Da Enxada à Cátedra [ 94 ]

2006 – Milão – Trento – Stuttgard

Essa viagem veio a ser de turismo sem nenhum compromisso acadêmico acompanhado também pela Inez que cultivava um enorme prazer em viajar. Mais do que eu, mas sinto ainda hoje, depois de seis anos da sua partida, um enorme prazer por lhe ter proporcionado essa satisfação. O roteiro começou em Porto Alegre para em São Paulo voarmos até Milão. Do aeroporto um “ônibus nos deixou na estação do trem em Milão. Embarcamos no trem regional e, passando por Bérgamo, para na estação central de Verona baldearmos e seguirmos até Trento. Tínhamos reservado por uma semana uma vaga no hotel Dolomiti em Vattaro. Como não conhecíamos nada do Trentino, achando que Vattaro ficava nas redondezas de Trento, tivemos uma surpresa ao pedir que um taxista nos levasse para o hotel. Ele nos olhou quase como que espanto e disse: “Vattaro fica lá nas montanhas”. Não tínhamos outra alternativa senão pedir que nos levasse para lá, imaginando que a viagem importaria num pequena fortuna. Antes de perguntar pelo preço da corrida ele propôs levar-nos, se não me engano, por 35 euros. Fiquei agradavelmente surpreso pois, calculara que a corrida custaria em torno de 70 a 80 euros. Embarcamos e na entrada da noite depois de subir as montanhas, nos apresentamos ao escurecer no hotel Dolomitti. O quarto ficava no último andar com vistas para a encosta das montanhas. A primeira surpresa foi o hotel “Alpenrose” no outro lado da rua principal e, na encosta e mais adiante, a floresta de pinheiros escalando a muralha das dolomitas. O nome daquele hotel e as montanhas como fundo fizeram-me viajar, de um lado, pela história recente da região e do outro pela história contada em milhões de anos da gênese geológica daquele cenário.

As dolomitas, como já lembramos mais acima formam o segmento oriental do complexo da cordilheira dos Alpes no norte da Itália. Predominam nas províncias de Belluno, Bolzano, Trento, Udine e Pordemone. Seu ponto mais alto encontra-se em Belluno no Momolade com 3.343 metros de altitude. Há 250 milhões de anos essas montanhas estavam submersas no mar. Com a retirada deste terminaram por assumir a geomorfologia que hoje as caracteriza. Basicamente trata-se de rochas calcárias compostas numa dosagem equilibrada de carbonato de magnésio e carbonato de cálcio. Os solos que resultaram da decomposição dessas rochas pela ação do tempo são propícios para o cultivo de vinhedos, maçãs, pêssegos, peras, ameixas e outras. Vattaro localiza-se a cerca de 450 metros de altitude próximo a Calurânica no lago de Caldona e Vígolo.

A cidade como tal não oferece maiores atrações. Mas as trilhas em meio às florestas que sobem até o sopé das montanhas vem a ser o cenário ideal para quem aprecia caminhar sem compromisso nem de hora, nem de distância, como era o nosso caso. A Inez vinha a ser a companheira perfeita para degustar as surpresas que nos aguardavam em cada curva daquelas trilhas. Na meia encosta um rebanho de cabras pastava num pasto cercado por uma tela de arame. Ao nos perceberem vinham correndo pedido um carinho encostando o nariz ou a cabeça nas malhas da cerca. Um cercado do lado abrigava uma dezenas de búfalos americanos. Ignorando a nossa presença continuavam pastando e ruminando sem nos dar a mínima importância. A brisa vinda da penumbra das florestas oxigenava os pulmões fazendo com que não se sentisse cansaço e de troco revelavam que a natureza não vem a ser apenas um conjunto de milhares e milhões de árvores, arbustos, insetos, pássaros e inúmeras outras criaturas e a sinfonia dos sons, mas fala uma linguagem que revela muitos significados que não estão escritos em livros.

Para o segundo dia o dono do hotel levou-nos até Vigolo cerca de 4 quatro quilômetros de Vattaro. O motivo principal para conhecer essa cidadezinha, foi o fato de ser a cidade natal da santa madre Paulina que emigrou para São Paulo fixando-se com outras religiosas no bairro Ipiranga onde fundaram a obra “Sagrada Família”, destinada a abrigar antigos escravos depois da abolição. O nome de batismo da santa foi Amabile Lúcia Visintainer, nascida em 1865 em Vígolo e falecida em 1942 em São Paulo e canonizada em 2002 pelo papa João Paulo II. Vale acrescentar que ela nasceu na região hoje conhecida como Alto Adige antigo Tirol do Sul incorporado à Itália e 1920, depois da derrota e desmoronamento do Império Áustro Húngaro. Fizemos uma visita rápida à casa onde nasceu a santa para depois subir a encosta da montanha e almoçar num restaurante na beira de uma estrada de chão que ligava outras localidades mais para o norte. Pela meia tarde voltamos a pé até o hotel em Vattaro

No terceiro dia o dono do hotel nos levou até uma trilha de mato que ligava Vattaro a Caluranica al Lago, junto ao lago Caldona ou Caldonazzo. Não havia grande novidade a ser visto além do lago. Depois de um almoço na beira do lago, descansamos um bom tempo num banco de frente para o lago para depois voltarmos a pé a Vattaro, não pela trilha no mato mas por um estrada de chão que beirava pomares de maçãs maduras. Apesar de as pencas quase tocarem o barranco da estrada nenhum transeunte as colhia. Admirei o respeito daquela população pela propriedade alheia e, automaticamente me imaginei algo semelhante no Brasil. Pelo fim da tarde voltamos por um atalho até o hotel. Num arroio de bom porte que cruzava a trilha do atalho, podiam-se observar as trutas nadando na água cristalina.

Para o quarto dia programamos, por sugestão do dono do hotel uma viagem até Veneza. Ele nos levou até a estação do trem regional perto do lago. Não me lembro ao certo quanto tempo levamos. Entramos na estação da cidade pela meia manhã e começamos a circular a pé pela cidade conhecida por qualquer pessoa razoavelmente informada como a cidade dos canais. A história dessa cidade começou com o povoamento das 117 pequenas ilhas pela movimentação da migração dos povos germânicos vindos do norte e do centro da Europa. Quando os ostrogodos e lombardos expulsaram os primitivos habitantes do Vêneto estes refugiaram-se nas ilhas da região pantanosa da foz do Pó. Como pescadores e extratores de sal moravam em palafitas até que em 421 d.C. os romanos fundaram a cidade construindo-a sobre as ilhas e pântanos da foz do Pó. Em 476 d. C. Odoarco nascido na Panônia na Áustria mas servindo no exército romano destronou Rómulo Augusto, selando o fim do império romano do ocidente. Não é aqui o lugar para detalharmos em minúcias essa história pois, levaria muito longe e nos desviaria do nosso objetivo. A pergunta que merece ser lembrada refere-se às técnicas utilizadas para construir a cidade com sua imponente arquitetura naquelas ilhotas e na lama que as rodeava. Para tanto os construtores foram buscar nas florestas próximas troncos de árvore de 2 a 8 metros de comprimento. Numa extremidade as apontavam como um lápis e as mergulhavam em pé no lodo. Sobre esse fundamento foram construídas as edificações. Mergulhadas na água salgada e na lama composta de areia e argila as toras não se decompuseram. Pelo contrário endureceram e por assim dizer petrificaram tornando-as sempre mais sólidas com o correr dos séculos. O estilo das construções, palácios, residenciais, igrejas com destaque para o complexo que circunda a praça de São Marcos e seu ícone a basílica de São Marcos, vem a ser rico e muito variado, com predominância do gótico. Os canais em vez de ruas e avenidas com destaque para o “grande canal”, as gôndolas transportando as pessoas, manobradas por peritos, os “gondoleiros” que gozam de um status respeitado pela população residente e uma curiosidade a mais para os turistas. Nas poucas horas que percorremos a cidade deu apenas para formar uma ideia muito superficial de suas belezas com destaque para a praça de São Marcus. Pela meia tarde embarcamos no trem de volta para Vattaro. Chegamos ao anoitecer na estação perto do lago Caldona. Como não localizamos nenhum taxi que nos levasse ao hotel em Vattaro, apelamos por telefone para o dono do hotel que sem demora nos atendeu e nos veio buscar. No intervalo da espera a Inez ficou praticando seu italiano com o casal que nos emprestou o telefone numa residência próxima, enquanto eu passei o tempo descansando e refletindo sentado num banco da praça. Aquele mergulho na história de Veneza e de cobro na história de um milênio em que o norte da Itália consolidou sua fisionomia humana e geográfica de hoje, por si só, teria valido a viagem.
Dedicamos o último dia em Vattaro para descer de ônibus até Trento a fim de acertar a segunda etapa da viagem. Depois de comprar a passagem de trem por Munique a Stuttgard. Passamos o resto da manhã e metade da tarde visitando alguns pontos de importância histórica. Antes de entrar em detalhes resumo a tumultuada história dessa cidade como passagem do norte da Itália, via Passo do Brenner, para a Europa central do norte. Trentino-Alto Adige ou Trentino Südtirol vem a ser uma paisagem única formada por montanhas cobertas de neve, extensos vales, pastagens alpinas, florestas escuras, cachoeiras e lagos. Sua importância resume-se no fato de ser passagem pelos dolomitas ou Alpes orientais, do norte da Itália para a Europa. A história da região começa a esboçar-se a.C. com a civilização Rética sob o domínio dos Celtas. A ocupação romana começa pelo ano de 81 a.C. para intensificar-se ao ponto de Trento ser elevado à categoria de Município autônomo por volta de 50 a.C. Esse dado tem um significado importante porque o Império Romano na sua estrutura político administrativa contava na sua base os municípios, por essa razão é conhecido pelos historiadores como Império Municipal, no qual as diversidades étnicas, raciais e culturais costumavam ser preservadas. Mas essa é uma questão que extrapola aqui o nosso objetivo. Por volta de 15 a.C. Druso e Tibério completaram a ocupação romana transformando a região num importante centro da expansão da “romanidade” antiga. Com o colapso do Império Romano do ocidente, começou pela Idade Média adentro uma disputa movimentada pela posse do território protagonizada principalmente pelos Ostrogodos, Lombardos e Francos. A partir do século X a região passa para o domínio do Sacro Império Romano Germânico. Data desse período o nome “Trient” para designar o Trento de hoje. A partir de 1802 a região foi alvo da ocupação napoleônica do norte da Itália. Os tiroleses sob a liderança de Andreas Hofer ofereceram uma feroz resistência até serem levados de roldão pelos invasores em 1809. Pagaram um alto preço pela resistência e o patriotismo. Andreas Hofer foi capturado e executado pelos invasores do grande Corso em Mântua em 1810. Posteriormente seus restos morais foram levados para Innsbruck e sepultados na Hofkirche. Andreas Hofer permanece até o hoje como o herói mais importante do Tirol na resistência contra a invasão das tropas de Napoleão e figura importante nos embates bélicos que marcaram a história da região no começo do século XIX. A derrota de Napoleão na Rússia levou ao restabelecimento do Império Austro-Húngaro. Depois da desintegração do Império Austro-Húngaro na primeira guerra mundial, Trento com o Tirol do Sul passou para a jurisdição italiana. O resultado foi uma “italienização” do território com uma resistência muito forte da parte dos tiroleses do sul. No período do fascismo na Itália Mussolini apertou o cerco aos renitentes com uma campanha forçando a integração linguística e cultural na comunidade italiana, uma campanha muito parecida com a Campanha de Nacionalização implantada na mesma época no Brasil.

Além da sua importância geoestratégica Trento serviu também de sede do Concílio de Trento reunido para definir os rumos da Igreja Católica frente ao impacto da Reforma Luterana e Calvinista, por isso é conhecido também como Contra Reforma. Convocado pelo papa Paulo III em 1545 e concluído em 1563 por seus sucessores. Sua realização se deu no convento da cidade e foi o 19 concílio da história da Igreja. Seus objetivos principais foram a reafirmação dos dogmas, a defesa dos sacramentos, o latim como língua litúrgica, a manutenção do celibato clerical, a disciplina religiosa a correção de desvios da Igreja como a compra de indulgências além da expansão do catolicismo no mundo ocidental e, principalmente, implantação de missões entre os povos que vinham sendo descobertos e localizados pelas rotas comerciais para o oriente remoto, as ilhas do Pacífico e as três Américas. Para o sucesso da obra missionária a Igreja dispunha, por assim dizer, da “tropa de assalto” da Companhia de Jesus fundada em 1540 por Santo Inácio de Loiola e aprovada pelo papa. Como se pode deduzir o Concílio de Trento deu a partida para uma nova era para o catolicismo. Nos 300 anos que seguiram, isto é, até meados do século XIX, não poucos desvios foram-se consolidando na doutrina e disciplina eclesiásticas motivadas pela revolução do pensamento no contexto do “Modernismo”. Esses desvios acumulados até meados do século XIX levaram Pio IX a dar partida a uma nova reforma da Igreja conhecida como Restauração Católica, objetivo central para convocar o Concílio Vaticano I em 8 de dezembro de 1869 e interrompido pela guerra franco-prussiana em 18 de dezembro de 1870. Os debates tiveram como foco os problemas e desvios acumulados na Igreja pelo Racionalismo, o Liberalismo, o Materialismo, a Infalibilidde do Papa, a disciplina eclesiástica e outros desvios acumulados nos 300 anos depois do Concílio de Trento. Para as resoluções e os respectivos documentos oficiais do Concílio Vaticano I serviram de base para a definição oficial do perfil desenhado pela doutrina e a disciplina do Concílio de Trento. Essa redefinição do papel da Igreja no contexto do mundo moderno ficou conhecido como “Restauração Católica”. Não é minha intenção entrar, aqui nesse contexto, numa análise mais detalhada dessa reforma. Para quem estiver interessado no tema e sua importância para toda a Igreja, também para o Brasil, recomendo meu livro “Jesuítas no sul do Brasil – o Projeto Pastoral, Edit. Unisinos, 2013.

Acertada a passagem de trem, via Munique a Stuttgard voltamos a Vattaro para reunir nossos pertences de na manhã seguinte descer até Trento em embarcar no trem e seguir viagem. Mais acima já lembrei que o trem para a Alemanha passou por um panorama histórico de importância complementar ao do Trentino. Cruzamos a cidade de Bolzano (Botzen) e Bressanone (Brixen), região conhecida também como a região dos “dois nomes” pois, as placas de sinalização ao longo da estrada costumavam ser em alemão e italiano. A explicação resume-se no fato de que estamos no Tirol do Sul pertencente à Áustria até sua incorporação à Itália em 1919, com a derrocada do Império Áustro-Húngaro. A maioria da população continua até hoje fiel às tradições e à língua de sua origem germânica. Prometo mais detalhes sobre essa região mais abaixo ao descrever a viagem que a Inez e eu fizemos a Bozano em 2007. Depois de passar por Bressanone subimos as dolomitas até o Passo do Brenner, divisa da Itália com a Áustria para de lá descermos pela encosta dos Alpes até Innsbruck ainda na Áustria e de lá até Munique. Na estação central de Munique baldeamos para o trem até Stuttgard passando por cidades histórica como Ulm com sua catedral gótica e Regensburg. Chegamos ao destino no fim da tarde. Depois de uma viagem de metrô de poucos minutos nos apresentamos no hotel onde nos esperava o Paulo e sua companheira Rina vindos da Inglaterra para passar dois dias conosco. Voltamos depois ao centro da cidade para jantar na avenida principal.

Stuttgart vem a ser a capital do estado Baden-Würtenmberg. O nome vem do alemão antigo “Stuordgarten” e significa “haras” pois a cidade se desenvolveu a partir das cavalariças do duque Lindolfo. Não é aqui o lugar de detalhar a gênese histórica do estado de Baden-Würtemberg e sua capital Suttgart. É importante lembrar que daquele estado no sudoeste de Alemanha emigrou significativo número de imigrantes para o Brasil. Tanto assim que deram os nomes a comunidades no Rio Grande do Sul como “Badensertal” hoje distrito do município de Tupandi com o nome de “Júlio de Castilhos”, ou a cidade “Neu Würtemberg na Serra rebatizada durante a Campanha de Nacionalização para Panambi.

Stuttgart é conhecida também pelos grandes parques e áreas verdes nas suas redondezas e na própria cidade. Um dos motivos porque a cidade é conhecida pelo mundo afora vem a ser o fato de ser o berço da indústria automobilista. No final do século XIX Gottlieb Daimler e Carl Benz desenvolveram paralelamente os primeiros motores a gasolina e diesel protótipos de todos os demais que seguiram depois. A fusão posterior das duas marcas deu origem aos carros talvez mais desejados pelo mundo afora identificados com a emblemática estrela de três pontas. A primeira versão dessa estrela dada pelos criadores da marca sinalizava para o desenvolvimento de motores para serem usados em terra, mar e ar. Às três pontas foi acrescentado em 1923 o círculo e três anos depois da fusão das empresas foi acrescentada a coroa de louro. A versão definitiva hoje conhecida por qualquer pessoa pelo mundo afora, data de 1 933 e a partir daí não sofreu nenhuma alteração. Na periferia de Stuttgart a Mercedes-Benz construiu um monumental museu. Resolvemos dedicar uma manhã para visita-lo junto com o Paulo. O edifício consta de 9 andares e resume-se na história da empresa desde a sua fundação até hoje com a exibição dos modelos dos mais antigos aos mais recentes. Foi uma manhã cheia de emoções e surpresas além de uma aula não só da empresa em como do seu significado em grandes linhas dos acontecimentos históricos da Alemanha nos últimos 100 anos. Naquela tarde acompanhamos o Paulo até o aeroporto onde embarcou no voo até Londres.

A Porsche vem a ser outra empresa de fama mundial dos seus carros com sede em Stuttgard. Embora não a tenhamos visitado merece alguns comentários e curiosidades que podem interessar aos amantes de carros de alta categoria.

Para o último dia em Suttgart programamos conhecer o centro da cidade com o objetivo principal fazer uma visita ao IFA - Institut für Auslandsbeziehungen que concentra em grande parte a produção bibliográfica e documental dos alemães no estrangeiro, desde emigrantes, passando por cientistas, viajantes, aventureiros e por aí vai. Pelo final da tarde embarcamos no trem para Frankfurt e voltar para casa. E assim terminou mais uma viagem para o velho mundo na melhor companhia que poderia escolher, minha Inez a inesquecível parceira da minha vida. “Requiescat in Pace.”- “Descansa na paz do Senhor”.

Da Enxada à Cátedra [ 93 ]

2005 Roma- Praga

Essa quinta viagem, também em companhia da Inez, teve dois objetivos principais. O primeiro foi conhecer Roma e o segundo participar de mais um simpósio no Instituto Ibero americano na universidade Carolina em Praga. A viagem de Porto Alegre – São Paulo – Frankfurt – Roma foi tranquila. Em Roma o Paulo vindo da Inglaterra nos esperava no hotel. Ele ficaria somente três dias conosco. Para começar alugamos um carro e viajamos até Assis cidade que a Inez sempre mostrou vontade de conhecer, para visitar a basílica e o túmulo de São Francisco de Assis. Foi um dia cheio de emoções pelo significado histórico que São Francisco significou e continua significando para a Igreja Católica. No dia seguinte visitamos com o Paulo alguns pontos turísticos de Roma e à tarde o acompanhamos até o aeroporto onde embarcou de volta para a Inglaterra. No terceiro dia foi a vez de visitar os monumentos remanescentes do tempo do império romano com seu ícone o Coliseu. Começamos a jornada com uma breve parada na “Fontana di Trevi seguindo depois até o centro histórico da antiga Roma. Caminhando por entre os testemunhos históricos do que foi o cenário e epicentro do maior império do ocidente a partir de cerca de 800 anos a.C. a 476 d.C., quando Rômulo Augusto, o último imperador do Império Romano do Ocidente foi destronado e substituído por Odoarco chefe da tribo germânica dos Hérulos. Este, por sua vez foi derrotado por Teodrico em 488 em Aquileia, em 489 em Verona e em 490 começou o cerco a Ravena.

Envolto nas brumas dos séculos desfilaram pela minha memória a lenda fundadora de Roma de Rômulo e Remo sendo amamentados por uma loba e as sete aldeias de pastores Sabinos subjugados pelos Etruscos, reunindo-as numa Cidade-Estado. Na sequência associaram-se os Itálicos nativos da península somados aos Helenos emigrados da Grécia. Estavam assim postos os fundamentos étnicos, culturais e políticos da República Romana. A amálgama dessas três vertentes se consolidaria na “Romanidade”, obedecendo ao ritmo e às leis que comandam a dinâmica histórica a médio e longo prazo. Naquele cenário no qual ecoavam na lembrança os discursos inflamados de Catão o Velho repetindo no plenário em silêncio a sua declaração mais famosa: “ceterum censeo, Cartago esse delenda” ou “repito mais uma vez, julgo que Cartago deve ser destruída”. Podem-se ouvir também os gritos de desespero dos moradores de Roma, gritando com a aproximação do exército de Aníbal: “Hannibal ante portas – Anibal diante das portas!”. Foi nesse cenário também em que Cícero pronunciou as imortais Catilinárias, discursos de acusação no processo contra Catilina. “Quo usque tandem Catilina abuteres patientia nostra. Até quando Catilina abusarás da nossa paciência?” Nos círculos literários liam-se e declamavam-se as obras dos clássicos como as Eclogas, Georgicas e Eneida de Virgílio; As Odes, Ars Política e Sátiras de Horácio; Heroides, Ars Amatoria, Amores de Ovídio; De Germania de Tácito; As Comédias de Plauto; De Bello Galico e De Bello Civile de Cesar; a Historia Naturalis de Plínio, o Velho; o relato ao imperador Trajano sobre os cristãos da Bitínia e o Ponto (atual Turquia) onde era governador.

Senti uma sensação estranha ao entrar no Coliseu cenário dos espetáculos de crueldade desumana dos gladiadores ou pessoas lutando com leões e a plateia aplaudindo embriagada pelas cenas de horror que aconteciam na arena. Não se podem esquecer os espetáculos apoteóticos da entrada triunfal dos combatentes voltando vitoriosos dos campos de batalha pelo Império afora, as pistrinas ou moinhos manobrados por escravos. Em resumo, foram esses os pensamentos e imaginações que me acompanharam todo aquele dia em que percorremos o cenário do centro de poder de um Império consolidado durante 12 séculos e que legou o código do Direito Romano, até hoje uma das bases do ordenamento jurídico da cultura ocidental.

O dia seguinte foi todo reservado para visitar o Vaticano. Desembarcamos no terminal do ônibus para entrar na “Via della Conciliatione” avenida que dá acesso à praça de São Pedro. A vista do conjunto com a colunata de Bernini abraçando a praça, no fundo a catedral de São Pedro e no centro da praça o emblemático obelisco, formam um cenário que definiria como belo grandioso, tanto pela amplitude do espaço quanto pelo estilo arquitetônico da colunata e no centro a majestosa catedral encimada pela imponente cúpula conhecida em todo mundo. Vamos por partes para não embaralhar a harmonia daquele cenário conhecido pelo mundo afora como o símbolo maior da história da Igreja Católica Romana. O obelisco no centro da praça merece algumas observações. O monobloco de granito vermelho de Assuã de 40 metros de altura foi buscado pelo imperador Calígula, pelo que se deduz originário de Heliópolis do templo de Pilone de Rá durante o reinado do faraó Amenemés II. A intensão de Calígula foi erguê-lo no centro do novo circo sendo por ele construído em 37 d.C. Naquele circo São Pedro seria martirizado e por isso o obelisco seria preservado no local original quando da demolição do circo de Calígula. Não há sinais de hieróglifos egípcios apenas uma dedicação dos imperadores Augusto e Tibério mandados gravar por Calígula. Em 1586 o papa Sixto V mandou remover o obelisco para o centro da praça de São Pedro. A bola de ouro contendo as cinzas de Júlio Cesar foi retirada do topo e transferida para o museu de Roma. Em 1660 Bernini construiu as colunatas em volta da praça de São Pedro.

O seguinte passo foi a visita ao interior da basílica de São Pedro. Não é possível descrever as emoções que tomam conta do visitante ao percorrer aquele enorme templo com o altar mor, sustentado pelas quatro coluna emblemáticas, erguido sobre o túmulo do apóstolo escolhido a dedo pelo próprio Cristo, encarregando-o para consolidar os fundamentos da sua Igreja que, apesar dos pesares mantêm-se em pé há mais de 2000 anos. Com toda a justiça é preciso reconhecer a validade expressa na canção do mundo católico: “Tu és Pedro e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Depois de uma caminhada pelo restante da basílica foi o momento de descer ao subsolo e caminhar entre as fileiras de dezenas de sarcófagos dos papas entre eles autênticos santos e outros nem tanto. Não nos cabe emitir juízos sobre os que lá jazem pois, é preferível adotar o ditado: “De mortuis nihil nisi bonum” – “Dos mortos só se lembrem coisas boa” e, se não há nada a louvar sugiro recorrer a outro ditado: “Louvar não posso, criticar não devo, por isso calo-me”. Em seguida foi a vez de dar uma passada na Capela Sixtina, palco dos encontros da cúpula da Igreja como sínodos e concílios para garantir a Fé, a disciplina e diretrizes pastorais para toda a Igreja. Nesse recinto acontece também a reunião dos cardeis por ocasião da escolha de um novo papa.

Depois da Capela Sixtina foi a vez de dar uma rápida passagem pelos museus do Vaticano. Depois de almoço na Via della Conciliatione a Inez e eu fomos acomodarmos na escadaria à esquerda da entrada da basílica para observar a movimentação na praça e mais uma vez admirar o obelisco no centro. A última programação daquele dia memorável foi uma visita à “Pietá” no seu recinto vigiado com o rigor que merece sua importância como obra de arte mas, principalmente, pelo significado histórico para a Igreja e, porque não, para a tradição judaico-cristã como um todo.

Os pedreiros que extraíram os blocos de mármore da montanha encomendados por Miguel Ângelo, provavelmente não tinham a menor ideia de que o artista esculpiria a famosa “Pietá”, o “Moisés” e o “Davi”. Vivi a experiência ímpar de ficar recolhido em silêncio em frente à “Pietá” protegida com vidro blindado no seu recanto no Vaticano. A música suave de fundo foi um estímulo a mais para despertar todo o sentido histórico e todo o simbolismo humano e religioso incarnado naquela obra de arte esculpida num bloco de rocha nobre oferecido pela mãe terra, melhor, buscado no quintal da “nossa casa”. Os traços do rosto marcados pela dor, mas não pelo desespero, da mãe da cristandade, com o filho morto nos braços, o corpo massacrado e o rosto maltratado e, contudo, sereno depois de cumprida a missão da Redenção. Recolhido no canto do recinto, com esse cenário na minha frente e a música inspiradora de fundo, deixei correr livre a imaginação. Miguel Angelo foi capaz de desvelar de um bloco de mármore bruto, o cenário que marca o epicentro dos séculos e mais séculos da gênese da civilização judaico-cristã. Não menos significativo e sugestivo vem a ser a escultura de Moisés também revelada num monobloco de mármore pelo mesmo artista. A figura de Moisés impressiona por retratar o personagem que, segurando as tábuas do decálogo, símbolo da revelação do norte ético e moral que deveria orientar a conduta de qualquer ser humano que mereça este nome. Diz a tradição que, concluída a obra e observando a sua perfeição, o artista teria dado de leve uma martelada no joelho do personagem de sua obra e feita a provocação: “Parla Moises – Fala Moisés”. Não menos emblemático como simbolismo histórico, vem a ser o “Davi” do mesmo artista esculpido também num bloco de mármore.

Depois da visita à Pietá descemos a Via della Consolatione até o castelo do Anjo na margem direita do Tibre. Não deu para entrar pois estava fechada para a visitação pública. O Castelo do Anjo começou a ser construído pelo imperador Adriano em 135 e concluído por Antonino Pio em 139. Sua finalidade inicial foi servir de mausoléu da família imperial mas passou a abrigar instalações militares. Durante a peste que dizimou a população de Roma, o papa Gregório teve a visão de um anjo acima do castelo colocando a espada na bainha, sinalizando o fim da epidemia. Durante a Idade Média serviu de fortaleza para os papas e nos movimentos de unificação como prisão. Descansando num banco à beira do Tibre repassei mais uma vez na memória a história do Império Romano e seu significado para a história posterior da civilização do ocidente, suas conquistas, sua expansão por todo Mediterrâneo e mais além, sua estrutura política e militar e, de modo especial a legislação que ainda hoje pode ser encontrada como base e referência do Direito, também do Brasil. O final da tarde foi dedicado a uma rápida passada pela praça do Quirinal e seu conjunto de palácios e residência do presidente italiano. Em tempos passados foi residência de verão dos papas e é uma das sete colinas sobre as quais se consolidou a cidade de Roma.

No dia seguinte viajamos de trem para uma vista à histórica à cidade de Tívoli nas proximidades de Roma. Pela sua importância histórica e arquitetônica foi declarada patrimônio mundial da humanidade. Passamos o dia percorrendo as ruas e ruelas da cidade com vistas para a planície em direção a Roma. Dois ícones arquitetônicos envolvendo testemunhos e personagens da história que começa com o imperador Adriano que mandou construir a Villa Adriana, um complexo residencial imperial no século II d. C. Durante a Idade Média a Villa Adriana foi saqueada sobrando praticamente somente ruínas. No século XVI o filho de Lucrécia Borgia, neto do papa Alexandre VI, construiu a Villa d`Este utilizando o material que sobrou da Villa Adriana. Quem se empenhou de modo decisivo nessa obra foi o cardeal Ippolito decepcionado por não ter sido eleito papa. Como prêmio de consolação foi nomeado governador de Tívoli. Acomodados num banco na sombra de grandes árvores, frente a frente à cascata que, por assim dizer, brota dos fundamentos da Villa, mais esse fragmento da história enriqueceu e fez valer a viagem a Roma.

Com a visita a Tívoli estava concluída a programação de visitas a Roma e na manhã seguinte voamos do aeroporto de Roma até Praga onde no dia seguinte me cabia falar sobre a imprensa em língua alemã no sul do Brasil em mais um encontro de historiadores no Instituto Ibero-americano da universidade Carolina. Detalhes Sobre a universidade, a cidade e seus monumentos e parque, já foram lembrados mais acima quando da primeira viagem a Praga. Encerrada a programação oficial do simpósio programamos para o dia seguinte uma viagem de trem até a cidade de Bad Schandau nas margens do Elba a meio caminho de Dresden na Alemanha. Não visitamos Dresden por que não havia como retornar no mesmo dia a Praga pois na manhã seguinte embarcaríamos no trem para Munique e, como dispúnhamos de apenas de um dia, conhecer pelo menos o centro da capital da Baviera. A primeira caminhada foi para a imponente catedral. O que mais chamou a minha atenção foi o memorial com a sepultura dos arcebispos da diocese. Paramos uns bons minutos na frente da lápide do cardeal Michael Faulhaber, arcebispo de Munique no período do regime nazista. Ficou famoso pela sua oposição corajosa ao nacional socialismo. Hitler e sua Gestapo não tiveram a ousadia de prendê-lo e confina-lo num campo de concentração por temerem uma reação em massa não só de Munique como da Baviera toda predominantemente católica. Só para lembrar, uma situação semelhante enfrentaram os nazistas na capital da Vestfália com o cardeal Clemens von Gallen, conhecido como o “Leão de Münster”. Depois da visita a catedral foi a vez de localizar numa rua próxima a igreja dos jesuítas com o “Bürgersal” para fazer uma oração junto ao túmulo do Pe. Rupert Meyer, conhecido como apóstolo de Munique. Na primeira guerra mundial ele servira como capelão na frente de combate na França onde perdeu uma das pernas. Pelo seu heroísmo e dedicação aos combatentes foi distinguido com a Cruz de Ferro, a mais alta condecoração concedida aos heróis nacionais. Durante o período do nacional socialismo considerado como inimigo do regime por presidir uma Congregação Mariana de 6000 homens e Munique e sem temor desfilava com eles, feitos uma tropa de assalto pelas ruas de Munique. Sabia perfeitamente que suas homilias e sermões era vigiadas pela polícia do regime mas, não se intimidou até ser preso e confinado no mosteiro de Ettal. Terminada a guerra voltou a dirigir a Congregação de homens até que em primeiro de novembro de 1945 foi acometido por um enfarte fulminante em plena homilia no púlpito da igreja dos jesuítas onde se encontra sepultado. A fama do heroísmo do Pe. Meyer fez dele um exemplo de vida e continua sendo, passados mais de 70 anos. Depois de uma passada rápida pela universidade Maximilian nos recolhemos ao hotel Itália para no dia seguinte viajar de trem até o aeroporto de Frankfurt. Depois de uma viagem tranquila até São Paulo, Porto Alegre, São Leopoldo foi concluída também essa viagem tão cheia de surpresas e vivências carregadas de simbolismos e rica em novos conhecimentos.

Da Enxada à Cátedra [ 92 ]

2004 Paris – Rimini – Urbino

Essa viagem teve como objetivo principal o encontro internacional sobre a Educação Física – Turnen. A escala de vários dias em Paris teve a finalidade dupla oferecer para a Inez a ocasião de conhecer aquela metrópole e encontrar o Paulo vindo da Inglaterra para passar alguns dias conosco. Para mim foi um rever o cenário em que 16 anos antes fiz um estágio de pós doutorado na Universidade V – René Descarts.
A viagem pela VARIG de Porto Alegre a Paris seguiu o roteiro convencional sem maiores novidades. Escala em São Paulo e, de lá para o aeroporto Charles de Gaulle perto de Paris, onde nos esperava o Paulo. Do aeroporto seguimos de trem até o centro de Paris e de lá de taxi até o hotel nas proximidades de Mont Martre. Como dispúnhamos de apenas dois dias visitamos os pontos turísticos obrigatórios: a catedral de Notre Dame, o Museu do Louvre, A torre Eifel, a Cidade Universitária onde morrei durante meu estágio de pós-doutorado em 1988, a catedral de Mont Martre e outros lugares de menor significância. Depois de três dias em Paris, o Paulo viajou de volta à Inglaterra e a Inez e eu embarcamos no trem TGV até Milão. Devido a alta velocidade daquele modelo de trem só foi possível ter uma ideia muito superficial da paisagem do interior da França e no lado esquerdo lá ao longe os cumes dos Alpes cobertos de neve. Em Milão baldeamos para um trem regional comum para no final da tarde desembarcamos em Rimini na costa do Adriático e nos alojarmos no hotel que havíamos reservado. Como era verão a cidade e, principalmente as praias estava superlotadas de turistas, a maioria procedentes da Europa Central e do Norte. No dia seguinte embarcamos no trem até Pésaro e de lá de ônibus até a cidade de Urbino onde um ônibus urbano nos levou até a universidade poucos quilômetros fora da cidade. Ficamos alojados na hospedaria da própria universidade onde ocorreria o simpósio internacional de Educação Física no qual cabia-me contribuir com uma palestra em alemão sobre essa prática no sul do Brasil. As palestras do simpósio foram publicadas em inglês no terceiro volume do “The European Sports History Rewiew”.

As sessões do simpósio aconteciam de manhã deixando as tardes livres para os participantes se programarem de acordo com as preferências de cada um. A Inez e eu percorremos as trilhas e caminhos dentro da grande propriedade de terras pertencentes à universidade. Numa dessas tarde visitamos a cidade de Urbino com sua catedral e edifícios históricos além de uma caminhada pelos parques e uma floricultura na periferia. Dedicamos uma tarde a um visita a Pésaro. A programação do simpósio foi encerrada com uma excursão até a costa do Adriático passando por sítios históricos importantes da região e uma janta de confraternização no restaurante Mississipi parcialmente construído sobre a arrebentação da praia. No dia seguinte retornamos a Rimini para na manhã seguinte embarcarmos no trem até Milão e voarmos de volta para São Paulo e Porto Alegre e de volta para casa em São Leopoldo.

Da Enxada à Cátedra [ 91 ]

Viagens à Europa.
Entre 2001 e 2011 a Inez e eu fizemos 6 viagens à Europa. Em três delas, três para Praga e uma a Urbino na Itália onde participei de encontros internacionais.

Praga e Inglaterra – 2002
Essa viagem aconteceu em agosto daquele ano por dois motivos. Em primeiro lugar iria participar de um simpósio sobre a imigração alemã na América Latina promovido pelo Instituto de Estudos Ibero Americanos da Universidade Carlonina em Praga e, em segundo lugar, visitar o nosso filho Paulo que residia e trabalhava como arquiteto em Sant Albans, perto de Londres. No voo de São Paulo a Frankfurt tivemos um contratempo que atrasou por três horas a chegada ao destino. Não nos foram informados os detalhes de uma escala não prevista em Lisboa. Esse atraso nos fez perder a conexão prevista de Frankfurt a Praga. Mas não houve nenhum problema pois, na chegada à aquele aeroporto reagendaram as nossas passagens para um outro voo a Praga pelo fim da tarde. Sem nenhum imprevisto desembarcamos no final da tarde no aeroporto que se localiza a uma boa distância da capital da República Tcheca. Um pequeno detalhe que chamou a nossa atenção naquele voo regional de pouco mais de uma hora, foram as aeromoças que serviram um lanche. Diferente do traje impecável e das maneiras quase refinadas da tripulação da VARIG, fomos recebidos a bordo por recepcionistas nada refinadas, robustas mas educadas e gentis. Como o voo foi de pouca duração serviram apenas um lanche. Chegando no destino faltou uma mala que não fora embarcada em Frankfurt. O funcionário da aeroporto garantiu que ela chegaria no voo seguinte e seria levada ao nosso hotel em Praga. De fato pelas 10 h. da noite a portaria do hotel avisou que a mala chegara. Um ônibus levou-nos do aeroporto até o centro da cidade pois, o metrô fora inundado dias antes por uma cheia fora do comum do rio Moldava que cruza a cidade. No aeroporto nos esperavam dois alunos do Instituo Ibero Americano que falavam português a fim de nos levar até o hotel na rua principal da cidade. Cada vez que me lembro de Praga destaca-se na minha memória o emblemático castelo lá no alto à direita visível de longe iluminado pelo sol poente. Na recepção do hotel esperava-nos o diretor do Instituto prof. Josefh Opartny. No dia seguinte fomos nos apresentar na sede do Instituto instalado num prédio no estilo típico da arquitetura histórica da cidade, também na rua principal, cerca de meio quilômetro do nosso hotel. Como a primeira sessão do Simpósio estava marcada para a manhã seguinte, aproveitamos para conhecer a cidade.

Foi uma experiência única conhecer in loco aquela cidade, uma das mais antigas da Europa Central e ainda hoje uma das mais importantes da região. A origem de praga remonta a 950 quando como um centro agrícola em pleno desenvolvimento foi integrada no Sacro Império Romano Germânico. Em 1061 passou a ser a residência dos duques da Boêmia e o rei Venceslau lhe conferiu o título de cidade. À primeira vista fui tomado pela surpresa ao apreciar a arquitetura das igrejas, dos prédios públicos, históricos e, de modo especial a torre da pólvora, tudo numa combinação do estilo barroco com o maneirismo. Em frente ao hotel as lojas de joias com destaque para as de âmbar evocavam uma história que regride a milhões de anos quando a resina de florestas de uma árvore entre 25 e 323 milhões de anos fossilizou com concentrações de grande volume de resina nas costas do Báltico na Estônia, Letônia e Lituânia. Trata-se, portanto, de uma joia de origem orgânica. Ainda antes da era cristã um movimentada rota de comércio ligou o mar Báltico ao mar do Norte, à Itália, Grécia, e outros países da bacia do Mediterrâneo. Uma segunda surpresa naquela primeira noite em Praga foi um violinista de rua executando uma peça clássica pelas 11 h. da noite. Quem percorre as ruas e praças de Praga dotado de um mínimo de curiosidade histórica, lembra da “Primavera de Praga”, um dos momentos emblemáticos e dramáticos da tirania da URSS sobre os países que lhe couberam como presa da Segunda Guerra Mundial. Com a morte de Stalin em 1953 vários países subjugados da Europa oriental começaram aflouxar a tirania soviética. A primeira tentativa ocorreu na Hungria em 1956. Os tanques soviéticos frustraram com a brutalidade que lhes era característica o levante no seu nascedouro. Em 1968 foi a vez de o presidente Dubcek tentar uma alívio do tacão russo na então Thecoeslováquia. A resposta veio a ser a mesma utilizada em Budapest em 1956. Os tanques desencorajaram a tentativa com o agravante de instalar uma enorme base militar nas imediações de Praga. O eco dos desmandos praticados pelas tropas alemãs ao ocupar o território da atual República Tcheca durante a segunda guerra mundial, podiam ser percebidos pela recusa das pessoas de se comunicar em alemão. Experimentei na prática esse clima ao tentar me informar sobre o ponto de ônibus até o aeroporto. A pessoa simplesmente me ignorou. O mesmo numa feira de rua quando faltou pouco para o vendedor me agredir. Apesar de todas essas turbulências não houve estragos significativos, como foi o caso, por ex., de Dresden e dezenas de cidades na Alemanha, sistematicamente arrasadas pelos bombardeios aéreos em meados de fevereiro de 1945.

Como a nossa ida a Praga foi motivada pela participação no encontro internacional de estudos da história da América Latina na universidade Carolina, não posso deixar de lembrar a história e importância dessa universidade par a Europa Central e do Norte. Sua fundação data de 1348 pelo imperador Carlos IV de quem herdou o nome “Carolina”. Conta com cerca de 50.000 alunos. Como alunos famosos figuram entre outros o reformador Jan Huss, o escritor Milan Kundera e o mais importante físico de século XX, Albert Einstein. Pela sua data de fundação a universidade vem a ser a mais antiga da Europa Central e do Norte. Fora dessa área geográfica perde em antiguidade, para Oxford fundada em 1090, Cambridge em 1209, Paris 1170 e Florença em 1321.

Na tarde fui me apresentar na sede do Instituto Históricos Ibero americanos para acertar a contribuição que me caberia dar na manhã seguinte sobre a Imigração alemã no sul do Brasil enfocando “Propaganda e Realidade da Imigração Centro Europeia para o sul do Brasil”. O espanhol e o português foram as línguas utilizada pelos participantes do encontro. O evento acadêmico transcorreu sem tropeços e ocupou a manhã e o a tarde daquele dia. Enquanto participava da programação a Inez subiu até o grande parque vizinho do castelo de Praga. Sem compromissos acadêmicos passei boa parte do dia seguinte com ela percorrendo aquele magnífico parque somado a uma visita ao complexo do “castelo”. Com 70.000 metros quadrados, em estilo gótico-barroco-renascentista foi residência dos reis da Boêmia com o palácio real, palácio da rainha Anna, a basílica de São Jorge. Mas, o monumento mais vistoso e impressionante vem a ser a catedral de São Vito com sua arquitetura e vitrais abrigando os túmulos de São Venceslau, São José Nepumoceno, do imperador Carlos IV e Rodolfo II. Levaria longe demais descrever a atmosfera histórica que envolve aquele gigantesco castelo. Em resumo. Praga é uma dessas cidades que lembra ao visitante minimamente atento a densidade e o significado da movimentação histórica da Europa Central do último milênio e meio. Felizmente essa cidade emblemática sob todos os aspetos escapou ao furor louco em demolir tudo que vinha pela frente usada como tática de dominação das tropas da URSS durante e depois da segunda guerra mundial.

Depois de encerrados os compromissos acadêmicos dispúnhamos de um dia inteiro e uma noite antes de seguirmos viagem para a Inglaterra. Como em praga já tínhamos visto e visitado o mais vistoso e mais importante, optamos por viajar de trem até Viena. Embarcamos na estação de Praga ao clarear do dia. A viagem transcorreu sem incidentes. A única parada mais longa se deu ao cruzar a fronteira com a Áustria. Na época a República Tcheca não integrava ainda a União Europeia e, por isso, a guarda de fronteira examinou os nossos documentos, basicamente o passaporte além do visto de entrada e saída do país. Da estação central do trem em Viena um taxi nos levou até a catedral de Sto. Estevão no centro da cidade. Com apenas seis horas disponíveis não foi possível conhecer todo o centro histórico, muito menos os palácios, jardins e parques, a ópera e demais referências que tornaram Viena e por extensão a Áustria um polo de referência da história da Europa. Depois do almoço sentado num banco da praça desfilaram pela minha memória passagens da história dos grandes momentos históricos daquele pedaço de chão único no mundo.

Para começar Viena foi a sede da Casa dos Habsburgos, a sede do Sacro Império Romano Germânico como também a sede do Império Austro-Húngaro. Entre 1814 e 1815 sediou o Congresso de Viena, que reorganizou política e geograficamente a Europa depois da derrota de Napoleão na batalha de Waterloo. Referência histórica de grandes compositores com Mozart, Bethoven, Strauss; cientistas como Sigmund Freud, Wittgenstein, Schrödinger. Zóllinger e muitos outros. Para brasileiros como nós dois, Viena oferece um encanto todo especial pois a Imperatriz Leopoldina do Brasil pertencia à família dos Habsburgos.

Depois da primeira guerra mundial a Áustria se tornou uma república anexada à Alemanha pelos nazistas no conhecido “Anschluss”. Depois da Segunda Guerra passou para a tutela da União Soviética e dos Estados Unidos. Em 1955 recuperou sua autonomia que mantém até hoje. Novamente não é aqui o lugar nem o momento de detalhar essa rica história que se esconde atrás do conceito “Viena” e, por extensão, “Áustria”.

Pela meia tarde embarcamos no trem de retorno a Praga onde chegamos já noite escura. Com isso encerramos a estada em Praga para, no dia seguinte voar a Londres e encontrar nosso filho Paulo arquiteto trabalhando na cidade de S. Albans. A viagem foi tranquila e pela meia manhã pousamos no aeroporto Heathrow em Londres. Lá nos esperava o Paulo em companhia de uma colega arquiteta que também trabalhava em S. Albans. Ela nos levou no seu carro até aquela cidade em torno de 30 quilômetros de Londres. Alojamo-nos num hotel para depois percorrermos a simpática e típica cidade de porte médio com suas características arquitetônica da Inglaterra. Historicamente falando a Inglaterra foi província romana entre 43 – 410 DC. A fundação de Londres se deu em 47 DC. Pois, St. Albans insere-se nessa história com uma das cidades em que os vestígios da presença romana como muros são ainda a bem visíveis no parque Verulamium uma das atrações da cidade. O monumento mais imponente de toda a cidade vem a ser a abadia junto à catedral e St. Albans em todo o esplendor depois de restaurada. A construção teve início em 1077 para ser inaugurada em 1877. Significativos são ainda o museu e o teatro romano Verulamium e a torre do relógio e a tradicional feira de rua.

No segundo dia o Paulo nos levou de trem para conhecer Londres. É óbvio que num dia só foi possível tomar contato superficial do centro da cidade. De qualquer maneira deu para ter uma boa noção daquela cidade emblemática para a história do Reino Unido e seu significado para a Europa e o mundo como um todo. Sua fundação consta de 47 DC, portanto, coincidindo praticamente com o começo do período romano. Num dia não foi possível mais do que tomar contato muito superficial do centro de Londres e perceber a rica e densa atmosfera histórica que pairava sobre os prédios, parques, pontes e o emblemático Tamisa. Naquele curto espaço de um dia deu para passar e apreciar de perto alguns pontos que fazem jus à fama histórica e universal que a fazem Londres conhecida em todo o mundo. Menciono alguns. Começo pela torre do relógio que recebe o viajante logo na saída da estação do metrô pela qual Londres costuma ser identificada em qualquer forma de apresentação da cidade ao grande público internacional. Não podia faltar uma passada na frente da catedral de Westminster, templo em que os reis e rainhas foram e ainda continuam sendo solenemente coroados. Cada uma dessas coroações lembra aos cidadãos do Reino Unido a importância e o significado simbólico que o rei ou a rainha, melhor a própria realeza, é a legitimadora e, como tal, garante a solidez e perenidade ao Estado, independentemente da alternância dos partidos na sua administração efetiva. Tanto assim que o primeiro ministro ou ministra, seja do partido conservador, seja do trabalhista são legitimados pelo soberano ou soberana para exercer seu papel de comandar as sessões e deliberações do parlamento.
Outro marco histórico de Londres, também admirado vem a ser a Torre de Londres. Na verdade a enorme e sólida construção que data de 1078 vem a ser uma fortaleza que serviu nos mais de mil anos de sua existência a uma série de funções. Foi palácio real e fortaleza, zoológico e prisão. Consta hoje entre os muitos monumentos declarados patrimônio da humanidade. A história desse monumento merece algumas referências históricas importantes. Como já lembrado acima, no começo serviu de palácio real e como fortaleza. Depois, durante 600 anos abrigou um zoológico e depois foi transformada em prisão. Por esta condição a Torre vem sendo conhecida como um lugar de episódios dramáticos que marcaram indelevelmente a sua história. Nela foram confinados personalidades de todos os níveis sociais, inclusive da alta realeza acusados real o imaginariamente de crimes de traição. Só para lembrar alguns personagens mais emblemáticos. Entre os executados por decapitação sobressaem os nomes de Anna Bolena, segunda esposa de Henrique VIII, entre 1501 e 1507 - 1536. Jane Grey rainha dos 9 dias da Inglaterra e Irlanda entre 10 e 19 de julho de 1553, executada em 12 de fevereiro de 1554. Thomas Morus 1478-1535, foi o terceiro personagem importante a ser executado na Torre de Londres. Venerado com mártir foi canonizado pela Igreja Católica.

Além de guardar 23.500 joias reais no valor de 20 bilhões de libras, leva a fama de casa assombrada. Afirma-se que nela circulam frequentemente fantasmas entre eles o de Henrique VI e Catherine, quinta esposa de Henrique VII. Durante a segunda guerra mundial a Torre foi seriamente danificada e a torre branca foi perdida.

Depois de circular pelos jardins no centro de Londres foi a vez de dar uma olhada de longe no palácio de Bughinam, sentados nos degraus do monumento na praça frente à imponente construção, residência oficial dos soberanos do UK e, por isso mesmo, o próprio símbolo da alma do Império Britânico. Depois de uma circulada pelo Hyde Parck encerramos a vista de um dia a Londres para no fim da tarde voltar de trem a St. Albans. No dia seguinte foi a vez de conhecer a feira de rua tradicional da cidade, a abadia com seu mosteiro e à noite um jantar com amigos do Paulo num Pub. Na tarde do dia seguinte foi a vez de embarcar no trem e rumar até o aeroporto de Heathrow e voltar para casa. A viagem de Londres a São Paulo foi tranquila num 777 da saudosa VARIG, om aparência de ter saído da fábrica há pouco tempo. Numa conexão também tranquila voamos até Porto Alegre onde alugamos um taxi até São Leopoldo.

Da Enxada à Cátedra [ 90 ]

De 2011 a julho de 2013 passei por assim dizer recluso num “gabinete”, fechado com paredes de vidro fosco de meia altura, no sexto andar da biblioteca. Sem função definida e a título de pesquisador dediquei-me em tempo integral a traduções de documentos e obras importantes sob diversos aspectos a maioria começados entre 2000 e 2010. Preparei a publicação do terceiro volume da trilogia sobre os grandes projetos implantados pelos jesuítas no sul do Brasil. O primeiro contemplando o projeto educacional com o título “Um Sonho e uma Realidade”, que saiu do prelo em 2009. O segundo, o projeto social intitulado “Somando Forças – Projeto Social dos jesuítas”, veio se publicado pela Ed. Unisinos em 2011. Faltava retocar o texto básico do “Projeto Pastoral” publicado também pela Ed. Unisinos em 2013. A pedido da Comissão Eclesiástica pela beatificação do Pe. Reus escrevi uma biografia do servo de Deus somando em torno de 250 páginas que até o momento permanece inédito. Foi também nesse período que dei os últimos retoques ao que considero a “joia da coroa” das minhas publicações com o título “A Natureza como Síntese”. A publicação pela Edit. Oikos aconteceu em 2017. Em 2015 ocorreu a publicação diário do Pe. Rambo relativo à sua viagem aos USA em 1956, a convite do governo daquele país. A tradução e parte das notas de rodapé são minhas e as demais do prof. Marchiori que cuidou também da publicação pela Edit. da UFSM. Também em parceria com o prof. Marchiori, cabendo-me a mim a tradução e a ele a providenciar a edição também pela Edit. da UFSM em 2014 do diário do Pe. Rambo em duas viagens ao sudoeste do Rio Grande do Sul na década de 1940. Como já dei a entender, aqueles dois anos e meio, 2011 a julho de 2013, foram dedicados a preparação de traduções e de originais para a publicação.

Em fins de junho de 2013 o Pe. Bohnen, então diretor da biblioteca pediu para encontra-lo no seu gabinete. Comunicou-me a ordem do reitor que eu fosse desligado da instituição. Percebi claramente que estava cumprindo uma ordem desagradável para ele pois, por mais de meio século fôramos parceiros na construção da universidade desde a década de 1960. Ficamos conversando por mais de meia hora sobre assuntos diversos. Ao sair do seu gabinete a atendente da recepção chamou-me e pediu que assinasse a portaria de desligamento, com a recomendação, num tom de quase ordem, que me apesentasse na divisão de pessoal para acertar as devidas exigências legais da demissão.
Levou algum tempo para me flagrar do que estava realmente acontecendo. O documento que terminara de assinar consagrou o desfecho definitivo de nada mais nada menos do que 59 anos dedicados à Unisinos, os 23 últimos em tempo integral. Levei o documento até a Divisão de Pessoal. Lá me esperava outra surpresa tudo menos agradável. O funcionário que me atendeu instruiu-me com uma ar de quem diz “já vai tarde”, que me apresentasse no dia 17 de julho na assessoria jurídica para o acerto final de contas que, por minha surpresa, mantinha seu escritório numa rua do bairro Cristo Rei. Na ocasião o que mais estranhei que nenhuma autoridade maior da universidade expressasse de alguma forma o reconhecimento pela missão cumprida desde o seu embrião em 1954. Mas, toda essa história já foi registrada nas páginas mais acima. A justiça, porém, manda lembrar que 6 anos depois, por ocasião da comemoração do cinquentenário da oficialização formal por um decreto do então Presidente da República, Costa e Silva, por minha surpresa, fui contemplado com a “Medalha de Santo Inácio”, entregue pelo Reitor, na solenidade comemorativa da efeméride.

Distinção Imigração Alemã - 2013
Mas voltando para 2013. Na mesma semana, princípios de julho, em que fui desligado da Unisinos, fui surpreendido por um telefonema do Sr. Jorge W. Klobig, presidente da FECAB, que eu fora indicado por aquela instituição, para ser contemplado com a “Distinção da Imigração – 2013”, a ser concedida oficialmente no dia 18 de julho. Infelizmente neste meio tempo o Sr. Klobig veio a falecer acometido de uma parada cardíaca ao desembarcar do avião em Berlim. Não me lembro do dia exato entre 10 e 16 de julho, ocorreu o translado do corpo para Porto Alegre para o sepultamento. Obviamente esse imprevisto recente não deixou de afetar o clima festivo da entrega da Distinção em 18 de julho. Na mesma noite o dr. Hugo Hammes foi contemplado com a mesma distinção. Além da bela “Laudatio” (discurso de apresentação) proferida pela profa. Dra. Isabel Cristina Arendt, em torno de três dezenas de colegas professores, antigos alunos e bolsistas contribuíram com um toque todo especial à solenidade. Participaram evidentemente minha esposa Inez, a filha Ingrid e o genro Ernani além dos casais de vizinhos Rudolfo Tesch e a esposa Úrsula, Vicente Brigido e a esposa Aparecida  além da profa. Andreia Petry Raheimer.

Patrono da Feira do Livro de São Leopoldo – 2013.
Em começos de agosto fui surpreendido em casa com a visita da Secretária da Cultura e um assessor da prefeitura de São Leopoldo, a fim de me convidar para ser o patrono da feira do livro em fins de novembro. Acontece que a feira do livro daquele ano coincidiu com os 60 anos da criação da biblioteca municipal. Não podia deixar de aceitar o convite. Uma semana ou duas depois houve uma reunião na prefeitura presidida pelo prefeito para acertar os detalhes dos dois eventos. Ficou acertado que a comemoração dos 60 anos da Biblioteca antecederia à Feira do Livro no auditório da prefeitura. Na ocasião coube-me a fala da abertura. Como não tinha mais nenhum compromisso com a universidade participei, na medida do possível, das diversas programações previstas.

A feira do livro ocupou a última semana de novembro. O local escolhido foi a antiga estação do trem. Na minha opinião a opção não poderia ter sido mais adequada pelo simbolismo histórico pois, a estação localiza-se a menos de uma quadra da moderna estação do trensurb. O ruído e a trepidação da passagem do moderno trem de transporte de passageiros, com suas possantes locomotivas movidas a energia elétrica, levou a memória dar um salto para trás até 1875, quando os primeiros trens de passageiros e transporte de mercadorias, acionados por máquinas a vapor, as lendárias “Maria Fumaça”, inauguraram a ligação de Porto Alegre, Santa Maria até Uruguaiana, com ramais pelo interior do Estado. De Santa Maria um ramal seguiria para o norte até Marcelino Ramos conectando com o que cruzava Santa Catarina de sul a norte, seguindo para Curitiba e São Paulo.

A abertura da feira seguiu em grandes linhas o ritual das demais como Porto Alegre e em não poucas cidades maiores do interior do Estado. Depois do cerimonial de abertura presidida pelo prefeito do município dr. Moacir, como patrono da feira, como manda o figurino, tocando uma sineta percorri as estandes dos livros oferecidos para a venda. Com isso a cerimônia de inauguração estava encerrada. Nos dias seguintes passava a maior parte do dia na feira. Como é praxe nessas solenidades houve apresentações de crianças das escolas do município e, o que não podia faltar, lançamento de livros. Não me lembro de muitos detalhes além do lançamento pelo senador Pedro Simon do seu livro e a palestra do conhecido jornalista Rui Carlos Ostermann, natural de São Leopoldo. O encerramento foi novamente presidido pelo prefeito municipal. Tentei caprichar na minha fala. Nãos sei até que ponto o consegui. De qualquer maneira foi uma experiência e tanto para concluir o ano de 2013, somado aos lances da minha saída definitiva da Unisinos além de contemplado pela honrosa “Distinção Imigração Alemã” concedida em julho pela FECAB.

Da Enxada à Cátedra [ 89 ]

A Gênese do Memorial Jesuíta. 

No almanaque “Die Fahne des Hl. Ignatius”, 1950, o Pe. Balduino Rambo publicou uma matéria intitulada: “Em Memória da Velha Guarda”. Nela homenageou os fundadores da Província Sul Brasileira da Companhia de Jesus por ocasião do centenário da chegada dos primeiros jesuítas alemães em 1849. Ao comentar as enormes dificuldades que os pioneiros enfrentaram, destacou a total penúria de bibliotecas e demais subsídios relativos ao suporte cultural. A um certa altura observou: “Com certeza o nosso povo colonial se apercebeu muito pouco do quanto o padre sofria com a escassez de livros e os estímulos intelectuais em geral. Enfrentaram o problema da melhor forma possível. É de pasmar como muitos deles encontraram tempo, em meio à monótona atividade pastoral, para dedicar-se à leitura de obras de formação geral. Na biblioteca reunida pelo Pe. Fintan Börlocher encontram-se obras de conteúdo histórico, em vão procurados em outra parte. A biblioteca do Pe. Franz Murmann contem as obras mais selecionadas sobre Homilética e Sagrada Escritura”

Estes são apenas dois exemplos que mostram o lendário interesse dos jesuítas pelo “alimento espiritual”. Ao mesmo tempo nos faz entender como, num século e meio, reuniram em suas casas e instituições no sul do Brasil, um gigantesco tesouro cultural. Os dois nomes acima são emblemáticos para a grande maioria dos jesuítas que dedicaram a sua vida à edificação da obra pastoral, social e educacional sem paralelo nos estados do sul do Brasil. A justiça manda acrescentar a esses toda uma galeria de nomes que se tornaram referência nacional e internacional. Todos eles contribuíram significativamente para amealhar esse imenso e rico patrimônio cultural. São recorrentes os nomes de Johannes Rick, Ambros Schupp, Karl Teschauer, Johannes Hafkemeyer, Werner von um zur Mühlen, Josef Mors, Max von Lassberg, Theodor Amstad e por aí vai. Manda a justiça igualmente que se lembre o batalhão de jesuítas menos conhecidos, alguns relegados ao anonimato que, num trabalho de formiga contribuíram para reunir esse magnífico tesouro cultural. E a partir do momento em que “velha guarda” confiou a obra começada às mãos dos jesuítas nativos, legou-lhes também o gosto e a paixão pelo cultivo em todos os ramos do saber humano, profano e religioso.

Os colégios que foram sendo fundados: o Conceição em São Leopoldo, o Anchieta em Porto Alegre, o catarinense em Florianópolis, o Gonzaga em Pelotas, o Stella Maris em Rio Grande, o Seminário, o Noviciado, o Juniorado e a Terceira Provação em Pareci Novo, o Seminário Central em São Leopoldo, o Seminário Menor em Cerro Largo, o Seminário Menor em Santa Maria, o Seminário Menor em Gravataí, o Seminário Menor em Salvador do Sul, o Colégio Medianeira em Curitiba, fora abundantemente providos com bibliotecas. Em alguns casos como nas faculdades de Filosofia e Teologia Cristo Rei a biblioteca enriquecida com a assinatura de um número excepcional de revistas e periódicos, constitui, sem favor nenhum, um acervo que provavelmente não tem similar no País.

Paralelamente às instituições de ensino, as paróquias sob a responsabilidade de jesuítas foram equipadas com bibliotecas. A tudo isso somaram-se bibliotecas particulares especializadas como a do Pe. Milton Valente e do jurista von Langendonc além de não poucas outras. Eleva-se assim para próximo de meio milhão de títulos. Os periódicos, revistas jornais, partituras de música e canto sobem a dezenas milhares, somados ao acervos documentais.

A descrição muito sintética e com certeza fragmentária teve com objetivo dar uma pálida ideia potencial e riqueza a ser explorada por pesquisadores dos mais diversos campos do conhecimento.

Na medida que em que a organização das bibliotecas, das coleções de revistas, dos acervos de documentos avançavam, começou a tomar corpo a ideia reunir todo esse conjunto de fontes de pesquisa num “Memorial Jesuíta”. O diretor da biblioteca central, Pe Mallmann e o reitor Pe. Bohnen o aprovaram. Uma proposta que não prosperou por razões que não cabe discutir aqui, foi de incluir no Memorial as coleções científicas e demais acervos e fontes de pesquisa do Instituto Anchietano de Pesquisas. Dessa forma o Memorial Jesuíta proposto limitou-se aos acervos bibliográficos e históricos do terceiro e sexto andar da biblioteca central. A reitoria e a direção da biblioteca central nomearam uma comissão integrada por representantes da administração acadêmica e financeira da universidade, o diretor da biblioteca e representantes de empresas e entidades de fora da universidade. Essa comissão pretendia levar ao público interno e externo o significado e o valor, também para a sociedade em geral, a conveniência de criar o Memorial como referência não só da universidade como também para a sociedade local, regional e nacional. Em não poucas das reuniões um dos pontos cruciais analisados foi a captação de recursos em empresas e entidades civis visando a sustentabilidade do projeto. As perspectivas animadoras empacaram no momento em que a administração financeira da universidade impôs o seu ponto de vista de que as eventuais dotações de empresas e pessoas físicas deveriam entrar no caixa único. Dessa forma o Memorial dependeria da dotação orçamentária destinada à biblioteca central. Na prática integraria na biblioteca acadêmica e subordinado á direção da mesma como os demais setores. Com isso as empresas, pessoas físicas e entidades em geral perderam interesse pelo projeto e deixaram de participar da sua montagem. O resultado óbvio não podia ser outro. O Memorial, ou o que sobrou dele, foi espalhafatosamente legitimado e instalado numa solene reunião do Conselho Universitário com falas altissonantes mas não passando do protocolar. Foi uma noite que lembro com um ressaibo de decepção. Afinal a iniciativa do projeto fora minha, a montagem e redação do texto para a avaliação e posterior aprovação foram minhas (guardo comigo os originais) e a organização básica para servir de ponto de partida para uma catalogação técnica fora também minha. Como já lembrei mais acima, os em torno de 300.000 títulos passaram, um por um, por minhas mãos. Naquela noite fiquei recolhido no meio do público como um participante anônimo. Não fui convidado para uma manifestação. Meu nome e a parte que coube na história do memorial nem sequer mereceu uma menção nas falas nem do reitor substituto do Pe. Bohnen nem do curador indicado. Poucas vezes na vida flagrei-me numa tamanha e até ostensiva marginalização numa iniciativa que partira de mim, apoiada e incentivada pelo reitor anterior Pe. Bohnen e o diretor da biblioteca Pe. Mallmann. Um projeto que tinha tudo para projetar a universidade como um centro cultural de referência, tanto regional, quanto nacional, atraindo pesquisadores, mestrandos e doutorandos também de fora do país. Assim o que fora planejado para ser, pelo mínimo, um dos possíveis ícones com potencial de projetar a Unisinos com um centro de excelência na produção do conhecimento, murchou para terminar em mais um setor da biblioteca. O Pe. Bohnen quando reitor manifestara inclusive a intenção de mandar construir um prédio especialmente projetado para abrigar os acervos que mofam no terceiro e sexto andar da biblioteca somado às coleções científicas literárias e documentais com status de independentes, ocupando o antigo pavilhão 5 do extinto Ciclo Básico.

Centro de Altos Estudos
Não posso deixar de mencionar que o Memorial na sua versão original ganharia muito em brilho oferecendo condições para que especialistas em todas as áreas do conhecimento, pudessem explorar o seu potencial. Foi com essa intenção que apresentei a proposta para a criação de um grupo de “Altos Estudos”, inspirado nas famosas “Casas de Escritores”, nas quais os jesuítas costumavam reunir a nata dos intelectuais da Ordem. Famosas e respeitadas internacionalmente por suas contribuições de alto nível oferecidas ao público no formato de periódicos e livros, cito como exemplares: A casa de escritores de Roma, de Paris, Maria Laach na Alemanha, Lisboa, Bélgica e outras e os respectivos periódicos: “Acta Romana Societatis Iesu”, Études”, Stimmen der Zeit”, “Brotéria”, “Coleção dos Bolandistas”. Evidentemente esse Centro de Altos Estudos não pretendia ser uma “Casa de Escritores” integrada apenas por jesuítas, mas aberta a todo e quaisquer pesquisador e ou pesquisadora de alto nível dedicados aos muitos campos dos saber tanto da Filosofia e Ciências Humanas, quanto das Ciências Naturais, quanto das Letras e Artes, Direito, Economia, Ciências da Saúde, Arquitetura, Engenharia, além das mais diversas modalidades de tecnologia. Inclusive a proposta contemplava a edição de uma revista anual. Com a versão final implantada do Memorial reduzido à uma sombra da proposta original, o “Centro de Altos Estudos” nem sequer foi avaliado. Guardo comigo cópias do original dos dois projetos, tanto do Memorial quanto do Centro de Altos estudos.