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A Natureza como Síntese - 53

Collins detalha em seguida o longo e penoso caminho que percorreu para formar uma imagem consistente do Deus em que crê séria e honestamente. Dedicou um bom tempo à auto análise e à oração. Os resultados foram quase nulos e até frustrantes por não lograrem transpor o fosso que se alargava cada vez mais entre a imperfeição da natureza e a perfeição de Deus. Foi então buscar e encontrar a repostas nos evangelhos, com a compreensão do que Cristo significa e representa para entender que  tipo de relação e que lugar Deus ocupa na natureza. Mas, mais uma vez esta não é uma questão a ser aprofundada no contexto em que nos movemos. Sobre essa busca do autor, leiam-se as páginas 217 a 230,  do “Linguagem de Deus”. Fechando as suas reflexões sobre a parte que cabe às Ciências Naturais e às Ciências do Espírito em possibilitar uma síntese compreensiva entre os dados oferecidos pelas duas vias de aproximação, observou.

Se você chegou até este ponto comigo, espero que concorde: as duas visões de mundo científica e espiritual têm, ambas, muito a oferecer. As duas proporcionam formas distintas mas complementares, de responder à maior de todas as questões, e podem coexistir muito bem na mente de uma pessoa intelectualmente curiosa que vive no século XXI. (Collins, 2007,  p. 231).

Collins complementa e explicita com argumentos que embasam a sua lógica a afirmação que acabamos de registrar. A Ciência vem a ser a única via legítima para investigar o mundo natural, a única via confiável sobre o que há de verdade na natureza. Apesar dos fracassos a que levam muitos experimentos e dos becos sem saída que fazem parte das caminhadas científicas, a ciência pela própria natureza dos seus métodos, é capaz de se autocorrigir e reorientar as suas perspectivas. Apesar dessa importante tarefa que cabe à Ciência no desvendar das incógnitas do mundo em que vivemos, seus métodos se mostram incapazes de responder a todos os questionamentos importantes. Até o próprio Einstein defendeu este ponto de vista quando escreve, escolhendo os  termos: “A Ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é cega”. (em A Linguagem de Deus, p. 231). Ilustrativa é também  a observação de Kant: “Duas coisa me deixam estupefato, o firmamento estrelado lá fora e a lei moral aqui dentro” E entre as questões importantes que estão fora do alcance da ciência e de seus métodos e equipamentos, destacam-se o sentido da existência humana, a realidade de Deus, a possibilidade de uma vida após a morte, a Lei Moral além de outras. A afirmação que um ateu pode fazer  que as questões espirituais que não tem resposta pela via científica, são por isso mesmo irrelevantes, não fecha com a maioria das experiências humanas. John Polkinghorne, citado por Collins, ilustra com uma peça de música o que se acaba de descrever. Partindo do ponto de vista da ciência uma sinfonia por ex., não passa de vibrações no ar fazendo vibrar o tímpano estimulando circuitos de neurônios no cérebro, mas como acontece que de uma  sequência banal de movimento que obedece a uma cadência ter o poder de falar o nosso coração com uma beleza eterna? Toda a série de experiências subjetivas, de perceber uma mancha de rosa até ser cativado por uma execução da Missa em Si Menor e no encontro místico  com a realidade indescritível do Único, todas essas experiências verdadeiramente humanas acham-se no centro de osso encontro com a realidade, e não devem ser  e não devem ser descartadas como a frivolidade de um fenômeno secundário na superfície de um universo cuja real  natureza é impessoal e sem vida.( Polkinghorn, citado por Collins, 2007,  p. 232)

O Dr. Collins  conclui as suas reflexões sobre a natureza “como síntese” analisando três aspetos de fundamental importância para chegar a uma compreensão aceitável sobre a  tese de que o genoma, e por extensão qualquer outra manifestação da natureza, são formas, são “Linguagens” por meio das quais Deus se comunica com o homem. Por meio de três advertências chama a atenção aos que pretendem  formar uma compreensão completa do universo, da natureza e do homem, para que não se percam em polêmicas estéreis sobre quem  está de posse da verdade: as Ciências Naturais ou as Ciências do Espírito. Além de inútil e estéril  leva ambos os arraiais a um beco sem saída. 

Em primeiro lugar, para achar uma saída, tanto o cientista quanto  o filósofo e o teólogo precisam convencer-se de que não bastam conclusões apressadas e discursos inflamados, não poucas vezes em tom fundamentalista. É preciso encarar a busca da verdade com  seriedade,  isenção de espírito,  respeito pelas conclusões dos outros campos do saber. Para Collins, a Ciência com seus métodos e instrumentos de pesquisa, é o único caminho legítimo para investigar a natureza. Conclusões sobre a estrutura do átomo, a evolução e o funcionamento do cosmos, assim como evolução dos seres vivos e seu funcionamento e a importância do genoma humano, só são confiáveis quando identificados e testados com o rigor possível dos métodos e instrumentos com que a ciência trabalha. A própria natureza da investigação científica  pode sugerir conclusões apressadas que se revelam equivocadas com o avanço das descobertas. Essas falácias, entretanto, encontram no próprio método científico o remédio capaz de salvar o cerne do seu valor. Pela sua própria natureza conta com a capacidade de autocorreção no momento em que se percebe que o caminho da investigação seguido foi equivocado ou as conclusões mostram-se inconsistentes. “Nenhuma grande falácia pode persistir por muito tempo diante do aumento progressivo de conhecimentos”. (A linguagem de Deus, p. 231). Mas a Ciência com todo o seu potencial consegue iluminar apenas uma face da totalidade da verdade. Somente os holofotes vindos de uma outra perspectiva tem condições de iluminar a outra  expressa nas perguntas em torno de questões existenciais das quais já nos ocupamos mais de uma vez na presente análise, como: A existência ou não existência de Deus, e se existe qual o lugar que ocupa na natureza e na vida das pessoas; como o homem entrou na história da natureza, o porque da sua existência, o seu destino final e outras mais.

A ciência não é a única forma de aprender. A visão do mundo espiritual fornece outra maneira de encontrar  verdade. Os cientistas que negam isso deveriam ser orientados de levar em conta os limites de seus instrumentos, como representado de forma muito simpática numa parábola contada  pelo astrônomo Arthur Eddinger. Ele descreveu um homem que começou a estudar  a vida no fundo do mar usando uma rede com tamanho de pouco mais de sete centímetros e meio. Após ter apanhado muitas criaturas selvagens e incríveis das profundezas, ele concluiu que não existiam peixes no fundo do mar com menos de sete centímetros de comprimento! Se estamos usando a rede científica para apanhar nossa visão particular da verdade, não devemos nos surpreender se ela não apanha as evidências do espírito.

Que obstáculos se encontram  no caminho de um envolvimento mais amplo da natureza complementar das visões do mundo científica e a espiritual? Essa não é uma pergunta teórica para considerações filosóficas estéreis. É um desafio para cada um de nós. (Collins, 2007,  p.232-233)

Em segundo lugar, Collins faz uma advertência aos que acreditam em Deus. Bem à sua maneira peculiar de lidar com o tema, chama a atenção às ciladas que devem evitar. Começa advertindo os leitores do seu livro e que procuram nele a solução para superar a impressão de que a ciência é um perigo para a fé e o caminho aberto para uma visão ateísta do mundo, que isso não passa de uma falsa avaliação da ciência. Pelo contrário. A  ciência e a fé  colaborando dispõem de um poderoso potencial para entender a natureza como uma grande síntese harmônica.

Se Deus é o criador de todo o universo, se Deus tem um plano específico para a entrada  da humanidade em cena e se Ele deseja uma afinidade com os humanos, nos quais implantou a Lei Moral para que se aproximassem Dele, Ele não pode ser ameaçado  pela nossa mente minúscula e seus esforços por compreender a magnitude de sua Criação. (Collins, 2007,  p. 233).

A essa reflexão acrescenta a conclusão de que a ciência pode ser  interpretada como como uma forma de adoração e, consequentemente, o fazer ciência uma oração.  Por mais estranho que isso possa soar sugere uma atitude e uma compreensão mística totalmente compatível tanto com o fazer ciência, quanto com o interpretar os seus resultados. Nessa compreensão da natureza, Collins mostra uma proximidade flagrante com a visão do mundo das duas autoridades já analisadas mais acima: o biólogo, especialistas em formigas e térmites, Erich Wassmann e o especialista em botânica  sistemática, Balduino Rambo. Para este último a natureza é o livro aberto da Revelação Natural, para quem estiver em condições de lê-lo corretamente. A natureza é a “linguagem de Deus” e contemplar e admirar em silêncio suas maravilhas,  uma oração que supera qualquer modalidade de prece formal. Collins, entretanto, adverte aos que creem em Deus, sobre o risco de fundamentarem suas convicções  em argumentos científicos ultrapassados, fazendo com que muitos cientistas, mesmo crentes em Deus, se sintam constrangidos em professar suas convicções  íntimas em público. A isso soma-se  o fato de não poucos líderes religiosos professarem, interpretarem e ensinarem os artigos da fé, ignorando ou até hostilizando as conquistas da ciência. Correm assim o risco de expor ao ridículo suas pregações e alargarem ainda mais o fosso existente entre diversos credos e a ciência. Para concluir essa reflexão, relembra a advertência de Copérnico depois de comprovar que a terra girava em torno do sol. “Conhecer as obra poderosas de Deus; compreender Sua sabedoria e majestade e poder; apreciar, em certo grau, o maravilhoso trabalho de Suas Leis, sem dúvida, tudo isso deve ser uma maneira agradável e aceitável de louvar o Altíssimo, a quem  a ignorância não pode ser mais grata que o conhecimento”. (citado em A Linguagem de Deus, p. 24)

Em terceiro lugar, Collins deixa uma advertência aos cientistas. “ Se você é um daqueles que acreditam nos métodos da ciência, mas permanecem cépticos em relação á fé,  este seria um bom momento para se perguntar que obstáculos estão em seu caminho em busca de uma harmonia entre essas duas visões de mundo”. (A linguagem de Deus, p. 234). Depois faz referência a um dos argumentos prediletos muito comum entre cientistas de que a crença em Deus implica num retrocesso para a “irracionalidade”, descompromisso com a “lógica” e  suicídio intelectual. A esses argumentos responde que, lendo com atenção e com espírito desarmado e sem preconceito,  “A Linguagem de Deus”, quem sabe chegue à conclusão que “de todas as visões do mudo possíveis, a ateísta é a menos reacional”. (A Linguagem de Deus, p. 234). Aos que argumentam com o comportamento hipócrita de muitos crentes, aconselha que não se fixem nos “recipientes enferrujados” que são os seres humanos que professam religiões organizadas, mas se concentrem no essencial que são “as verdades espirituais e atemporais que a fé apresenta”.

No que se refere a questões específicas relacionadas com o dia a dia das pessoas, como, por ex., o sofrimento, a injustiça, a violência e outras mais, são a consequência natural do livre arbítrio com que o criador dotou os homens. Acrescenta a pergunta de que tudo isso pode servir de um poderoso estímulo para o aperfeiçoamento do humano no homem, da “Menschlichkeit”, como a definiu o  Pe. Balduino Rambo. Uma outra dificuldade que acomete não poucos cientistas reside na situação criada quando os instrumentos da ciência se mostram impotentes para responder a questões de fundo, relacionadas com o universo, a natureza e o próprio homem. Não se pode negar que para um pesquisador que apostou todas as fichas nos métodos e instrumentos científicos, se veja obrigado a entregar os pontos e apelar para uma solução “extra científica”, numa outra área de conhecimento, seja frustrante e para não poucos uma humilhação difícil de assimilar, um “soco no orgulho intelectual”. Mais um problema que pode assustar os cientistas é aquele que o próprio Collins afirma ter influído não pouco na sua experiência pessoal e passageira que ele chama de “cegueira voluntária”. Com autoridade de quem experimentou na própria pele todas essas vivências de incerteza, de frustração de angústia existencial, de “socos no orgulho intelectual”, conclui: “E ainda posso testemunhar que chegar ao conhecimento do amor e da graça de Deus fortalece em vez de aprisionar: Deus está no ramo da libertação e não da carceragem”. (A Linguagem de Deus, p. 235). Aos que se desculpam que simplesmente não tem tempo para gastar com preocupações de natureza espiritual e adiam essa tarefa para um futuro distante quando as circunstâncias forem favoráveis para tanto, Collins adverte:

A vida é curta. O índice de mortalidade será diferente para cada pessoa num futuro previsível. Abrir-se para a vida do espírito pode ser uma experiência enriquecedora. Não fique protelando a reflexão sobre essas questões de significado eterno até que uma crise pessoal ou a idade avançada o obrigue a reconhecer o empobrecimento espiritual. (...) Para aqueles que buscam, existem respostas a essas questões. Há alegria e paz a serem descobertas na harmonia da criação divina. (...) Em minhas orações pelo nosso mundo em sofrimento, peço que possamos,   juntos, usando o amor, a compreensão e a compaixão, buscar e encontrar esse tipo de sabedoria.

É hora de pedir uma trégua na guerra cada vez mais acirrada entre ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato necessária. Como em tantas contendas mundanas, essa foi iniciada e intensificada por extremistas de ambos os lados, soando alertas que previam ruínas próximas a menos que o outro lado fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por Deus; ela é aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso, busquemos, juntos,  recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre a intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra natal da razão e da adoração  nunca correu risco de se esmigalhar. Nunca vai ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam sinceramente a verdade venham e fixem residência. Atenda a esse chamado. Abandone a posição de luta. Nossas esperanças, alegrias e o futuro do mundo dependem disso. (Collins, 2007,  p. 236-237)

A Natureza como Síntese - 52

O “BioLogos” como proposta.  A concepção teísta do universo e da natureza não colide com os dados que a ciência apresenta. É aceitável também pelas grandes religiões monoteístas embora não esteja em condições de provar, preto sobre banco, que Deus existe. A crença em Deus implicará inevitavelmente num ato de fé. Mas a síntese assim proposta aponta para uma solução satisfatória tanto para o cientista quanto para o que crê em Deus. Enfim acena com a possibilidade real e fundamentada de que a ciência e a fé tem condições de prosperar juntas numa harmoniosa visão que inclui todas as dimensões do que  pode ser sintetizado na trilogia: Universo-Natureza-Homem. Então porque a evolução teísta goza de tão pouca popularidade entre os cientistas, os filósofos, os teólogos e as pessoas comuns. Collins  arrisca o palpite de que  a denominação “evolução teísta”, soa estranha. Outro motivo é que a maioria das pessoas não versadas em teologia não sabem ao certo o que de fato se pretende significar com esse  conceito. Outro elemento que pode causar estranheza é o fato de emprestar apenas um valor ao nível de adjetivo ao que parece ser o mais importante para os que creem em Deus. Não seria mais  de acordo com o significado que subjaz à proposta, falar em vez de “evolucionismo teísta”, em “teísmo evolucionista”, o que soa ainda mais estranho. De qualquer forma, diante das dificuldades de aceitação que a proposta da evolução teísta enfrenta, Collins apresenta uma proposta capaz de conciliar de vez os interesses da Ciência e  dos que creem em Deus.

Infelizmente, muitos  substantivos e adjetivos que poderiam descrever a rica natureza dessa síntese já estão sobrecarregados com tanta bagagem que é como se estivessem impedidos de continuar. Será que deveríamos cunhar o termo “criavolução?” Provavelmente não. E que ninguém se atreva a usar as palavras “criação”, “inteligente”, “fundamental” ou “planejador” por causar medo ou confusão. Precisamos começar de novo. Minha modesta proposta  é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos, ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia, Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que acreditam  em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de Deus, como expresso de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus (João, 1-1). BioLogos expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. (Collins, 2007, p. 209)

O objetivo do BioLogos consiste em harmonizar as opções formuladas a partir das descobertas científicas e aquelas defendidas pelos que creem de alguma maneira, ou em Deus, ou em alguma outra realidade fora o alcance dos métodos empíricos. Collins apresenta os pontos de conflito para então argumentar em favor da proposta. Para ele um dos motivos do desinteresse do grande público, principalmente leigo no assunto, consiste exatamente naquilo que a proposta contem de mais positivo, isto é, harmonizar os pontos de vista das Ciências Naturais com os  das Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. A grande mídia concentra-se em divulgar o que seu público adora: escândalos, roubos, assassinatos, ataques terroristas, corrupção, etc., etc. Para esse público interessa o barulho e o estardalhaço e, em compensação “a harmonia é chata”. As objeções mais sérias partem daqueles que acham que o BioLogos força tanto a Fé quanto a Ciência. Para o cientista ateu parece não passar muito da teoria do “deus das lacunas”, implícita no Design Inteligente, que coloca a intervenção de Deus onde não é nem necessária nem desejada. Collins responde a esse questionamento:
O BioLogos não tenta  colocar Deus à força nas lacunas de nossa compreensão do mundo natural; ele sugere Deus como resposta às questões das quais a ciência jamais tentou falar a respeito, como, por exemplo: “Como o universo apareceu aqui?”; qual o “sentido da vida?”; “o que nos acontece após a morte?” Ao contrário do Design Inteligente, o BioLogos não pretende ser uma teoria científica. Sua verdade só pode ser testada pela lógica espiritual do coração, da mente e da alma. (Collins, 2007, p. 210).

Curiosamente as objeções mais contundentes parte daqueles que acreditam em Deus. Não admitem que um processo aleatório, aparentemente caótico, entregue ao acaso como pensam sugerir a evolução darwiniana, possa explicar satisfatoriamente tudo o que aconteceu e ainda acontece na natureza, incluindo a humanidade. A interpretação literal dos textos das Sagradas Escrituras, não consegue dar conta de uma explicação convincente do que as ciência está a confirmar nas diversas fronteiras das investigações. Por ex., quando no Gênesis (1;27)  se lê que Deus criou o homem “à sua imagem e semelhança”, isso não deve ser entendido como uma “semelhança” fisionômica, mas muito mais como a da uma  mente, pois o Deus com fisionomia humana, uma figura masculina de grandes barbas brancas, traços imperiais do rosto, posição fora do alcance do comum dos mortais, não passa de uma representação histórico-cultural da tradição judaico-cristã. Neste ponto religiões  que proíbem a representação antropomorfa de Deus, salvo melhor juízo, aproximam-se mais do que o autor entende pelo BioLogos. Nelas Deus é antes de mais nada espírito e mente.

A solução do impasse dever ser procurada em outro nível. Pelo fato de estarmos irremediavelmente enredados em categorias de espaço e de tempo e construirmos a nossas categorias mentais e conduzir os nossos raciocínios condicionados por esses limitadores, fica complicado, e para muitos impossível, imaginar-se um Deus fora e não participante da natureza, fora do tempo e do espaço. O tempo  o espaço são categorias e realidades que começam a existir a partir do ato primordial da Criação. Este ato único em que a matéria prima do universo, “o estofo” do universo, da natureza e do homem, como diria Teilhard de Chardin, foi dotada com todo o potencial capaz de lhe dar as infinitas formas que podemos observar, exigiu como condição e cenário  de  realização o tempo e o espaço. Collins resumiu essa lógica nos seguintes termos:

Nesse contexto, no momento da criação do universo, Ele sabia todos os detalhes sobre o futuro, incluindo a formação de estrelas, planetas e galáxias, toda a química, física, geologia e biologia que levou à formação da vida na Terra e à evolução dos humanos, até o exato momento em que você lê este livro – e além. Nesse contexto,  a evolução poderia  nos parecer guiada pelo acaso. Contudo do ponto de vista de Deus, o resultado já estaria totalmente especificado. Assim, Ele poderia achar-se completa e intimamente envolvido na criação de todas as espécies, embora, da nossa perspectiva, limitada pela tirania do tempo linear, isso parecesse um processo casual e sem direção. (Collins, 2007, p. 211).

Com a proposta da concepção do BioLogos a questão relativa ao surgimento do homem parece oferecer uma saída satisfatória tanto para a ciência quanto aos que  aceitam a existência Deus. Mas há um  campo específico onde o desencontro e o atrito continua a perturbar o entendimento entre os dois lados. Falamos da aparente contradição entre os dados científicos objetivos e textos cruciais de textos sagrados, com destaque para os  livros do Gênesis. A questão se resume no dilema: os textos citados devem ser interpretados ao pé da letra ou é uma alegoria que apresenta de forma poética a entrada na história da evolução da vida, do personagem que se distingue de todos os outros por ser portador de uma natureza espiritual e com ela a Lei Moral, que distingue o homem dos demais seres vivos. Collins cita, como resposta, Theodosius Dobzanhsky, um dos maiores geneticistas do século XX, filiado ao cristianismo ortodoxo russo.

A criação não é evento que ocorreu em 4004 a. C.; é um processo que começou por volta de 10 bilhões de anos atrás e continua. (...) Será que a doutrina evolucionária entra em atrito com  a fé religiosa? Não. É um erro crasso confundir as Sagradas Escrituras com cadernos elementares de Astronomia, Geologia, Biologia e Antropologia. Somente quando criados os símbolos para significar o que não pretendem é que podem nascer conflitos imaginários insolúveis. (Collins, 2007, p. 212)

Acontece que o nosso interesse imediato consiste em destacar, em meio a toda essa discussão, aqueles mecanismos e processos responsáveis para que a natureza se constitua numa grande síntese. Ora falar em síntese só faz sentido se aceitarmos a existência de um eixo em torno do qual giram todos os acontecimentos que movimentam os processos naturais, ou se preferimos um sinalizador que aponta o rumo a seguir e o ponto de chegada a alcançar. Em outras palavras. Os processos naturais, ou se quisermos, os processos evolutivos não são, em última análise, casuais, fortuitos ou aleatórios. Se assim fossem a natureza não poderia ser concebida como uma síntese, mas um aglomerado entregue ao imprevisível mesmo do ponto de vista, por ex., da estatística das populações.  A verdadeira síntese configura-se no momento em que se verifica funcionalidade sistêmica como apresentada na proposta de Ludwig von Bertalanffy ou um ponto de partida, um “alfa” e um “ômega”, um ponto de partida e de chegada, como ensina Teilhard de Chardin. A natureza, portanto, tem um sentido, um objetivo, e sendo assim, é movida por uma teleologia.

Examinando um pouco mais de perto essa reflexão de Collins, percebe-se que ela aponta para algumas das questões mais instigantes e intrigantes  que hoje movimentam tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências Humanas e as Ciências do Espírito. Entre elas merece destaque a preocupação de pensadores desde a antiguidade clássica, pela Imanência ou Transcendência de Deus na natureza. Admitindo que Deus exista como Collins não deixa de afirmar, pergunta-se: Em que nível acontece o relacionamento de Deus com a natureza?

Desde que há informações históricas confiáveis a respeito de como as culturas e, principalmente, as crenças dos mais diversos povos se imaginavam a presença e ação de forças ou entidades extraterrestres na natureza, duas se sobressaem: a imanência e a transcendência. Vão desde a concepção de que uma força sobrenatural animam todos os acontecimentos que podem ser observados nela, passam pela doutrina de que um ente sobrenatural age nela até a crença de que deuses ou, como ensina o monoteísmo, um Deus soberano é o responsável pela existência e o funcionamento da natureza. Fixemo-nos no monoteísmo para penetrar um pouco mais a fundo na questão, enquanto nos fornece argumentos para subsidiar como prova o que nos interessa neste trabalho isto é, a compreensão da natureza como síntese. Na tradição judaico-cristã o monoteísmo se constitui no fundamento sobre  o qual se ergue todo o arcabouço doutrinário da religião. Não é aqui o lugar para fazer um estudo exaustivo sobre os diversos sentidos que se podem atribuir aos conceitos de imanência e transcendência. Limitamo-nos ao sentido da imanência ou transcendência de Deus em relação à natureza. Dois são os sentidos que se costumam atribuir ao conceito de imanência quando se fala em Deus na natureza. Um afirma que Deus não está apenas presente na natureza mas confunde-se substancialmente com ela. Essa percepção pode levar à conclusão de que o mundo é divino e tem no panteísmo sua expressão clássica. Deus não é onipresente na natureza, mas a própria natureza é Deus. Assim qualquer planta, animal ou homem não apenas revelam  Deus mas são divinas pois a natureza é divina. O segundo significado da imanência ensina que Deus não se confunde  substancialmente com a natureza mas  sustenta a Criação e vela para que tudo se realize de acordo com Seu plano. Conceitos como “Providência Divina”, “Mão de Deus”, “Desígnio de Deus”, “Revelação Natural” e outros mais parecem confirmar a convicção de que Deus cuida da sua criação e através dela se revela aos homens. São Paulo na Carta aos Romanos (18-23) deixa claro que não há desculpa para aqueles que afirmam não conhecerem Deus “porque o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto  a eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas...” Na mesma linha vai a compreensão de todos aqueles, cientistas ou não que consideram a natureza em todas as suas manifestações, o livro da revelação por excelência. Nas reflexões sobre a natureza de uns o sentido da imanência fica implícito ou sugerido. Em outros, como no Pe. Balduino Rambo, perpassa como um fio condutor da concepção da natureza por ele observada em primeiro lugar da perspectiva do botânico. Salvo melhor juízo a imanência de Deus na natureza como o responsável pelos acontecimentos mais diversos que nela ocorrem, predomina no imaginário popular das pessoas comuns. Os espetáculos naturais são para elas os momentos em que Deus se manifesta com os seus atributos divinos: onipotência, onipresença, onisciência,  bondade,  beleza,  criatividade, seu senso de supremo artista.

Ao mesmo tempo em que Deus é imanente também é transcendente e como tal é soberano em relação à natureza, exercendo sua soberania na escolha do que pretende  fazer, no momento em que quiser, sem ter que dar explicações a ninguém sobre seus atos. Como se pode concluir  Deus é ao mesmo tempo transcendente à natureza e imanente nela. E por ser imanente é até certo ponto possível seguir seus passos na natureza com a utilização do método analítico- indutivo das Ciências Naturais. Vale naturalmente para aqueles cientistas que acreditam na existência de Deus. 

E assim, depois desse inciso sobre a imanência e a transcendência, voltamos à proposta de Francis Collins para mostrar que é possível aceitar a doutrina de que a natureza é uma grande síntese fundamentada sobre as evidências fornecidas pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito e as Ciências Humanas. Nisto se resume em última análise o conceito de “BioLogos” proposto por ele, com o objetivo de superar as dificuldades de interpretação a que outros conceitos propostos induzem. Este conceito leva em conta  que os cientistas, ao avançarem e aprofundarem os objetos de pesquisa mais diversos, conseguem identificar e localizar até onde por enquanto os seus equipamentos  são capazes de nos dar uma resposta conclusiva. A solução não está em recorrer a um “Deus das lacunas”, mas continuar aprofundando as pesquisas como se tudo que aconteceu desde que se formou o universo como um todo e o nosso planeta em especial, incluindo o homem, é passível de ser esclarecido pela ciência. Fica então aberta a pergunta: “E o lugar de Deus em tudo  isso?”. Para Collins uma pergunta crucial da qual dependem indiretamente todas as  outras, resume-se na seguinte: “E como começou tudo?, do nada?, donde veio o “estofo” de tudo quanto existe, com as leis da química e da física que de então até hoje comandam a evolução do mundo mineral e o mundo vivo desde as arqueobactérias, passando pelo incrível e pouco conhecido mundo de incontáveis milhões de espécies de micro organismos, pelos muitos estágios da evolução dos animais e das plantas incluindo a espécie humana? Quem sabe é neste começo de tudo que se pode esperar o ato criador de Deus, munindo o “estofo” primordial com todas as potencialidade para a evolução futura? Collins deixou registrada a sua opinião sobre a questão: 

O fato de que o universo teve um início, e obedece, de forma organizada, a leis que podem ser expressas com precisão pela matemática, e a existência de uma série extraordinária de  “coincidências” que permitem às leis da  natureza dar suporte a vida --, embora não revelem muito sobre o tipo de Deus que deve estar por traz de isso tudo, apontam na direção de uma mente inteligente que pode ter criado esses princípios exatos e superiores. Mas  que tipo de mente? Em que, exatamente, deveríamos acreditar?  (Collins, 2007,  p. 222-223)

Collins foi em busca da identidade desse Ser “que está por trás de tudo isso”. Constatou que as grandes religiões compartilham muitas verdades, caso contrário não teriam sobrevivido às vicissitudes do tempo. Isso não impede que se observem diferenças significativas que as distinguem uma das outras. Mais. Neste contexto cada indivíduo caminha por uma trilha própria para se aproximar da verdade. Ele, o cientista, mostra a sua trajetória que o levou  consolidar os traços, a imagem do Deus em que acreditava.

Depois que passei a acreditar em Deus, empreguei um tempo considerável tentando apreciar as características Dele. Conclui que Ele deve ser um Deus que se preocupa com as pessoas, ou a argumentação da Lei Moral não teria o menor sentido. Então o deísmo não serviria para mim. Também conclui que Deus deve ser santo e justo, já que a Lei Moral me chama nessa direção. Contudo, isso me parecia ter uma abstração terrível. O fato de Deus ser bom e amar suas criaturas não significa, por exemplo, que tenhamos a habilidade de nos comunicar com Ele, ou  que tenhamos um tipo de relacionamento com Ele. Descobri, porém, uma sensação crescente de anseio por essas coisas, e percebi que é para isso que serve a oração. A oração não é, como alguns parecem sugerir, uma oportunidade para manipular Deus para que Ele faça o que você quiser. Em vez disso, trata-se de uma forma de buscar uma afinidade com Deus, aprender com Ele e tentar perceber o ponto vista dele sobre vários assuntos ao nosso redor que nos deixam confusos, em dúvida ou sofrimento. (Collins, 2007,  p. 223-224).

A Natureza como Síntese - 51

Na “Linguagem de Deus” Collins descreveu o caminho “tortuoso” até encontrar uma solução “intelectualmente satisfatória para essa busca da verdade”. Depois de perambular pela química, física e medicina encontrou o  caminho que lhe permitiu aliar o amor pela ciência e a Matemática e o desejo de ajudar as pessoas: A Genética Médica. Em outro momentos já referimos como o convívio com os pacientes nas enfermarias do hospital, chamaram a sua atenção sobre o vasto mundo das alegrias e principalmente dos dramas que fazem parte do quotidiano das pessoas comuns. Este mundo que não aparece nas provetas, em lâminas de microscópio, em reações químicas, cálculos estatísticos ou leis físicas. Foi aos poucos chegando à conclusão de que “Deus era muito mais atraente do que o ateísmo que até então tinha adotado ...” Collins foi-se convencendo aos poucos de que não havia nenhuma contradição de fundo entre as verdades científicas e as espirituais. Entrou para a “American Scientific Affiliation” formada por milhares de cientistas dos Estados Unidos que creem em Deus. Nos seus encontros, reflexões e publicações saíram não poucas propostas que fazem sentido, oferecendo saídas inteligentes para harmonizar a ciência e a fé. Sobre esses encontros de cientistas crentes, concluiu:

Confesso que durante muitos anos não prestei muita atenção ao potencial para  conflitos entre a ciência e a fé – não parecia tão importante assim. Não havia muito que descobrir, na pesquisa científica, sobre a genética humana, e havia bastante  a descobrir sobre a natureza de Deus lendo e discutindo sobre a natureza de Deus e discutindo a fé com outros que acreditavam nele”. 

A necessidade de encontrar a harmonia das minhas visões de mundo veio, definitivamente, com o estudo dos genomas – o nosso e o do diversos organismos do planeta - . e começou a decolar, oferecendo-me um ponto de vista incrivelmente   rico e detalhado de como ocorreu a evolução por modificações a partir de um ancestral  comum. Aquilo, para mim,  em vez de algo não resolvido. era uma evidência distinta do parentesco entre todos os seres vivos, um momento de admiração. Percebi que se tratava de um plano em detalhes do mesmo Todo-Poderoso que trouxe o universo à existência e estabeleceu seus parâmetros físicos de forma precisa, a fim de permitir a criação de estrelas, planetas elementos pesados e a própria vida. Sem saber seu nome na ocasião, firmei-me confortavelmente numa síntese que  em geral é denominada  “evolução teísta”, uma posição que acho muitíssimo satisfatória até hoje. (Collins, 2007,  p. 204-205)

A proposta de Francis Collins, o cientista que decifrou as últimas vírgulas a “linguagem do genoma”, e com isto mergulhou até os arcanos do funcionamento da própria vida, sinaliza que a natureza, a partir das muitas perspectivas que pode ser observada e entendida, é uma síntese harmoniosa  moldada pelos resultados obtidos pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, a Letras e as Artes. Explica em seguida o que se entende por “evolução teísta”. Observa que nas grandes bibliotecas o espaço reservado para o darwinismo costuma ocupar prateleiras e mais prateleiras, assim como o criacionismo e o design inteligente. O conceito de evolução teísta é pouco mencionado mesmo entre os cientistas que acreditam em Deus. Chama a atenção que entre os biólogos sérios que  acreditam em Deus, entretanto, a evolução teísta conta com defensores de os nomes reconhecidos nas suas especialidades. Cita entre outros Asa Gray o maior defensor do darwinismo nos Estados Unidos e Theodosius Dobzhansky talvez o maior nome do século XX na genética e  do do pensamento evolucionista. Além desses e outros cientistas a ideia da evolução teísta encontra-se na base da doutrina do hinduísmo, do islamismo, do sionismo  e do cristianismo. É aceita por João Paulo II e por seu antecessor Pio XII, na famosa encíclica “Humani Generis”, datada de 1950. Consta também no pensamento de filósofos como Maimonides, judeu do século XII e Santo Agostinho  adotaria a evolução teísta se estivesse a par das conquistas atuais da ciência. Sutilezas e variações à parte, a evolução teísta fundamenta-se nos seguintes pressupostos.

1. O universo surgiu do nada, há aproximadamente 14 bilhões de anos; 2. Apesar das probabilidades incomensuráveis, as propriedades do universo parecem ter sido ajustadas para a criação da vida; 3. Embora o mecanismo exato da origem da vida na Terra permaneça desconhecido, uma vez que a vida surgiu, o processo de evolução e de seleção natural permitiu o desenvolvimento da diversidade biológica e da complexidade durante espaços de tempo muito vastos; 4. Tão logo a evolução seguiu seu rumo, não foi necessária nenhuma intervenção natural; 5. Os humanos fazem parte desse processo, partilhando um ancestral comum com os grandes símios; 6. Entretanto, os humanos são exclusivos em características que desafiam a explicação evolucionária e indicam nossa natureza espiritual. Isso inclui a existência da Lei Moral (o conhecimento do certo e do errado) e a busca de Deus, que caracterizam todas as culturas humanas. (Collins, 2007, p. 206)

Collins entra um pouco mais  a fundo na questão e destaca que a proposta teísta oferece uma “síntese perfeitamente aceitável que satisfaz intelectualmente e tem consistência lógica. Deus não é limitado pelo espaço e o tempo e nessa condição criou o universo e muniu-o com as leis naturais que o regem e acrescenta:

Para povoar este universo antes estéril com criaturas vivas, Deus escolheu o mecanismo distinto da evolução para criar micróbios, plantas e animais de todos os tipos. O mais extraordinário é que ele escolheu, propositadamente, o mesmo mecanismo  para originar criaturas especiais que teriam inteligência, conhecimento do certo e errado, livre-arbítrio e desejo de afinidade com Ele. Deus também sabia que esses seres, ao fim, optariam por desobedecer à Lei Moral. (Collins, 2007,  p. 207)

A Natureza como Síntese - 50

A necessidade de uma síntese. Depois dessa digressão voltemos  à proposta de Francis Collins. Pelo que se pode concluir pelas linhas e de modo especial pelas entrelinhas da “Linguagem de Deus”, ele abandonou o agnosticismo juvenil e aos 27 anos percebeu que o ateísmo que então professava, não oferecia respostas satisfatórias para situações vividas no diário dos internados nas enfermarias do hospital em que cumpria a residência médica e mais tarde ao dar assistência médica a populações pobres na Nigéria.

Sendo verdadeiros os pressupostos que acabamos de enumerar a compreensão da natureza como síntese só é possível se na sua concepção forem tomados em consideração o lugar e a importância que as três grandes fontes parciais do conhecimento forem devidamente contempladas. Recorrendo a uma metáfora essa síntese é comparável ao arco de pedra que sustenta um portal. Este  é formado por três elementos essenciais: os dois lados e a pedra de fecho. Um dos lados representa a parte de construção do arco cuja matéria prima é obtido por meio do método analítico-indutivo privativo das Ciências Naturais A matéria prima da segunda coluna do arco busca a sua matéria prima nas conclusões  fornecidas pelo método sintético-dedutivo das Ciências do Espírito. A pedra de fecho sem a qual nunca formarão um arco, com o formato característico de cunha e com a função de conferir “a natureza de arco ao arco”, deve ser procurada  na percepção sensorial, na intuição e nos sentidos que sugere para a compreensão da natureza como síntese. Não se trata de um método científico no sentido que Francis Bacon tinha em mente quando definiu os dois outros. A percepção sensorial  dos fatos oferecidos pela natureza, atribuindo-lhes sentidos e significados pela intuição é “a melodia concomitante, a nota predominante”, que perpassa o conhecimento da natureza. Em outras palavras. A percepção sensorial, fundamento da intuição foi senão a única, de longe a mais importante responsável pela compreensão da natureza e do homem até o advento da consolidação das bases das Ciências Naturais. E é importante que não se esqueça, que mesmo hoje, o desenho da cosmovisão do homem comum  trai muito mais traços buscados na intuição, na sua compreensão e nas atitudes diante os fenômenos naturais, do que parece e ou muitos  admitem.

Retornemos à concepção da Natureza como Síntese de Francis Collins. Depois de resumir a essência da concepção ateia e agnóstica, passa a fazer considerações sobre as várias formas de Criacionismo, umas mais e outras menos plausíveis. Demora-se depois na teoria do “Design Inteligente” que, nos últimos 20 anos, gozou de uma popularidade fora do comum na solução, melhor talvez, harmonização, entre os dados científicos em favor da evolução e a questão da oportunidade ou necessidade de recorrer à intervenção de uma causa externa  para resolver o impasse do “como” da origem do universo, da natureza e do homem, ou do como de alguns passos nevrálgicos da evolução que a ciência não resolveu satisfatoriamente até o momento, como: a origem da energia da qual se acredita ter sido moldado o universo; a origem da vida; e a origem do homem não na sua origem biológica, mas no que tange à sua inteligência reflexa, a lei moral que lhe é inerente, a  busca existencial  e universal da realização pessoal e, sobretudo, a busca de respostas para perguntas como: afinal, como estou aqui, o que faço aqui e para onde vou ou,  qual o sentido e o destino da minha existência? 

A teoria do Design Inteligente, daqui em diante usaremos apenas as iniciais DI, foi formulada, não por um cientista que acredita na existência de Deus, nem por um filósofo ou teólogo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley. Na primeira década deste século a teoria do DI assumiu proporções tais que envolveram até o presidente dos Estados Unidos ao recomendar que a teoria do DI fosse incluída nos debates sobre a evolução. Aqui não é o lugar de  entrarmos em detalhes sobre a polêmica que se desencadeou com a popularização da teoria do DI. Interessa o que pretende oferecer em termos de solução a questões para as quais a ciência ainda não encontrou reposta. 

Para começar existe uma certa dificuldade em definir exatamente o sentido que se atribui ao conceito do DI. À primeira vista  parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo” (A linguagem de Deus, p. 188). Terminou predominando a compreensão de que se refere a uma série de conclusões sobre conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são mutações espontâneas, ocasionais e vantajosas  perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só podem ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida, principalmente depois que o julgamento  “Kitzmiller v. Dover Area Shool Didtrict”, no seu veredito concluiu pela inconsistência do conceito da “complexidade irredutível”. O DI,  fundamenta-se. segundo Collins, em três propostas. Primeira: a evolução induz uma visão de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem-se opor a ela; segunda: a evolução tem fundamentos falhos, pois não pode justificar a complexidade da natureza; terceira: se a evolução não pode explicar a complexidade irredutível, deve, então, ter existido um planejador inteligente, que de algum modo, entrou em cena para fornecer os componentes necessários durante o curso da evolução. (mais detalhes em Collins, 2007,  p. 190-193).

Sempre segundo o autor da “Linguagem de Deus”, há uma série de objeções que dificultam, para não dizer impedem a aceitação da teoria do DI, tanto pelo lado da ciência, quanto pelo lado da teologia. Da perspectiva científica destaca-se o fato de que muitos cientistas que creem em Deus logicamente deveriam aceitar a teoria do DI. Acontece que não é o caso. Para eles o DI resume-se no máximo numa preocupação secundária que merece pouca credibilidade científica. A razão também não está no fato de muitos cientistas não admitirem qualquer questionamento às afirmações sobre a evolução nos seus mínimos detalhes. A razão principal da inconsistência do DI, reside no fato de não poder ser credenciada como uma teoria científica propriamente dita, porque: uma teoria científica é estruturada de tal maneira que confere sentido  a um conjunto de observações experimentais; uma teoria científica prevê a possibilidade de outas descobertas e deixa o caminho aberto para verificações complementares e nisso o DI é falho. 

Mas o que de fato compromete o futuro do DI, segundo Collins,  é constatação de que muitos complexos que pareciam irredutíveis na verdade não são. Nos 29 anos desde a popularização da teoria do DI, as pesquisas científicas avançaram muito. Avançaram especialmente no detalhamento do genoma de um série de espécies. A armadilha em que caíram os defensores do DI foi de confundirem “o desconhecido” com ”o desconhecível”. Aqui não é o lugar para detalhar os exemplos de várias pesquisas  que vão na contramão do que o DI sustenta. O interessado os encontra nas pgs. 194 e 199 do “A linguagem de Deus”. 

Se de um lado o Di não consegue oferecer uma sustentação  científica consistente assim também não convence como solução teológica, Parece-se muito mais a um “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, chamado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não dão conta do recado. Traduzido para a linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos antigos corresponde ao “deus das lacunas. No momento em que a ciência se defronta com impasse sério na identificação de algum passo ou fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre-se a uma explicação buscada fora do âmbito das ciências, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador,  para preencher “a lacuna”. Sendo assim o DI é chamado para   preencher “as lacunas” que qualquer ideário em qualquer um dos campos da pesquisa científica vai encontrando pelo caminho. Em essência não difere da atitude do pastor de ovelhas e cabras do neolítico observando a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história ao observar a trajetória diária do sol ou os ciclos mensais da lua. Viam nesses fenômenos  seres ou forças sobrenaturais em tudo. Há um outro aspeto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onisciência e a onipresença, especialmente as duas primeiras, atribuições ao  Deus da teologia. Levado às últimas consequências, “o DI retrata  o Todo-poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio projeto original, do qual se originou a complexidade da vida”. (A Linguagem de Deus, p. 200)    Diante desse quadro a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espirito. Duas questões merecem ainda serem destacadas. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI normalmente fiéis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escritura ao pé da letra e não abrem mão da criação por Deus, e ao mesmo tempo, respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Nessa polêmica a avassaladora influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar decisivo. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel, pregam que o evolucionismo é necessariamente ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições em caminhar na própria direção, ignorando  a outra, as leva, tanto uma quanto a outra, a um beco sem saída. Ricahrd Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo citado por Collins, bem mostra em que terminam posições  excludentes. “o universo que observamos tem, exatamente, as propriedades que esperaríamos que existissem, na verdade, sem design, sem finalidade, sem mal e sem bem, nada além de uma indiferença cega e impiedosa?” Collins responde a Dawkinsi: “que jamais seja assim! Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade”. (Collins, 2007,  p. 201-202)

A Natureza como Síntese - 49

Duas conclusões.  
Duas conclusões parecem ser  de importância nessa declaração de Collins. A primeira que a compreensão do homem na sua totalidade existencial e, porque não a compreensão do universo e da natureza, situa-se fora e além dos potenciais teóricos e metodológicos da ciência. Este fato leva à conclusão de que a face fora do alcance da ciência exige uma abordagem vinda de outra direção munida com as ferramentas capazes de iluminar a outra vertente de dados indispensáveis para completar a compreensão objetiva da natureza. Em outras palavras. Para entender a natureza como uma totalidade, como um dado objetivo, como uma síntese, não basta a aproximação pela análise e a indução. É preciso associar à investigação a abordagem sintético-dedutiva, e para dar alma e harmonia ao todo dessa síntese, cabe à intuição como conhecimento legítimo um papel mais importante do que muitos gostariam de admitir. Não sem razão o Pe. Balduino Rambo anotou em suas reflexões sobre o conhecimento.

Entre a Ciência e a Fé (entre as Ciências Naturais, a Filosofia e a Teologia, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, inciso do autor), estende-se o vasto campo da intuição, que não é outra coisa do que um conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado e da expressão imediata da palavra, como do som subliminar que emite e da ressonância que desperta. A essa melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou pouca atenção. Bem considerada ela não é um som secundário, e sim a nota dominante no concerto musical do espírito dinâmico do homem, (Rambo,  1994, p. 265)

A intuição teve em Jean Jacques Rouseau a sua habilitação como forma legitima de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que subjazem às mais diversas culturas e civilizações. Com sua autoridade inconteste o grande filósofo da modernidade, deixou claro  que o homem busca a matéria prima do conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas, depende da natureza delas, do entorno cultural em que é recebida e da forma única pela qual é percebida e elaborada pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em apresentar ideias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa forma peculiar de conceber toda uma face importante do conhecimento. E o valor prático, inovador  e revolucionário encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida dos indivíduos e das sociedades por eles formadas: a Educação. E é exatamente pela educação formal e informal, no ambiente familiar e social e, principalmente de forma sistemática nos currículos  do nível infantil e fundamental, que os conhecimentos via sensorial e intuitivamente elaborados transformam-se no “som subliminar  que emite e da ressonância que desperta”. É a melodia concomitante da linguagem humana” (...) “A nota dominante no concerto musical”, como a classificou o Pe. Rambo na referência acima. 

É até certo ponto surpreendente que a proposta de começar a educação infantil estimulando as crianças a entrar em contato com as realidades naturais que as rodeiam, encontra em Edward Wilson um dos seus defensores mais entusiastas e de maior peso. Com um currículo de biólogo construído durante mais de cinco décadas, tendo a entomologia como foco, impôs seu nome  como uma das  maiores autoridades na especialidade, é de esperar que suas sugestões sobre a educação das crianças tivesse como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por muitos desprezado e rejeitado conceito de “História Natural”, que para Wilson confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na pesquisa científica. Para ele a “Natureza é uma realidade objetiva”, portanto tem uma história, uma “História Natural” também objetiva. A História da Natureza, portanto, não é sucessão fortuita de fatos e acontecimentos sucedendo-se ao acaso ou uma visão momentânea desenhada a partir dos dados fornecidos pelas pesquisas científicas num determinado momento histórico. Visto sob este prisma o conhecimento obtido via sensorial e elaborado pela intuição não pode ser ignorado no momento em que se pretende propor, esboçar e formular uma síntese da Natureza. Não nos queremos alongar aqui numa análise mais detalhada da proposta de Edward Wilson, pois será objeto do capítulo seguinte dessas reflexões.

A Natureza como Síntese - 48

Até  o momento não se avançou grande coisa em busca do “como” do surgimento da vida, além das experiências de Stanley Miller, Urey e outros. Parece que as dúvidas em vez diminuírem continuam desafiando a ciência e incomodando os pesquisadores, mesmo os mais sérios como é o caso de Francis Collins. Na sua obra dedica algumas páginas com observações  de como é intrincada essa questão. Geneticista que é, e como tal ocupar-se exatamente com os fundamentos da vida, mostra como essa especialidade se mostra impotente, pelo menos por enquanto, para clarear um pouco mais esse misterioso “como”. Seu raciocínio é esse. Como uma molécula portadora de informações   se auto-reproduz e ao mesmo tempo monta-se espontaneamente a partir desses componentes? Afirma textualmente : “Parece totalmente improvável que uma molécula como o DNA, com sua estrutura de açúcar e fosfato e bases orgânicas dispostas de forma complexa, empilhadas umas sobre as outras e emparelhadas em cada degrau de um hélice dupla e retorcida, tenha apenas acontecido”. (A linguagem de Deus, p. 97). Explica depois o porque da  sua dúvida. O DNA aparentemente não possui nenhum potencial para copiar-se a si mesmo. Estudos recentes apontam o RNA em vez do DNA como possível primeira estrutura viva, já que o ácido ribonucleico tem potencial  para carregar informações. É capaz também de catalisar reações químicas coisa que o DNA não tem. Collins compara o DNA ao disco rígido do computador. Como tal é um meio estável de armazenamento de dados e informações admitindo alguns “bugs” e imprevistos. O RNA parece-se com um “pen drive”, circulando com as suas informações e com capacidade de fazer acontecer as coisas por conta própria. Até o momento porém, os esforços dos cientistas falharam no que diz respeito à formação dos blocos básicos do RNA valendo-se dos experimentos de Stanley Miller e Harold Urey. Nem tão pouco foi possível sintetizar um RNA com capacidade de reproduzir-se a si  mesmo. (cf. Collins, 2007, p. 97).

Frente a todas essas tentativas e insucessos  em lidar com o “como” do surgimento da vida, cientistas de peso como Francis Crick sugeriram a possibilidade de que as primeiras formas de vida não se originaram no planeta terra, mas em outro ou outros astros do universo que flutuavam no espaço exterior e foram capturadas pela terra. Há inclusive aqueles que sugerem que as primitivas formas de vida foram trazidas  por antigos visitantes procedentes de outros astros. Este esforço pode até explicar como surgiu a vida na terra, mas desloca a solução “do como”  crucial para fora e para longe do nosso planeta. Não se aproxima, portanto, um milímetro da solução final e definitiva do problema. 

Este beco aparentemente sem saída em que as pesquisas científicas estão metidas, animou teístas a invocar a interferência criativa de Deus para solucionar as potencialidades poderosas do DNA e RNA. Collins que faz questão de sua crença em Deus aconselha a não recorrer com tanta pressa a essa solução. Em termos a intervenção criadora de Deus na origem do DNA e RNA e consequentemente da origem da vida como tal, configura-se como um recurso para preencher uma lacuna que a ciência de momento é incapaz de preencher. O recurso ao “Deus  das lacunas” apresenta seus riscos. O que  estaria Ele contribuindo com sua intervenção se a ciência um dia for capaz de dar uma resposta conclusiva para  questão. É de Collins a reflexão: 

A fé que coloca Deus nas lacunas de uma compreensão dos dias de hoje sobre  mundo natural pode levar a uma crise se os avanços da ciência preencherem, posteriormente, tais lacunas. Ao se deparar com uma compreensão incompleta do mundo natural, os que creem em Deus deverão tomar cuidado quando quiserem evocar o divino em áreas ainda  desconhecidas, a fim de não criar um argumento teológico desnecessário, condenado a uma destruição posterior. Há bons motivos para acreditar em Deus, inclusive a existência de princípios matemáticos  e de ordem na criação. São razões positivas, com base no conhecimento em vez de em pressupostos padronizados com base em uma falta (temporária) de conhecimento.

Em resumo, embora a questão sobre a origem da vida seja fascinante e o fato de a ciência moderna não conseguir desenvolver um mecanismo que possa ser comprovado pela estatística seja intrigante, esse não é o lugar para uma pessoa inteligente apostar a sua fé. (Collins, 2007,  p. 99)

Mas não é aqui nem o lugar nem o momento de desenvolver uma discussão abrangente sobre criação ou não criação da natureza por Deus ou sua intervenção em determinados momentos da evolução dos seres vivos, incluindo o homem. É tema a ser desenvolvido num outro contexto. Aqui interessa aprofundar a questão da natureza, principalmente a viva, como o resultado de uma gigantesca síntese. Interessa verificar a consistência da tese de que o que existiu e ainda existe em termos de seres vivos, todos, desde os mais primitivos e rudimentares como são as arqueobactérias, até os aves, mamíferos e o homem. A descoberta das leis da hereditariedade pelo monge Gregor Mendel em ervilhas na horta do seu convento, terminou na constatação de que a natureza viva, apesar da sua enorme variedade e complexidade forma uma unidade. As observações e as respectivas conclusões  de Mendel foram publicados numa revista de circulação limitada e ignorados pelo grande mudo científica por 30 anos. Foi então por um desses acasos que foram redescobertos quase ao mesmo tempo por rês cientistas. O médico Archibald Garrod, estudando uma série de doenças raras, chegou à conclusão de que as leis de Mendel observadas em ervilhas, aplicavam-se também ao homem. Faltava  identificar os mecanismos químicos que comandavam o processo. Por algum tempo acreditou-se que as responsáveis fossem as proteínas que são comuns a todos os  seres vivos. Foi então, em 1944, que três pesquisadores, Oswald T. Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty, descobriram que era o DNA e  não as proteínas o responsável pelo comando genético. Nove anos depois, em 1953, James Watson e Francis Crick, valendo-se de informações fornecidas por Rosalin Franklin, concluíram que a molécula do DNA forma uma hélice dupla, em forma de escada dupla e sua capacidade de transportar informações é determinada pela série de componentes químicos que formam  os degraus da escada. (Cf. A Linguagem de Deus , p. 108-114). Collins numa conclusão preliminar sobre essas descobertas, escreveu:

Como uma aproximação inicial, podemos, portanto, pensar no DNA como um manual de instruções, um programa de “software”, colocado no núcleo da célula. Sua linguagem de código apresenta somente quatro letras (ou dois “bits”, em termos de informática) em seu alfabeto. Uma instrução particular, conhecida como gene, é construída por meio de centenas ou milhares de letras de código. Todas a funções elaboradas de uma célula, mesmo em um organismo tão complexo quanto o nosso, precisam ser dirigidas pela ordem de letras desse roteiro. Collins, 2007,  p. 109)

Depois de descrever como acontece a complexidade dos processos do comando genético, ou se quisermos, como funciona a linguagem do código genético, (Cf. A Linguagem de Deus, p. 111), Collins  tira a conclusão que oferece um poderoso argumento em favor da concepção de que a natureza é o resultado de uma gigantesca síntese. 

Investigações em diversos organismos, de bactérias e seres humanos, revelaram que esse “código genético” pelo qual as informações no DNA e no RNA são traduzidas em proteínas é universal em todos os organismos conhecidos. Não se permitiu nenhuma Torre de Babel na linguagem da vida. CAG significa ácido glutâmico no idioma da bactéria da soja, da semente de mostarda, do jacaré e de qualquer tia sua. (Collins, 2007,  p. 111)

Acontece que a composição, a estrutura e funcionamento da química do DNA e RNA, embora mostrem com mais evidência do que qualquer outra realidade encontrada na natureza, a unidade, a síntese em que se fundamenta, outros campos da  “História Natural”, dão-nos conta, cada qual à sua maneira, da mesma convicção científica.  Platão obviamente não dispunha  dos dados científicos mínimos para embasar a sua compreensão do universo e da natureza para servir de alicerce à unidade, ou à síntese na pluralidade. Revestida com as inevitáveis peculiaridades do tempo, da formação intelectual e  da orientação filosófica de cada pensador em particular, perpassa como um Leitmotiv uma das importantes vertentes o ideário de representantes que marcaram presença no pensamento através de mais de dois mil anos. E não são apenas filósofos e teólogos, como especialistas no mais diversos campos das ciências. Ao lado de Platão, São Paulo, Santo Agostinho e seus seguidores, cientistas de renome das mais diversas especialidades defendem a unidade na pluralidade, a síntese das partes num todo, conferindo sentido e rumo ao universo e à natureza, incluindo a humanidade. Ao longo dessas reflexões já foram objeto de análise alguns dos representantes mais significativos dessa linha de pensamento. Nicolau de Cusa, na transição para a Renascença; Erich Wassmann, em meio ao fervo do darwinismo e do materialismo científico de Ernest Haeckel; Teilhard de Chardin com sua grandiosa visão unitária do universo, da natureza e do homem; Ludwig von Bertallanfy, insistindo que a natureza é um grande sistema no qual as partes tem sentido somente quando contribuem para a manutenção do todo; Balduino Rambo com o conceito de “fisionomia” insistindo que as realidades naturais, botânicas, zoológicas, mineralógicas, geológicas, paleontológicas e em meio a tudo o homem, aliam-se para desenhar as fisionomias, os mapas locais, regionais e globais passíveis de observação na multiplicidade de suas formas, sugerindo uma compreensão global que novamente garante consistência e sentido ao todo. O que caracteriza a todos, além da autoridade em suas especialidades, é o fato de que para todos eles as respostas a questões de fundo  podem ser resumidas numa só: Afinal o que, qual a energia, a causa primeira, que acionou a manivela para que tudo entrasse em movimento e continue até hoje numa dinâmica que a evolução explica com dados objetivos fornecidos pelos diversos campos do saber? ou ainda, recorrendo a outra metáfora; Qual a natureza do gancho em que a corrente está suspensa?

O Dr, Collins  refere as possibilidades capazes de decifrar esse enigma que intriga os pesquisadores que não se contentam em apenas identificar mais e mais dados nos seus objetos de investigação, mas se preocupam também com o sentido que subjaz ao que observam. Falamos aqui  de nada mais nada menos do que da “outra metade da verdade”. Quanto mais a ciência avança e penetra nos meandros das estruturas e funções da natureza, a resposta para a pergunta crucial sobre “o como” primordial, afasta-se como a linha do horizonte,  na medida em que a ciência tenta aproximar-se dela. O autor, como uma das maiores autoridades tanto em genética pura, quanto na sua aplicação na medicina, analisa três caminhos para lidar com o problema. Ele próprio os experimentou, estando assim em condições privilegiadas para tomar uma posição que faz sentido. Como já foi assinalado mais acima, Collins foi na sua juventude sucessivamente um agnóstico e depois ateu até os 27 anos. O lidar diario com pacientes dos mais diversos níveis de instrução, filiados a diferentes credos religiosos e pertencentes todas as classes sociais, flagrou-se num mundo em que os grandes desafios existenciais dos pacientes, punham em questão o limite dos conhecimentos e dos métodos e práticas usuais na medicina. As reflexões estimuladas pelas experiências  vividas diariamente nas enfermarias do hospital, convenceram-no  de que a ciência tem limites e que na vida do homem, especialmente em situações limite como estágios terminais causados por males incuráveis, o socorro a recursos alheios às práticas de medicina e não disponíveis nos estoques das farmácias, decidem as reações e atitudes das pessoas. Emblemática é a conclusão do médico Collins depois de destacar que no caso do homem, há apenas 100.000 anos a mutação ocorrida no gene FOX-P2 do cromossoma 7, poderia ter influído na evolução da linguagem dos seres humanos, concluiu.

Nesse ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos evoluíram rigorosamente  por meio de mutações e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A isso retruco: eu preciso. A comparação entre sequências  do chimpanzés e do ser humano, embora interessante, não nos explica o que é preciso para ser humano. A meu ver, apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com dados sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal de Deus. Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação não  O exclui como fonte daquilo que torna a humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra alguma coisa sobre como ele trabalha. (Collins, 2007,  p. 146)

A Natureza como Síntese - 47

Questões acerca das origens da vida.  
Depois de ocupar-se com as questões que envolvem a origem da matéria prima,  o “estofo” do universo como diria  Teilhard de Chardin, o Dr. Collins parte para outra empreitada não menos desafiadora: Seguir a trilha percorrida pela natureza com suas leis e processos físicos e químicos, até  o aparecimento da Vida na terra. O desafio pode ser resumido em duas perguntas. A primeira: e em que condições foram sendo postos, durante muitas centenas de milhões de anos de evolução, por “agregação”, por “multiplicação geométrica” e, principalmente por “complexificação”, novamente conceitos criados por Teilhard, os pressupostos para que a vida pudesse se manifestar. A segunda: o aparecimento da  vida, em todas as suas dimensões, marcou, em última análise, apenas mais uma conquista dos processos evolutivos que levaram até aquele ponto; ou a vida se constitui para a ciência um desafio de difícil superação, sem recorrer a hipóteses que seu arsenal teórico, metodológico e o avanço da tecnologia de investigação não alcançam?

O Dr. Collins oferece as respostas a questões já de consenso para a ciência e hipóteses sendo verificadas, para explicar as inúmeras perguntas que ainda pedem uma resposta objetiva. É indiscutível que as especialidades comprometidas diretamente com  a solução  dos múltiplos desafios que que a origem e evolução do universo oferece, são a química, a física, matemática,  a astronomia e seus campos complementares. Em sua obra “A linguagem de Deus”, Collins mostra resumidamente até que ponto os cientistas conseguiram avançar desde que o Big Bang deu, por assim dizer, o “ponta pé inicial” que pôs a rolar os processos que terminaram por moldar o sistema solar e o nosso planeta terra. 

Como médico geneticista, obviamente foi buscar essas respostas no campo da sua especialidade, isto é, na genética. Não basta constatar e analisar a complexidade da vida, para daí tirar conclusões do tipo: a complexidade da vida é de tal ordem que a sua origem e evolução só pode ser obra de uma teleologia que, em última análise, comanda todos os eventos que podem ser observados na natureza. A observação dos processos evolutivos observados na história da vida,  as leis da química,  da física, da mecânica cósmica, da genética e outras mais, não é o suficiente para compreender  a complexidade. Os dados obtidos pela investigação das incontáveis aproximações possíveis, na tentativa de entender o que vem a ser a natureza radical do fenômeno da vida, não passam de respostas à questão de “como funciona a vida”. Acontece que com isso consegue-se iluminar apenas uma das dimensões do fenômeno. Fica em aberto a outra, que vem a ser de crucial importância para o homem que procura algo mais do que resultados mensuráveis e quantificáveis  pelos métodos da ciências empíricas. E esta outra dimensão pergunta pelo “porque existe  a vida?”, ou “porque afinal estamos aqui?”. E se bem observados todos os esforços e investimentos em pesquisa, todos os esforços dos cientistas e as gigantescas somas, investidas, procuram, em última  análise, tem como motivação o encontra da verdade última que a complexidade do macro, micro e nano cosmos tem a oferecer. E a verdade só então se revelará na sua plenitude quando tanto “o como” quanto “o porque” estiverem convincentemente esclarecidos. isto é, no momento em que a Ciências Naturais tiverem esclarecido tudo, até os últimos detalhes, de “como” funciona o universo em toda a sua complexidade e as Ciências do Espírito oferecerem uma reposta consistente para “o porque” da sua existência. O Dr. Collins colocou o dilema da seguinte forma.

A fim de examinar a complexidade da vida e nossas origens neste planeta, devemos escavar mais fundo, na direção das fascinantes revelações  sobre  natureza dos seres vivos, elaboradas pela atual revolução nos ramos da Paleontologia, da Biologia Molecular e dos estudos do genoma. Uma pessoa que crê em Deus não pode temer que essa investigação destrone o divino; se Deus é de fato todo-Poderoso, não será ameaçado por nossos esforços miúdos em compreender os trabalhos do mundo natural que Ele criou.  E, como pesquisadores, também podemos descobrir, por meio da ciência, muitas respostas interessantes para a pergunta: “Como a vida funciona?” O que não podemos descobrir, apenas por meio da ciência, são respostas às perguntas: “Porque  existe a vida , afinal?” e “Porque estou aqui?” (Collins, 2007, p. 94)

Para se ter uma noção mais exata de quando e do como a vida surgiu na terra e como a complexidade de formas e estruturas do universo vivo foi se formando e evoluindo, não basta observá-la no estágio em que se encontra atualmente. É preciso localizar no tempo a gênese e a forma com surgiu a vida e acompanhar numa linha de tempo a história da complexificação, na medida em que a Ciência localiza os testemunhos materiais da ascensão biológica. O ponto de partida consiste em medir objetivamente as características e a duração das eras e períodos em que se costuma dividir a história da terra. Sabe-se hoje que o nosso universo conta com aproximadamente 14 bilhões de anos. Esse dado é confiável porque foram identificados “relógios geológicos” que registraram com a precisão desejada os acontecimentos que marcaram a história da terra, sua duração e sua sucessão no tempo dos fatos  que os compõem. A identificação desses cronômetros de precisão e de longuíssimo alcance veio com a descoberta da radioatividade espontânea em certos isótopos químicos. A base científica do funcionamento desses  relógios é o método pelo qual se determina a “meia vida” no ritmo de degradação dos isótopos radioativos, isto é, o tempo necessário para que a metade dele se degrade e passe para um elemento estável. A ciência dispõe hoje de vários desses cronômetros com “meias vidas” de longa duração. Em outras palavras deixaram registrados no tempo os fatos essenciais que permitem termos uma noção sequenciada dos acontecimentos mais importantes da história do nosso planeta. Entre os mais conhecidos sobressai o urânio radioativo degradando-se lentamente para transformar-se em chumbo estável, o potássio transforma-se em argônio e o estrôncio terminar em  rubídio. O método consiste em medir a quantidade relativa de cada par desses elementos: urânio – chumbo; potássio-argônio; estrôncio-rubídio. O resultados dos cálculos são de uma coincidência notável. Todos apontam 4,55 bilhões de anos para a terra, com uma margem de erro de apenas 1% para mais ou para menos. As rochas mais antigas encontradas hoje na superfície da terra contam com cerca de 4 bilhões de anos. Outro dado relevante que esses cronômetros geológicos registraram refere-se aos 500 primeiros milhões de anos de uma superfície terrestre  inóspita, bombardeada por saraivadas de meteoritos e asteroides. Um deles arrancou a lua da terra. Tendo sido assim não admira que naquele período é inútil procurar qualquer vestígio de vida. Os vestígios mais antigos de vida microbiana entram em cena 150 milhões de anos mais tarde. Collins “presume que esses organismos unicelulares tinham a capacidade de armazenar informações, talvez pelo uso do DNA, e podiam se auto-reproduzir, além  de apresentar  a capacidade de evoluir em inúmeros tipos diferentes”.(cf. A Linguagem de Deus, p. 95)

Collins refere a hipótese de Carl Woese  que apresenta uma explicação plausível de como os organismos intercambiavam o  DNA naquela fase inicial da moldagem da biosfera. A biosfera era formada essencialmente por um grande número de células minúsculas e independentes. Animava-as um intercâmbio e uma interação generalizada. Neste caso se um dos microrganismos unicelulares desenvolvia uma proteína que lhe conferia vantagens, essa podia ser intercambiada e assim difundia-se rapidamente, sendo incorporada no patrimônio genético das populações de micro-organismos  em volta. Configura-se assim uma dinâmica de evolução de caráter mais coletivo. A “transferência horizontal de genes” é um fenômeno documentado nas populações de bactérias arcaicas, “as arqueobactérias” ainda hoje existentes. O mecanismo imaginado por Woese entre as bactérias da terra primigênia, podem dar  muito bem uma explicação de como novas características se propagaram e foram incorporadas no patrimônio hereditário coletivo. (cf. A linguagem de Deus, p. 96)

Acontece que, mesmo que a hipótese de Woese se confirme como válida para o universo microbacteriano de hoje, não responde à questão do como surgiram os microrganismos que se reproduzem e intercambiam as modificações que se operam no seu DNA?. Collins responde com o comentário:

No entanto, para começar, como surgiram esses organismos que se auto-reproduzem?. É justo afirmar que simplesmente não sabemos. Nenhuma hipótese atual se aproxima de uma boa explicação de como num espaço de menos de 150 milhões de anos, o ambiente pré-biótico que existiu sobre o planeta terra gerou vida. Isso não quer dizer que não foram apresentadas hipóteses interessantes, mas a probabilidade estatística de responsabilizar esse ambiente pelo desenvolvimento de vida ainda parece remota. (Collins, 2007, p. 96)

As hipóteses e tentativas em laboratório com o objetivo de lançar alguma luz a mais sobre “o como” surgiram as primeiras formas de organismos, os protótipos dos quais descendem de alguma forma todos os seres vivos que já existiram e ainda existem no planeta terra, não foram ainda confirmadas. Como amostra Collins chama a atenção aos experimentos de laboratório de Stanley Miller e Harold Urey. Os dois cientistas recriaram uma mistura de água e compostos orgânicos como imaginavam que existiam na terra primitiva. Aplicaram descargas elétricas e como resultado obtiveram pequenas quantidades de componentes que entram na formação de organismos vivos, entre eles aminoácidos. Somando a descoberta da presença de quantidades mínimas de compostos semelhantes  observados em meteoritos vindos do espaço, levou não poucos a concluir que há possibilidade de que moléculas complexas como aquelas podem ser o resultado de processos naturais. Hipóteses e mais hipóteses, nada mais do que hipóteses. E a grande incógnita do “como” surgiram as formas primigênias de vida, “como” uma molécula que se auto-reproduz, carregando informações, montar-se  espontaneamente a partir desses componentes, continua desafiando os cientistas, seus métodos e as tecnologias de alta precisão à sua disposição.  

O microbiólogo Carl Woese nasceu em 15 de julho de 1928 em Siracuse-N, York e faleceu em 30 de dezembro de 2012 em Urbana-Illinois.

A Natureza como Síntese - 46

A teoria antrópica.  Para o “Princípio Antrópico”, isto é, “ o universo só existe porque nós existimos”, há três respostas possíveis, segundo o Dr. Collins. A primeira defende a ideia da possibilidade da existência simultânea de outros universos, quem sabe muitos outros, organizados e funcionando com valores e constantes físicas outras das do nosso e, quem sabe,  com leis físicas diferentes. Os outros universos situam-se além da nossa capacidade de percebê-los. Estamos condicionados a viver apenas em um universo no qual todas as propriedades físicas trabalham coordenadamente em função da possibilidade da vida e da consciência. Nosso universo não é um milagre, mas o resultado fortuito de tentativas e erros. É a hipótese do “multiverso”. Pela segunda hipótese, existe apenas um universo que, nada mais nada menos, oferece todos os requisitos para gerar uma vida inteligente, caso contrário não estaríamos debatendo a questão. A terceira hipótese parte do pressuposto de que existe apenas um universo, este em que nos encontramos. As constantes e as leis físicas calibradas e ajustadas de tal maneira que  a vida inteligente fosse possível, não vem a ser um fato acidental, mas sinaliza para uma ação criadora responsável pela existência do universo.

Para Collins qualquer uma das  três alternativas de hipótese leva ao terreno da Teologia. E para  reforçar essa conclusão, cita novamente o físico Stephen Hawking: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como ato de um Deus que quisesse criar seres como nós”. (Hawking, op. cit., p. 63). Freeman Dyson, outro físico de renome, citado por ele, diante da sequência de “acidentes numéricos” chegou à conclusão  de que “quanto mais examino o universo e os detalhes da sua arquitetura, mais evidências encontro de que o universo, em certo sentido, devia saber que estávamos chegando”. (in Barrow, Tipler, op. cit., p. 318).

Na linha da tese que vimos defendendo desde o primeiro parágrafo dessas reflexões, o “Princípio Antrópico”  vem a  reforçar a convicção de que o universo e a natureza são o resultado de uma síntese global, que expressa uma unidade radical, impulsionada por um objetivo, uma teleologia. No caso específico os elementos que compõem o universo e a natureza, assim como os processos químicos  e as leis físicas convergiram, melhor talvez, prepararam o cenário no qual o surgimento do homem fosse possível. Sem essa  “missão” o universo não faria sentido. Reparos que possam ser feitos ao “Princípio Antrópico” à parte, ele representa um reforço nada desprezível  à tese de que o universo e a natureza formam uma gigantesca síntese. Para Collins a demonstração de que o universo e a natureza como um todo formam uma sínteses global, não  constitui o foco de suas reflexões. Seu objetivo, o Leitmotiv do seu livro “A Linguagem de Deus”, resume-se em demonstrar que não há argumentos e razões de fundo que impeçam uma harmonização entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. E neste nível a interrogação pelas causas e suas identificações polarizam todo esforço. É ofício das Ciências identificar as “causas secundárias”, as leis da física e os processos químicos tem potencial para explicar o que está ocorrendo no macro, micro e nano- cosmos e levar o aprofundamento das pesquisas até o limite do alcance dos seus métodos e equipamentos de investigação. Mas a partir do momento que o cientista se depara com a pergunta crucial por uma “causa primária”, isto é, a causa responsável pelo começo de tudo, a matéria prima do universo, o estofo do  universo como diria Teilhard de Chardin e as leis que comandam os processos evolutivos, as coisas sem complicam. Frente a essa situação, Collins chama a atenção para a sinalização de Stephen Hawking apontando uma saída: “Podemos ainda imaginar que existe um conjunto de leis fundamentais determinando totalmente os eventos para algum ser sobrenatural, o qual possa observar o atual estado do universo sem perturbá-lo” (Hawking, op. cit., p. 63). E, o próprio Collins conclui:

Este breve exame sobre a natureza do universo leva a considerar a admissão da hipótese de Deus de uma maneira mais geral. Recordo-me do Salmo 19 em que Davi escreve: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.  É claro que a visão científica de um mundo  não é totalmente suficiente para responder a todas as questões interessantes acerca da origem do universo e não há nada essencialmente em conflito entre a ideia de um Deus criador e o que a ciência revelou. Na verdade, a hipótese de um Deus soluciona algumas questões de profundidade mais problemáticas sobre o que veio antes do Big Bang e porque o universo tão exatamente acertado para que estejamos aqui. Para um teísta, guiado pelo argumento da Lei Moral (como vimos no capítulo 1), buscar um Deus que não só enxerga o universo em movimento, mas também se interessa pelos seres humanos, uma síntese como essa pode ser prontamente alcançada. A argumentação seria algo assim: Se Deus existe, é sobrenatural. Se Ele é sobrenatural, não é limitado pelas leis naturais. Se não é limitado pelas leis naturais, não há motivo para que seja limitado pelo tempo. Se não é limitado pelo tempo ele está no passado, no presente e no futuro. (Collins, 2007, p. 87)

As consequências desse raciocínio, ainda segundo Collins, seriam as seguintes: Primeiro. Deus pode existir antes do Big Bang e continuar existindo mesmo que o universo viesse a desaparecer. Segundo, Ele estria em condições de saber o resultado exato da formação do universo mesmo antes de este ter começado. Terceiro. Ele saberia de antemão se um planeta próximo das margens externa  da espiral de uma galáxia poderia ter as características certas para permitir a vida. Quarto. Ele saberia por antecipação tal, que determinado planeta levaria ao desenvolvimento de criaturas conscientes, por meio do mecanismo da evolução e pela seleção natural. Quinto. Ele estaria também em condições de saber, antecipadamente, os pensamentos e  as ações dessas criaturas, mesmo se estas tivessem livre arbítrio. (cf. Collins, 2007, p. 88)

A Natureza como Síntese - 45

A sínteses entre as Ciências.  Os pontos de partida para entender a Natureza como uma grande síntese do Dr. Collins e do Pe. Balduino Rambo praticamente coincidem. As diferenças situam-se num plano secundário. Para o segundo a existência  de Deus foi um dado objetivo que o acompanhou desde o berço. Pelo menos ao que consta nunca o assaltou uma dúvida séria a esse respeito. Por isso a Natureza é o livro aberto da Revelação Divina. Quem está em condições de lê-lo e interpretá-lo não encontra dificuldade  em admitir a existência do Autor acima e além do que se observa, por ex., na botânica que foi seu campo de especialista. As paisagens, as “fisionomias” naturais como ele gostava de definir os múltiplos panoramas que podem ser encontrados, no seu conjunto e nos detalhes aparentemente  mais insignificantes, não passam em última análise, de um código, de uma “linguagem” que revela o Supremo Artista que os imaginou e os colocou à disposição do homem para que desenvolva os seus potenciais humanos, a sua “Menschlichkeit”, recordando mais um dos  seus conceitos prediletos. Para o Dr. Collins, especialista em Genética Médica, o genoma humano mapeado sob sua direção, forma em última análise um alfabeto de 3 bilhões de caracteres escrito num código enigmático. O decifrar desse código revela, para ele, nada mais nada menos do que “A Linguagem de Deus”. Diferente do Pe. Rambo, o Dr. Collins começou a convencer-se de que o agnosticismo que professara até os 21 anos e o ateísmo até os 27, não lhe ofereciam uma  reposta conclusiva para uma interrogação crucial: qual é a causa explicativa satisfatória para entender “o como” a natureza foi capaz de evoluir para uma complexidade tamanha que qualquer superlativo é incapaz de abarcar. Mais. Como se explica a teleologia que faz com que a evolução não se desgarre e não termine num caos total, mas demonstra uma ordem, uma harmonia resultante  de leis naturais que permitem acompanhar essa trajetória fantástica e entender com o aprofundamento das investigações, como funcionam as partes dentro e em função do todo. Mais ainda. O Dr. Collins como médico geneticista defrontou-se com outra desafio. Como é que os seus pacientes, submetidos a grandes e intermináveis sofrimentos, buscavam na Fé em Deus a força para seguir em frente, mesmo desenganados pela Medicina? Foi a partir daí que começou a refletir seriamente sobre a possibilidade de aceitar a ideia de Deus e terminou convencendo-se de que não havia nenhuma incompatibilidade em ser uma grande cientista e um dos maiores especialistas em genética e, ao mesmo tempo, crer sinceramente em Deus. Desde então tornou-se um fervoroso divulgador da compreensão do universo e da natureza como uma grandiosa e harmoniosa síntese, que não encontra explicação satisfatória sem abrir uma perspectiva para além dos potenciais da ciência como é normalmente entendida. E o Dr. Collins não vem a ser uma voz isolada que clama no deserto. Vale a pena reproduzir síntese da situação deixada por ele na “Linguagem de Deus”.

Essa síntese potencial das visões do mundo científica e espiritual, nos tempos modernos, é tida por muitos como impossível, quase como a tentativa de obrigar os dois polos de um ímã a permanecer juntos num mesmo ponto. Apesar dessa impressão, várias pessoas nos Estados Unidos permanecem interessadas e  assimilar a validade de ambas as visões do mundo em seu quotidiano. Pesquisas recentes confirmam que 93% dos norte-americanos são adeptos de alguma forma de crença em Deus; entretanto, a maioria deles também dirige carros, utiliza eletricidade e presta atenção na previsão do tempo, aparentemente reconhecendo que a ciência que dá respaldo a tais fenômenos é, em geral digna de crédito.

E o que dizer da crença espiritual entre os cientistas? Na verdade, ela é mais comum do que muitas pessoas imaginam. Em 1916, pesquisadores perguntaram a biólogos, físicos e matemáticos se acreditavam em  um Deus que se comunica ativamente com a humanidade e ao qual é possível fazer uma oração, na esperança de  receber uma resposta. Cerca de 40% responderam que sim. Em 1997, o mesmo estudo foi repetido literalmente e, para a surpresa dos pesquisadores, a porcentagem permanecia muito próxima da anterior. (Collins, 2007,  p. 12)

Em sua obra o  Dr. Collins começa as reflexões que o levaram no final a propor a alternativa do “BioLogos” como saída para harmonizar a Ciência e a Fé. “BioLogos” vem a ser o conceito chave para entender a harmonia, na situação atual do conhecimento, entre as Ciências Naturais, as Ciências Humana, as Letras e Artes e, principalmente, as Ciências do Espírito, isto é, a Filosofia e a Teologia. Para introduzir as suas reflexões recorda o que Kant escreveu há mais de 200 anos passados: “Duas coisas me enchem de admiração e estarrecimento  crescentes e constantes, quanto mais tempo e mais sinceramente fico refletindo acerca  delas: “os céus estrelados lá fora e a Lei Moral aqui dentro”; a declaração de Einstein: “Sem a religião a ciência é manca e sem a ciência a religião é cega; ou ainda a afirmação um tanto improvável na pena de um físico, como observou Collins: “em geral não dado  a contemplações metafísicas, Stephen Hawking no seu livro “Uma breve História do Tempo”:  “Então, poderíamos  todos nós, filósofos, cientistas e pessoas comuns, participar da discussão sobre a questão do porquê de nós e o universo existirem. Se encontrarmos uma resposta a isso, será o triunfo definitivo da razão humana – pois, então, conheceremos a mente de Deus”. Em outra passagem da mesma obra, Hawking afirma: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como o ato de um Deus criador que quisesse criar seres como nós”; ou  ainda a afirmação: de Theodosius Dobzhansky: “Ou a metade dos meus colega são muito idiotas, ou então a ciência do darwinismo é inteiramente compatível com as crenças religiosas convencionais – e igualmente com o ateísmo”. Há ainda  a resposta à pergunta formulada por Eugen Wiegner: “Qual seria a explicação para a inexplicável eficiência da matemática?  A resposta em forma de pergunta: “Não seria nada além de um feliz acidente ou refletiria alguma intuição profunda na natureza da realidade? Para quem deseja aceitar  a possibilidade do sobrenatural, seria isso também uma intuição da mente de Deus? Teriam Einstein, Heisenberg e outros  encontrado o divino?”. Em sua obra “God  and the Astronomers, o astrofísico Robert Jastrow  escreveu este parágrafo:

Neste momento parece que a ciência nunca será capaz de erguer a cortina acerca do mistério da criação. Para o cientista que viveu pela sua fé na força da razão, a história encerra como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância; vê-se prestes a conquistar o pico mais alto; à medida que se puxa para a rocha final, é saudado por um bando de teólogos que estiveram sentados ali durante séculos. (Jastrow, m 1992, p. 107, citado por Collins, 2007, p. 74)

Numa outra passagem do seu livro Jastrow escreveu: 

Agora vemos como a evidência astronômica conduziu a uma visão bíblica sobre a origem do mundo. Há diferença nos detalhes, porém os elementos  essenciais e as considerações astronômicas e bíblicas sobre a gênese são as mesmas; a cadeia de eventos conduzindo ao homem iniciou de modo repentino e preciso em um momento definido no tempo, em um brilho de luz e energia. (Jastrow, 1992, p. 14. Citado por Collins, 2007, p. 75)

Collins concordando com as afirmações de Jastrow, acrescenta  como conclusão:

Tenho de concordar. O “Big Bang” grita por uma explicação divina. Obriga à concluso de que a natureza teve um princípio definido. Não consigo ver como a natureza pôde ter-se criado. Apenas uma força sobrenatural, fora do tempo e do espaço, poderia tê-la originado. Mas e quanto ao resto da criação? O que faremos com o extenso processo pelo qual nosso planeta, a Terra, veio a existir, 10 bilhões de anos após o Big Bang?”  (Collins, 2007, p. 74-75)

O Dr. Collins  mostra depois o caminho percorrido pela ciência e os cientistas para concluir que o  Big Bang vem a ser  o começo do universo. E como foram os primeiros momentos da formação do universo assim como o conhecemos. Imediatamente após a “grande explosão” matéria e anti- matéria foram geradas em proporções quase iguais. Em frações de milionésimo de segundo o resfriamento foi suficiente para que os “quark” e “antiquark” fossem gerados. O encontro dos quarks e antiquarks resultou na sua destruição, com a liberação de um fóton de energia. Acontece que a simetria entre a matéria e ant-imatéria não era perfeita. Em cada bilhão de pares de quarks e antiquarks, havia um quark a mais. Essa aparentemente insignificante fração, lá no começo compõe a massa do universo conhecido. Se não tivesse havido essa assimetria o universo em pouco tempo ter-se-ia esvaído em radiação pura. e, como consequência as estrelas, planetas, plantas, animais e mesmo homens não teriam como existir. Depois do Big Bang a história da evolução do universo dependeu da quantidade  total da sua massa e energia e da força da gravidade. Stephen Hawkin observou admirado diante dessa mecânica constante:
Porque o universo iniciou com uma taxa crítica  tão próxima da expansão que separa os modelos que voltam a entrar em colapso daqueles que se mantem expandindo eternamente, que, ainda hoje, 10 mil milhões de anos mais tarde, continuam se expandindo próximo à taxa  crítica? Se a taxa de expansão um segundo após o Big Bang tivesse sido menor, mesmo em cada parte única de 100 mil milhões de milhões, o universo ter-se-ia destruído outra vez antes mesmo de atingir seu tamanho atual. (Hawking, citado por Collins, 2007, p. 138) 

O Dr. Collins continua nas suas reflexões mostrando que,  se a taxa de expansão tivesse sido maior para cada fração de um milhão, a formação de planetas e estrelas simplesmente não teria sido possível. Este estado de coisas faz com que “a existência de um universo como o conhecemos repousa no fio de navalha das improbabilidades” (A Linguagem de Deus, p. 80). Igualmente extraordinária é a circunstância em que se formaram os elementos pesados. No caso de a força nuclear que mantem unidos prótons e nêutrons tivesse sido minimamente mais fraca, somente o  hidrogênio se teria formado no universo. Se levemente mais forte, todo o hidrogênio ter-se-ia transformado em hélio, em vez dos 25% quando do Big Bang lá no começo. Como consequência as fornalhas de fusão das estrelas e a capacidade de gerar elementos mais pesados jamais teria ocorrido. Ainda segundo Collins, somando à situação que acabamos de caracterizar, a energia nuclear parece estar ajustada apenas o suficiente para a formação de carbono, elemento imprescindível às formas de vida. No caso de essa energia tivesse exercido uma atração muito menor, todo o carbono ter-se-ia convertido em oxigênio. As observações e as respectivas conclusões resumem-se na existência ao todo de ...

quinze constantes físicas cujos valores a atual teoria não consegue predizer. São dadas: simplesmente têm o valor que têm. A lista inclui a velocidade da luz, a potencia das forças nucleares forte e fraca, diversos parâmetros associados ao eletromagnetismo e a força da gravidade. A probabilidade de todas essas constantes terem os valores necessários para resultar num universo estável, capaz de sustentar  formas de vida complexas, quase tende ao ínfimo. E, no entanto,  elas apresentam exatamente os parâmetros que observamos. em resumo, nosso universo é extremamente improvável.

Neste ponto talvez você diga, com razão, que esse argumento é um tanto cíclico: o universo precisa de parâmetros associados a esse tipo de estabilidade, ou não estaríamos aqui para comentar a questão. Em geral, essa conclusão é chamada de “Princípio Antrópico”: a ideia de que o nosso universo está exclusivamente  ajustado para gerar humanos. Esse princípio tem sido uma fonte de muito assombro e especulação desde que foi avaliado em sua totalidade, poucas décadas atrás. (Collins, 2007,  p. 81)