Até o momento não se avançou grande coisa em busca do “como” do surgimento da vida, além das experiências de Stanley Miller, Urey e outros. Parece que as dúvidas em vez diminuírem continuam desafiando a ciência e incomodando os pesquisadores, mesmo os mais sérios como é o caso de Francis Collins. Na sua obra dedica algumas páginas com observações de como é intrincada essa questão. Geneticista que é, e como tal ocupar-se exatamente com os fundamentos da vida, mostra como essa especialidade se mostra impotente, pelo menos por enquanto, para clarear um pouco mais esse misterioso “como”. Seu raciocínio é esse. Como uma molécula portadora de informações se auto-reproduz e ao mesmo tempo monta-se espontaneamente a partir desses componentes? Afirma textualmente : “Parece totalmente improvável que uma molécula como o DNA, com sua estrutura de açúcar e fosfato e bases orgânicas dispostas de forma complexa, empilhadas umas sobre as outras e emparelhadas em cada degrau de um hélice dupla e retorcida, tenha apenas acontecido”. (A linguagem de Deus, p. 97). Explica depois o porque da sua dúvida. O DNA aparentemente não possui nenhum potencial para copiar-se a si mesmo. Estudos recentes apontam o RNA em vez do DNA como possível primeira estrutura viva, já que o ácido ribonucleico tem potencial para carregar informações. É capaz também de catalisar reações químicas coisa que o DNA não tem. Collins compara o DNA ao disco rígido do computador. Como tal é um meio estável de armazenamento de dados e informações admitindo alguns “bugs” e imprevistos. O RNA parece-se com um “pen drive”, circulando com as suas informações e com capacidade de fazer acontecer as coisas por conta própria. Até o momento porém, os esforços dos cientistas falharam no que diz respeito à formação dos blocos básicos do RNA valendo-se dos experimentos de Stanley Miller e Harold Urey. Nem tão pouco foi possível sintetizar um RNA com capacidade de reproduzir-se a si mesmo. (cf. Collins, 2007, p. 97).
Frente a todas essas tentativas e insucessos em lidar com o “como” do surgimento da vida, cientistas de peso como Francis Crick sugeriram a possibilidade de que as primeiras formas de vida não se originaram no planeta terra, mas em outro ou outros astros do universo que flutuavam no espaço exterior e foram capturadas pela terra. Há inclusive aqueles que sugerem que as primitivas formas de vida foram trazidas por antigos visitantes procedentes de outros astros. Este esforço pode até explicar como surgiu a vida na terra, mas desloca a solução “do como” crucial para fora e para longe do nosso planeta. Não se aproxima, portanto, um milímetro da solução final e definitiva do problema.
Este beco aparentemente sem saída em que as pesquisas científicas estão metidas, animou teístas a invocar a interferência criativa de Deus para solucionar as potencialidades poderosas do DNA e RNA. Collins que faz questão de sua crença em Deus aconselha a não recorrer com tanta pressa a essa solução. Em termos a intervenção criadora de Deus na origem do DNA e RNA e consequentemente da origem da vida como tal, configura-se como um recurso para preencher uma lacuna que a ciência de momento é incapaz de preencher. O recurso ao “Deus das lacunas” apresenta seus riscos. O que estaria Ele contribuindo com sua intervenção se a ciência um dia for capaz de dar uma resposta conclusiva para questão. É de Collins a reflexão:
A fé que coloca Deus nas lacunas de uma compreensão dos dias de hoje sobre mundo natural pode levar a uma crise se os avanços da ciência preencherem, posteriormente, tais lacunas. Ao se deparar com uma compreensão incompleta do mundo natural, os que creem em Deus deverão tomar cuidado quando quiserem evocar o divino em áreas ainda desconhecidas, a fim de não criar um argumento teológico desnecessário, condenado a uma destruição posterior. Há bons motivos para acreditar em Deus, inclusive a existência de princípios matemáticos e de ordem na criação. São razões positivas, com base no conhecimento em vez de em pressupostos padronizados com base em uma falta (temporária) de conhecimento.
Em resumo, embora a questão sobre a origem da vida seja fascinante e o fato de a ciência moderna não conseguir desenvolver um mecanismo que possa ser comprovado pela estatística seja intrigante, esse não é o lugar para uma pessoa inteligente apostar a sua fé. (Collins, 2007, p. 99)
Mas não é aqui nem o lugar nem o momento de desenvolver uma discussão abrangente sobre criação ou não criação da natureza por Deus ou sua intervenção em determinados momentos da evolução dos seres vivos, incluindo o homem. É tema a ser desenvolvido num outro contexto. Aqui interessa aprofundar a questão da natureza, principalmente a viva, como o resultado de uma gigantesca síntese. Interessa verificar a consistência da tese de que o que existiu e ainda existe em termos de seres vivos, todos, desde os mais primitivos e rudimentares como são as arqueobactérias, até os aves, mamíferos e o homem. A descoberta das leis da hereditariedade pelo monge Gregor Mendel em ervilhas na horta do seu convento, terminou na constatação de que a natureza viva, apesar da sua enorme variedade e complexidade forma uma unidade. As observações e as respectivas conclusões de Mendel foram publicados numa revista de circulação limitada e ignorados pelo grande mudo científica por 30 anos. Foi então por um desses acasos que foram redescobertos quase ao mesmo tempo por rês cientistas. O médico Archibald Garrod, estudando uma série de doenças raras, chegou à conclusão de que as leis de Mendel observadas em ervilhas, aplicavam-se também ao homem. Faltava identificar os mecanismos químicos que comandavam o processo. Por algum tempo acreditou-se que as responsáveis fossem as proteínas que são comuns a todos os seres vivos. Foi então, em 1944, que três pesquisadores, Oswald T. Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty, descobriram que era o DNA e não as proteínas o responsável pelo comando genético. Nove anos depois, em 1953, James Watson e Francis Crick, valendo-se de informações fornecidas por Rosalin Franklin, concluíram que a molécula do DNA forma uma hélice dupla, em forma de escada dupla e sua capacidade de transportar informações é determinada pela série de componentes químicos que formam os degraus da escada. (Cf. A Linguagem de Deus , p. 108-114). Collins numa conclusão preliminar sobre essas descobertas, escreveu:
Como uma aproximação inicial, podemos, portanto, pensar no DNA como um manual de instruções, um programa de “software”, colocado no núcleo da célula. Sua linguagem de código apresenta somente quatro letras (ou dois “bits”, em termos de informática) em seu alfabeto. Uma instrução particular, conhecida como gene, é construída por meio de centenas ou milhares de letras de código. Todas a funções elaboradas de uma célula, mesmo em um organismo tão complexo quanto o nosso, precisam ser dirigidas pela ordem de letras desse roteiro. Collins, 2007, p. 109)
Depois de descrever como acontece a complexidade dos processos do comando genético, ou se quisermos, como funciona a linguagem do código genético, (Cf. A Linguagem de Deus, p. 111), Collins tira a conclusão que oferece um poderoso argumento em favor da concepção de que a natureza é o resultado de uma gigantesca síntese.
Investigações em diversos organismos, de bactérias e seres humanos, revelaram que esse “código genético” pelo qual as informações no DNA e no RNA são traduzidas em proteínas é universal em todos os organismos conhecidos. Não se permitiu nenhuma Torre de Babel na linguagem da vida. CAG significa ácido glutâmico no idioma da bactéria da soja, da semente de mostarda, do jacaré e de qualquer tia sua. (Collins, 2007, p. 111)
Acontece que a composição, a estrutura e funcionamento da química do DNA e RNA, embora mostrem com mais evidência do que qualquer outra realidade encontrada na natureza, a unidade, a síntese em que se fundamenta, outros campos da “História Natural”, dão-nos conta, cada qual à sua maneira, da mesma convicção científica. Platão obviamente não dispunha dos dados científicos mínimos para embasar a sua compreensão do universo e da natureza para servir de alicerce à unidade, ou à síntese na pluralidade. Revestida com as inevitáveis peculiaridades do tempo, da formação intelectual e da orientação filosófica de cada pensador em particular, perpassa como um Leitmotiv uma das importantes vertentes o ideário de representantes que marcaram presença no pensamento através de mais de dois mil anos. E não são apenas filósofos e teólogos, como especialistas no mais diversos campos das ciências. Ao lado de Platão, São Paulo, Santo Agostinho e seus seguidores, cientistas de renome das mais diversas especialidades defendem a unidade na pluralidade, a síntese das partes num todo, conferindo sentido e rumo ao universo e à natureza, incluindo a humanidade. Ao longo dessas reflexões já foram objeto de análise alguns dos representantes mais significativos dessa linha de pensamento. Nicolau de Cusa, na transição para a Renascença; Erich Wassmann, em meio ao fervo do darwinismo e do materialismo científico de Ernest Haeckel; Teilhard de Chardin com sua grandiosa visão unitária do universo, da natureza e do homem; Ludwig von Bertallanfy, insistindo que a natureza é um grande sistema no qual as partes tem sentido somente quando contribuem para a manutenção do todo; Balduino Rambo com o conceito de “fisionomia” insistindo que as realidades naturais, botânicas, zoológicas, mineralógicas, geológicas, paleontológicas e em meio a tudo o homem, aliam-se para desenhar as fisionomias, os mapas locais, regionais e globais passíveis de observação na multiplicidade de suas formas, sugerindo uma compreensão global que novamente garante consistência e sentido ao todo. O que caracteriza a todos, além da autoridade em suas especialidades, é o fato de que para todos eles as respostas a questões de fundo podem ser resumidas numa só: Afinal o que, qual a energia, a causa primeira, que acionou a manivela para que tudo entrasse em movimento e continue até hoje numa dinâmica que a evolução explica com dados objetivos fornecidos pelos diversos campos do saber? ou ainda, recorrendo a outra metáfora; Qual a natureza do gancho em que a corrente está suspensa?
O Dr, Collins refere as possibilidades capazes de decifrar esse enigma que intriga os pesquisadores que não se contentam em apenas identificar mais e mais dados nos seus objetos de investigação, mas se preocupam também com o sentido que subjaz ao que observam. Falamos aqui de nada mais nada menos do que da “outra metade da verdade”. Quanto mais a ciência avança e penetra nos meandros das estruturas e funções da natureza, a resposta para a pergunta crucial sobre “o como” primordial, afasta-se como a linha do horizonte, na medida em que a ciência tenta aproximar-se dela. O autor, como uma das maiores autoridades tanto em genética pura, quanto na sua aplicação na medicina, analisa três caminhos para lidar com o problema. Ele próprio os experimentou, estando assim em condições privilegiadas para tomar uma posição que faz sentido. Como já foi assinalado mais acima, Collins foi na sua juventude sucessivamente um agnóstico e depois ateu até os 27 anos. O lidar diario com pacientes dos mais diversos níveis de instrução, filiados a diferentes credos religiosos e pertencentes todas as classes sociais, flagrou-se num mundo em que os grandes desafios existenciais dos pacientes, punham em questão o limite dos conhecimentos e dos métodos e práticas usuais na medicina. As reflexões estimuladas pelas experiências vividas diariamente nas enfermarias do hospital, convenceram-no de que a ciência tem limites e que na vida do homem, especialmente em situações limite como estágios terminais causados por males incuráveis, o socorro a recursos alheios às práticas de medicina e não disponíveis nos estoques das farmácias, decidem as reações e atitudes das pessoas. Emblemática é a conclusão do médico Collins depois de destacar que no caso do homem, há apenas 100.000 anos a mutação ocorrida no gene FOX-P2 do cromossoma 7, poderia ter influído na evolução da linguagem dos seres humanos, concluiu.
Nesse ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos evoluíram rigorosamente por meio de mutações e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A isso retruco: eu preciso. A comparação entre sequências do chimpanzés e do ser humano, embora interessante, não nos explica o que é preciso para ser humano. A meu ver, apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com dados sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal de Deus. Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação não O exclui como fonte daquilo que torna a humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra alguma coisa sobre como ele trabalha. (Collins, 2007, p. 146)