A Natureza como Síntese - 12

Teilhard de Chardin (1881-1954)

O universo de Teilhard. Na mesma direção e avançando mais no aprofundamento da compreensão do homem e  do universo de Erich Wassmann, situa-se seu irmão de ordem, Pierre Teilhard de Chardin. Ambos foram cientistas de renome internacional e partiram dos resultados das suas pesquisas científicas para formular respostas às questões de fundo que envolvem a origem e a gênese da matéria, da vida e do homem. Wassmann encontrou seus dados empíricos nos estudos envolvendo o parasitismo e a relação simbiótica que ocorre entre fungos e bactérias nos ninhos de formigas e térmites. Teilhard de Chardin valeu-se de conhecimentos profundos de química, física e biologia, somadas às suas observações de antropólogo, etnógrafo e etnólogo, realizadas na China, na Europa e na América. 

No prefácio que escreveu para o livro de Teilhard de Chardin “O lugar do homem na Natureza.” Jean Piveteau  da Academia de Ciências de Paris resumiu a concepção do autor sobre o mundo e a natureza:
“A vida está longe de ser uma combinação fortuita de elementos materiais, um acidente da história do mundo, mas a forma  que a matéria assume num certo nível de complexidade. Ela introduz-nos numa ordem nova, caracterizada por propriedades peculiares, a biosfera. Esta não deve ser concebida como uma imagem puramente espacial, um mero invólucro concêntrico da litosfera, uma espécie de quadro onde a vida é confirmada, mas como uma camada estrutural do nosso planeta, “um dispositivo no qual transparece a ligação que une entre si, no seio de um mesmo dinamismo cósmico a Biologia, a Física e a Astronomia.” A vida manifesta muito rapidamente uma das suas tendências mais fundamentais, a tendência de se ramificar enquanto avança....”    (Teilhard de Chardin. 1956. p. 9-10)

E o próprio Teilhard escreveu na “Advertência” que acompanha sua obra: 
“( ... ) mas o seu grande interesse consiste em acender a uma posição privilegiada a partir da qual descobrimos com emoção, que se o homem deixou de ser (como antes se pensaria) o centro imóvel de um mundo acabado, em contrapartida, ele tende doravante a representar, para a nossa experiência, a ponta de lança de um universo em vias, simultaneamente de “complexificação” material e de “interiorização psíquica sempre mais  acelerada.” “Uma visão cujo choque sobre o nosso espírito deveria ser suficientemente forte para exaltar, ou mesmo para transformar a nossa filosofia.”  (Teilhard de Chardin. 1956. p.15-16)

Teilhard de Chardin como Erich Wassmann contavam em seus currículos com uma excelente formação filosófica e teológica. Preocupados com os questionamentos postos pelo avanço  das ciências às posições tradicionais em relação à compreensão do universo, da natureza e do homem, foram buscar respostas nos próprios dados científicos. As colônias de formigas e térmites  municiaram os argumentos de Erich Wassmann. Teilhard de Chardin foi buscá-los em todos os campos  do conhecimento científico. Demonstrando familiaridade com a física, a química, a biologia, a antropologia, a etnologia, a etnografia e, não em último lugar, com a Filosofia e Teologia, elaborou a sua ousada e grandiosa cosmovisão da gênese e da evolução da matéria, do universo, da vida e do homem. 

Nas suas incursões e reflexões sobre a natureza da matéria, dos processos químicos e das leis físicas que nela operam, visava em última análise, definir o “lugar do homem na natureza.” A compreensão do homem constituía-se para ele na chave da compreensão da natureza como um todo. Sem compreender o homem o universo e a natureza é incompreensível, melhor, não fazem  sentido. O universo não faz sentido sem a inserção nele, do homem na sua totalidade existencial, com sua dimensão físico-corporal, racional e espiritual. Mais. Ao longo de sua obra Teilhard  vai insinuando que, assim como o universo e a natureza não fazem sentido sem a presença do homem, o homem não faz sentido e consequentemente o universo e a natureza também não fazem sentido, se ao todo não subjaz, como motor, uma dinâmica teleológica, que comanda o acontecer na natureza. A coerência e a lógica do raciocínio nos diz que, se o acontecer na natureza obedece a uma teleologia, significa o mesmo que afirmar que na sua origem atuou uma causa e, no decorrer dos processos, uma ordem que os conduz ao encontro de um objetivo final. Ou não seria este por acaso o sentido do “Alfa” como ponto de partida e o “Ômega” como destino final, visão que se tornou a marca registrada da concepção de Teilhard? Ou ainda, a metáfora do globo terrestre em que o polo sul simboliza o começo, o ponto de partida, o “Alfa” e o polo norte o ponto de chegada, o destino final, o “Omega. Entre os dois polos aconteceu e continua acontecendo a gênese e a história do universo, da natureza e do homem. A primeira fase corresponde a uma diversificação, a uma complexificação e uma expansão em direção ao equador e, numa segunda fase verifica-se o contrário. A diversificação vai diminuindo e a complexificação cedendo lugar a uma tendência de compressão crescente, simulando um afunilamento na medida em que se avança em direção ao polo norte, ou o “Omega.” E na projeção final essa História encontra a sua consumação no “Ômega.” O que acontece com o universo e a natureza como um todo, realiza-se individualmente em cada espécie de seres vivos, também no homem. Mais adiante falaremos mais sobre a natureza do “Alfa” e do “Omega” na visão de Teilhard. 

Para obter êxito nesta empreitada e, principalmente, para formular uma saída coerente e satisfatória, valeu-se dos conhecimentos  acima apontados, fundamentou sua proposta  em pressupostos por ele identificados. 

Para entender o homem e atribuir-lhe o lugar exato que lhe cabe no universo, a natureza percorreu um longo caminho. O caminho foi marcado por um começo, um ponto de partida que prima pela simplicidade, uma simplicidade que se manifesta pela ausência de diversidade e animada por processos físicos e químicos elementares. No começo existiu apenas energia. Da concentração da energia resultou a matéria primigênia na forma de átomos. Tudo o que aconteceu a partir de  então, durante os bilhões de anos que se seguiram, resume-se na concentração e na complexificação da matéria original. O próprio Teilhard assim se expressou: “A vida, repetirei ao longo de todas estas páginas, apresenta-se experimentalmente  à ciência como um efeito material da complexidade.”  (Teilhard de Chardin. 1956. p. 27). E, para que este conceito-chave não leve a equívocos de interpretação, continua definindo claramente de que tipo de concentração se trata. Negativamente complexificação não é sinônimo de agregação, como acontece num pilha de tijolos, ou a repetição geométrica que comando o “crescimento” de um cristal. Definiu assim a complexificação por ele observada
“( ... ) a combinação, ou seja, essa forma particular e superior de agrupamento cuja missão é ligar a si mesmo um certo número fixo de elementos (poucos ou muitos, não importa), com ou sem o contributo auxiliar de agregação e de repetição, num conjunto fechado, com raio determinado: o átomo, a molécula, a célula, o metazoário.”   (Teilhard de Chardin. 1956. p. 28)

Sempre segundo Teilhard, estamos aqui diante dos componentes e dos processos dos quais resultou a infinita complexidade do mundo, palco do homem e da sua história. Abstraindo da complexificação por agregação e da complexificação por  repetição, fiquemos apenas com a complexificação por combinação. Neste processo a agregação e a repetição entram apenas como mecanismos complementares e secundários. Nos dois casos o elemento “inacabado” é da essência do processo. À pilha de tijolos podemos “agregar” quantas unidades   quisermos sem modificar  a sua natureza. Um cristal admite a incorporação na sua rede estrutural um número indefinido de átomos, moléculas e ramificações. Faz parte da natureza dessas duas modalidades de estruturação estarem sempre abertos a novos acréscimos, tanto na estrutura, quanto no número de elementos que a compõem sem modificar a sua natureza. 

Com a complexificação por “combinação”, colocada como base do seu pensamento por Teilhard, as coisas passam-se de outra maneira. A “combinação” resulta em cada etapa numa estrutura acabada em si mesma, porém, a partir de certo momento, dotada de um potencial interno de desdobramento sem limites definidos e predeterminados. Desta forma um “corpúsculo”, tratando-se tanto de uma unidade micro, macro ou mega, embora limitado no seu  contorno estrutural, a partir de um determinado nível de complexidade, começa a manifestar sinais efetivos de “autonomia”. Com o auxílio desses conceitos Teilhard atribui a evolução, a transformação,  a complexificação, o avanço autônomo na natureza, ou qualquer outro termo que se prefira empregar, à um tal ou qual “centro complexidade,” para ficar com o termo que ele próprio usa. 

O universo de Teilhard está estruturado  sobre três pilares: o muito pequeno, o muito grande e o muito complexo. Em outras palavras. Os átomos com seus elétrons constituem a base “muito pequena.” Pela “agregação” e pela “repetição geométrica”, os elementos do universo tornam-se cada vez maiores até atingir as dimensões do “muito grande.” Paralelamente acontece a ascensão a partir de uma extrema simplicidade estrutural, via combinação de elementos e funções, para culminar numa “grande complexidade”, que atinge o seu grau máximo com a noosfera e o homem. São, portanto, três os pilares sobre os quais o universo é edificado: “o muito pequeno, o muito grande e o muito complexo.” Dito em outras palavras: “o ínfimo, o imenso e o complexo.” 

Avançando um pouco mais no seu raciocínio Teilhard depara-se com o fato de que pela física cada “infinito” vem acompanhado de efeitos especiais e próprios como os “quanta” no ínfimo e a relatividade no “imenso.” Pergunta então: E a complexidade imensa não produziria como efeito específico a vida, com as suas propriedades como assimilação, reprodução e interiorização e psiquismo? A sua resposta é esta: 
“Aqui está, se não me engano, a perspectiva libertadora de que dependem para nós a significação e o futuro do mundo. O vivo, dizia mais atrás, foi durante muito tempo olhado como uma singularidade  acidental da matéria terrestre, e o resultado  é que toda a Biologia ainda se move em terreno movediço, sem ligação inteligível com o resto da Física. Tudo muda se a vida não significa outra coisa, para a experiência científica, senão um efeito específico da Matéria complexificada: propriedade co-extensiva em si mesma a todo o tecido cósmico, mas somente apreensível pelo nosso olhar onde (através de um certo número de limiares que precisamos) a complexidade atravessa um certo valor crítico abaixo do qual não vemos nada. É preciso que a velocidade de um corpo se aproxime da luz para que sua variação de massa seja para nós aparente. É preciso que sua temperatura atinja 500 graus para que a sua irradiação comece a afetar os nossos olhos. Porque não havia de ser exatamente  em virtude do mesmo mecanismo que, até às proximidades de sua complexidade de um milhão e meio, a matéria nos pareça “morta,” (na realidade dever-se-ia dizer pré-viva), enquanto para além disso, ela começa a ganhar as cores da Vida?”   (Teilhard de Chardin. 1956. p.  32-33)

  Jean Piveteau nasceu em 23 de setembro de 1899 em Rouillac – França e faleceu em 7 de março de 1991 em Paris. Foi um respeitado paleontólogo de vertebrados. Eleito presidente da Academia Francesa de Ciências, ocupou o posto até 1973. Foi um dos grandes admiradores de Teilhard de Chardin, tanto assim que escreveu a apresentação do livro:” O Lugar do Homem na Natureza”.

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