Viagens à Europa.
Entre 2001 e 2011 a Inez e eu fizemos 6 viagens à Europa. Em três delas, três para Praga e uma a Urbino na Itália onde participei de encontros internacionais.
Praga e Inglaterra – 2002
Essa viagem aconteceu em agosto daquele ano por dois motivos. Em primeiro lugar iria participar de um simpósio sobre a imigração alemã na América Latina promovido pelo Instituto de Estudos Ibero Americanos da Universidade Carlonina em Praga e, em segundo lugar, visitar o nosso filho Paulo que residia e trabalhava como arquiteto em Sant Albans, perto de Londres. No voo de São Paulo a Frankfurt tivemos um contratempo que atrasou por três horas a chegada ao destino. Não nos foram informados os detalhes de uma escala não prevista em Lisboa. Esse atraso nos fez perder a conexão prevista de Frankfurt a Praga. Mas não houve nenhum problema pois, na chegada à aquele aeroporto reagendaram as nossas passagens para um outro voo a Praga pelo fim da tarde. Sem nenhum imprevisto desembarcamos no final da tarde no aeroporto que se localiza a uma boa distância da capital da República Tcheca. Um pequeno detalhe que chamou a nossa atenção naquele voo regional de pouco mais de uma hora, foram as aeromoças que serviram um lanche. Diferente do traje impecável e das maneiras quase refinadas da tripulação da VARIG, fomos recebidos a bordo por recepcionistas nada refinadas, robustas mas educadas e gentis. Como o voo foi de pouca duração serviram apenas um lanche. Chegando no destino faltou uma mala que não fora embarcada em Frankfurt. O funcionário da aeroporto garantiu que ela chegaria no voo seguinte e seria levada ao nosso hotel em Praga. De fato pelas 10 h. da noite a portaria do hotel avisou que a mala chegara. Um ônibus levou-nos do aeroporto até o centro da cidade pois, o metrô fora inundado dias antes por uma cheia fora do comum do rio Moldava que cruza a cidade. No aeroporto nos esperavam dois alunos do Instituo Ibero Americano que falavam português a fim de nos levar até o hotel na rua principal da cidade. Cada vez que me lembro de Praga destaca-se na minha memória o emblemático castelo lá no alto à direita visível de longe iluminado pelo sol poente. Na recepção do hotel esperava-nos o diretor do Instituto prof. Josefh Opartny. No dia seguinte fomos nos apresentar na sede do Instituto instalado num prédio no estilo típico da arquitetura histórica da cidade, também na rua principal, cerca de meio quilômetro do nosso hotel. Como a primeira sessão do Simpósio estava marcada para a manhã seguinte, aproveitamos para conhecer a cidade.
Foi uma experiência única conhecer in loco aquela cidade, uma das mais antigas da Europa Central e ainda hoje uma das mais importantes da região. A origem de praga remonta a 950 quando como um centro agrícola em pleno desenvolvimento foi integrada no Sacro Império Romano Germânico. Em 1061 passou a ser a residência dos duques da Boêmia e o rei Venceslau lhe conferiu o título de cidade. À primeira vista fui tomado pela surpresa ao apreciar a arquitetura das igrejas, dos prédios públicos, históricos e, de modo especial a torre da pólvora, tudo numa combinação do estilo barroco com o maneirismo. Em frente ao hotel as lojas de joias com destaque para as de âmbar evocavam uma história que regride a milhões de anos quando a resina de florestas de uma árvore entre 25 e 323 milhões de anos fossilizou com concentrações de grande volume de resina nas costas do Báltico na Estônia, Letônia e Lituânia. Trata-se, portanto, de uma joia de origem orgânica. Ainda antes da era cristã um movimentada rota de comércio ligou o mar Báltico ao mar do Norte, à Itália, Grécia, e outros países da bacia do Mediterrâneo. Uma segunda surpresa naquela primeira noite em Praga foi um violinista de rua executando uma peça clássica pelas 11 h. da noite. Quem percorre as ruas e praças de Praga dotado de um mínimo de curiosidade histórica, lembra da “Primavera de Praga”, um dos momentos emblemáticos e dramáticos da tirania da URSS sobre os países que lhe couberam como presa da Segunda Guerra Mundial. Com a morte de Stalin em 1953 vários países subjugados da Europa oriental começaram aflouxar a tirania soviética. A primeira tentativa ocorreu na Hungria em 1956. Os tanques soviéticos frustraram com a brutalidade que lhes era característica o levante no seu nascedouro. Em 1968 foi a vez de o presidente Dubcek tentar uma alívio do tacão russo na então Thecoeslováquia. A resposta veio a ser a mesma utilizada em Budapest em 1956. Os tanques desencorajaram a tentativa com o agravante de instalar uma enorme base militar nas imediações de Praga. O eco dos desmandos praticados pelas tropas alemãs ao ocupar o território da atual República Tcheca durante a segunda guerra mundial, podiam ser percebidos pela recusa das pessoas de se comunicar em alemão. Experimentei na prática esse clima ao tentar me informar sobre o ponto de ônibus até o aeroporto. A pessoa simplesmente me ignorou. O mesmo numa feira de rua quando faltou pouco para o vendedor me agredir. Apesar de todas essas turbulências não houve estragos significativos, como foi o caso, por ex., de Dresden e dezenas de cidades na Alemanha, sistematicamente arrasadas pelos bombardeios aéreos em meados de fevereiro de 1945.
Como a nossa ida a Praga foi motivada pela participação no encontro internacional de estudos da história da América Latina na universidade Carolina, não posso deixar de lembrar a história e importância dessa universidade par a Europa Central e do Norte. Sua fundação data de 1348 pelo imperador Carlos IV de quem herdou o nome “Carolina”. Conta com cerca de 50.000 alunos. Como alunos famosos figuram entre outros o reformador Jan Huss, o escritor Milan Kundera e o mais importante físico de século XX, Albert Einstein. Pela sua data de fundação a universidade vem a ser a mais antiga da Europa Central e do Norte. Fora dessa área geográfica perde em antiguidade, para Oxford fundada em 1090, Cambridge em 1209, Paris 1170 e Florença em 1321.
Na tarde fui me apresentar na sede do Instituto Históricos Ibero americanos para acertar a contribuição que me caberia dar na manhã seguinte sobre a Imigração alemã no sul do Brasil enfocando “Propaganda e Realidade da Imigração Centro Europeia para o sul do Brasil”. O espanhol e o português foram as línguas utilizada pelos participantes do encontro. O evento acadêmico transcorreu sem tropeços e ocupou a manhã e o a tarde daquele dia. Enquanto participava da programação a Inez subiu até o grande parque vizinho do castelo de Praga. Sem compromissos acadêmicos passei boa parte do dia seguinte com ela percorrendo aquele magnífico parque somado a uma visita ao complexo do “castelo”. Com 70.000 metros quadrados, em estilo gótico-barroco-renascentista foi residência dos reis da Boêmia com o palácio real, palácio da rainha Anna, a basílica de São Jorge. Mas, o monumento mais vistoso e impressionante vem a ser a catedral de São Vito com sua arquitetura e vitrais abrigando os túmulos de São Venceslau, São José Nepumoceno, do imperador Carlos IV e Rodolfo II. Levaria longe demais descrever a atmosfera histórica que envolve aquele gigantesco castelo. Em resumo. Praga é uma dessas cidades que lembra ao visitante minimamente atento a densidade e o significado da movimentação histórica da Europa Central do último milênio e meio. Felizmente essa cidade emblemática sob todos os aspetos escapou ao furor louco em demolir tudo que vinha pela frente usada como tática de dominação das tropas da URSS durante e depois da segunda guerra mundial.
Depois de encerrados os compromissos acadêmicos dispúnhamos de um dia inteiro e uma noite antes de seguirmos viagem para a Inglaterra. Como em praga já tínhamos visto e visitado o mais vistoso e mais importante, optamos por viajar de trem até Viena. Embarcamos na estação de Praga ao clarear do dia. A viagem transcorreu sem incidentes. A única parada mais longa se deu ao cruzar a fronteira com a Áustria. Na época a República Tcheca não integrava ainda a União Europeia e, por isso, a guarda de fronteira examinou os nossos documentos, basicamente o passaporte além do visto de entrada e saída do país. Da estação central do trem em Viena um taxi nos levou até a catedral de Sto. Estevão no centro da cidade. Com apenas seis horas disponíveis não foi possível conhecer todo o centro histórico, muito menos os palácios, jardins e parques, a ópera e demais referências que tornaram Viena e por extensão a Áustria um polo de referência da história da Europa. Depois do almoço sentado num banco da praça desfilaram pela minha memória passagens da história dos grandes momentos históricos daquele pedaço de chão único no mundo.
Para começar Viena foi a sede da Casa dos Habsburgos, a sede do Sacro Império Romano Germânico como também a sede do Império Austro-Húngaro. Entre 1814 e 1815 sediou o Congresso de Viena, que reorganizou política e geograficamente a Europa depois da derrota de Napoleão na batalha de Waterloo. Referência histórica de grandes compositores com Mozart, Bethoven, Strauss; cientistas como Sigmund Freud, Wittgenstein, Schrödinger. Zóllinger e muitos outros. Para brasileiros como nós dois, Viena oferece um encanto todo especial pois a Imperatriz Leopoldina do Brasil pertencia à família dos Habsburgos.
Depois da primeira guerra mundial a Áustria se tornou uma república anexada à Alemanha pelos nazistas no conhecido “Anschluss”. Depois da Segunda Guerra passou para a tutela da União Soviética e dos Estados Unidos. Em 1955 recuperou sua autonomia que mantém até hoje. Novamente não é aqui o lugar nem o momento de detalhar essa rica história que se esconde atrás do conceito “Viena” e, por extensão, “Áustria”.
Pela meia tarde embarcamos no trem de retorno a Praga onde chegamos já noite escura. Com isso encerramos a estada em Praga para, no dia seguinte voar a Londres e encontrar nosso filho Paulo arquiteto trabalhando na cidade de S. Albans. A viagem foi tranquila e pela meia manhã pousamos no aeroporto Heathrow em Londres. Lá nos esperava o Paulo em companhia de uma colega arquiteta que também trabalhava em S. Albans. Ela nos levou no seu carro até aquela cidade em torno de 30 quilômetros de Londres. Alojamo-nos num hotel para depois percorrermos a simpática e típica cidade de porte médio com suas características arquitetônica da Inglaterra. Historicamente falando a Inglaterra foi província romana entre 43 – 410 DC. A fundação de Londres se deu em 47 DC. Pois, St. Albans insere-se nessa história com uma das cidades em que os vestígios da presença romana como muros são ainda a bem visíveis no parque Verulamium uma das atrações da cidade. O monumento mais imponente de toda a cidade vem a ser a abadia junto à catedral e St. Albans em todo o esplendor depois de restaurada. A construção teve início em 1077 para ser inaugurada em 1877. Significativos são ainda o museu e o teatro romano Verulamium e a torre do relógio e a tradicional feira de rua.
No segundo dia o Paulo nos levou de trem para conhecer Londres. É óbvio que num dia só foi possível tomar contato superficial do centro da cidade. De qualquer maneira deu para ter uma boa noção daquela cidade emblemática para a história do Reino Unido e seu significado para a Europa e o mundo como um todo. Sua fundação consta de 47 DC, portanto, coincidindo praticamente com o começo do período romano. Num dia não foi possível mais do que tomar contato muito superficial do centro de Londres e perceber a rica e densa atmosfera histórica que pairava sobre os prédios, parques, pontes e o emblemático Tamisa. Naquele curto espaço de um dia deu para passar e apreciar de perto alguns pontos que fazem jus à fama histórica e universal que a fazem Londres conhecida em todo o mundo. Menciono alguns. Começo pela torre do relógio que recebe o viajante logo na saída da estação do metrô pela qual Londres costuma ser identificada em qualquer forma de apresentação da cidade ao grande público internacional. Não podia faltar uma passada na frente da catedral de Westminster, templo em que os reis e rainhas foram e ainda continuam sendo solenemente coroados. Cada uma dessas coroações lembra aos cidadãos do Reino Unido a importância e o significado simbólico que o rei ou a rainha, melhor a própria realeza, é a legitimadora e, como tal, garante a solidez e perenidade ao Estado, independentemente da alternância dos partidos na sua administração efetiva. Tanto assim que o primeiro ministro ou ministra, seja do partido conservador, seja do trabalhista são legitimados pelo soberano ou soberana para exercer seu papel de comandar as sessões e deliberações do parlamento.
Outro marco histórico de Londres, também admirado vem a ser a Torre de Londres. Na verdade a enorme e sólida construção que data de 1078 vem a ser uma fortaleza que serviu nos mais de mil anos de sua existência a uma série de funções. Foi palácio real e fortaleza, zoológico e prisão. Consta hoje entre os muitos monumentos declarados patrimônio da humanidade. A história desse monumento merece algumas referências históricas importantes. Como já lembrado acima, no começo serviu de palácio real e como fortaleza. Depois, durante 600 anos abrigou um zoológico e depois foi transformada em prisão. Por esta condição a Torre vem sendo conhecida como um lugar de episódios dramáticos que marcaram indelevelmente a sua história. Nela foram confinados personalidades de todos os níveis sociais, inclusive da alta realeza acusados real o imaginariamente de crimes de traição. Só para lembrar alguns personagens mais emblemáticos. Entre os executados por decapitação sobressaem os nomes de Anna Bolena, segunda esposa de Henrique VIII, entre 1501 e 1507 - 1536. Jane Grey rainha dos 9 dias da Inglaterra e Irlanda entre 10 e 19 de julho de 1553, executada em 12 de fevereiro de 1554. Thomas Morus 1478-1535, foi o terceiro personagem importante a ser executado na Torre de Londres. Venerado com mártir foi canonizado pela Igreja Católica.
Além de guardar 23.500 joias reais no valor de 20 bilhões de libras, leva a fama de casa assombrada. Afirma-se que nela circulam frequentemente fantasmas entre eles o de Henrique VI e Catherine, quinta esposa de Henrique VII. Durante a segunda guerra mundial a Torre foi seriamente danificada e a torre branca foi perdida.
Depois de circular pelos jardins no centro de Londres foi a vez de dar uma olhada de longe no palácio de Bughinam, sentados nos degraus do monumento na praça frente à imponente construção, residência oficial dos soberanos do UK e, por isso mesmo, o próprio símbolo da alma do Império Britânico. Depois de uma circulada pelo Hyde Parck encerramos a vista de um dia a Londres para no fim da tarde voltar de trem a St. Albans. No dia seguinte foi a vez de conhecer a feira de rua tradicional da cidade, a abadia com seu mosteiro e à noite um jantar com amigos do Paulo num Pub. Na tarde do dia seguinte foi a vez de embarcar no trem e rumar até o aeroporto de Heathrow e voltar para casa. A viagem de Londres a São Paulo foi tranquila num 777 da saudosa VARIG, om aparência de ter saído da fábrica há pouco tempo. Numa conexão também tranquila voamos até Porto Alegre onde alugamos um taxi até São Leopoldo.