Examinando com um pouco mais de atenção essa recomendação de Wilson, chega-se à conclusão de que a superação das barreiras epistemológicas entre as diversas áreas do conhecimento, aponta o caminho para uma verdadeira concepção sintética do que e do como acontece a Biosfera. Levada nesta perspectiva ações tópicas para salvar um espécie animal ou vegetal com risco de extinção, tem um valor limitado sem potencial para garantir o ecossistema em que vive. O inverso é verdadeiro. Um ecossistema qualquer subiste sem maior problema quando um dos seus componentes desaparece, por ex., uma espécie de macaco ou um felino, ou uma ave. Essas espécies e as demais, porém, não sobrevivem sem que o ecossistema de que precisam seja degradado além de um limite crítico. Pouco valor tem o esforço de salvar o mico-leão-dourado se a mata atlântica, seu habitat, for devastada. Em outras palavras, um projeto para salvar essa espécie necessariamente deve ser executado como parte de uma ação mais abrangente que consiste em salvar a mata atlântica, que lhe garante a subsistência e a sobrevivência a longo prazo. Caso contrário, a salvação da espécie será um esforço inútil. O máximo que pode acontecer é preservar um número limitado de exemplares em ambientes artificiais, recurso que em questão de algumas gerações vai modificando e até destruindo a natureza de uma espécie. Não se põe em dívida o valor e a urgência de ações que tem como finalidade a proteção de muitas espécies à beira da extinção pela caça e a pesca predatória que atingem certas espécies mas não destroem o ecossistema. Em resumo importa entender os problemas, no caso, das espécies de animais e plantas, inseridas e dependentes do meio em que surgiram e evoluíram. Da mesma forma todos os demais objetos de estudo como por ex., se alguém pretende entender o comportamento de uma pessoa ou um grupo de pessoas não adianta começar pelo estudo de casos localizados quando eles são apenas o reflexo de condicionamentos que tem sua origem em esfera mais ampla e acima dos indivíduos e das próprias organizações humanas. A explicação última de tudo que acontece a nível individual e coletivo, tem a sua fonte e raiz na Natureza humana. Consequentemente a lógica manda que o estudioso esteja de posse de um conhecimento mínimo do que seja a natureza humana; que organização social, a organização econômica, organização política, organização religiosa, a comunicação e as artes; que essas organizações atendem respectivamente a exigências básicas da natureza humana , como o acesso aos bens materiais de subsistência, a natureza social do homem, a natureza política, natureza religiosa, a necessidade de dar vasão e forma à natureza estética e artística. A conclusão é óbvia. A economia, o direito, a sociologia, as religiões, as artes tem na sua origem na antropologia, entendida como a ciência que estuda o homem tanto na sua dimensão física quanto como uma espécie biológica, quanto na sua dimensão espiritual, como fundamento, raiz e razão de ser das necessidades básicas que se acabam de mencionar. Acontece que a natureza humana se realiza nessas duas dimensões, existencialmente inserida na Biosfera e como tal sua existência e sobrevivência dependem da bem sucedida relação com o seu meio físico-geográfico. Sendo assim não basta uma noção superficial e romântica da natureza humana, como o que vem a representar para ele o universo biológico e físico no qual ela se realiza. Em outras palavras, o que vem a ser o palco sobre o qual o homem encontra as condições para desdobrar os potenciais da sua natureza única. Sem entender minimamente a biosfera e sua estrutura até os mínimos detalhes não basta estar ao par quantas minhocas ou quantos micro-organismos vivem num metro quadrado de solo. É preciso entender como eles atuam no solo, o que um solo significa para todos os animais, vegetais e o homem que se alimentam dele, e todo esse conjunto de realidades se inter-relacionam para resultar em algo maior do que a mera soma das integrantes, das quais são feitos os organismos e a complexidade dos ecossistema em que vivem. A condição vem a ser que a qualquer compreensão da Natureza e qualquer iniciativa em favor da sua preservação, pressupõe o lugar e o sentido das partes num ecossistema, seu real potencial de manter manter-se em equilíbrio, o que representa para outros ecossistemas, suas repercussões para fora da natureza propriamente dita sobre a sobrevivência do homem e suas culturas e quais os limites críticos da sua sustentabilidade.
Uma abordagem assim exige “a unidade de conhecimento” (cf. Citação acima) ou se para ficarmos com o conceito norteador dessas reflexões, essa abordagem pede “a síntese do conhecimento” Esse objetivo pressupõe o recurso a um método com potencial de amalgamar os conhecimentos parciais vindos dos mais diversas subáreas que entram em questão. O autor não se serve explicitamente do conceito de “Interdisciplinariedade” como método capaz de cumprir essa tarefa. Lendo, porém, com atenção os dois parágrafos acima citados, não resta dúvida de que este é o caminho. Por isso convém aprofundar um pouco mais o que vem a ser esse método como instrumento na construção de sínteses.
Em primeiro lugar, a síntese do conhecimento não significa a sua redução a um nível, por ex., o “científico”, como postula o Positivismo. Nem tão pouco realiza-se essa síntese no plano da Filosofia ou da Teologia, ou da História ou de qualquer outro campo específico do saber. Os diversos conhecimentos particulares ou setoriais, são qualitativamente diferentes entre si. Os conhecimentos produzidos pelas Ciências Naturais, pela História, pela Filosofia, pelo Direito ou pela Economia, tem a sua legitimação garantida a partir de fundamentos epistemológicos próprios a cada uma dessas especialidades. Sendo assim, forçar uma síntese a um único nível, violenta a natureza das coisas e leva a uma compreensão equivocada da realidade global. Sendo assim, não é possível fazer verdadeira História quando os elementos que a compõem são interpretados pelo viés único do fator econômico ou geográfico. A conclusão lógica, quando levada ao extremo termina no determinismo econômico ou geográfico. A transdisciplinariedade como instrumento de trabalho leva a essa subordinação, por isso, constitui-se na ferramenta própria à ideologização do conhecimento e ou à uma interpretação política, religiosa ou outa qualquer. Verifica-se, portanto, uma subordinação, no caso dos fatos históricos ao fator econômico, geográfica, religioso ou outro qualquer. A multidisciplinariedade propõe o estudo de mais áreas do conhecimento e ou as sub áreas sem se importar do que representam ou significam para o todo da área. Parece que esse fundamento epistemológico vem a ser o grande vilão responsável pela fragmentação do conhecimento verificado tanto nas Ciências Naturais, quanto nas Ciências do Espírito, quanto nas Ciências Humana, nas Letras e nas próprias Artes. É o caminho oposto a uma compreensão orgânica ou sistêmica do todo do qual formalmente fazem parte. Os dois métodos orientam, salvo melhor juízo, predominantemente, a pesquisa e a docência nas universidades que seguem o modelo napoleônico presente em toda a América Latina. Favorece, quem sabe uma profissionalização precoce além de uma especialização que de tanto dissecar perde a noção do todo. A fim de evitar esses inconvenientes, para não chama-los de equívocos, temos como recurso a interdisciplinariedade que oferece a trilha ser seguida para chegar a uma autêntica síntese.
Em segundo lugar, feita opção pela interdisciplinariedade é preciso prestar atenção ao fato de que as diferenças qualitativas de cada objeto de investigação implicam em dois aspectos que precisam ser tomados em consideração. O primeiro, chama a atenção de que não se pode esquecer que cada objeto de investigação, por ex., o clima, a história de um povo, o equilíbrio ambiental, as questões sociológicas, etc., etc. vale-se de instrumentos de aproximação peculiares. Significa que cada objeto segue uma metodologia privativa para abordá-lo e compreendê-lo, sem recorrer a conhecimentos oriundos de outra fonte. Essa relativa autonomia significa, de outra parte, que para chegar, por ex., à Filosofia não se tenha que partir obrigatoriamente da Ciência, ou à Teologia a partir da Filosofia. Dito de outra maneira: o Filósofo não precisa ser um cientista, nem teólogo filósofo, nem o historiador geógrafo ou linguista, o que não significa que não seja de grande utilidade transitar por campos complementares daquele que é o seu. O segundo, chama a atenção para não esquecer que a “descontinuidade” qualitativa dos objetos particulares de investigação tem seus limites, quando a questão é a busca da síntese na Biologia, na História, na Filosofia, ou a sínese global do Conhecimento. Alfonso Borrero resumiu a questão nos seguintes termos:
(...) a descontinuidade implique na autonomia das disciplinas particulares, porque cada uma e cada setor de disciplinas se constroem sobre suas próprias bases. (...) A autonomia relativa, contudo, não impede as relações e interdependências. A Filosofia dá muito a pensar ao cientista e vice-versa. Os conhecimentos se complementam, corrigem e se controlam mutuamente. Dessa maneira se realiza uma urdidura, uma articulação interdisciplinar complexa e dinâmica, no processo da construção do conhecimento (e ou síntese. Inciso do autor) (cf. Borrero, ASCUN, 1992, nº 20, p. 7)
Resulta dessa forma uma relação de interdependência e não de dependência, nem de independência. Não se trata de dependência pois, criaríamos um situação de subordinação. É óbvio que se uma disciplina ou área de conhecimento depender de outra, a condicionante ocupa um lugar hierarquicamente mais acima do que a condicionada. Configura-se uma situação de dependência quando, por ex., os conhecimentos de matemática são condição para efetuar cálculos de estruturas, os conhecimento de química são indispensáveis para efetuar uma pesquisa do genoma, a astrofísica pressupõe o conhecimento das física... Dito de outra maneira. Não se fazem cálculos estruturais sem conhecimentos de matemática; as análises do comportamento bioquímico do DNA sem conhecimentos de bioquímica. A pesquisa de um objeto condicionado só então tem chances de resultados consistentes quando o pesquisador vem munido com os conhecimentos prévios da área do saber condicionante. Os exemplos citados não deixam dúvida. Isso, porém, não vale para a relação que se estabelece entra a Filosofia e a Ciência, entre a Teologia e a Ciência, entre a História e a Geografia, entre a Ética e a Ecologia ... Não se pressupõem conhecimentos filosóficos para realizar pesquisas científicas e vice-versa. A relação que se estabelece é de interdependência e de complementariedade, não de dependência e ou condicionamento. Dito de outra maneira. A Filosofia tem muito a ganhar se tomar em consideração os resultados das pesquisas científicas. Da mesma forma os dados científicos observados e ou interpretados à luz da Filosofia ou da Ética, só podem ter o significado dos seus resultados enriquecidos. Nos ambientes em que se pratica esse diálogo interdisciplinar como rotina, melhor, como base metodológica, os saberes e conhecimentos setoriais “complementam-se, corrigem-se e controlam-se mutuamente. Resulta daí uma articulação interdisciplinar complexa, dinâmica em todas as fases e níveis da construção do conhecimento (cf.Borrero, ASCUN, 1992, nº 20).
Em resumo é legítimo afirmar que, em se tratando de uma situação de dependência, uma disciplina ou área de conhecimento ocupa a condição de “conditio sine qua non”, já que o condicionado só prospera em função do condicionante. Ou ainda. A dependência e a subordinação definem a natureza da relação.
A situação de interdependência e complementariedade, que também pode ser chamada de independência relativa, pede mais alguns esclarecimentos. A independência diz respeito tanto ao objeto quanto à base teórico-metodológica com que é tratada. A relatividade dessa independência ou autonomia de resultados, no que diz respeito à sua interpretação, repercute concreta e praticamente na vida dos indivíduos, na sociedade, no meio ambiente e na formação da cosmovisão.
A independência da qual nos ocupamos há pouco, não é nem linear nem uniforme. Assume o grau de importância ditado por cada situação concreta, por cada momento histórico e pela natureza das realidades interdependentes. Um exemplo ilustrativo oferece o estudo da História na sua relação mútua com a Geografia. Pela sua própria natureza o homem tem as raízes existencialmente fincadas no seu entorno geográfico. Este garante-lhe a sobrevivência, o progresso, a prosperidade, fornecendo os alimentos e os abrigos indispensáveis para viver e sobreviver. Oferece também inspiração para criar todo um mundo simbólico, indispensável para dar forma, vida e colorido ao imaginário povoado por seres e personagens os mais inusitados.
Não é aqui o lugar para aprofundar a análise do exemplo de que nos valemos, isto é, a complementariedade entre a História e a Geografia. A intenção foi mostrar que o fazer História sem tomar em conta o chão, o cenário ou palco físico sobre o qual aconteceu e ainda continua acontecendo, leva a equívocos de interpretação e distorções muito sérias. Eis uma prova de que interpretar corretamente na sua complexidade, no exemplo citado, um fato histórico, requer conhecimentos complementares. Mais exatamente. É preciso partir de uma base teórico-metodológica interdisciplinar. Não significa que se pretenda explicar um fato histórico pelas peculiaridades geográficas nas quais aconteceu. A compreensão da História como uma ciência epistemológica e metodologicamente de natureza própria, ganha muito na sua forma e riqueza dos significados, quando estudada à luz da Geografia, por sua vez uma ciência com identidade e autonomia epistemológica, metodológica e conceitual própria. Da mesma forma e, continuando como exemplo da História, ela busca ainda em outras áreas complementares, como na Etnografia, Etnologia, Antropologia, Arqueologia, Linguística e outras mais, a explicação para os caminhos, desvios e atalhos singulares, verificados nos mais diversos momentos de sua trajetória. Em termos, o que vale para a História aplica-se a toda e qualquer outra área do conhecimento.