Questões acerca das origens da vida.
Depois de ocupar-se com as questões que envolvem a origem da matéria prima, o “estofo” do universo como diria Teilhard de Chardin, o Dr. Collins parte para outra empreitada não menos desafiadora: Seguir a trilha percorrida pela natureza com suas leis e processos físicos e químicos, até o aparecimento da Vida na terra. O desafio pode ser resumido em duas perguntas. A primeira: e em que condições foram sendo postos, durante muitas centenas de milhões de anos de evolução, por “agregação”, por “multiplicação geométrica” e, principalmente por “complexificação”, novamente conceitos criados por Teilhard, os pressupostos para que a vida pudesse se manifestar. A segunda: o aparecimento da vida, em todas as suas dimensões, marcou, em última análise, apenas mais uma conquista dos processos evolutivos que levaram até aquele ponto; ou a vida se constitui para a ciência um desafio de difícil superação, sem recorrer a hipóteses que seu arsenal teórico, metodológico e o avanço da tecnologia de investigação não alcançam?
O Dr. Collins oferece as respostas a questões já de consenso para a ciência e hipóteses sendo verificadas, para explicar as inúmeras perguntas que ainda pedem uma resposta objetiva. É indiscutível que as especialidades comprometidas diretamente com a solução dos múltiplos desafios que que a origem e evolução do universo oferece, são a química, a física, matemática, a astronomia e seus campos complementares. Em sua obra “A linguagem de Deus”, Collins mostra resumidamente até que ponto os cientistas conseguiram avançar desde que o Big Bang deu, por assim dizer, o “ponta pé inicial” que pôs a rolar os processos que terminaram por moldar o sistema solar e o nosso planeta terra.
Como médico geneticista, obviamente foi buscar essas respostas no campo da sua especialidade, isto é, na genética. Não basta constatar e analisar a complexidade da vida, para daí tirar conclusões do tipo: a complexidade da vida é de tal ordem que a sua origem e evolução só pode ser obra de uma teleologia que, em última análise, comanda todos os eventos que podem ser observados na natureza. A observação dos processos evolutivos observados na história da vida, as leis da química, da física, da mecânica cósmica, da genética e outras mais, não é o suficiente para compreender a complexidade. Os dados obtidos pela investigação das incontáveis aproximações possíveis, na tentativa de entender o que vem a ser a natureza radical do fenômeno da vida, não passam de respostas à questão de “como funciona a vida”. Acontece que com isso consegue-se iluminar apenas uma das dimensões do fenômeno. Fica em aberto a outra, que vem a ser de crucial importância para o homem que procura algo mais do que resultados mensuráveis e quantificáveis pelos métodos da ciências empíricas. E esta outra dimensão pergunta pelo “porque existe a vida?”, ou “porque afinal estamos aqui?”. E se bem observados todos os esforços e investimentos em pesquisa, todos os esforços dos cientistas e as gigantescas somas, investidas, procuram, em última análise, tem como motivação o encontra da verdade última que a complexidade do macro, micro e nano cosmos tem a oferecer. E a verdade só então se revelará na sua plenitude quando tanto “o como” quanto “o porque” estiverem convincentemente esclarecidos. isto é, no momento em que a Ciências Naturais tiverem esclarecido tudo, até os últimos detalhes, de “como” funciona o universo em toda a sua complexidade e as Ciências do Espírito oferecerem uma reposta consistente para “o porque” da sua existência. O Dr. Collins colocou o dilema da seguinte forma.
A fim de examinar a complexidade da vida e nossas origens neste planeta, devemos escavar mais fundo, na direção das fascinantes revelações sobre natureza dos seres vivos, elaboradas pela atual revolução nos ramos da Paleontologia, da Biologia Molecular e dos estudos do genoma. Uma pessoa que crê em Deus não pode temer que essa investigação destrone o divino; se Deus é de fato todo-Poderoso, não será ameaçado por nossos esforços miúdos em compreender os trabalhos do mundo natural que Ele criou. E, como pesquisadores, também podemos descobrir, por meio da ciência, muitas respostas interessantes para a pergunta: “Como a vida funciona?” O que não podemos descobrir, apenas por meio da ciência, são respostas às perguntas: “Porque existe a vida , afinal?” e “Porque estou aqui?” (Collins, 2007, p. 94)
Para se ter uma noção mais exata de quando e do como a vida surgiu na terra e como a complexidade de formas e estruturas do universo vivo foi se formando e evoluindo, não basta observá-la no estágio em que se encontra atualmente. É preciso localizar no tempo a gênese e a forma com surgiu a vida e acompanhar numa linha de tempo a história da complexificação, na medida em que a Ciência localiza os testemunhos materiais da ascensão biológica. O ponto de partida consiste em medir objetivamente as características e a duração das eras e períodos em que se costuma dividir a história da terra. Sabe-se hoje que o nosso universo conta com aproximadamente 14 bilhões de anos. Esse dado é confiável porque foram identificados “relógios geológicos” que registraram com a precisão desejada os acontecimentos que marcaram a história da terra, sua duração e sua sucessão no tempo dos fatos que os compõem. A identificação desses cronômetros de precisão e de longuíssimo alcance veio com a descoberta da radioatividade espontânea em certos isótopos químicos. A base científica do funcionamento desses relógios é o método pelo qual se determina a “meia vida” no ritmo de degradação dos isótopos radioativos, isto é, o tempo necessário para que a metade dele se degrade e passe para um elemento estável. A ciência dispõe hoje de vários desses cronômetros com “meias vidas” de longa duração. Em outras palavras deixaram registrados no tempo os fatos essenciais que permitem termos uma noção sequenciada dos acontecimentos mais importantes da história do nosso planeta. Entre os mais conhecidos sobressai o urânio radioativo degradando-se lentamente para transformar-se em chumbo estável, o potássio transforma-se em argônio e o estrôncio terminar em rubídio. O método consiste em medir a quantidade relativa de cada par desses elementos: urânio – chumbo; potássio-argônio; estrôncio-rubídio. O resultados dos cálculos são de uma coincidência notável. Todos apontam 4,55 bilhões de anos para a terra, com uma margem de erro de apenas 1% para mais ou para menos. As rochas mais antigas encontradas hoje na superfície da terra contam com cerca de 4 bilhões de anos. Outro dado relevante que esses cronômetros geológicos registraram refere-se aos 500 primeiros milhões de anos de uma superfície terrestre inóspita, bombardeada por saraivadas de meteoritos e asteroides. Um deles arrancou a lua da terra. Tendo sido assim não admira que naquele período é inútil procurar qualquer vestígio de vida. Os vestígios mais antigos de vida microbiana entram em cena 150 milhões de anos mais tarde. Collins “presume que esses organismos unicelulares tinham a capacidade de armazenar informações, talvez pelo uso do DNA, e podiam se auto-reproduzir, além de apresentar a capacidade de evoluir em inúmeros tipos diferentes”.(cf. A Linguagem de Deus, p. 95)
Collins refere a hipótese de Carl Woese que apresenta uma explicação plausível de como os organismos intercambiavam o DNA naquela fase inicial da moldagem da biosfera. A biosfera era formada essencialmente por um grande número de células minúsculas e independentes. Animava-as um intercâmbio e uma interação generalizada. Neste caso se um dos microrganismos unicelulares desenvolvia uma proteína que lhe conferia vantagens, essa podia ser intercambiada e assim difundia-se rapidamente, sendo incorporada no patrimônio genético das populações de micro-organismos em volta. Configura-se assim uma dinâmica de evolução de caráter mais coletivo. A “transferência horizontal de genes” é um fenômeno documentado nas populações de bactérias arcaicas, “as arqueobactérias” ainda hoje existentes. O mecanismo imaginado por Woese entre as bactérias da terra primigênia, podem dar muito bem uma explicação de como novas características se propagaram e foram incorporadas no patrimônio hereditário coletivo. (cf. A linguagem de Deus, p. 96)
Acontece que, mesmo que a hipótese de Woese se confirme como válida para o universo microbacteriano de hoje, não responde à questão do como surgiram os microrganismos que se reproduzem e intercambiam as modificações que se operam no seu DNA?. Collins responde com o comentário:
No entanto, para começar, como surgiram esses organismos que se auto-reproduzem?. É justo afirmar que simplesmente não sabemos. Nenhuma hipótese atual se aproxima de uma boa explicação de como num espaço de menos de 150 milhões de anos, o ambiente pré-biótico que existiu sobre o planeta terra gerou vida. Isso não quer dizer que não foram apresentadas hipóteses interessantes, mas a probabilidade estatística de responsabilizar esse ambiente pelo desenvolvimento de vida ainda parece remota. (Collins, 2007, p. 96)
As hipóteses e tentativas em laboratório com o objetivo de lançar alguma luz a mais sobre “o como” surgiram as primeiras formas de organismos, os protótipos dos quais descendem de alguma forma todos os seres vivos que já existiram e ainda existem no planeta terra, não foram ainda confirmadas. Como amostra Collins chama a atenção aos experimentos de laboratório de Stanley Miller e Harold Urey. Os dois cientistas recriaram uma mistura de água e compostos orgânicos como imaginavam que existiam na terra primitiva. Aplicaram descargas elétricas e como resultado obtiveram pequenas quantidades de componentes que entram na formação de organismos vivos, entre eles aminoácidos. Somando a descoberta da presença de quantidades mínimas de compostos semelhantes observados em meteoritos vindos do espaço, levou não poucos a concluir que há possibilidade de que moléculas complexas como aquelas podem ser o resultado de processos naturais. Hipóteses e mais hipóteses, nada mais do que hipóteses. E a grande incógnita do “como” surgiram as formas primigênias de vida, “como” uma molécula que se auto-reproduz, carregando informações, montar-se espontaneamente a partir desses componentes, continua desafiando os cientistas, seus métodos e as tecnologias de alta precisão à sua disposição.
O microbiólogo Carl Woese nasceu em 15 de julho de 1928 em Siracuse-N, York e faleceu em 30 de dezembro de 2012 em Urbana-Illinois.