Para entendermos o clima e a natureza da religiosidade que perpassava todas as horas do quotidiano dos imigrantes basta percorrer as páginas dos almanaques, editados para eles, com a finalidade de informá-los e, principalmente formar a sua mente e espírito. Num desses almanaques encontramos a seguinte reflexão.
O trabalho do homem é necessário. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto! O trabalho é obrigação do agricultor, como se tudo dependesse dele. Se o agricultor não trabalha cresce a erva daninha, o chão se transforma em pântano, as plantas se deterioram e os animais degeneram. O agricultor providencia pelas condições de vida das plantas, para que amadureçam frutos mais nobres.
O trabalho de Deus é necessário
Tudo depende da bênção de Deus. Quando terminamos a nossa tarefa, começa a de Deus. Assim se costumava dizer depois de concluída a semeadura.
Uma chuva é melhor do que dez regadas – diz um provérbio. Chuva e sol no momento certo são tão importantes para o agricultor quanto uma boa colheita. Se chove demais não tarda a enchente devastadora. Se chove de menos a fome castiga o animal e o homem. O homem trabalha na terra e Deus manda sua bênção do céu.
Dois trabalham a terra.
O homem com fraca força, com seu juízo e sua vontade paciente. Mas a seu lado opera alguém incomparavelmente mais forte, por meio das forças da natureza.
O homem realiza muito, a Deus compete a maior parte. O homem começa, Deus leva a obra adiante e a conclui.
Por acaso não é uma grande honra para o agricultor colaborar tão intimamente com Deus. Vê-se rodeado pelo fenômeno da germinação, do crescimento, do florescimento e da maturação. Dia após dia flagra-se rodeado da vida, bem diferente do operário de fábrica e da indústria, que se ocupam apenas com material inanimado. Por isso é muito mais fácil ao agricultor preservar a sua união com Deus pois, tem consciência do quanto os seus esforços dependem das bênçãos e da colaboração divina.
Essa parceria do colono como colaborador de Deus, simboliza a vida da graça, onde quer que Deus e o homem colaboram. (Die Fahne, 1948, p.36)
Ou ainda.
Eu sou um agricultor, eu lavro a terra que produziu as colheitas dos meus antepassados. Lavro a terra sozinho com meu arado e o cavalo que resfolega. A terra é dura e meu passo difícil. Minha boca em silêncio como silenciosa é a terra. Mas Deus caminha a meu lado e guia a mim e a lâmina do arado. (Familienfreund, 1941, p. 40)
- O homem pode muito, mas o brilho do sol é dádiva de Deus.
- Deus não permite que nenhum homem corrija o seu relógio.
- Deus não paga todo o dia, mas mantém uma boa contabilidade e paga tudo de uma vez só.
- O que Deus semeia Ele também rega
- A oração sobe ao céu. A bênção de Deus desce.
- O verde das sementeiras te diz: Acredita em Deus e não desanimes.
- Quem tem Deus como amigo, não passa necessidades.
- Trabalho e oração. O trabalho é a fonte certa da prosperidade. A oração é o incenso do céu; o trabalho faz a vida bela e transparente; a oração sincera chama a bênção do céu.
- Encaremos a oração como a tarefa mais importante da nossa vida. Como se reza assim se vive.
- Quem nega a Deus é como aquele que nega o sol, pois Ele continua brilhando.
- Acreditar em tudo é fraqueza, não acreditar em nada é tolice.
- Teme a Deus, observa seus mandamentos. Então sairá desta casa toda a infelicidade.
- Quem entra e sai desta casa, deve pensar sempre, que nosso senhor Jesus Cristo é única entrada e saída.
- “Uma criatura que não acredita em criador é uma das coisas mais estranhas
- Tudo depende da bênção de Deus. Só Deus dá o sol e chuva.
Nessas reflexões, provérbios, aforismas, etc.; está condensada, por assim dizer, a alma da religiosidade do agricultor. No esforço de construir um futuro duradouro e feliz para si e os seus, não apenas conta com a presença amiga de Deus, mas conta com a sua colaboração e uma parceria em que cabe a Ele a parte mais importante. Constantemente o agricultor é convidado a agradecer a Deus a colaboração sem a qual seus esforços não passariam de um fardo insuportável.
O vermelho do entardecer cobre de magnificência do firmamento. Junto à fonte da floresta ecoa uma flauta como se fosse uma doce oração da noite. Das profundezas da mata o sabiá agradece a Deus o alimento e o descanso. Parece que nos convida: Mortal agradece também tu. (Familienfreund Kalender. - 1937, p. 48)
As flores no meio da relva perfumada fecharam os olhos. Os pássaros sonham tranquilos descansando nos arbustos que farfalham. O riacho reza de mansinho seguindo sua viagem sem fim. Reza e adormece também tu. (Familienfreund Kalender, 1938, p. 45)
Além das poesias que revelam as características da religiosidade que está presente em todas as horas do camponês e permeia todas as suas atividades, uma rica fonte neste sentido são os provérbios, também encontráveis de modo especial nos almanaques. Apresento aqui algumas amostras que ilustram bem o que acabo de afirmar.
- O mundo está repleto da bênção de Deus. Tu a queres, ela é tua; só precisas mover a mão e o pé; só precisas ser religioso e inteligente.
- Quem não reconhece a Deus numa flor, em vão sabe os nomes das estrelas.
- O sofrimento foi uma constante na vida dos colonos e por isso as publicações que costumavam ser lidas por ele, lembram constantemente que ele deve ser encarado como algo que faz parte do quotidiano, purifica a alma e, se aceito com resignação, é uma garantia de recompensa na outra vida.
Sofrer, suportar, renunciar é o destino do homem na terra. Soframos com Cristo para com Ele sermos glorificados. (Familienfreund Kalender – 1937, p. 50)
Os sofrimentos são as flores milagrosas, que crescem na beira das estradas do Senhor. Com seu perfume silvestre abrem o nosso coração para a graça. (Familienfreund Kalender. – 1937, p. 59)
Uma boa palavra que brota de um bom coração, tem o efeito tranqüilizador do bálsamo. Refresca a ferida e a dor como a fonte que brota da terra. (Familienfreund Kalender, 1938, p. 27)
Um anjo silencioso passa pela terra. O Senhor o enviou para consolar nos sofrimentos deste mundo. Quando sobrecarregado perguntas: Porque? Ele aponta em silêncio para o alto. (Familienfreund Kalender, 1938, p. 39)
Aceita as alegrias e os sofrimentos como sinal de um destino mais alto.
Saber suportar, saber renunciar engrandece o homem
Boas ações formam a colheita, os feixes que agradam ao Senhor.
Um dia Ele te concederá a coroa como recompensa. (Familienfreund Kalender, 1937, p. 34)
A morte como constante presença na vida do homem, mereceu ser vista através de diferentes metáforas.
- A criança foi recebida pelos anjos.
- O taverneiro fechou a conta.
- O cansado deitou-se para descansar
- A foice da morte atingiu o ceifador
- O marinheiro entrou no porto da eternidade
- O coveiro caiu na cova
- O relógio do relojoeiro parou
- O peregrino entrou na pátria eterna
- O fôlego do músico acabou
- O carroceiro fez sua última viagem.
Os exemplos que testemunham a religiosidade no quotidiano dos imigrantes e seus descendentes, constantes nas publicações que circulavam entre eles, poderiam ser multiplicados ao indefinido. Mas não me quero alongar e, parece-me, que os apresentados dão uma boa idéia. Como consideração final permito-me insistir mais uma vez. Se alguém quiser perceber a verdadeira religiosidade que permeia o quotidiano do agricultor, que não o procure na igreja durante as missas e cultos, ou nas orações formais antes e depois das refeições, nas orações antes de dormir, na reza do rosário ou na recitação do Pai Nosso, durante as procissões solenes e ocasiões similares. A religiosidade que de fato conta não se expressa em fórmulas consagradas, nas orações atribuídas aos santos ou líderes religiosos, ou modelos de virtudes. Revela-se nas atitudes, nos gestos, no próprio silêncio, frente às vicissitudes da vida, dos espetáculos da natureza, do grandioso do céu estrelado, da imponência da floresta, do assustador de uma tempestade, do farfalhar de um milharal em flor, da singeleza de uma flor silvestre ou a sinfonia dos pássaros na primavera. Para o agricultor, o camponês, o colono, Deus está presente e se revela e, por assim dizer, sacraliza, a natureza em todas as suas manifestações, como o ensina São Paulo na carta aos Romanos:
Porque o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto a eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis depois da Criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas: E assim também seu poder eterno e sua divindade, de tal sorte que são eles inescusáveis. (cf. Carta aos Romanos)