A Natureza como Síntese - 9

O distanciamento ou aproximação entre Ciência e Religião, Filosofia e Teologia, tornou-se uma questão de fundo a partir do momento em que as filosofias que animaram ambos os lados, entraram em confronto. Não se tratou mais de interpretações isoladas, mas consolidaram-se sistemas filosóficos e principalmente filosofias da natureza, que entraram em confronto e, durante um século ou mais, se digladiaram. O resultado foi o fechamento de cada lado sobre a sua posição, com inegável prejuízo para ambos. Foi então que, no final do século dezenove  fizeram-se perceptíveis sinais e iniciativas de mudança de fundo neste quadro. Na medida em que as Ciências Naturais com seus métodos de investigação penetravam cada vez mais fundo na natureza dos seus objetos de investigação, novas e intrigantes incógnitas desafiavam os pesquisadores. Cada passo dado e cada resposta obtida, reclamava mais um avanço e deixava mais questões sem resposta. E foi de modo especial no campo da História Natural dos seres vivos, que a ciência fez os avanços e as descobertas mais espetaculares. No esforço do desdobramento anatômico de animais e plantas os cientistas localizaram e identificaram até as estruturas básicas dos seres vivos. De outra parte o esforço da compreensão anatômica, veio acompanhada pelo empenho não menor em identificar e entender os processos fisiológicos na sua natureza, interdependência e resultados finais.

O avanço dos conhecimentos científicos levou, aos poucos, a duas constatações importantes. A primeira prosperou na cabeça de um número crescente de cientistas. Na medida em que problemas eram resolvidos e perguntas respondidas, novos desafios se apresentavam e novas incógnitas intrigavam. Quanto mais fundo os cientistas penetravam nas estruturas e no funcionamento da vida em todos os seus níveis, desde os vestígios fósseis, até à multiplicidade das formas, inclusive o homem, os novos questionamentos que se colocavam aos cientistas e à ciência, superavam em número, complexidade e profundidade os já solucionados. Os cientistas assemelhavam-se ao homem que tentava aproximar-se do horizonte. Na medida em que parecia aproximar-se dele, este se afastava, deixando a desagradável  sensação de impotência e frustração. 

Diante desse quadro os cientistas e a própria ciência reagiu de duas maneiras. A  maioria optou pelo dogmatismo científico segundo o qual os processos naturais não passam de fatos e fenômenos químicos, físicos e fisiológicos postos em funcionamento por leis mecânicas perfeitamente identificáveis, controláveis e previsíveis pelos métodos experimentais disponíveis ou a serem elaborados e aperfeiçoados. Como consequência o universo como um todo e seus componentes minerais, vegetais, animais e o próprio homem, são explicáveis pela concepção mecanicista. O surgimento da vida, sua diversificação no decorrer da biogênese e, de forma particular, a antropogênese, não passam de fruto das leis da natureza. A elucidação dos aspectos ainda obscuros não passa de uma mera questão de tempo e de tecnologias de investigação. Conceitos como “causalidade eficiente”, “teleologia” no sentido aristotélico, são rejeitados como incompatíveis com o espírito científico e substituídos pelo “casual”, pelo “fortuito”, pelo “mecânico.” A natureza  não passa, em última análise, de uma gigantesca e complexa máquina, mas apenas máquina, auto regulada, auto conservada, auto depurada, auto regenerada, numa dinâmica que, a priori, não ultrapassa o empiricamente aferível. Perguntas como causalidade primeira, finalidade, fim último, ordem ..., não entram como conceitos-referência nessa orientação científica. Enquanto a grande maioria dos cientistas nem se preocupa com esses conceitos, aqueles que formularam generalizações a partir de dados científicos, defendem o materialismo ou o positivismo científico. O resultado final não passa de um dogmatismo científico tão radical quanto aquele pregado por seitas e ou denominações fundamentalistas. 

Mas na medida em que essa posição fechava a porta ao diálogo e à abertura e se radicalizava cada vez mais, uma outra corrente, baseada nas mesmas conquistas da ciência, foi-se revelando a partir do final do século dezenove, foi tomando corpo para, finalmente, impor respeito pela solidez dos argumentos e pela autoridade dos seus formuladores. 

Os avanços e os resultados espetaculares obtidos pelas Ciências Naturais até as primeiras décadas do século XX haviam acumulado um enorme cabedal de conhecimentos. O avanço contínuo nas investigações científicas, mormente no campo da biologia, levaram diversos dos maiores expoentes do mundo científico de então, entre eles Hans Driesch e Ludwig von Beralanffy,  a formular novas teorias e novos sistemas, para explicar a natureza dos seres vivos. O currículo de ambos cobria um vasto campo de conhecimentos, tendo como pontos fortes a biologia e a filosofia. Estavam, portanto, habilitados a se ocupar com conhecimento de causa das questões de fronteira entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Cronologicamente Hans Driesch precedeu Ludwig von Bertalanffy em 50 anos e, com certeza, influiu de alguma forma no pensamento deste último.

This entry was posted on quarta-feira, 3 de novembro de 2021. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.