A Natureza como Síntese - 12

Teilhard de Chardin (1881-1954)

O universo de Teilhard. Na mesma direção e avançando mais no aprofundamento da compreensão do homem e  do universo de Erich Wassmann, situa-se seu irmão de ordem, Pierre Teilhard de Chardin. Ambos foram cientistas de renome internacional e partiram dos resultados das suas pesquisas científicas para formular respostas às questões de fundo que envolvem a origem e a gênese da matéria, da vida e do homem. Wassmann encontrou seus dados empíricos nos estudos envolvendo o parasitismo e a relação simbiótica que ocorre entre fungos e bactérias nos ninhos de formigas e térmites. Teilhard de Chardin valeu-se de conhecimentos profundos de química, física e biologia, somadas às suas observações de antropólogo, etnógrafo e etnólogo, realizadas na China, na Europa e na América. 

No prefácio que escreveu para o livro de Teilhard de Chardin “O lugar do homem na Natureza.” Jean Piveteau  da Academia de Ciências de Paris resumiu a concepção do autor sobre o mundo e a natureza:
“A vida está longe de ser uma combinação fortuita de elementos materiais, um acidente da história do mundo, mas a forma  que a matéria assume num certo nível de complexidade. Ela introduz-nos numa ordem nova, caracterizada por propriedades peculiares, a biosfera. Esta não deve ser concebida como uma imagem puramente espacial, um mero invólucro concêntrico da litosfera, uma espécie de quadro onde a vida é confirmada, mas como uma camada estrutural do nosso planeta, “um dispositivo no qual transparece a ligação que une entre si, no seio de um mesmo dinamismo cósmico a Biologia, a Física e a Astronomia.” A vida manifesta muito rapidamente uma das suas tendências mais fundamentais, a tendência de se ramificar enquanto avança....”    (Teilhard de Chardin. 1956. p. 9-10)

E o próprio Teilhard escreveu na “Advertência” que acompanha sua obra: 
“( ... ) mas o seu grande interesse consiste em acender a uma posição privilegiada a partir da qual descobrimos com emoção, que se o homem deixou de ser (como antes se pensaria) o centro imóvel de um mundo acabado, em contrapartida, ele tende doravante a representar, para a nossa experiência, a ponta de lança de um universo em vias, simultaneamente de “complexificação” material e de “interiorização psíquica sempre mais  acelerada.” “Uma visão cujo choque sobre o nosso espírito deveria ser suficientemente forte para exaltar, ou mesmo para transformar a nossa filosofia.”  (Teilhard de Chardin. 1956. p.15-16)

Teilhard de Chardin como Erich Wassmann contavam em seus currículos com uma excelente formação filosófica e teológica. Preocupados com os questionamentos postos pelo avanço  das ciências às posições tradicionais em relação à compreensão do universo, da natureza e do homem, foram buscar respostas nos próprios dados científicos. As colônias de formigas e térmites  municiaram os argumentos de Erich Wassmann. Teilhard de Chardin foi buscá-los em todos os campos  do conhecimento científico. Demonstrando familiaridade com a física, a química, a biologia, a antropologia, a etnologia, a etnografia e, não em último lugar, com a Filosofia e Teologia, elaborou a sua ousada e grandiosa cosmovisão da gênese e da evolução da matéria, do universo, da vida e do homem. 

Nas suas incursões e reflexões sobre a natureza da matéria, dos processos químicos e das leis físicas que nela operam, visava em última análise, definir o “lugar do homem na natureza.” A compreensão do homem constituía-se para ele na chave da compreensão da natureza como um todo. Sem compreender o homem o universo e a natureza é incompreensível, melhor, não fazem  sentido. O universo não faz sentido sem a inserção nele, do homem na sua totalidade existencial, com sua dimensão físico-corporal, racional e espiritual. Mais. Ao longo de sua obra Teilhard  vai insinuando que, assim como o universo e a natureza não fazem sentido sem a presença do homem, o homem não faz sentido e consequentemente o universo e a natureza também não fazem sentido, se ao todo não subjaz, como motor, uma dinâmica teleológica, que comanda o acontecer na natureza. A coerência e a lógica do raciocínio nos diz que, se o acontecer na natureza obedece a uma teleologia, significa o mesmo que afirmar que na sua origem atuou uma causa e, no decorrer dos processos, uma ordem que os conduz ao encontro de um objetivo final. Ou não seria este por acaso o sentido do “Alfa” como ponto de partida e o “Ômega” como destino final, visão que se tornou a marca registrada da concepção de Teilhard? Ou ainda, a metáfora do globo terrestre em que o polo sul simboliza o começo, o ponto de partida, o “Alfa” e o polo norte o ponto de chegada, o destino final, o “Omega. Entre os dois polos aconteceu e continua acontecendo a gênese e a história do universo, da natureza e do homem. A primeira fase corresponde a uma diversificação, a uma complexificação e uma expansão em direção ao equador e, numa segunda fase verifica-se o contrário. A diversificação vai diminuindo e a complexificação cedendo lugar a uma tendência de compressão crescente, simulando um afunilamento na medida em que se avança em direção ao polo norte, ou o “Omega.” E na projeção final essa História encontra a sua consumação no “Ômega.” O que acontece com o universo e a natureza como um todo, realiza-se individualmente em cada espécie de seres vivos, também no homem. Mais adiante falaremos mais sobre a natureza do “Alfa” e do “Omega” na visão de Teilhard. 

Para obter êxito nesta empreitada e, principalmente, para formular uma saída coerente e satisfatória, valeu-se dos conhecimentos  acima apontados, fundamentou sua proposta  em pressupostos por ele identificados. 

Para entender o homem e atribuir-lhe o lugar exato que lhe cabe no universo, a natureza percorreu um longo caminho. O caminho foi marcado por um começo, um ponto de partida que prima pela simplicidade, uma simplicidade que se manifesta pela ausência de diversidade e animada por processos físicos e químicos elementares. No começo existiu apenas energia. Da concentração da energia resultou a matéria primigênia na forma de átomos. Tudo o que aconteceu a partir de  então, durante os bilhões de anos que se seguiram, resume-se na concentração e na complexificação da matéria original. O próprio Teilhard assim se expressou: “A vida, repetirei ao longo de todas estas páginas, apresenta-se experimentalmente  à ciência como um efeito material da complexidade.”  (Teilhard de Chardin. 1956. p. 27). E, para que este conceito-chave não leve a equívocos de interpretação, continua definindo claramente de que tipo de concentração se trata. Negativamente complexificação não é sinônimo de agregação, como acontece num pilha de tijolos, ou a repetição geométrica que comando o “crescimento” de um cristal. Definiu assim a complexificação por ele observada
“( ... ) a combinação, ou seja, essa forma particular e superior de agrupamento cuja missão é ligar a si mesmo um certo número fixo de elementos (poucos ou muitos, não importa), com ou sem o contributo auxiliar de agregação e de repetição, num conjunto fechado, com raio determinado: o átomo, a molécula, a célula, o metazoário.”   (Teilhard de Chardin. 1956. p. 28)

Sempre segundo Teilhard, estamos aqui diante dos componentes e dos processos dos quais resultou a infinita complexidade do mundo, palco do homem e da sua história. Abstraindo da complexificação por agregação e da complexificação por  repetição, fiquemos apenas com a complexificação por combinação. Neste processo a agregação e a repetição entram apenas como mecanismos complementares e secundários. Nos dois casos o elemento “inacabado” é da essência do processo. À pilha de tijolos podemos “agregar” quantas unidades   quisermos sem modificar  a sua natureza. Um cristal admite a incorporação na sua rede estrutural um número indefinido de átomos, moléculas e ramificações. Faz parte da natureza dessas duas modalidades de estruturação estarem sempre abertos a novos acréscimos, tanto na estrutura, quanto no número de elementos que a compõem sem modificar a sua natureza. 

Com a complexificação por “combinação”, colocada como base do seu pensamento por Teilhard, as coisas passam-se de outra maneira. A “combinação” resulta em cada etapa numa estrutura acabada em si mesma, porém, a partir de certo momento, dotada de um potencial interno de desdobramento sem limites definidos e predeterminados. Desta forma um “corpúsculo”, tratando-se tanto de uma unidade micro, macro ou mega, embora limitado no seu  contorno estrutural, a partir de um determinado nível de complexidade, começa a manifestar sinais efetivos de “autonomia”. Com o auxílio desses conceitos Teilhard atribui a evolução, a transformação,  a complexificação, o avanço autônomo na natureza, ou qualquer outro termo que se prefira empregar, à um tal ou qual “centro complexidade,” para ficar com o termo que ele próprio usa. 

O universo de Teilhard está estruturado  sobre três pilares: o muito pequeno, o muito grande e o muito complexo. Em outras palavras. Os átomos com seus elétrons constituem a base “muito pequena.” Pela “agregação” e pela “repetição geométrica”, os elementos do universo tornam-se cada vez maiores até atingir as dimensões do “muito grande.” Paralelamente acontece a ascensão a partir de uma extrema simplicidade estrutural, via combinação de elementos e funções, para culminar numa “grande complexidade”, que atinge o seu grau máximo com a noosfera e o homem. São, portanto, três os pilares sobre os quais o universo é edificado: “o muito pequeno, o muito grande e o muito complexo.” Dito em outras palavras: “o ínfimo, o imenso e o complexo.” 

Avançando um pouco mais no seu raciocínio Teilhard depara-se com o fato de que pela física cada “infinito” vem acompanhado de efeitos especiais e próprios como os “quanta” no ínfimo e a relatividade no “imenso.” Pergunta então: E a complexidade imensa não produziria como efeito específico a vida, com as suas propriedades como assimilação, reprodução e interiorização e psiquismo? A sua resposta é esta: 
“Aqui está, se não me engano, a perspectiva libertadora de que dependem para nós a significação e o futuro do mundo. O vivo, dizia mais atrás, foi durante muito tempo olhado como uma singularidade  acidental da matéria terrestre, e o resultado  é que toda a Biologia ainda se move em terreno movediço, sem ligação inteligível com o resto da Física. Tudo muda se a vida não significa outra coisa, para a experiência científica, senão um efeito específico da Matéria complexificada: propriedade co-extensiva em si mesma a todo o tecido cósmico, mas somente apreensível pelo nosso olhar onde (através de um certo número de limiares que precisamos) a complexidade atravessa um certo valor crítico abaixo do qual não vemos nada. É preciso que a velocidade de um corpo se aproxime da luz para que sua variação de massa seja para nós aparente. É preciso que sua temperatura atinja 500 graus para que a sua irradiação comece a afetar os nossos olhos. Porque não havia de ser exatamente  em virtude do mesmo mecanismo que, até às proximidades de sua complexidade de um milhão e meio, a matéria nos pareça “morta,” (na realidade dever-se-ia dizer pré-viva), enquanto para além disso, ela começa a ganhar as cores da Vida?”   (Teilhard de Chardin. 1956. p.  32-33)

  Jean Piveteau nasceu em 23 de setembro de 1899 em Rouillac – França e faleceu em 7 de março de 1991 em Paris. Foi um respeitado paleontólogo de vertebrados. Eleito presidente da Academia Francesa de Ciências, ocupou o posto até 1973. Foi um dos grandes admiradores de Teilhard de Chardin, tanto assim que escreveu a apresentação do livro:” O Lugar do Homem na Natureza”.

A Natureza como Síntese - 11

Erich Wassmann (1859-1931)

Erich Wassmann, nascido em Moran no Tirol do Sul, hoje pertencente à Itália,  dedicou todo o seu empenho na tentativa de clarear as questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Cientista e filósofo jesuíta, apelidado de “o padre das formigas,”  contemporâneo de Hans Driesch, foi outro pioneiro no esforço de  clarear as questões limítrofes entre os dois grandes campos do conhecimento. Hans Driesch buscou os dados empíricos para formular a sua explicação vitalista nas observações  que fez em embriões de ouriços do mar. Erich Wassmann encontrou os dados empíricos na observação atenta da estrutura e o comportamento das colônias de  formigas e cupins. Analisando a convivência simbiótica entre formigas e térmitas e fungos formulou a sua “Weltauffassung” – Cosmovisão. Suas observações levaram-no a identificar, como ele mesmo escreveu,  “milhares de espécies e dúzias de novas famílias de insetos que, hoje vivem regularmente como hóspedes nos ninhos de formigas e térmitas. (cf. Stimmen der Zeit, Vol 100, 1921, p. 134) 

Publicou uma série de trabalhos que lhe mereceram respeito e reconhecimento no meio científico da época. Entre eles sobressaem: “Os ninhos associados e as colônias mistas de formigas - 1911; “Inventário crítico dos artrópodos Mirmecófilos e Termicófilos” – 1914; “Estudo comparativo da vida das formigas e dos animais superiores – 1887 e 1910; “Instinto e Inteligência no mundo animal – 1897 e 1905; “As capacidades psíquicas das formigas” – 1890 e 1909; “A Biologia moderna e a teoria da Evolução” – 1904 e 1906; O parasitismo  entre formigas – problemas biológicos e filosóficos” – 1920; “O Monismo cristão” – 1919.

Erich Wassmann alinha-se, com Hans Driesch, entre aqueles cientistas que, pela virada do século XIX, assumiram uma atitude mais cautelosa na crítica, frente às teorias e hipóteses evolucionistas e, ao mesmo tempo, levaram a sério as conquistas científicas, fazendo delas aliadas em se tratando de lançar luz sobre  as questões que interessavam à Ciência e à Filosofia. 
Wassmann condensou o seu ponto de vista sobre a problemática, num artigo publicado na revista Stimmen der Zeit, Vol 100 de 1921, com o título “A concepção cristã da natureza na luz das modernas descobertas científicas.”

Quem sabe a pergunta talvez seja esta: Será que toda a Cosmovisão cristã não se fundamenta sobre a “Imagem” antiga do mundo, totalmente modificada pelos progressos das Ciências  modernas? Como se pode esperar que a “Cosmovisão” cristã seja ainda hoje moderna? Por acaso não se tornou tão  insustentável quanto aquela “imagem” do mundo? (Wassmann. Stimmen der Zeit. Vol. 100. 1921. p. 126)

Para responder de forma consistente  essa pergunta, Wassmann trabalhou com os dois conceitos: “Weltbild e Weltauffassung”. Definiu “Weltbild” como sendo a “imagem do mundo” desenhado a partir dos conhecimentos disponíveis num  momento dado, das realidades naturais, das suas  relações mútuas e das leis que as regem.. O “Weltbild”, portanto, corresponde à imagem do universo, do mundo e da natureza, assim como as ciências o retratam em cada época. Cabe ao cientista da natureza, utilizando-se do instrumental e dos métodos científicos próprios, identificar, o que ocorre no mundo natural. É tarefa sua também detectar as regras e as leis imanentes aos processos naturais. O cientista, valendo-se das leis físicas, químicas, climatológicas, estatísticas, matemáticas,  procura entender  os acontecimentos que lhe interessam e formular  as teorias e hipóteses capazes de auxiliar na compreensão da natureza. Com esses dados desenha o “Weltbild” que, portanto, exige um permanente redesenhar na medida em que novos dados e resultados científicos forem produzidos. 

O segundo conceito com que Wassmann trabalha é o de “Weltauffassung” – “Concepção do mundo” – “Cosmovisão”. A este nível pergunta-se pela causa primeira e pela finalidade última e as respectivas leis. O “Weltbild” mostra o caráter essencialmente determinado pelas investigações científicas no campo das Ciências Naturais e a “Weltauffassung a concepção do mundo, a cosmovisão resultado dos esforços da Filosofia Natural. 

Com isto fica claro  que o cientista, sem o recurso a categorias filosóficas, não ultrapassará o nível dos dados objetivos que resultam dos seus esforços empíricos, porque, “cada  teoria envolvendo a natureza contém um elemento metafísico, na medida em que tenta identificar as relações entre as realidades apreensíveis experimentalmente.” (Wassmann. Stimmen Der Zeit, 1921. Vol. 100. p. 126)
De outra parte o filósofo da natureza movimenta-se  no verdadeiro  campo da metafísica, em busca do extra sensível. Procura responder a interrogações mais substantivas, mais fundamentais, sobre a origem das leis naturais e a harmonia que reina entre elas.   (cf. Wassmann. Stimmen Der Zeit, 1921. Vol. 100. p. 127)

Wassmann resumiu seu pensamento  nos seguintes termos: 
Conclui-se daí  em que medida o “Weltbid” se relaciona com a “Weltauffassung” As conclusões metafísicas  somente então são consideradas verdadeiras quando fluem logicamente das leis naturais formuladas pelas Ciências Naturais e por elas forem fundamentadas. Neste sentido verifica-se, sem dúvida, a nível  do espírito, entre o “Weltbild” desenhado pela Ciência e da “Welauffassung” – Cosmovisão – da Filosofia Natural. Esta relação, entretanto, não é absoluta, senão relativa. No decurso do tempo o “Weltbild” muda e tem que mudar de acordo com as descobertas e as conquistas da Ciência Natural. Acontece, porém, que os questionamentos últimos que perguntam pela causa da ordem no mundo como um todo, permanecem eternamente as mesmas. Em resumo a pergunta é esta: As realidades naturais e suas leis subsistem por si mesmas ou é forçoso apelar para a explicação que tem como base a existência de um Deus pessoal que, da plenitude do seu Ser, deu origem a um mundo criado?  Sendo assim resta-nos em última análise, no plano da concepção metafísica da “Weltauffassung”, a alternativa: ou o Monismo nas suas mais variadas modalidades, do extremo Hilozoísmo ao extremo Panteísmo ou então o Teísmo,.”  ( Wassmann. Stimmen der Zeit, 1921, Vol. 100 p. 127)

Ao definir esta sua posição Wassmann mostrou uma grande cautela. De um lado dados científicos por ele próprio observados nas colônias de formigas e térmitas, impediam-no de rejeitar pura e simplesmente a ideia de uma evolução. Do outro lado qualquer aceitação  da evolução como uma explicação global ou parcial das diversidades naturais, atraía a desconfiança ou a oposição das autoridades religiosas. Como cientista procurou garantir bases sólidas para o “Weltbild” que suas observações empíricas com formigas e térmitas lhe revelavam, para, como filósofo, formular a sua “Weltauffassung” válida e capaz de fazer compreender o universo e suas partes. Comprometido com a Ciência já não lhe era possível negar a ocorrência de transformações na natureza em geral e entre os seres vivos em particular. Como religioso de formação filosófica e teológica, além do compromisso com a ortodoxia, cabia-lhe encontrar uma saída que satisfizesse os dois lados, tanto a Ciência quanto a Doutrina da Igreja.

Diante da constatação de que a Evolução, o Transformismo, ou outras denominações que se queiram empregar, tem como motor básico a adaptação, esta por sua vez efetiva-se no plano concreto pela seleção natural. Acontece que, em se  falando de seleção natural, é preciso penetrar um pouco mais a fundo no significado do conceito. A seleção natural costuma ser  invocada como um mecanismo de adaptação passiva dos seres vivos às condições naturais em que se acham inseridos. Em outras palavras. Trata-se de um processo calcado na eliminação  dos menos aptos e da sobrevivência e continuidade dos mais bem dotados. A constatação da universalidade e da eficiência deste mecanismo fez dele, pela simplicidade e obviedade e potencial de respostas científicas, a chave para solucionar os problemas e entender os caminhos percorridos pela transformação das espécies. 

A questão, entretanto,  complica-se quando se tenta avançar mais a fundo nos processos de adaptação ou seleção natural. Percebe-se então que a eliminação dos menos aptos e a sobrevivência dos mais aptos, representa  apenas o efeito visível e mensurável de algo mais profundo e mais substantivo. Verifica-se que a adaptação passiva visível e aferível pelos métodos empíricos, deixa em aberto a pergunta: como se explica a maior ou menor adaptação ou a maior ou menor capacidade de sobreviver ou ser eliminado pelos processos seletivos naturais? Para responder Wassmann contrapõe no artigo citado os conceitos de “Adaptação passiva e Adaptação ativa.” Os organismos vivos  adaptam-se às circunstâncias em que se encontram inseridos nos limites  do seu “potencial de adaptação” – ou “Anpassungsvermögen”, próprio de cada um em particular. Para uns o espectro de adaptabilidade – o “Anpassungsvermögen” - é mais amplo do que para os outros. Assim, por exemplo, uma mudança climática mais profunda para o frio ou o calor, eliminaria todas aquelas espécies  dotadas de um potencial de adaptação aquém dos extremos das mudanças climáticas em curso. Para essas espécies há dois caminhos pela frente: ou migram para regiões onde sua capacidade adaptativa lhe permite sobrevier ou, num prazo determinado, desaparecem do cenário da vida. 

Wassmann chama atenção no artigo citado que explicar a evolução, a transformação da natureza viva, pressupõe a compreensão dos mecanismos que subjazem ao potencial de adaptação ativa, em outras palavras o “Anpassungsverwögengen” dos organismos vivos. Lamarck já em 1809 se dera conta dessa necessidade, mas a formulação do seu pensamento não foi feliz. Mas é a partir do século XX que “o princípio da ação ativa,”  - “Prinzip der activen Bewirkung”  de Oskar Hertwig foi influenciando numerosos cientistas, para valer-se deste conceito como instrumento metodológico. “Chega-se cada vez mais à convicção acertada de que, sem a adaptação ativa, isto é, sem a capacidade de o organismo reagir teleologicamente aos estímulos do meio,  tanto a evolução filética quanto a individual, é uma impossibilidade. (St. Der Zeit. Vol 100, 1921, p. 135).

Outro que defendeu com êxito nos círculos científicos a necessidade de uma teleologia nos processos evolutivos, foi Karl von Baer.  Erich Wassmann formulou em resumo a sua concepção nos seguintes termos:

 “A mesma finalidade de gerar formas aptas para a vida, é válida também para a evolução  filética. Neste particular torna-se  tanto mais necessária a interdependência entre os processes evolutivos e as influências do ambiente externo pois, se trata da formação de novas modalidades de vida sob a influência de condições externas alteradas. Portanto, abstraindo de uma adaptação ativa a evolução filética dos organismos vivos é impensável. A capacidade de os organismos vivos reagirem finalisticamente às influências do meio externo, isto é, preservando a vida ou gerando vida, só pode ter a suja explicação mais profunda no potencial evolutivo disponível no próprio organismo. O potencial evolutivo não teria nenhuma utilidade se não estivesse em sintonia com os diversos fatores ambientais, exercendo seus estímulos evolutivos sobre o organismo. De outra forma o ser vivo não teria como “adaptar-se”  às novas condições de vida   por meio das modificações correspondentes à sua evolução. Caso contrário resta-lhe a extinção. Isto vale tanto para a primeira célula como vale para todos os outros fenômenos de adaptação presentes  na evolução filética  global do mundo orgânico.”   (St. Der Zeit. Vol 100, 1921, p. 135-136)

Desde que Wassmann publicou as considerações acima há 95  anos, em essência o foco da questão em nada se modificou. Entretanto as ciências físicas  e naturais fizeram avanços gigantescos. A física desvendou o micromundo da estrutura da matéria até os seus últimos componentes. Identificou as leis que regem o átomo e seus componentes. Criou tecnologias pelas quais seus potenciais energéticos podem ser controlados e utilizados como poderosas fontes de energia, tanto para fins pacíficos quanto bélicos. Uma imersão não menos profunda na trama e na própria mecânica dos processos vitais, levou os cientistas a desenvolverem tecnologias que desvendaram os segredos da estrutura e do funcionamento do genoma humano e de outros seres vivos. E, de posse  desses conhecimentos, o desenvolvimento de tecnologias para canalizar os potenciais dos mesmos para as mais diversas finalidades, é apenas uma questão de tempo. Os caminhos para a manipulação genética das plantas, animais e do próprio homem, estão abertos, acompanhados pelos riscos, desvios e benefícios inerentes aos mesmos. Foram desenvolvidos medicamentos e técnicas de tratamento, capazes de combater inúmeros males hereditários ou de pré-disposição hereditária, que afetam a saúde humana ou afetam a qualidade de animais e plantas. 

E o que trouxeram realmente de novo essas conquistas do último século? Em termos de concepção da natureza, de “Cosmovisão,” de “Weltauffassung”, a rigor nada de fundamentalmente novo. Aqueles cientistas que apostam todas as fichas na convicção de que o progresso, o avanço e o aperfeiçoamento dos métodos e das técnicas de investigação, terminarão desvendando e explicando as últimas incógnitas que envolvem a natureza e a própria vida, não passam de herdeiros do século XX e XXI, do mecanicismo monista de Haeckel,  Huxley  e outros do século XIX. 

Um outro segmento de cientistas e, de modo especial, pesquisadores na linha interdisciplinar, formulam as mesmas perguntas e colocam as mesmas objeções dos seus colegas de cem anos atrás: Que mecanismos geraram as primeiras realidades materiais, as energias, os processos e a matéria prima de que é formado o universo; qual é a causalidade suficiente que gerou as primeiras formas de vida e as potencializou para se transformarem e evoluírem para a infinidade de formas e estágios, incluindo o homem, que povoaram e ainda  povoam a terra? Também neste  caso as respostas mais ou menos cautelosas, mais ou menos diretas, não sofreram modificações substantivas. Todos concordam em afirmar ou, pelo menos sugerem, que os processos, as leis, as estruturas e a matéria que compõem o universo, não são a causa suficiente para produzir efeitos como a vida, a sensibilidade, a inteligência reflexa, assim como a própria existência da matéria e as leis e processos que a regem. 
As respostas a essas questões  variam na forma e na insistência de acordo com a época e a filiação  filosófica, confessional ou teológica, do autor.

Erich Wassmann resumiu sua posição nos seguintes termos:
“Aqui se oculta uma linha de pensamento eminentemente teleológica. Se for levada até as suas últimas consequências lógicas, termina necessariamente no reconhecimento de um Criador pessoal responsável pelas leis da natureza; pois, as leis da evolução devem ter sido concebidas pelo mesmo legislador, que outorgou as leis para o mundo ambiente como um todo e as aplicou harmonicamente às leis  da evolução dos seres vivos. Este legislador só pode ser uma sabedoria supramundana que, como causa prima, regula e engloba a natureza toda e suas leis. Assim as adaptações orgânicas se constituem  num testemunho vivo, numa prova da moderna concepção  teísta do mundo.”  (Stimmen der Zeit. Vol. 100, 1921, p. 136)

E  num tom que reflete bem a atmosfera de confronto entre o Monismo de Ernest Hackel, falecido em 1919 e a proposta de cientista cristão que era, Erich Wassamann concluiu a convicção a respeito da questão.

Há, portanto, um único caminho para livrar-se da confusão que se criou em torno da Ordem Natural e da Filosofia Natural. É forçoso abandonar a concepção baseada na suposição de uma união substancial de Deus com a Natureza e retornar às bases de uma cosmovisão Teísta Cristã. É preciso admitir que a tudo preside e a  tudo permeia uma sabedoria e um poder criador, única forma de explicar a ordem natural, assim como a conhecemos hoje. As leis que regem os corpos celestes assim como as menores partículas da matéria, a relação de interesses entre os seres vivos e a relação de cada átomo para com os processos vitais dos organismos vivos, formam uma maravilhosa harmonia do acontecer na Natureza, exigem da mente humana uma concepção unitária para a compreensão da Natureza. É exatamente essa concepção unitária que é postulada pelo Monismo moderno, sem obter uma resposta conclusiva. Não é a unidade substancial das realidades naturais, que na verdade, são múltiplas, que nos dão a resposta, uma “unidade pela causa primordial” (Ursächliche Einheit), que se encontra no Plano Criador  de um Deus Infinito. Este é o verdadeiro Monismo da concepção cristã da Natureza. ( ... ) E se a Natureza evoluiu autonomamente conduzida pelas leis a ela inerentes, como o professa a ciência moderna, o recurso  a um todo poderoso Criador do Céu e da Terra, impõe-se com tanto mais insistência. Não só as leis que regem o espetáculo da Cosmogonia, quanto as leis que garantem o bom andamento dos processos orgânico-evolutivos dos organismos vivos. Os Fatores Hereditários, os Genes do Mendelismo desempenham o papel de “causa segunda” (causa secunda) que impulsionam o vir a ser da história filética. A Causa Prima é Deus com sua Sabedoria e Poder infinitos, que se  concretiza nas mais diversas ramificações das formas de organismos e os Genes correspondem à ideias divinas feitas realidade em a Natureza viva.( Stimmen der Zeit. Vol 100. 1921. p. 138)

Como se pode ver Erich Wassmann empenhou-se seriamente para encontrar e formular uma saída de consenso para as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Cientista como foi, suas sociedades ou colônias de formigas e térmitas convenceram-no de que o transformismo, a evolução fazia parte ou, quem sabe, era o motor principal que acionava o acontecer na história da vida. O parasitismo, a simbiose que faz parte da própria natureza  dessas sociedades animais, só pode ter acontecido ao longo de processo demorado. Padre jesuíta que foi, comprometido com a ortodoxia, cabia-lhe a obrigação de encontrar uma saída calcada em bases sólidas, tanto na Ciência quanto na Filosofia e Teologia. E, parece, que deu um passo significativo nesta direção. Para ele, tanto as evidências do transformismo, quanto o princípio filosófico da causalidade suficiente e o consequente pressuposto doutrinário da atuação de um ente criador na Natureza, eram dados inegociáveis. A sua resposta à questão acha-se claramente formulada na citação acima. 

De um lado a Igreja, melhor setores da Igreja, empenharam-se em bloquear  os avanços das ideias evolucionistas. Do outro lado muitos cientistas extrapolaram  e avançaram para além do seu campo específico e especializado, valendo-se dos resultados das suas pesquisas e observações, para implementar suas investidas contra a Igreja, a Religião ou qualquer concepção que não coubesse na explicação monista materialista. 

27 Stimmen der Zeit periódico de Cultura Cristã editada pelos jesuítas alemães, atualmente com sede em Munique. Sua fundação data da década de 1860 sob o título original de Stimmen aus Maria Laach. Sem favor nenhuma esse periódico é, ao lado de Botéria de Portugal, Études da França, Voze de Petrópilis do Brasil uma das publicações de Cultura mais importantes ainda em circulação. Quem pretende ter uma radiografia dos embates culturais, no sentido geral, de  150 anos para cá, encontra na “Stimmen der Zeit” uma fonte preciosa. Desde as discussões motivadas por Darwin e sua  teoria do evolucionismo, Vaticano I, a questão social e muitos outros temas nessa linha, encontram-se nessa revista numa coleção quase completa no memorial jesuíta na Universidade do Rio dos Sinos em São Leopoldo

A Natureza como Síntese - 10

Hans Driesch (1867-1942)

Hans Driesch nasceu em 1867 em Kreuzenach e faleceu em Leipzig em 1942. Tinha sido discípulo de E. Haeckel,  não demorou em afastar-se da posição teórica do mestre. Foi professor de filosofia em Colônia e a partir de 1921 em Leipzig. Paralelo à docência na cátedra de Filosofia, realizou experiências com o desenvolvimento dos ovos do ouriço do mar. Os resultados convenceram-no de que o darwinismo não oferecia respostas convincentes para todos os fatos e fenômenos da natureza. Como tentativa de resposta formulou a teoria do Vitalismo para servir de alternativa ao evolucionismo como explicação para a dinâmica que rege os seres vivos. Valeu como uma primeira tentativa para superar o distanciamento  entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito.

Não há dúvida de que Driesch é credor, de um lado, de grandes méritos pela contribuição que deu à Biologia por meio de seus experimentos, e do outro, por ter partido de observações empíricas, utilizando-as para formular uma base interpretativa nova para o fenômeno da vida. Foi, entretanto, pouco feliz ao definir a essência do ser vivo. Concebeu-o, de um lado, formado pelas estruturas e funções orgânicas e, do outro, pela Entelequia, ou princípio vital. A Entelequia relaciona-se com o organismo vivo e suas funções como “o capitão com o navio”. Cabe-lhe orientar e conduzir as funções vitais. Desta forma Driesch não logrou superar o velho dualismo que perpassava em grande parte o pensamento ocidental: corpo e alma, espírito e matéria, princípio vital e estrutura orgânica, Entelequia e funções orgânicas. O mérito e o avanço de Driesch está no fato de ter chegado a esta conclusão como resultado de observações empíricas e não pela via da dedução abstrata.

A Natureza como Síntese - 9

O distanciamento ou aproximação entre Ciência e Religião, Filosofia e Teologia, tornou-se uma questão de fundo a partir do momento em que as filosofias que animaram ambos os lados, entraram em confronto. Não se tratou mais de interpretações isoladas, mas consolidaram-se sistemas filosóficos e principalmente filosofias da natureza, que entraram em confronto e, durante um século ou mais, se digladiaram. O resultado foi o fechamento de cada lado sobre a sua posição, com inegável prejuízo para ambos. Foi então que, no final do século dezenove  fizeram-se perceptíveis sinais e iniciativas de mudança de fundo neste quadro. Na medida em que as Ciências Naturais com seus métodos de investigação penetravam cada vez mais fundo na natureza dos seus objetos de investigação, novas e intrigantes incógnitas desafiavam os pesquisadores. Cada passo dado e cada resposta obtida, reclamava mais um avanço e deixava mais questões sem resposta. E foi de modo especial no campo da História Natural dos seres vivos, que a ciência fez os avanços e as descobertas mais espetaculares. No esforço do desdobramento anatômico de animais e plantas os cientistas localizaram e identificaram até as estruturas básicas dos seres vivos. De outra parte o esforço da compreensão anatômica, veio acompanhada pelo empenho não menor em identificar e entender os processos fisiológicos na sua natureza, interdependência e resultados finais.

O avanço dos conhecimentos científicos levou, aos poucos, a duas constatações importantes. A primeira prosperou na cabeça de um número crescente de cientistas. Na medida em que problemas eram resolvidos e perguntas respondidas, novos desafios se apresentavam e novas incógnitas intrigavam. Quanto mais fundo os cientistas penetravam nas estruturas e no funcionamento da vida em todos os seus níveis, desde os vestígios fósseis, até à multiplicidade das formas, inclusive o homem, os novos questionamentos que se colocavam aos cientistas e à ciência, superavam em número, complexidade e profundidade os já solucionados. Os cientistas assemelhavam-se ao homem que tentava aproximar-se do horizonte. Na medida em que parecia aproximar-se dele, este se afastava, deixando a desagradável  sensação de impotência e frustração. 

Diante desse quadro os cientistas e a própria ciência reagiu de duas maneiras. A  maioria optou pelo dogmatismo científico segundo o qual os processos naturais não passam de fatos e fenômenos químicos, físicos e fisiológicos postos em funcionamento por leis mecânicas perfeitamente identificáveis, controláveis e previsíveis pelos métodos experimentais disponíveis ou a serem elaborados e aperfeiçoados. Como consequência o universo como um todo e seus componentes minerais, vegetais, animais e o próprio homem, são explicáveis pela concepção mecanicista. O surgimento da vida, sua diversificação no decorrer da biogênese e, de forma particular, a antropogênese, não passam de fruto das leis da natureza. A elucidação dos aspectos ainda obscuros não passa de uma mera questão de tempo e de tecnologias de investigação. Conceitos como “causalidade eficiente”, “teleologia” no sentido aristotélico, são rejeitados como incompatíveis com o espírito científico e substituídos pelo “casual”, pelo “fortuito”, pelo “mecânico.” A natureza  não passa, em última análise, de uma gigantesca e complexa máquina, mas apenas máquina, auto regulada, auto conservada, auto depurada, auto regenerada, numa dinâmica que, a priori, não ultrapassa o empiricamente aferível. Perguntas como causalidade primeira, finalidade, fim último, ordem ..., não entram como conceitos-referência nessa orientação científica. Enquanto a grande maioria dos cientistas nem se preocupa com esses conceitos, aqueles que formularam generalizações a partir de dados científicos, defendem o materialismo ou o positivismo científico. O resultado final não passa de um dogmatismo científico tão radical quanto aquele pregado por seitas e ou denominações fundamentalistas. 

Mas na medida em que essa posição fechava a porta ao diálogo e à abertura e se radicalizava cada vez mais, uma outra corrente, baseada nas mesmas conquistas da ciência, foi-se revelando a partir do final do século dezenove, foi tomando corpo para, finalmente, impor respeito pela solidez dos argumentos e pela autoridade dos seus formuladores. 

Os avanços e os resultados espetaculares obtidos pelas Ciências Naturais até as primeiras décadas do século XX haviam acumulado um enorme cabedal de conhecimentos. O avanço contínuo nas investigações científicas, mormente no campo da biologia, levaram diversos dos maiores expoentes do mundo científico de então, entre eles Hans Driesch e Ludwig von Beralanffy,  a formular novas teorias e novos sistemas, para explicar a natureza dos seres vivos. O currículo de ambos cobria um vasto campo de conhecimentos, tendo como pontos fortes a biologia e a filosofia. Estavam, portanto, habilitados a se ocupar com conhecimento de causa das questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Cronologicamente Hans Driesch precedeu Ludwig von Bertalanffy em 50 anos e, com certeza, influiu de alguma forma no pensamento deste último.

A Natureza como Síntese - 8

Desde que se formularam as bases metodológicas e epistemológicas das pesquisas científicas, a partir do século dezoito, sempre houve um número significativo  de religiosos que se notabilizaram em algum dos campos das Ciências Naturais. Sua presença foi registrada na astronomia, na geologia, na zoologia, na botânica e, paralelamente, na etnografia e etnologia. Não é necessário insistir de que estes cientistas que também eram religiosos, foram portadores de uma sólida formação filosófica e teológica  tradicional. Conheciam muito bem o pensamento dos filósofos clássicos, com destaque para Aristóteles,  Platão, Santo Agostinho, Tomas de Aquino, Alberto Magno, Suarez, Espinosa, Boaventura, Kant, Fichte, Schleiermacher e muitos outros. Eram-lhes familiares as concepções dos  movimentos filosóficos  e  filósofos dos séculos XVIII, XIX  e XX. É óbvio que os trabalhos científicos que realizaram nos diversos campos específicos, foram de alguma maneira iluminados por aquele pano de fundo. De outra parte, religiosos que eram, estavam comprometidos com uma série de princípios doutrinários inegociáveis.  Entre estes destacavam-se a crença em Deus, na criação, na eternidade, na imortalidade e  outros mais.

Para alguns, como os jesuítas Matteu Ricci  e Adam Schall  na China e Roberto de Nobile  na Índia, os conhecimentos de matemática,  astronomia e literatura, abriram as portas ao cristianismo naquelas regiões remotas. Para outros as pesquisas científicas serviram para conquistar prestígio para a Igreja num ambiente hostil. Destacam-se neste caso os nomes do padre italiano Girolamo Bresadollla, autoridade  internacionalmente respeitada na pesquisa com fungos e do padre austríaco e jesuíta Johannes Rick que, durante 45 anos pesquisou fungos no Rio Grande do Sul e no oeste de Santa Catarina, conquistando para tanto nome internacional na especialidade. Tanto Bresadolla quanto Rick conquistaram fama internacional com suas pesquisas, na primeira metade do século XX. Ambos mantiveram correspondência  e intercâmbio científico, com colegas dos principais centros de pesquisa em fungos da época da Europa e da América do Norte. 

Entre os cientistas religiosos até aqui citados, além de outros, a preocupação foi, por meio dos conhecimentos científicos,  abrir caminho para a penetração do cristianismo. Situam-se nesta linha Ricci, Schall e de Nobile e na China e na Índia. Conquistada a simpatia do imperador pelos conhecimentos e astronomia e matemática, a entrada ao cristianismo no vasto império estava franqueada. Neste caso a ciência foi usada evidentemente com um eficiente instrumento missionário.
 
Bresadolla e Rick tornaram-se internacionalmente conhecidos pela profundidade e a seriedade das suas investigações, sem um objetivo tão claro quanto os missionários da China acima mencionados. Está fora de dúvida de que, com ou sem uma intenção explícita contribuíram para diminuir o fosso aberto entre a Ciência e a Religião. 

  Matteu Ricci missionário jesuíta na Cina, nasceu em 6 de outubro de 1552 em Maserata na Itália e faleceu em Beijing na China em 11 d maio de 1610. Notabilizou-se pelo mapa mundi em caracteres chineses que lhe franqueou as portas até do palácio imperial. Seus conhecimentos de astronomia e geografia foram por ele usados como um eficaz instrumento missionário. Por meio dele os conhecimentos de astronomia especialmente desenvolvidos na Europa entraram no império chinês, aproximando esses dois mundos tão diferentes.
  Adam Schall também missionário jesuíta na China, nascido e Colônia – Alemanha em 1º de maio de 1592 e falecido em Beijing – China em 15 de agosto de 1666. Como seu irmão de Ordem Matteu Ricci foi astrônomo. Se prestígio como cientista foi de tal ordem que foi nomeado tutor do imperador Shunzhi. 
  Roberto de Nobili Missionário jesuíta na Índia, nascido em 1577 em Montepulciano – Itália e falecido em Chenai – Índia em 1656. Exerceu sua atividade missionária adaptando-se o quanto possível aos costumes locais do sul da Índia. Dominava três línguas: Sânscrito, Tulugu e Tamil. A sua estratégia  missionária adaptada aos costumes indianos valerem-lhe críticas da parte de outros missionários e do arcebispo de Bombaim. Conhecia a fundo o Sânscrito e do Tamil. Escreveu um catecismo, obras apologéticas e promoveu debates na língua Tamil. Contribuiu decisivamente na produção literária nessa língua. Matteu Ricci e Adam Schall valeram-se da Ciência, com destaque para a Astronomia como porta d entrada do cristianismo na China, enquanto Roberto de Novili usou como instrumento missionário a linguística e a literatura na Índia.

A Natureza como Síntese - 7

As Ciências Naturais e as Ciências do Espírito em conflito

Uma situação impensável  há um século, tornou-se cada vez mais frequente de 100 anos para cá. Filósofos, teólogos e cientistas sentam-se com sempre maior frequência juntos à mesa, e o que é mais importante, de espírito desarmado, dispostos a dialogar sobre os avanços de cada lado em busca da compreensão do universo. 

Acontece, porém,  que o caminho que nos últimos anos levou a Ciência, a Filosofia e a Teologia a novamente dialogarem e trocarem resultados e conclusões, foi longo e penoso. Até o século vinte adentro assistimos a um distanciamento  cada vez mais profundo e mais radical entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Valendo-se de métodos de abordagem e de categorias de raciocínio aparentemente irreconciliáveis, cada lado foi elaborando e formulando uma compreensão do universo e de suas partes integrantes irredutível e excludente. 

As pesquisas científicas valendo-se do método analítico-indutivo desenvolveram instrumentos cada vez mais eficientes e  tecnologias sempre mais refinadas,  penetrando fundo nas incógnitas da natureza. Os resultados forneceram a base para generalizações e teorizações, em não poucos casos com evidentes características dogmáticas. Assim o mecanicismo que vê  os  acontecimentos  do universo  obedecendo exclusivamente a leis mecânicas, sem um objetivo, sem uma finalidade, sem o concurso de forças  e influências espirituais ou orgânicas. Da mesma forma o Darwinismo na versão de Thomas Huxley,  Haeckel e outros, foi transformado numa cosmovisão monista materialista. Filosofias da natureza como essas e outras  semelhantes, terminaram por impor-se como autênticos dogmas nos meios intelectuais, científicos e acadêmicos das universidades. A eles opuseram-se aberta ou veladamente os dogmas filosóficos e teológicos, invocando nos processos naturais a presença e o concurso de causas extra materiais, uma teleologia, a intervenção de atos criadores.... E a guerra aberta entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, levou a um impasse. Enquanto as duas cosmovisões  se digladiavam o homem comum  perguntava-se: Com quem está a verdade, onde está a verdade, enfim, o que é a verdade? 

Da parte da ciência os fundamentalistas apresentavam seus dogmas como respostas conclusivas para as perguntas sobre o universo. Do outro lado os dogmas e dogmáticos das mais diversas denominações filosóficas, teológicas e religiosas, reclamavam para si a mesma autoridade. Os dois arraiais encastelaram-se cada qual no seu radicalismo, no qual, pontos de vista, conclusões e afirmações se haviam transformado em verdades definitivas e irreconciliáveis. Cada qual se declarava porta voz da Verdade. A radicalização das posições atingiu a temperatura máxima durante a segunda metade do século dezenove e começos do século vinte. De um lado impuseram-se nomes como de E. Haeckel, Huxley, e outros, com suas teses radicais e, do outro, a posição não menos radical defendida e formulada e, em parte, consolidada pelo Concílio Vaticano I. Os ecos desta batalha vieram a repercutir também no Sul do Brasil. O desencontro foi especialmente agudo entre os jesuítas e a corrente liberal liderada por Karl von Koseritz. E não podia deixar de ser assim, visto que von Koseritz defendia  com agressividade as teses evolucionistas, materialistas e monistas de E. Haeckel. Os jesuítas, por sua vez, comprometidos com o projeto da Restauração Católica, foram seu alvo preferencial. 

No meio desse fogo cruzado o homem comum, razoavelmente bem instruído, foi tomado pela perplexidade. As Ciências revelavam cada vez mais evidências que abalavam a solidez das “verdades” acabadas. De outra parte os avanços científicos, na medida que penetravam a fundo nos processos naturais, deparavam-se com outras tantas perguntas sem resposta. As respostas  “dogmáticas a priori” dos teólogos, exegetas e demais autoridades eclesiásticas e as respostas “dogmáticas a posteriori” dos cientistas, empurravam a solução cada vez mais para o  impasse. O diálogo tornara-se quase impossível e, com isto, o entendimento praticamente sem perspectivas. O “fundamentalismo” científico e o “fundamentalismo” teológico, envolveram-se numa guerra estéril, na qual sobreviveram apenas perdedores. 

Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano,  mandou o seguinte recado aos beligerantes de ambos os arraiais.

É hora de pedir trégua na guerra cada vez mais acirrada entre ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato necessária. Como em tantas contendas mundanas, essa foi iniciada e intensificada por extremistas de ambos os lados, soando alertas que previam ruínas próximas a menos que o outro lado fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por Deus; ela é  aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso, busquemos, juntos, recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra natal da razão e da adoração nunca correu o risco de se esmigalhar. Nunca vai ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam sinceramente a verdade venham e fixem residência. Atenda a esse chamado. Nossas esperanças, alegrias e o futuro do mundo dependem disso. (Collins. 2007.   p. 236)
Mais próximo a nós ainda, em 2006,  Edward Wilson, um dos mais respeitados entomologista e estudiosos dos ecossistemas naturais e humanizados, alinhou sua compreensão do mundo e da natureza, na mesma direção.

Alguns filósofos pós-modernos, convencidos de que a verdade é relativa e dependente apenas da visão do mundo de cada um, argumentam que não existe uma entidade tal como a “Natureza”. Para eles, trata-se de uma falsa dicotomia, que surgiu em algumas culturas e não em outras. Estou disposto a levar em conta esse ponto de vista, pelo menos por alguns minutos, mas já atravessei tantas fronteiras nítidas entre ecossistemas naturais e humanizados que não posso duvidar da existência objetiva da Natureza. (Wilson, E. 2008. p. 31)

  O biólogo Thomas Henry Huxley nasceu em 4 de maio de  de 1826 em Londres e faleceu em 29 de junho de 1895  também em Londres. Contemporâneo de Darwin tornou-se ao lado de Haeckel um ferrenho defensor da teoria da evolução ao ponto de ser apelidado de o buldogue de Darwin. Apesar desssa sua devoção a Darwin não aceitava simples e puramente tudo que o mestre ensiava. No atacado defendia a ferro e fogo a teoria da evolução, no varejo fazia questão de fazer valer as difrenças. Admirador de Karl von Baer, traduziu as obras dele do alemão para o ingles e defendeu os pressupostos de von Baer para explicar a evolução.