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A Ilustração colocou a Igreja Católica diante de gigantescos desafios específicos. O desmonte sistemático dos regimes de direito divino é complementado pelo ocaso dos regimes de padroado, pelos regimes de cristandade. Segue como consequência inevitável a separação do Estado e da Igreja, a laicização da vida civil, a secularização da vida cotidiana. As soluções para as questões do homem e do mundo são procuradas na razão e na ciência. A consagração pelo Estado do princípio que todos e tudo, também as religiões, são iguais perante a lei, a liberdade de consciência, a liberdade de expressão, confinou a Igreja no seu campo de competência específica: questões de fé, de culto e disciplina religiosa. O estado laico evocou a si a educação dos cidadãos, a legitimação dos matrimônios, a administração dos cemitérios. Na suas decisões ignora e hostiliza a Igreja. Em não poucos casos, o Estado se organiza e age abertamente contra a Igreja, quando não a persegue. O anticlericalismo, o agnosticismo, o ateísmo marcam as elites dirigentes.
Em meio a uma atmosfera tão adversa, a Igreja, foi obrigada a repensar o seu lugar no cenário histórico mundial e, de alguma forma, assegurar o espaço que lhe é privativo. A saída que encontrou caracteriza-se por um retorno à concepção da mística eclesiástica da Idade Média e da ortodoxia doutrinaria, litúrgica e disciplinar do Concílio de Trento. A Igreja começa a pôr em marcha o projeto da “Restauração Católica” como resposta à laicização e à secularização da sociedade civil e, também, como forma de garantir o seu espaço no cenário dos povos.
O desafio doutrinário posto pelas novas correntes do pensamento começou a ser enfrentado seriamente com o começo do pontificado de Pio IX. Os debates sobre a questão sucederam-se, multiplicaram-se e estenderam-se a toda a Igreja durante as décadas de 1850 e 1860, culminando com a convocação do Concílio Vaticano I.
Durante as sessões do Concílio, os padres conciliares, sob a orientação de Pio IX, empenharam-se em afirmar e reafirmar as linhas doutrinárias e as diretrizes disciplinares, tomando como referência o Concílio de Trento. A Restauração Católica nada mais é do que a reforma da Igreja nas bases doutrinarias e disciplinares daquele Concílio, adaptadas às circunstâncias dos tempos e finalmente formuladas nos documentos do Vaticano I.
A Restauração Católica fundamenta-se, portanto, em primeiro lugar, no retorno ao catolicismo tridentino, sob autoridade direta do romano Pontífice. Opõe-se, em princípio, de qualquer tipo de composição com o poder laico e, antes de mais nada, a qualquer tutela do Estado. Foi nesse contexto que foi entendido o conceito do “Ultramontanismo” ou Ultramontanos” (ultra montes ou além das montanhas), referindo-se aos teólogos, ao clero, aos religiosos e ao povo em geral, que combatia o galicismo dos católicos franceses que defendiam uma composição com o poder civil. Os ultramontanos reconheciam como autoridade máxima e única aquele que tinha sua sede “ultra montes, além das montanhas, dos Alpes”, o papa em Roma.
O termo Ultramontano ou Ultramontanismo assumiu, no decorrer do tempo e das circunstâncias, vários significados. O sentido original parece ter sido meramente geográfico. Ultra montes – alem das montanhas, referia-se a pessoas, povos e acontecimentos, localizados ou acontecidos no outro lado das montanhas, no caso, além dos Alpes.
Com a generalização das ideias do Iluminismo, dos enciclopedistas, dos racionalistas..., durante o século XVIII, ocorreu uma mudança substancial no sentido do conceito de ultramontanismo. A partir daí irá caracterizar-se pela animosidade contra Roma. Três vertentes eclesiásticas foram as principais responsáveis: o Febronianismo das igrejas nacionais e episcopais, a eclesiologia estatal ilustrada do Jansenismo e o avanço do Protestantismo. Desde então ultramontanos são os que defendem a infalibilidade do papa e o primado jurisdicional de Roma, de acordo com os princípios de Gregório VII e Inocêncio III. O termo torna-se sinônimo de curial, hierocrático, jesuítico, inimigo da ilustração.
Com a implantação do Projeto da Restauração Católica no século XIX, o conceito ultramontanismo adquiriu novas conotações, como o retorno à ortodoxia do Concílio de Trento e do princípio de que toda a autoridade emana de Roma. Um dos visados principais foi o Galicanismo na França que pregava um Igreja tutelada pelo Estado e com ele comprometida e os nacionalismos que viam na Igreja uma força de ingerência na autonomia do Estado, como aconteceu na Alemanha durante o Kulturkampf quando, os jesuítas acusados de agentes diretos a serviço de Roma, foram expulsos do pais.
Os princípios defendidos pela Restauração Católica rejeitavam qualquer tipo de ingerência do estado laico nos assuntos da Igreja e por sua vez a Igreja devia manter-se afastada do Estado laico, agnóstico ou ateu. A dinâmica da história, entretanto, não tardou em demonstrar que o poder civil e o poder religioso não podiam ignorar-se mutuamente ou simplesmente um prescindir do outro. Foi preciso encontrar uma fórmula aceitável de convivência. Essa fórmula certamente não consistia num passo para trás, retomando, ou restaurando o regime de cristandade. Os saudosistas do regime do passado somavam minoria e não havia as mínimas chances de êxito. A saída para o impasse situava-se em outro lugar. O Estado, a sociedade civil e suas autoridades, a Igreja, a sociedade religiosa e suas autoridades, tem obrigações para com seus súditos. Ao Estado cabe a obrigação de garantir o bem estar material do cidadão e à Igreja cabe zelar pelo bem estar espiritual dos fieis. Ora, uma avaliação antropológica elementar mostra que a história dos povos foi constuída, em última análise, sobre o pressuposto de que bem-estar material e bem-estar espiritual são complementares. Não se conhece exemplo na história em que algum povo tenha prescindido inteiramente dessa dupla realização humana. Os dois elementos são as duas faces de uma mesma medalha, são mutuamente complementares.
Esse foi o quadro esboçado na Europa desde a primeira metade do século XIX. Esse foi também o cenário que se definiu no Brasil a partir da segunda metade do século XIX, para assumir a forma definitiva com a proclamação da República e a implantação do Estado laico.
A seguir pretendemos mostrar como se deu a implantação da Restauração Católica no Brasil, de modo especial nos estados do sul e qual foi a fórmula encontrada para conviver em relativa harmonia com os governos positivistas da primeira República, em especial no Rio Grande do Sul, onde a presidência do Estado ficou em suas mãos até 1930.
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