, mas pelas obra literária e científica que deixou. Deve-se basicamente ao relato que fez das duas viagens ao Brasil. A obra foi publicado em mais de 78 edições, das quais só no original alemão são 25 e no português 15, além de edições em quase todas línguas cultas. Falando da obra escreveu Oberacker:
Hans Staden observou o mundo desconhecido entre São Vicente e Rio de Janeiro, com seus animais e homens, de maneira especial os índios brasileiros, com um olhar de rara agudeza, realística e aproximando-se de uma postura científica moderna. Sua obra nos oferece a mais antiga e a mais exata descrição dos usos e costumes da população brasileira autóctone e como tal se constitui numa contribuição extremamente valiosa para o estudo etnográfico do País. (Oberacker, 1978, p. 59).
Um outro alemão, Heliodor Eoban Hesse, conquistou notoriedade na fundação do Rio de Janeiro. Na década de 1550 o Brasil na expressão de Oberacker "não passava muito de um vago conceito geográfico". (p. 61). O que havia de concreto eram os assentamentos nas redondezas de São Vicente e os mais ao norte no litoral da Bahia e do nordeste. Os franceses aproveitando-se do vazio geográfico e do significado estratégico da baía da Guanabara, instalaram aí assentamentos com as respectivas fortificações. O governador geral Mem de Sá tomou a decisão de desalojar os franceses do Rio de Janeiro. Para tanto apelou para a colaboração de São Vicente. Heliodor Eoban Hesse pôs-se à disposição do governador geral e foi encarregado do comando de nove barcos de guerra índios com 300 indígenas e mestiços. Em 1° de março de 1565 desembarcaram no sopé do Pão de Açúcar e fundaram a povoação de São Sebastião. No combate decisivo com os franceses em 20 de janeiro de 1567 distinguiram-se de modo especial Estácio de Sá e Heliodor Hesse. Heliodor Hesse casou-se mais tarde com Maria Pereira de Souza, a filha do "Botafogo". Desta união originou-se a estirpe dos Ebano Pereira. Heliodor Hesse participou ainda na derrota de uma incursão francesa no dia 8 de junho de 1568 em Cabo Frio. Num golpe de mão apoderou-se do navio francês e com os canhões de bordo guarneceu a fortaleza Nossa Senhora da Guia a atual fortaleza de Santa Cruz. Pelo que indicam os registros o alemão pereceu nesta escaramuça.