A Natureza como Síntese - 62

Formação da consciência ecológica. Na obra, “A Criação – como salvar a vida na terra”, Wilson dedica os capítulos 5º até o13º, para mostrar em detalhes como as categorias zoológicas que integram a Biosfera e uma intrincada complexidade de inter-relações  garantem a harmonia do funcionamento do todo como um “fato objetivo”. Não deixa de alertar que a par  da perfeição na montagem e do funcionamento perfeito e maravilhoso de cada um dos ecossistemas em função do todo, a biosfera não passa de um manto fino e extremamente frágil que envolve o nosso planeta. Qualquer intromissão mais profunda na sua estrutura e funcionamento, põe em risco a integridade do todo. Qualquer pessoa interessada no sua integridade e equilíbrio não pode dispensar um mínimo de conhecimentos sobre questões básicas do que significa a Natureza  para vida vegetal, animal e humana.

Não há necessidade de lembrar de que a humanização da terra  alcançou um patamar de interferência em todos os ecossistemas tal, que obriga a uma reflexão séria e profunda sobre o futuro do planeta e em consequência sobre o futuro da espécie humana. O tema ecologia, uso sustentável dos recursos naturais, aquecimento global, alimentos naturais, etc., etc., são temas sempre presentes. Na batalha em favor da defesa e preservação da natureza entram as motivações mais variadas e mais desencontradas. Os ativistas defendem a causa vão desde aqueles que o fazem por ser um dos tema da vez, passando por aqueles movidos por interesses de promoção pessoal, por razões ideológicas, políticas e outras menos confessáveis. A esses somam-se os muitos  que de fato se empenham pela questões ambientais como uma cruzada para atalhar a marcha da degradação das paisagens naturais que avança num ritmo e numa proporção no mínimo preocupante. Qualquer ação, qualquer programa ou, se quisermos, qualquer cruzada nesse sentido, motivada pela razão que for, pode ser considerada válida. Mas esses engajamentos, interesseiros ou idealistas, não passam  a médio e a logo prazo de esforços erráticos com resultados proporcionalmente pouco satisfatórios. Para que o movimentos comprometidos com a “salvação do planeta” tenham fôlego para contribuir de forma consistente na salvação dessa “mãe e pátria”, na definição de Balduino Rambo, supõem um compromisso existencial para com ela. É fundamental que as pessoas simples, as mais instruídas e os próprios cientistas tenham consciência dessa realidade. Não basta conhecer e agir para enfrentar o desfio, mas a consciência  que as raízes do ser humano se alimentam do chão em vive, nasce e morre.. Por isso, de um lado significa de que ele não é um mero administrador dos bens naturais, dos “frutos da terra”, mas como Homo sapiens” mais uma espécie, a mais evoluída por sinal. Esse fato deveria despertar nas pessoas, de um lado a consciência do pertencimento que termina em amor à natureza, resultando na preocupação e zelo pela sua integridade e do outro, que todos os homens, independentemente de raça, classe ou posses, a geração atual e as futuras,  possam usufruir de tudo que “a mãe e pátria  tem para oferecer. As propostas, os projetos e as ações para salvar o planeta somente então merecem credibilidade quando forem o resultado prático   dessa convicção.  E,  pelo princípio da ética de que o barco da Natureza em os homens navegam é igualmente  de todos, por isso mesmo, todos tem o direito de nele encontrar um lar habitável e não a tal ponto  degradado que todos corram perigo. O dilema resume-se no seguinte: ou o barco da natureza navega tranquilo e seguro rumo ao futuro com seus passageiros, ou naufraga com todos.  Wilson, partindo dessa constatação, descreve todo um caminho a ser percorrido para salvar o barco antes que naufrague. O pressuposto resume-se em despertar pelos meios de comunicação disponíveis, nas crianças já na família e depois na escola, nos adultos,  cientistas, humanistas e filósofos uma paixão até romântica e mística pela Natureza que os abriga. Em resumo. Para obtermos resultados de fato decisivos e definitivos na batalha pela salvação  da  biosfera, é preciso jogar-se na tarefa com todos o potenciais disponíveis nas pessoas, os naturais e os espirituais. Sem engajamento existencial na luta pela saúde e o equilíbrio do nosso planeta, todo o esforço irá resumir-se, no final das contes, numa sequência de ensaios e erros. Em outras palavras. Todo o esforço da ecologia  precisa alimentar-se da consciência de que a Natureza  e o homem inserido nela, são o fruto de uma síntese, um mega sistema, no qual cada peça, por insignificante que pareça, cumpre uma função na manutenção do equilíbrio do todo. Wilson dedicou os últimos quatro últimos capítulos de “A Criação”, para insistir de que não basta ter conhecimento especializado sobre a enorme complexidade da Natureza como sistema e os milhares de  subsistemas que a integram, como cada um deles funciona em função no todo e sua adaptação ao meio geográfico. É preciso algo mais, muito  mais profundo e abrangente. 

O ingrediente básico  para o amor ao estudo é o mesmo do amor romântico, ou do amor aos país, ou por Deus, a paixão por um determinado assunto. O conhecimento acompanhado por emoções agradáveis permanece dentro de nós. Ele vem à tona, e quando é lembrado, desperta outras conexões criando a metáfora – a linha de frente do pensamento criativo. Em contraste, aquele aprendizado que se dá por meio  da memorização rotineira desaparece rapidamente, tornando-se um amontoado confuso de palavras, fatos e historietas. O Santo Graal da educação liberal é a fórmula pela qual a paixão pode se  expandir sistematicamente, tanto para a ciência como para as humanidades – e, portanto, para o melhor da cultura. (Wilson, 2008,  p. 145)

Para definir essa paixão  pelo objeto de estudo que alguém escolhe ou pela causa abraçada, Wilson lembrou a sua própria experiência como aluno de biologia na universidade do Alabama. Ao recordar três dos seus mestres e iniciadores na arte de fazer ciência, termina por traçar o perfil do pesquisador, do especialista que trabalha com paixão e sabe transmiti-la aos  alunos dispostos a pautar sua vida posterior pelos mesmos moldes. O mundo intelectual de sua professora de parasitologia médica, Septima Smith, eram os micróbios, pequenos vermes e outros invertebrados que infestavam a zona rural do Alabma. Fazia da parasitologia um estilo de vida e não apenas uma disciplina a ser ministrada. O segundo mestre que o marcou para o resto da vida chamava-se Allan Archer. Não exercia a docência mas trabalhava como curador do Museu de História Natural do Alabama situado dentro do campus da universidade. Seu laboratório ocupava um recinto dentro do museu. “Ensinou-me a falar a linguagem de verdadeiro pesquisador científico. Não se importava com dinheiro nem fama; importava-se com a biologia e classificação das aranhas”. (A Criação, p. 147). O mestre que mais o marcou foi Ralph Chermock. Sob sua orientação familiarizou-se com a “Síntese Moderna da teoria da evolução. Estimulado por ele, Wilson e seus colegas percorreram todos os recantos do Alabama, coletando anfíbios, répteis, formigas, besouros e outros mais. A vivência e o aprendizado com esse mestre deixou em resumo a seguinte impressão nos alunos. “Mas nossa vivência nessas pesquisas de campo e a alegria que sentíamos com esse treinamento prático penetraram nos nossos ossos e moldaram a nossa alma”. (A criação, p. 148). A compreensão da natureza aprendida com seus mestres na universidade e depois como professor universitário, lecionando entre outras disciplinas Introdução à Biologia para alunos que não iriam seguir o caminho da pesquisa biológica, chegou à conclusão de que esses princípios deveriam constar no currículo do  final do ensino médio, na graduação e pós-graduação. Como conclusão sobre o aprendizado da biologia aconselha cinco princípios que deveriam orientá-lo. 

O primeiro princípio manda começar o tratamento de um assunto “de cima para baixo”, isto é, do geral para o particular. Por ex., ao estudar o ecossistema de uma área geográfica o primeiro passo consiste em traçar um perfil do conjunto, desenhar um mapa descritivo do todo ou a fisionomia da região em questão ou então outro tema qualquer a partir do todo para, depois, descer aos detalhes. Vale a pena reproduzir na versão original dessa premissa para começar o estudo de algum assunto novo.

Comece abordando uma questão ampla, do tipo que já é interessante para os alunos e relevante para a vida deles, e então descasque as camadas causais, tais como compreendidas no momento, aumentando aos poucos os detalhes técnicos e filosoficamente polêmicos, a fim de ensinar e provocar. Explique, por exemplo, o envelhecimento e a morte da melhor maneira possível, segundo nossos conhecimentos atuais da evolução, genética e fisiologia; explore a seguir as consequências para a demografia, as políticas públicas, a filosofia. Por fim tome caminhos laterais, se quiser, abordando as consequências  desse fenômeno para a história, a religião, a ética, as artes criativas. Não ensine de baixo para cima, do tipo “Vamos aprender um pouco disso e também um pouco daquilo e depois combinar esses conhecimentos  para formar  um quadro geral”. Não pinte o quadro em pequenas pinceladas pontilhistas, para alunos que se entendiam facilmente. Em vez disso, mostre o quadro inteiro, o mais depressa possível; mostre qual o motivo de sua importância naquele momento e durante toda  a vida deles. Passe a dissecar esse conjunto e chegue finalmente aos alicerces. (Wilson, 2008,  p. 150)

O segundo e o terceiro princípios pedem que se ultrapasse as fronteiras da área de conhecimento na qual alguém se especializa. Sob o conceito de Biologia, por ex., abrigam-se atualmente dezenas de especialidades que de forma interdisciplinar convergem para a compreensão  da vida e entender as inter-relações entre os seres vivos de todos os níveis de complexidade, como interagem entre si e como funciona a biosfera como um todo e cada um dos subsistemas  em que pode se dividida. Pela sua própria natureza ela transcende as suas próprias fronteiras permeando todos os demais campos do conhecimento. Fornece subsídios indispensáveis para entender o comportamento humano, a organização social, formação das raças humanas e sua expansão pelo diversos ecossistemas do mundo e sua inserção neles. Dessa maneira a Biologia avançou e ultrapassou as fronteiras para  iluminar um vasto campo intermediário ainda pouco explorado que promete surpresas para aqueles que nele se aprofundarem. A condição para obter sucesso nessa exploração resume-se na superação da concepção do que antes se considerava uma divisão epistemológica entre os grandes ramos do aprendizado está emergindo da névoa acadêmica como algo muito diferente, e muito mais interessante: um amplo domínio intermediário de fenômenos, em geral  inexplorados, aberto a uma abordagem cooperativa vinda de ambos os lados daquela antiga divisão. Disciplinas vindas de um lado desse terreno intermediário, -  por ex., a neurociência e a biologia evolutiva – já se conectam com suas vizinhas mais próximas, a psicologia e a antropologia, do outro lado da linha divisória.

Esse domínio intermediário equivale a uma região de avanço intelectual excepcionalmente rápido. Mais ainda, trata de  assuntos nos quais os alunos (e todos nós) estão profundamente interessados: a natureza e  a origem da vida, o significado do sexo, a bases da natureza humana, a evolução da  vida, porque precisamos morrer, a origem da religião e da ética, as causas da reação estética, o papel do meio ambiente na genética humana e na evolução cultural, e outros mais. (Wilson, 2008,  p. 155)

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