A Natureza como Síntese - 50

A necessidade de uma síntese. Depois dessa digressão voltemos  à proposta de Francis Collins. Pelo que se pode concluir pelas linhas e de modo especial pelas entrelinhas da “Linguagem de Deus”, ele abandonou o agnosticismo juvenil e aos 27 anos percebeu que o ateísmo que então professava, não oferecia respostas satisfatórias para situações vividas no diário dos internados nas enfermarias do hospital em que cumpria a residência médica e mais tarde ao dar assistência médica a populações pobres na Nigéria.

Sendo verdadeiros os pressupostos que acabamos de enumerar a compreensão da natureza como síntese só é possível se na sua concepção forem tomados em consideração o lugar e a importância que as três grandes fontes parciais do conhecimento forem devidamente contempladas. Recorrendo a uma metáfora essa síntese é comparável ao arco de pedra que sustenta um portal. Este  é formado por três elementos essenciais: os dois lados e a pedra de fecho. Um dos lados representa a parte de construção do arco cuja matéria prima é obtido por meio do método analítico-indutivo privativo das Ciências Naturais A matéria prima da segunda coluna do arco busca a sua matéria prima nas conclusões  fornecidas pelo método sintético-dedutivo das Ciências do Espírito. A pedra de fecho sem a qual nunca formarão um arco, com o formato característico de cunha e com a função de conferir “a natureza de arco ao arco”, deve ser procurada  na percepção sensorial, na intuição e nos sentidos que sugere para a compreensão da natureza como síntese. Não se trata de um método científico no sentido que Francis Bacon tinha em mente quando definiu os dois outros. A percepção sensorial  dos fatos oferecidos pela natureza, atribuindo-lhes sentidos e significados pela intuição é “a melodia concomitante, a nota predominante”, que perpassa o conhecimento da natureza. Em outras palavras. A percepção sensorial, fundamento da intuição foi senão a única, de longe a mais importante responsável pela compreensão da natureza e do homem até o advento da consolidação das bases das Ciências Naturais. E é importante que não se esqueça, que mesmo hoje, o desenho da cosmovisão do homem comum  trai muito mais traços buscados na intuição, na sua compreensão e nas atitudes diante os fenômenos naturais, do que parece e ou muitos  admitem.

Retornemos à concepção da Natureza como Síntese de Francis Collins. Depois de resumir a essência da concepção ateia e agnóstica, passa a fazer considerações sobre as várias formas de Criacionismo, umas mais e outras menos plausíveis. Demora-se depois na teoria do “Design Inteligente” que, nos últimos 20 anos, gozou de uma popularidade fora do comum na solução, melhor talvez, harmonização, entre os dados científicos em favor da evolução e a questão da oportunidade ou necessidade de recorrer à intervenção de uma causa externa  para resolver o impasse do “como” da origem do universo, da natureza e do homem, ou do como de alguns passos nevrálgicos da evolução que a ciência não resolveu satisfatoriamente até o momento, como: a origem da energia da qual se acredita ter sido moldado o universo; a origem da vida; e a origem do homem não na sua origem biológica, mas no que tange à sua inteligência reflexa, a lei moral que lhe é inerente, a  busca existencial  e universal da realização pessoal e, sobretudo, a busca de respostas para perguntas como: afinal, como estou aqui, o que faço aqui e para onde vou ou,  qual o sentido e o destino da minha existência? 

A teoria do Design Inteligente, daqui em diante usaremos apenas as iniciais DI, foi formulada, não por um cientista que acredita na existência de Deus, nem por um filósofo ou teólogo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley. Na primeira década deste século a teoria do DI assumiu proporções tais que envolveram até o presidente dos Estados Unidos ao recomendar que a teoria do DI fosse incluída nos debates sobre a evolução. Aqui não é o lugar de  entrarmos em detalhes sobre a polêmica que se desencadeou com a popularização da teoria do DI. Interessa o que pretende oferecer em termos de solução a questões para as quais a ciência ainda não encontrou reposta. 

Para começar existe uma certa dificuldade em definir exatamente o sentido que se atribui ao conceito do DI. À primeira vista  parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo” (A linguagem de Deus, p. 188). Terminou predominando a compreensão de que se refere a uma série de conclusões sobre conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são mutações espontâneas, ocasionais e vantajosas  perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só podem ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida, principalmente depois que o julgamento  “Kitzmiller v. Dover Area Shool Didtrict”, no seu veredito concluiu pela inconsistência do conceito da “complexidade irredutível”. O DI,  fundamenta-se. segundo Collins, em três propostas. Primeira: a evolução induz uma visão de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem-se opor a ela; segunda: a evolução tem fundamentos falhos, pois não pode justificar a complexidade da natureza; terceira: se a evolução não pode explicar a complexidade irredutível, deve, então, ter existido um planejador inteligente, que de algum modo, entrou em cena para fornecer os componentes necessários durante o curso da evolução. (mais detalhes em Collins, 2007,  p. 190-193).

Sempre segundo o autor da “Linguagem de Deus”, há uma série de objeções que dificultam, para não dizer impedem a aceitação da teoria do DI, tanto pelo lado da ciência, quanto pelo lado da teologia. Da perspectiva científica destaca-se o fato de que muitos cientistas que creem em Deus logicamente deveriam aceitar a teoria do DI. Acontece que não é o caso. Para eles o DI resume-se no máximo numa preocupação secundária que merece pouca credibilidade científica. A razão também não está no fato de muitos cientistas não admitirem qualquer questionamento às afirmações sobre a evolução nos seus mínimos detalhes. A razão principal da inconsistência do DI, reside no fato de não poder ser credenciada como uma teoria científica propriamente dita, porque: uma teoria científica é estruturada de tal maneira que confere sentido  a um conjunto de observações experimentais; uma teoria científica prevê a possibilidade de outas descobertas e deixa o caminho aberto para verificações complementares e nisso o DI é falho. 

Mas o que de fato compromete o futuro do DI, segundo Collins,  é constatação de que muitos complexos que pareciam irredutíveis na verdade não são. Nos 29 anos desde a popularização da teoria do DI, as pesquisas científicas avançaram muito. Avançaram especialmente no detalhamento do genoma de um série de espécies. A armadilha em que caíram os defensores do DI foi de confundirem “o desconhecido” com ”o desconhecível”. Aqui não é o lugar para detalhar os exemplos de várias pesquisas  que vão na contramão do que o DI sustenta. O interessado os encontra nas pgs. 194 e 199 do “A linguagem de Deus”. 

Se de um lado o Di não consegue oferecer uma sustentação  científica consistente assim também não convence como solução teológica, Parece-se muito mais a um “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, chamado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não dão conta do recado. Traduzido para a linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos antigos corresponde ao “deus das lacunas. No momento em que a ciência se defronta com impasse sério na identificação de algum passo ou fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre-se a uma explicação buscada fora do âmbito das ciências, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador,  para preencher “a lacuna”. Sendo assim o DI é chamado para   preencher “as lacunas” que qualquer ideário em qualquer um dos campos da pesquisa científica vai encontrando pelo caminho. Em essência não difere da atitude do pastor de ovelhas e cabras do neolítico observando a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história ao observar a trajetória diária do sol ou os ciclos mensais da lua. Viam nesses fenômenos  seres ou forças sobrenaturais em tudo. Há um outro aspeto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onisciência e a onipresença, especialmente as duas primeiras, atribuições ao  Deus da teologia. Levado às últimas consequências, “o DI retrata  o Todo-poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio projeto original, do qual se originou a complexidade da vida”. (A Linguagem de Deus, p. 200)    Diante desse quadro a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espirito. Duas questões merecem ainda serem destacadas. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI normalmente fiéis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escritura ao pé da letra e não abrem mão da criação por Deus, e ao mesmo tempo, respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Nessa polêmica a avassaladora influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar decisivo. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel, pregam que o evolucionismo é necessariamente ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições em caminhar na própria direção, ignorando  a outra, as leva, tanto uma quanto a outra, a um beco sem saída. Ricahrd Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo citado por Collins, bem mostra em que terminam posições  excludentes. “o universo que observamos tem, exatamente, as propriedades que esperaríamos que existissem, na verdade, sem design, sem finalidade, sem mal e sem bem, nada além de uma indiferença cega e impiedosa?” Collins responde a Dawkinsi: “que jamais seja assim! Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade”. (Collins, 2007,  p. 201-202)

A Natureza como Síntese - 49

Duas conclusões.  
Duas conclusões parecem ser  de importância nessa declaração de Collins. A primeira que a compreensão do homem na sua totalidade existencial e, porque não a compreensão do universo e da natureza, situa-se fora e além dos potenciais teóricos e metodológicos da ciência. Este fato leva à conclusão de que a face fora do alcance da ciência exige uma abordagem vinda de outra direção munida com as ferramentas capazes de iluminar a outra vertente de dados indispensáveis para completar a compreensão objetiva da natureza. Em outras palavras. Para entender a natureza como uma totalidade, como um dado objetivo, como uma síntese, não basta a aproximação pela análise e a indução. É preciso associar à investigação a abordagem sintético-dedutiva, e para dar alma e harmonia ao todo dessa síntese, cabe à intuição como conhecimento legítimo um papel mais importante do que muitos gostariam de admitir. Não sem razão o Pe. Balduino Rambo anotou em suas reflexões sobre o conhecimento.

Entre a Ciência e a Fé (entre as Ciências Naturais, a Filosofia e a Teologia, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, inciso do autor), estende-se o vasto campo da intuição, que não é outra coisa do que um conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado e da expressão imediata da palavra, como do som subliminar que emite e da ressonância que desperta. A essa melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou pouca atenção. Bem considerada ela não é um som secundário, e sim a nota dominante no concerto musical do espírito dinâmico do homem, (Rambo,  1994, p. 265)

A intuição teve em Jean Jacques Rouseau a sua habilitação como forma legitima de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que subjazem às mais diversas culturas e civilizações. Com sua autoridade inconteste o grande filósofo da modernidade, deixou claro  que o homem busca a matéria prima do conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas, depende da natureza delas, do entorno cultural em que é recebida e da forma única pela qual é percebida e elaborada pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em apresentar ideias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa forma peculiar de conceber toda uma face importante do conhecimento. E o valor prático, inovador  e revolucionário encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida dos indivíduos e das sociedades por eles formadas: a Educação. E é exatamente pela educação formal e informal, no ambiente familiar e social e, principalmente de forma sistemática nos currículos  do nível infantil e fundamental, que os conhecimentos via sensorial e intuitivamente elaborados transformam-se no “som subliminar  que emite e da ressonância que desperta”. É a melodia concomitante da linguagem humana” (...) “A nota dominante no concerto musical”, como a classificou o Pe. Rambo na referência acima. 

É até certo ponto surpreendente que a proposta de começar a educação infantil estimulando as crianças a entrar em contato com as realidades naturais que as rodeiam, encontra em Edward Wilson um dos seus defensores mais entusiastas e de maior peso. Com um currículo de biólogo construído durante mais de cinco décadas, tendo a entomologia como foco, impôs seu nome  como uma das  maiores autoridades na especialidade, é de esperar que suas sugestões sobre a educação das crianças tivesse como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por muitos desprezado e rejeitado conceito de “História Natural”, que para Wilson confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na pesquisa científica. Para ele a “Natureza é uma realidade objetiva”, portanto tem uma história, uma “História Natural” também objetiva. A História da Natureza, portanto, não é sucessão fortuita de fatos e acontecimentos sucedendo-se ao acaso ou uma visão momentânea desenhada a partir dos dados fornecidos pelas pesquisas científicas num determinado momento histórico. Visto sob este prisma o conhecimento obtido via sensorial e elaborado pela intuição não pode ser ignorado no momento em que se pretende propor, esboçar e formular uma síntese da Natureza. Não nos queremos alongar aqui numa análise mais detalhada da proposta de Edward Wilson, pois será objeto do capítulo seguinte dessas reflexões.

A Natureza como Síntese - 48

Até  o momento não se avançou grande coisa em busca do “como” do surgimento da vida, além das experiências de Stanley Miller, Urey e outros. Parece que as dúvidas em vez diminuírem continuam desafiando a ciência e incomodando os pesquisadores, mesmo os mais sérios como é o caso de Francis Collins. Na sua obra dedica algumas páginas com observações  de como é intrincada essa questão. Geneticista que é, e como tal ocupar-se exatamente com os fundamentos da vida, mostra como essa especialidade se mostra impotente, pelo menos por enquanto, para clarear um pouco mais esse misterioso “como”. Seu raciocínio é esse. Como uma molécula portadora de informações   se auto-reproduz e ao mesmo tempo monta-se espontaneamente a partir desses componentes? Afirma textualmente : “Parece totalmente improvável que uma molécula como o DNA, com sua estrutura de açúcar e fosfato e bases orgânicas dispostas de forma complexa, empilhadas umas sobre as outras e emparelhadas em cada degrau de um hélice dupla e retorcida, tenha apenas acontecido”. (A linguagem de Deus, p. 97). Explica depois o porque da  sua dúvida. O DNA aparentemente não possui nenhum potencial para copiar-se a si mesmo. Estudos recentes apontam o RNA em vez do DNA como possível primeira estrutura viva, já que o ácido ribonucleico tem potencial  para carregar informações. É capaz também de catalisar reações químicas coisa que o DNA não tem. Collins compara o DNA ao disco rígido do computador. Como tal é um meio estável de armazenamento de dados e informações admitindo alguns “bugs” e imprevistos. O RNA parece-se com um “pen drive”, circulando com as suas informações e com capacidade de fazer acontecer as coisas por conta própria. Até o momento porém, os esforços dos cientistas falharam no que diz respeito à formação dos blocos básicos do RNA valendo-se dos experimentos de Stanley Miller e Harold Urey. Nem tão pouco foi possível sintetizar um RNA com capacidade de reproduzir-se a si  mesmo. (cf. Collins, 2007, p. 97).

Frente a todas essas tentativas e insucessos  em lidar com o “como” do surgimento da vida, cientistas de peso como Francis Crick sugeriram a possibilidade de que as primeiras formas de vida não se originaram no planeta terra, mas em outro ou outros astros do universo que flutuavam no espaço exterior e foram capturadas pela terra. Há inclusive aqueles que sugerem que as primitivas formas de vida foram trazidas  por antigos visitantes procedentes de outros astros. Este esforço pode até explicar como surgiu a vida na terra, mas desloca a solução “do como”  crucial para fora e para longe do nosso planeta. Não se aproxima, portanto, um milímetro da solução final e definitiva do problema. 

Este beco aparentemente sem saída em que as pesquisas científicas estão metidas, animou teístas a invocar a interferência criativa de Deus para solucionar as potencialidades poderosas do DNA e RNA. Collins que faz questão de sua crença em Deus aconselha a não recorrer com tanta pressa a essa solução. Em termos a intervenção criadora de Deus na origem do DNA e RNA e consequentemente da origem da vida como tal, configura-se como um recurso para preencher uma lacuna que a ciência de momento é incapaz de preencher. O recurso ao “Deus  das lacunas” apresenta seus riscos. O que  estaria Ele contribuindo com sua intervenção se a ciência um dia for capaz de dar uma resposta conclusiva para  questão. É de Collins a reflexão: 

A fé que coloca Deus nas lacunas de uma compreensão dos dias de hoje sobre  mundo natural pode levar a uma crise se os avanços da ciência preencherem, posteriormente, tais lacunas. Ao se deparar com uma compreensão incompleta do mundo natural, os que creem em Deus deverão tomar cuidado quando quiserem evocar o divino em áreas ainda  desconhecidas, a fim de não criar um argumento teológico desnecessário, condenado a uma destruição posterior. Há bons motivos para acreditar em Deus, inclusive a existência de princípios matemáticos  e de ordem na criação. São razões positivas, com base no conhecimento em vez de em pressupostos padronizados com base em uma falta (temporária) de conhecimento.

Em resumo, embora a questão sobre a origem da vida seja fascinante e o fato de a ciência moderna não conseguir desenvolver um mecanismo que possa ser comprovado pela estatística seja intrigante, esse não é o lugar para uma pessoa inteligente apostar a sua fé. (Collins, 2007,  p. 99)

Mas não é aqui nem o lugar nem o momento de desenvolver uma discussão abrangente sobre criação ou não criação da natureza por Deus ou sua intervenção em determinados momentos da evolução dos seres vivos, incluindo o homem. É tema a ser desenvolvido num outro contexto. Aqui interessa aprofundar a questão da natureza, principalmente a viva, como o resultado de uma gigantesca síntese. Interessa verificar a consistência da tese de que o que existiu e ainda existe em termos de seres vivos, todos, desde os mais primitivos e rudimentares como são as arqueobactérias, até os aves, mamíferos e o homem. A descoberta das leis da hereditariedade pelo monge Gregor Mendel em ervilhas na horta do seu convento, terminou na constatação de que a natureza viva, apesar da sua enorme variedade e complexidade forma uma unidade. As observações e as respectivas conclusões  de Mendel foram publicados numa revista de circulação limitada e ignorados pelo grande mudo científica por 30 anos. Foi então por um desses acasos que foram redescobertos quase ao mesmo tempo por rês cientistas. O médico Archibald Garrod, estudando uma série de doenças raras, chegou à conclusão de que as leis de Mendel observadas em ervilhas, aplicavam-se também ao homem. Faltava  identificar os mecanismos químicos que comandavam o processo. Por algum tempo acreditou-se que as responsáveis fossem as proteínas que são comuns a todos os  seres vivos. Foi então, em 1944, que três pesquisadores, Oswald T. Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty, descobriram que era o DNA e  não as proteínas o responsável pelo comando genético. Nove anos depois, em 1953, James Watson e Francis Crick, valendo-se de informações fornecidas por Rosalin Franklin, concluíram que a molécula do DNA forma uma hélice dupla, em forma de escada dupla e sua capacidade de transportar informações é determinada pela série de componentes químicos que formam  os degraus da escada. (Cf. A Linguagem de Deus , p. 108-114). Collins numa conclusão preliminar sobre essas descobertas, escreveu:

Como uma aproximação inicial, podemos, portanto, pensar no DNA como um manual de instruções, um programa de “software”, colocado no núcleo da célula. Sua linguagem de código apresenta somente quatro letras (ou dois “bits”, em termos de informática) em seu alfabeto. Uma instrução particular, conhecida como gene, é construída por meio de centenas ou milhares de letras de código. Todas a funções elaboradas de uma célula, mesmo em um organismo tão complexo quanto o nosso, precisam ser dirigidas pela ordem de letras desse roteiro. Collins, 2007,  p. 109)

Depois de descrever como acontece a complexidade dos processos do comando genético, ou se quisermos, como funciona a linguagem do código genético, (Cf. A Linguagem de Deus, p. 111), Collins  tira a conclusão que oferece um poderoso argumento em favor da concepção de que a natureza é o resultado de uma gigantesca síntese. 

Investigações em diversos organismos, de bactérias e seres humanos, revelaram que esse “código genético” pelo qual as informações no DNA e no RNA são traduzidas em proteínas é universal em todos os organismos conhecidos. Não se permitiu nenhuma Torre de Babel na linguagem da vida. CAG significa ácido glutâmico no idioma da bactéria da soja, da semente de mostarda, do jacaré e de qualquer tia sua. (Collins, 2007,  p. 111)

Acontece que a composição, a estrutura e funcionamento da química do DNA e RNA, embora mostrem com mais evidência do que qualquer outra realidade encontrada na natureza, a unidade, a síntese em que se fundamenta, outros campos da  “História Natural”, dão-nos conta, cada qual à sua maneira, da mesma convicção científica.  Platão obviamente não dispunha  dos dados científicos mínimos para embasar a sua compreensão do universo e da natureza para servir de alicerce à unidade, ou à síntese na pluralidade. Revestida com as inevitáveis peculiaridades do tempo, da formação intelectual e  da orientação filosófica de cada pensador em particular, perpassa como um Leitmotiv uma das importantes vertentes o ideário de representantes que marcaram presença no pensamento através de mais de dois mil anos. E não são apenas filósofos e teólogos, como especialistas no mais diversos campos das ciências. Ao lado de Platão, São Paulo, Santo Agostinho e seus seguidores, cientistas de renome das mais diversas especialidades defendem a unidade na pluralidade, a síntese das partes num todo, conferindo sentido e rumo ao universo e à natureza, incluindo a humanidade. Ao longo dessas reflexões já foram objeto de análise alguns dos representantes mais significativos dessa linha de pensamento. Nicolau de Cusa, na transição para a Renascença; Erich Wassmann, em meio ao fervo do darwinismo e do materialismo científico de Ernest Haeckel; Teilhard de Chardin com sua grandiosa visão unitária do universo, da natureza e do homem; Ludwig von Bertallanfy, insistindo que a natureza é um grande sistema no qual as partes tem sentido somente quando contribuem para a manutenção do todo; Balduino Rambo com o conceito de “fisionomia” insistindo que as realidades naturais, botânicas, zoológicas, mineralógicas, geológicas, paleontológicas e em meio a tudo o homem, aliam-se para desenhar as fisionomias, os mapas locais, regionais e globais passíveis de observação na multiplicidade de suas formas, sugerindo uma compreensão global que novamente garante consistência e sentido ao todo. O que caracteriza a todos, além da autoridade em suas especialidades, é o fato de que para todos eles as respostas a questões de fundo  podem ser resumidas numa só: Afinal o que, qual a energia, a causa primeira, que acionou a manivela para que tudo entrasse em movimento e continue até hoje numa dinâmica que a evolução explica com dados objetivos fornecidos pelos diversos campos do saber? ou ainda, recorrendo a outra metáfora; Qual a natureza do gancho em que a corrente está suspensa?

O Dr, Collins  refere as possibilidades capazes de decifrar esse enigma que intriga os pesquisadores que não se contentam em apenas identificar mais e mais dados nos seus objetos de investigação, mas se preocupam também com o sentido que subjaz ao que observam. Falamos aqui  de nada mais nada menos do que da “outra metade da verdade”. Quanto mais a ciência avança e penetra nos meandros das estruturas e funções da natureza, a resposta para a pergunta crucial sobre “o como” primordial, afasta-se como a linha do horizonte,  na medida em que a ciência tenta aproximar-se dela. O autor, como uma das maiores autoridades tanto em genética pura, quanto na sua aplicação na medicina, analisa três caminhos para lidar com o problema. Ele próprio os experimentou, estando assim em condições privilegiadas para tomar uma posição que faz sentido. Como já foi assinalado mais acima, Collins foi na sua juventude sucessivamente um agnóstico e depois ateu até os 27 anos. O lidar diario com pacientes dos mais diversos níveis de instrução, filiados a diferentes credos religiosos e pertencentes todas as classes sociais, flagrou-se num mundo em que os grandes desafios existenciais dos pacientes, punham em questão o limite dos conhecimentos e dos métodos e práticas usuais na medicina. As reflexões estimuladas pelas experiências  vividas diariamente nas enfermarias do hospital, convenceram-no  de que a ciência tem limites e que na vida do homem, especialmente em situações limite como estágios terminais causados por males incuráveis, o socorro a recursos alheios às práticas de medicina e não disponíveis nos estoques das farmácias, decidem as reações e atitudes das pessoas. Emblemática é a conclusão do médico Collins depois de destacar que no caso do homem, há apenas 100.000 anos a mutação ocorrida no gene FOX-P2 do cromossoma 7, poderia ter influído na evolução da linguagem dos seres humanos, concluiu.

Nesse ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos evoluíram rigorosamente  por meio de mutações e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A isso retruco: eu preciso. A comparação entre sequências  do chimpanzés e do ser humano, embora interessante, não nos explica o que é preciso para ser humano. A meu ver, apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com dados sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal de Deus. Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação não  O exclui como fonte daquilo que torna a humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra alguma coisa sobre como ele trabalha. (Collins, 2007,  p. 146)

A Natureza como Síntese - 47

Questões acerca das origens da vida.  
Depois de ocupar-se com as questões que envolvem a origem da matéria prima,  o “estofo” do universo como diria  Teilhard de Chardin, o Dr. Collins parte para outra empreitada não menos desafiadora: Seguir a trilha percorrida pela natureza com suas leis e processos físicos e químicos, até  o aparecimento da Vida na terra. O desafio pode ser resumido em duas perguntas. A primeira: e em que condições foram sendo postos, durante muitas centenas de milhões de anos de evolução, por “agregação”, por “multiplicação geométrica” e, principalmente por “complexificação”, novamente conceitos criados por Teilhard, os pressupostos para que a vida pudesse se manifestar. A segunda: o aparecimento da  vida, em todas as suas dimensões, marcou, em última análise, apenas mais uma conquista dos processos evolutivos que levaram até aquele ponto; ou a vida se constitui para a ciência um desafio de difícil superação, sem recorrer a hipóteses que seu arsenal teórico, metodológico e o avanço da tecnologia de investigação não alcançam?

O Dr. Collins oferece as respostas a questões já de consenso para a ciência e hipóteses sendo verificadas, para explicar as inúmeras perguntas que ainda pedem uma resposta objetiva. É indiscutível que as especialidades comprometidas diretamente com  a solução  dos múltiplos desafios que que a origem e evolução do universo oferece, são a química, a física, matemática,  a astronomia e seus campos complementares. Em sua obra “A linguagem de Deus”, Collins mostra resumidamente até que ponto os cientistas conseguiram avançar desde que o Big Bang deu, por assim dizer, o “ponta pé inicial” que pôs a rolar os processos que terminaram por moldar o sistema solar e o nosso planeta terra. 

Como médico geneticista, obviamente foi buscar essas respostas no campo da sua especialidade, isto é, na genética. Não basta constatar e analisar a complexidade da vida, para daí tirar conclusões do tipo: a complexidade da vida é de tal ordem que a sua origem e evolução só pode ser obra de uma teleologia que, em última análise, comanda todos os eventos que podem ser observados na natureza. A observação dos processos evolutivos observados na história da vida,  as leis da química,  da física, da mecânica cósmica, da genética e outras mais, não é o suficiente para compreender  a complexidade. Os dados obtidos pela investigação das incontáveis aproximações possíveis, na tentativa de entender o que vem a ser a natureza radical do fenômeno da vida, não passam de respostas à questão de “como funciona a vida”. Acontece que com isso consegue-se iluminar apenas uma das dimensões do fenômeno. Fica em aberto a outra, que vem a ser de crucial importância para o homem que procura algo mais do que resultados mensuráveis e quantificáveis  pelos métodos da ciências empíricas. E esta outra dimensão pergunta pelo “porque existe  a vida?”, ou “porque afinal estamos aqui?”. E se bem observados todos os esforços e investimentos em pesquisa, todos os esforços dos cientistas e as gigantescas somas, investidas, procuram, em última  análise, tem como motivação o encontra da verdade última que a complexidade do macro, micro e nano cosmos tem a oferecer. E a verdade só então se revelará na sua plenitude quando tanto “o como” quanto “o porque” estiverem convincentemente esclarecidos. isto é, no momento em que a Ciências Naturais tiverem esclarecido tudo, até os últimos detalhes, de “como” funciona o universo em toda a sua complexidade e as Ciências do Espírito oferecerem uma reposta consistente para “o porque” da sua existência. O Dr. Collins colocou o dilema da seguinte forma.

A fim de examinar a complexidade da vida e nossas origens neste planeta, devemos escavar mais fundo, na direção das fascinantes revelações  sobre  natureza dos seres vivos, elaboradas pela atual revolução nos ramos da Paleontologia, da Biologia Molecular e dos estudos do genoma. Uma pessoa que crê em Deus não pode temer que essa investigação destrone o divino; se Deus é de fato todo-Poderoso, não será ameaçado por nossos esforços miúdos em compreender os trabalhos do mundo natural que Ele criou.  E, como pesquisadores, também podemos descobrir, por meio da ciência, muitas respostas interessantes para a pergunta: “Como a vida funciona?” O que não podemos descobrir, apenas por meio da ciência, são respostas às perguntas: “Porque  existe a vida , afinal?” e “Porque estou aqui?” (Collins, 2007, p. 94)

Para se ter uma noção mais exata de quando e do como a vida surgiu na terra e como a complexidade de formas e estruturas do universo vivo foi se formando e evoluindo, não basta observá-la no estágio em que se encontra atualmente. É preciso localizar no tempo a gênese e a forma com surgiu a vida e acompanhar numa linha de tempo a história da complexificação, na medida em que a Ciência localiza os testemunhos materiais da ascensão biológica. O ponto de partida consiste em medir objetivamente as características e a duração das eras e períodos em que se costuma dividir a história da terra. Sabe-se hoje que o nosso universo conta com aproximadamente 14 bilhões de anos. Esse dado é confiável porque foram identificados “relógios geológicos” que registraram com a precisão desejada os acontecimentos que marcaram a história da terra, sua duração e sua sucessão no tempo dos fatos  que os compõem. A identificação desses cronômetros de precisão e de longuíssimo alcance veio com a descoberta da radioatividade espontânea em certos isótopos químicos. A base científica do funcionamento desses  relógios é o método pelo qual se determina a “meia vida” no ritmo de degradação dos isótopos radioativos, isto é, o tempo necessário para que a metade dele se degrade e passe para um elemento estável. A ciência dispõe hoje de vários desses cronômetros com “meias vidas” de longa duração. Em outras palavras deixaram registrados no tempo os fatos essenciais que permitem termos uma noção sequenciada dos acontecimentos mais importantes da história do nosso planeta. Entre os mais conhecidos sobressai o urânio radioativo degradando-se lentamente para transformar-se em chumbo estável, o potássio transforma-se em argônio e o estrôncio terminar em  rubídio. O método consiste em medir a quantidade relativa de cada par desses elementos: urânio – chumbo; potássio-argônio; estrôncio-rubídio. O resultados dos cálculos são de uma coincidência notável. Todos apontam 4,55 bilhões de anos para a terra, com uma margem de erro de apenas 1% para mais ou para menos. As rochas mais antigas encontradas hoje na superfície da terra contam com cerca de 4 bilhões de anos. Outro dado relevante que esses cronômetros geológicos registraram refere-se aos 500 primeiros milhões de anos de uma superfície terrestre  inóspita, bombardeada por saraivadas de meteoritos e asteroides. Um deles arrancou a lua da terra. Tendo sido assim não admira que naquele período é inútil procurar qualquer vestígio de vida. Os vestígios mais antigos de vida microbiana entram em cena 150 milhões de anos mais tarde. Collins “presume que esses organismos unicelulares tinham a capacidade de armazenar informações, talvez pelo uso do DNA, e podiam se auto-reproduzir, além  de apresentar  a capacidade de evoluir em inúmeros tipos diferentes”.(cf. A Linguagem de Deus, p. 95)

Collins refere a hipótese de Carl Woese  que apresenta uma explicação plausível de como os organismos intercambiavam o  DNA naquela fase inicial da moldagem da biosfera. A biosfera era formada essencialmente por um grande número de células minúsculas e independentes. Animava-as um intercâmbio e uma interação generalizada. Neste caso se um dos microrganismos unicelulares desenvolvia uma proteína que lhe conferia vantagens, essa podia ser intercambiada e assim difundia-se rapidamente, sendo incorporada no patrimônio genético das populações de micro-organismos  em volta. Configura-se assim uma dinâmica de evolução de caráter mais coletivo. A “transferência horizontal de genes” é um fenômeno documentado nas populações de bactérias arcaicas, “as arqueobactérias” ainda hoje existentes. O mecanismo imaginado por Woese entre as bactérias da terra primigênia, podem dar  muito bem uma explicação de como novas características se propagaram e foram incorporadas no patrimônio hereditário coletivo. (cf. A linguagem de Deus, p. 96)

Acontece que, mesmo que a hipótese de Woese se confirme como válida para o universo microbacteriano de hoje, não responde à questão do como surgiram os microrganismos que se reproduzem e intercambiam as modificações que se operam no seu DNA?. Collins responde com o comentário:

No entanto, para começar, como surgiram esses organismos que se auto-reproduzem?. É justo afirmar que simplesmente não sabemos. Nenhuma hipótese atual se aproxima de uma boa explicação de como num espaço de menos de 150 milhões de anos, o ambiente pré-biótico que existiu sobre o planeta terra gerou vida. Isso não quer dizer que não foram apresentadas hipóteses interessantes, mas a probabilidade estatística de responsabilizar esse ambiente pelo desenvolvimento de vida ainda parece remota. (Collins, 2007, p. 96)

As hipóteses e tentativas em laboratório com o objetivo de lançar alguma luz a mais sobre “o como” surgiram as primeiras formas de organismos, os protótipos dos quais descendem de alguma forma todos os seres vivos que já existiram e ainda existem no planeta terra, não foram ainda confirmadas. Como amostra Collins chama a atenção aos experimentos de laboratório de Stanley Miller e Harold Urey. Os dois cientistas recriaram uma mistura de água e compostos orgânicos como imaginavam que existiam na terra primitiva. Aplicaram descargas elétricas e como resultado obtiveram pequenas quantidades de componentes que entram na formação de organismos vivos, entre eles aminoácidos. Somando a descoberta da presença de quantidades mínimas de compostos semelhantes  observados em meteoritos vindos do espaço, levou não poucos a concluir que há possibilidade de que moléculas complexas como aquelas podem ser o resultado de processos naturais. Hipóteses e mais hipóteses, nada mais do que hipóteses. E a grande incógnita do “como” surgiram as formas primigênias de vida, “como” uma molécula que se auto-reproduz, carregando informações, montar-se  espontaneamente a partir desses componentes, continua desafiando os cientistas, seus métodos e as tecnologias de alta precisão à sua disposição.  

O microbiólogo Carl Woese nasceu em 15 de julho de 1928 em Siracuse-N, York e faleceu em 30 de dezembro de 2012 em Urbana-Illinois.

A Natureza como Síntese - 46

A teoria antrópica.  Para o “Princípio Antrópico”, isto é, “ o universo só existe porque nós existimos”, há três respostas possíveis, segundo o Dr. Collins. A primeira defende a ideia da possibilidade da existência simultânea de outros universos, quem sabe muitos outros, organizados e funcionando com valores e constantes físicas outras das do nosso e, quem sabe,  com leis físicas diferentes. Os outros universos situam-se além da nossa capacidade de percebê-los. Estamos condicionados a viver apenas em um universo no qual todas as propriedades físicas trabalham coordenadamente em função da possibilidade da vida e da consciência. Nosso universo não é um milagre, mas o resultado fortuito de tentativas e erros. É a hipótese do “multiverso”. Pela segunda hipótese, existe apenas um universo que, nada mais nada menos, oferece todos os requisitos para gerar uma vida inteligente, caso contrário não estaríamos debatendo a questão. A terceira hipótese parte do pressuposto de que existe apenas um universo, este em que nos encontramos. As constantes e as leis físicas calibradas e ajustadas de tal maneira que  a vida inteligente fosse possível, não vem a ser um fato acidental, mas sinaliza para uma ação criadora responsável pela existência do universo.

Para Collins qualquer uma das  três alternativas de hipótese leva ao terreno da Teologia. E para  reforçar essa conclusão, cita novamente o físico Stephen Hawking: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como ato de um Deus que quisesse criar seres como nós”. (Hawking, op. cit., p. 63). Freeman Dyson, outro físico de renome, citado por ele, diante da sequência de “acidentes numéricos” chegou à conclusão  de que “quanto mais examino o universo e os detalhes da sua arquitetura, mais evidências encontro de que o universo, em certo sentido, devia saber que estávamos chegando”. (in Barrow, Tipler, op. cit., p. 318).

Na linha da tese que vimos defendendo desde o primeiro parágrafo dessas reflexões, o “Princípio Antrópico”  vem a  reforçar a convicção de que o universo e a natureza são o resultado de uma síntese global, que expressa uma unidade radical, impulsionada por um objetivo, uma teleologia. No caso específico os elementos que compõem o universo e a natureza, assim como os processos químicos  e as leis físicas convergiram, melhor talvez, prepararam o cenário no qual o surgimento do homem fosse possível. Sem essa  “missão” o universo não faria sentido. Reparos que possam ser feitos ao “Princípio Antrópico” à parte, ele representa um reforço nada desprezível  à tese de que o universo e a natureza formam uma gigantesca síntese. Para Collins a demonstração de que o universo e a natureza como um todo formam uma sínteses global, não  constitui o foco de suas reflexões. Seu objetivo, o Leitmotiv do seu livro “A Linguagem de Deus”, resume-se em demonstrar que não há argumentos e razões de fundo que impeçam uma harmonização entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. E neste nível a interrogação pelas causas e suas identificações polarizam todo esforço. É ofício das Ciências identificar as “causas secundárias”, as leis da física e os processos químicos tem potencial para explicar o que está ocorrendo no macro, micro e nano- cosmos e levar o aprofundamento das pesquisas até o limite do alcance dos seus métodos e equipamentos de investigação. Mas a partir do momento que o cientista se depara com a pergunta crucial por uma “causa primária”, isto é, a causa responsável pelo começo de tudo, a matéria prima do universo, o estofo do  universo como diria Teilhard de Chardin e as leis que comandam os processos evolutivos, as coisas sem complicam. Frente a essa situação, Collins chama a atenção para a sinalização de Stephen Hawking apontando uma saída: “Podemos ainda imaginar que existe um conjunto de leis fundamentais determinando totalmente os eventos para algum ser sobrenatural, o qual possa observar o atual estado do universo sem perturbá-lo” (Hawking, op. cit., p. 63). E, o próprio Collins conclui:

Este breve exame sobre a natureza do universo leva a considerar a admissão da hipótese de Deus de uma maneira mais geral. Recordo-me do Salmo 19 em que Davi escreve: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.  É claro que a visão científica de um mundo  não é totalmente suficiente para responder a todas as questões interessantes acerca da origem do universo e não há nada essencialmente em conflito entre a ideia de um Deus criador e o que a ciência revelou. Na verdade, a hipótese de um Deus soluciona algumas questões de profundidade mais problemáticas sobre o que veio antes do Big Bang e porque o universo tão exatamente acertado para que estejamos aqui. Para um teísta, guiado pelo argumento da Lei Moral (como vimos no capítulo 1), buscar um Deus que não só enxerga o universo em movimento, mas também se interessa pelos seres humanos, uma síntese como essa pode ser prontamente alcançada. A argumentação seria algo assim: Se Deus existe, é sobrenatural. Se Ele é sobrenatural, não é limitado pelas leis naturais. Se não é limitado pelas leis naturais, não há motivo para que seja limitado pelo tempo. Se não é limitado pelo tempo ele está no passado, no presente e no futuro. (Collins, 2007, p. 87)

As consequências desse raciocínio, ainda segundo Collins, seriam as seguintes: Primeiro. Deus pode existir antes do Big Bang e continuar existindo mesmo que o universo viesse a desaparecer. Segundo, Ele estria em condições de saber o resultado exato da formação do universo mesmo antes de este ter começado. Terceiro. Ele saberia de antemão se um planeta próximo das margens externa  da espiral de uma galáxia poderia ter as características certas para permitir a vida. Quarto. Ele saberia por antecipação tal, que determinado planeta levaria ao desenvolvimento de criaturas conscientes, por meio do mecanismo da evolução e pela seleção natural. Quinto. Ele estaria também em condições de saber, antecipadamente, os pensamentos e  as ações dessas criaturas, mesmo se estas tivessem livre arbítrio. (cf. Collins, 2007, p. 88)

A Natureza como Síntese - 45

A sínteses entre as Ciências.  Os pontos de partida para entender a Natureza como uma grande síntese do Dr. Collins e do Pe. Balduino Rambo praticamente coincidem. As diferenças situam-se num plano secundário. Para o segundo a existência  de Deus foi um dado objetivo que o acompanhou desde o berço. Pelo menos ao que consta nunca o assaltou uma dúvida séria a esse respeito. Por isso a Natureza é o livro aberto da Revelação Divina. Quem está em condições de lê-lo e interpretá-lo não encontra dificuldade  em admitir a existência do Autor acima e além do que se observa, por ex., na botânica que foi seu campo de especialista. As paisagens, as “fisionomias” naturais como ele gostava de definir os múltiplos panoramas que podem ser encontrados, no seu conjunto e nos detalhes aparentemente  mais insignificantes, não passam em última análise, de um código, de uma “linguagem” que revela o Supremo Artista que os imaginou e os colocou à disposição do homem para que desenvolva os seus potenciais humanos, a sua “Menschlichkeit”, recordando mais um dos  seus conceitos prediletos. Para o Dr. Collins, especialista em Genética Médica, o genoma humano mapeado sob sua direção, forma em última análise um alfabeto de 3 bilhões de caracteres escrito num código enigmático. O decifrar desse código revela, para ele, nada mais nada menos do que “A Linguagem de Deus”. Diferente do Pe. Rambo, o Dr. Collins começou a convencer-se de que o agnosticismo que professara até os 21 anos e o ateísmo até os 27, não lhe ofereciam uma  reposta conclusiva para uma interrogação crucial: qual é a causa explicativa satisfatória para entender “o como” a natureza foi capaz de evoluir para uma complexidade tamanha que qualquer superlativo é incapaz de abarcar. Mais. Como se explica a teleologia que faz com que a evolução não se desgarre e não termine num caos total, mas demonstra uma ordem, uma harmonia resultante  de leis naturais que permitem acompanhar essa trajetória fantástica e entender com o aprofundamento das investigações, como funcionam as partes dentro e em função do todo. Mais ainda. O Dr. Collins como médico geneticista defrontou-se com outra desafio. Como é que os seus pacientes, submetidos a grandes e intermináveis sofrimentos, buscavam na Fé em Deus a força para seguir em frente, mesmo desenganados pela Medicina? Foi a partir daí que começou a refletir seriamente sobre a possibilidade de aceitar a ideia de Deus e terminou convencendo-se de que não havia nenhuma incompatibilidade em ser uma grande cientista e um dos maiores especialistas em genética e, ao mesmo tempo, crer sinceramente em Deus. Desde então tornou-se um fervoroso divulgador da compreensão do universo e da natureza como uma grandiosa e harmoniosa síntese, que não encontra explicação satisfatória sem abrir uma perspectiva para além dos potenciais da ciência como é normalmente entendida. E o Dr. Collins não vem a ser uma voz isolada que clama no deserto. Vale a pena reproduzir síntese da situação deixada por ele na “Linguagem de Deus”.

Essa síntese potencial das visões do mundo científica e espiritual, nos tempos modernos, é tida por muitos como impossível, quase como a tentativa de obrigar os dois polos de um ímã a permanecer juntos num mesmo ponto. Apesar dessa impressão, várias pessoas nos Estados Unidos permanecem interessadas e  assimilar a validade de ambas as visões do mundo em seu quotidiano. Pesquisas recentes confirmam que 93% dos norte-americanos são adeptos de alguma forma de crença em Deus; entretanto, a maioria deles também dirige carros, utiliza eletricidade e presta atenção na previsão do tempo, aparentemente reconhecendo que a ciência que dá respaldo a tais fenômenos é, em geral digna de crédito.

E o que dizer da crença espiritual entre os cientistas? Na verdade, ela é mais comum do que muitas pessoas imaginam. Em 1916, pesquisadores perguntaram a biólogos, físicos e matemáticos se acreditavam em  um Deus que se comunica ativamente com a humanidade e ao qual é possível fazer uma oração, na esperança de  receber uma resposta. Cerca de 40% responderam que sim. Em 1997, o mesmo estudo foi repetido literalmente e, para a surpresa dos pesquisadores, a porcentagem permanecia muito próxima da anterior. (Collins, 2007,  p. 12)

Em sua obra o  Dr. Collins começa as reflexões que o levaram no final a propor a alternativa do “BioLogos” como saída para harmonizar a Ciência e a Fé. “BioLogos” vem a ser o conceito chave para entender a harmonia, na situação atual do conhecimento, entre as Ciências Naturais, as Ciências Humana, as Letras e Artes e, principalmente, as Ciências do Espírito, isto é, a Filosofia e a Teologia. Para introduzir as suas reflexões recorda o que Kant escreveu há mais de 200 anos passados: “Duas coisas me enchem de admiração e estarrecimento  crescentes e constantes, quanto mais tempo e mais sinceramente fico refletindo acerca  delas: “os céus estrelados lá fora e a Lei Moral aqui dentro”; a declaração de Einstein: “Sem a religião a ciência é manca e sem a ciência a religião é cega; ou ainda a afirmação um tanto improvável na pena de um físico, como observou Collins: “em geral não dado  a contemplações metafísicas, Stephen Hawking no seu livro “Uma breve História do Tempo”:  “Então, poderíamos  todos nós, filósofos, cientistas e pessoas comuns, participar da discussão sobre a questão do porquê de nós e o universo existirem. Se encontrarmos uma resposta a isso, será o triunfo definitivo da razão humana – pois, então, conheceremos a mente de Deus”. Em outra passagem da mesma obra, Hawking afirma: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como o ato de um Deus criador que quisesse criar seres como nós”; ou  ainda a afirmação: de Theodosius Dobzhansky: “Ou a metade dos meus colega são muito idiotas, ou então a ciência do darwinismo é inteiramente compatível com as crenças religiosas convencionais – e igualmente com o ateísmo”. Há ainda  a resposta à pergunta formulada por Eugen Wiegner: “Qual seria a explicação para a inexplicável eficiência da matemática?  A resposta em forma de pergunta: “Não seria nada além de um feliz acidente ou refletiria alguma intuição profunda na natureza da realidade? Para quem deseja aceitar  a possibilidade do sobrenatural, seria isso também uma intuição da mente de Deus? Teriam Einstein, Heisenberg e outros  encontrado o divino?”. Em sua obra “God  and the Astronomers, o astrofísico Robert Jastrow  escreveu este parágrafo:

Neste momento parece que a ciência nunca será capaz de erguer a cortina acerca do mistério da criação. Para o cientista que viveu pela sua fé na força da razão, a história encerra como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância; vê-se prestes a conquistar o pico mais alto; à medida que se puxa para a rocha final, é saudado por um bando de teólogos que estiveram sentados ali durante séculos. (Jastrow, m 1992, p. 107, citado por Collins, 2007, p. 74)

Numa outra passagem do seu livro Jastrow escreveu: 

Agora vemos como a evidência astronômica conduziu a uma visão bíblica sobre a origem do mundo. Há diferença nos detalhes, porém os elementos  essenciais e as considerações astronômicas e bíblicas sobre a gênese são as mesmas; a cadeia de eventos conduzindo ao homem iniciou de modo repentino e preciso em um momento definido no tempo, em um brilho de luz e energia. (Jastrow, 1992, p. 14. Citado por Collins, 2007, p. 75)

Collins concordando com as afirmações de Jastrow, acrescenta  como conclusão:

Tenho de concordar. O “Big Bang” grita por uma explicação divina. Obriga à concluso de que a natureza teve um princípio definido. Não consigo ver como a natureza pôde ter-se criado. Apenas uma força sobrenatural, fora do tempo e do espaço, poderia tê-la originado. Mas e quanto ao resto da criação? O que faremos com o extenso processo pelo qual nosso planeta, a Terra, veio a existir, 10 bilhões de anos após o Big Bang?”  (Collins, 2007, p. 74-75)

O Dr. Collins  mostra depois o caminho percorrido pela ciência e os cientistas para concluir que o  Big Bang vem a ser  o começo do universo. E como foram os primeiros momentos da formação do universo assim como o conhecemos. Imediatamente após a “grande explosão” matéria e anti- matéria foram geradas em proporções quase iguais. Em frações de milionésimo de segundo o resfriamento foi suficiente para que os “quark” e “antiquark” fossem gerados. O encontro dos quarks e antiquarks resultou na sua destruição, com a liberação de um fóton de energia. Acontece que a simetria entre a matéria e ant-imatéria não era perfeita. Em cada bilhão de pares de quarks e antiquarks, havia um quark a mais. Essa aparentemente insignificante fração, lá no começo compõe a massa do universo conhecido. Se não tivesse havido essa assimetria o universo em pouco tempo ter-se-ia esvaído em radiação pura. e, como consequência as estrelas, planetas, plantas, animais e mesmo homens não teriam como existir. Depois do Big Bang a história da evolução do universo dependeu da quantidade  total da sua massa e energia e da força da gravidade. Stephen Hawkin observou admirado diante dessa mecânica constante:
Porque o universo iniciou com uma taxa crítica  tão próxima da expansão que separa os modelos que voltam a entrar em colapso daqueles que se mantem expandindo eternamente, que, ainda hoje, 10 mil milhões de anos mais tarde, continuam se expandindo próximo à taxa  crítica? Se a taxa de expansão um segundo após o Big Bang tivesse sido menor, mesmo em cada parte única de 100 mil milhões de milhões, o universo ter-se-ia destruído outra vez antes mesmo de atingir seu tamanho atual. (Hawking, citado por Collins, 2007, p. 138) 

O Dr. Collins continua nas suas reflexões mostrando que,  se a taxa de expansão tivesse sido maior para cada fração de um milhão, a formação de planetas e estrelas simplesmente não teria sido possível. Este estado de coisas faz com que “a existência de um universo como o conhecemos repousa no fio de navalha das improbabilidades” (A Linguagem de Deus, p. 80). Igualmente extraordinária é a circunstância em que se formaram os elementos pesados. No caso de a força nuclear que mantem unidos prótons e nêutrons tivesse sido minimamente mais fraca, somente o  hidrogênio se teria formado no universo. Se levemente mais forte, todo o hidrogênio ter-se-ia transformado em hélio, em vez dos 25% quando do Big Bang lá no começo. Como consequência as fornalhas de fusão das estrelas e a capacidade de gerar elementos mais pesados jamais teria ocorrido. Ainda segundo Collins, somando à situação que acabamos de caracterizar, a energia nuclear parece estar ajustada apenas o suficiente para a formação de carbono, elemento imprescindível às formas de vida. No caso de essa energia tivesse exercido uma atração muito menor, todo o carbono ter-se-ia convertido em oxigênio. As observações e as respectivas conclusões resumem-se na existência ao todo de ...

quinze constantes físicas cujos valores a atual teoria não consegue predizer. São dadas: simplesmente têm o valor que têm. A lista inclui a velocidade da luz, a potencia das forças nucleares forte e fraca, diversos parâmetros associados ao eletromagnetismo e a força da gravidade. A probabilidade de todas essas constantes terem os valores necessários para resultar num universo estável, capaz de sustentar  formas de vida complexas, quase tende ao ínfimo. E, no entanto,  elas apresentam exatamente os parâmetros que observamos. em resumo, nosso universo é extremamente improvável.

Neste ponto talvez você diga, com razão, que esse argumento é um tanto cíclico: o universo precisa de parâmetros associados a esse tipo de estabilidade, ou não estaríamos aqui para comentar a questão. Em geral, essa conclusão é chamada de “Princípio Antrópico”: a ideia de que o nosso universo está exclusivamente  ajustado para gerar humanos. Esse princípio tem sido uma fonte de muito assombro e especulação desde que foi avaliado em sua totalidade, poucas décadas atrás. (Collins, 2007,  p. 81)