A necessidade de uma síntese. Depois dessa digressão voltemos à proposta de Francis Collins. Pelo que se pode concluir pelas linhas e de modo especial pelas entrelinhas da “Linguagem de Deus”, ele abandonou o agnosticismo juvenil e aos 27 anos percebeu que o ateísmo que então professava, não oferecia respostas satisfatórias para situações vividas no diário dos internados nas enfermarias do hospital em que cumpria a residência médica e mais tarde ao dar assistência médica a populações pobres na Nigéria.
Sendo verdadeiros os pressupostos que acabamos de enumerar a compreensão da natureza como síntese só é possível se na sua concepção forem tomados em consideração o lugar e a importância que as três grandes fontes parciais do conhecimento forem devidamente contempladas. Recorrendo a uma metáfora essa síntese é comparável ao arco de pedra que sustenta um portal. Este é formado por três elementos essenciais: os dois lados e a pedra de fecho. Um dos lados representa a parte de construção do arco cuja matéria prima é obtido por meio do método analítico-indutivo privativo das Ciências Naturais A matéria prima da segunda coluna do arco busca a sua matéria prima nas conclusões fornecidas pelo método sintético-dedutivo das Ciências do Espírito. A pedra de fecho sem a qual nunca formarão um arco, com o formato característico de cunha e com a função de conferir “a natureza de arco ao arco”, deve ser procurada na percepção sensorial, na intuição e nos sentidos que sugere para a compreensão da natureza como síntese. Não se trata de um método científico no sentido que Francis Bacon tinha em mente quando definiu os dois outros. A percepção sensorial dos fatos oferecidos pela natureza, atribuindo-lhes sentidos e significados pela intuição é “a melodia concomitante, a nota predominante”, que perpassa o conhecimento da natureza. Em outras palavras. A percepção sensorial, fundamento da intuição foi senão a única, de longe a mais importante responsável pela compreensão da natureza e do homem até o advento da consolidação das bases das Ciências Naturais. E é importante que não se esqueça, que mesmo hoje, o desenho da cosmovisão do homem comum trai muito mais traços buscados na intuição, na sua compreensão e nas atitudes diante os fenômenos naturais, do que parece e ou muitos admitem.
Retornemos à concepção da Natureza como Síntese de Francis Collins. Depois de resumir a essência da concepção ateia e agnóstica, passa a fazer considerações sobre as várias formas de Criacionismo, umas mais e outras menos plausíveis. Demora-se depois na teoria do “Design Inteligente” que, nos últimos 20 anos, gozou de uma popularidade fora do comum na solução, melhor talvez, harmonização, entre os dados científicos em favor da evolução e a questão da oportunidade ou necessidade de recorrer à intervenção de uma causa externa para resolver o impasse do “como” da origem do universo, da natureza e do homem, ou do como de alguns passos nevrálgicos da evolução que a ciência não resolveu satisfatoriamente até o momento, como: a origem da energia da qual se acredita ter sido moldado o universo; a origem da vida; e a origem do homem não na sua origem biológica, mas no que tange à sua inteligência reflexa, a lei moral que lhe é inerente, a busca existencial e universal da realização pessoal e, sobretudo, a busca de respostas para perguntas como: afinal, como estou aqui, o que faço aqui e para onde vou ou, qual o sentido e o destino da minha existência?
A teoria do Design Inteligente, daqui em diante usaremos apenas as iniciais DI, foi formulada, não por um cientista que acredita na existência de Deus, nem por um filósofo ou teólogo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley. Na primeira década deste século a teoria do DI assumiu proporções tais que envolveram até o presidente dos Estados Unidos ao recomendar que a teoria do DI fosse incluída nos debates sobre a evolução. Aqui não é o lugar de entrarmos em detalhes sobre a polêmica que se desencadeou com a popularização da teoria do DI. Interessa o que pretende oferecer em termos de solução a questões para as quais a ciência ainda não encontrou reposta.
Para começar existe uma certa dificuldade em definir exatamente o sentido que se atribui ao conceito do DI. À primeira vista parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo” (A linguagem de Deus, p. 188). Terminou predominando a compreensão de que se refere a uma série de conclusões sobre conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são mutações espontâneas, ocasionais e vantajosas perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só podem ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida, principalmente depois que o julgamento “Kitzmiller v. Dover Area Shool Didtrict”, no seu veredito concluiu pela inconsistência do conceito da “complexidade irredutível”. O DI, fundamenta-se. segundo Collins, em três propostas. Primeira: a evolução induz uma visão de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem-se opor a ela; segunda: a evolução tem fundamentos falhos, pois não pode justificar a complexidade da natureza; terceira: se a evolução não pode explicar a complexidade irredutível, deve, então, ter existido um planejador inteligente, que de algum modo, entrou em cena para fornecer os componentes necessários durante o curso da evolução. (mais detalhes em Collins, 2007, p. 190-193).
Sempre segundo o autor da “Linguagem de Deus”, há uma série de objeções que dificultam, para não dizer impedem a aceitação da teoria do DI, tanto pelo lado da ciência, quanto pelo lado da teologia. Da perspectiva científica destaca-se o fato de que muitos cientistas que creem em Deus logicamente deveriam aceitar a teoria do DI. Acontece que não é o caso. Para eles o DI resume-se no máximo numa preocupação secundária que merece pouca credibilidade científica. A razão também não está no fato de muitos cientistas não admitirem qualquer questionamento às afirmações sobre a evolução nos seus mínimos detalhes. A razão principal da inconsistência do DI, reside no fato de não poder ser credenciada como uma teoria científica propriamente dita, porque: uma teoria científica é estruturada de tal maneira que confere sentido a um conjunto de observações experimentais; uma teoria científica prevê a possibilidade de outas descobertas e deixa o caminho aberto para verificações complementares e nisso o DI é falho.
Mas o que de fato compromete o futuro do DI, segundo Collins, é constatação de que muitos complexos que pareciam irredutíveis na verdade não são. Nos 29 anos desde a popularização da teoria do DI, as pesquisas científicas avançaram muito. Avançaram especialmente no detalhamento do genoma de um série de espécies. A armadilha em que caíram os defensores do DI foi de confundirem “o desconhecido” com ”o desconhecível”. Aqui não é o lugar para detalhar os exemplos de várias pesquisas que vão na contramão do que o DI sustenta. O interessado os encontra nas pgs. 194 e 199 do “A linguagem de Deus”.
Se de um lado o Di não consegue oferecer uma sustentação científica consistente assim também não convence como solução teológica, Parece-se muito mais a um “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, chamado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não dão conta do recado. Traduzido para a linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos antigos corresponde ao “deus das lacunas. No momento em que a ciência se defronta com impasse sério na identificação de algum passo ou fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre-se a uma explicação buscada fora do âmbito das ciências, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador, para preencher “a lacuna”. Sendo assim o DI é chamado para preencher “as lacunas” que qualquer ideário em qualquer um dos campos da pesquisa científica vai encontrando pelo caminho. Em essência não difere da atitude do pastor de ovelhas e cabras do neolítico observando a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história ao observar a trajetória diária do sol ou os ciclos mensais da lua. Viam nesses fenômenos seres ou forças sobrenaturais em tudo. Há um outro aspeto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onisciência e a onipresença, especialmente as duas primeiras, atribuições ao Deus da teologia. Levado às últimas consequências, “o DI retrata o Todo-poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio projeto original, do qual se originou a complexidade da vida”. (A Linguagem de Deus, p. 200) Diante desse quadro a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espirito. Duas questões merecem ainda serem destacadas. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI normalmente fiéis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escritura ao pé da letra e não abrem mão da criação por Deus, e ao mesmo tempo, respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Nessa polêmica a avassaladora influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar decisivo. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel, pregam que o evolucionismo é necessariamente ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições em caminhar na própria direção, ignorando a outra, as leva, tanto uma quanto a outra, a um beco sem saída. Ricahrd Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo citado por Collins, bem mostra em que terminam posições excludentes. “o universo que observamos tem, exatamente, as propriedades que esperaríamos que existissem, na verdade, sem design, sem finalidade, sem mal e sem bem, nada além de uma indiferença cega e impiedosa?” Collins responde a Dawkinsi: “que jamais seja assim! Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade”. (Collins, 2007, p. 201-202)