A Natureza como Síntese - 7

As Ciências Naturais e as Ciências do Espírito em conflito

Uma situação impensável  há um século, tornou-se cada vez mais frequente de 100 anos para cá. Filósofos, teólogos e cientistas sentam-se com sempre maior frequência juntos à mesa, e o que é mais importante, de espírito desarmado, dispostos a dialogar sobre os avanços de cada lado em busca da compreensão do universo. 

Acontece, porém,  que o caminho que nos últimos anos levou a Ciência, a Filosofia e a Teologia a novamente dialogarem e trocarem resultados e conclusões, foi longo e penoso. Até o século vinte adentro assistimos a um distanciamento  cada vez mais profundo e mais radical entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. Valendo-se de métodos de abordagem e de categorias de raciocínio aparentemente irreconciliáveis, cada lado foi elaborando e formulando uma compreensão do universo e de suas partes integrantes irredutível e excludente. 

As pesquisas científicas valendo-se do método analítico-indutivo desenvolveram instrumentos cada vez mais eficientes e  tecnologias sempre mais refinadas,  penetrando fundo nas incógnitas da natureza. Os resultados forneceram a base para generalizações e teorizações, em não poucos casos com evidentes características dogmáticas. Assim o mecanicismo que vê  os  acontecimentos  do universo  obedecendo exclusivamente a leis mecânicas, sem um objetivo, sem uma finalidade, sem o concurso de forças  e influências espirituais ou orgânicas. Da mesma forma o Darwinismo na versão de Thomas Huxley,  Haeckel e outros, foi transformado numa cosmovisão monista materialista. Filosofias da natureza como essas e outras  semelhantes, terminaram por impor-se como autênticos dogmas nos meios intelectuais, científicos e acadêmicos das universidades. A eles opuseram-se aberta ou veladamente os dogmas filosóficos e teológicos, invocando nos processos naturais a presença e o concurso de causas extra materiais, uma teleologia, a intervenção de atos criadores.... E a guerra aberta entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito, levou a um impasse. Enquanto as duas cosmovisões  se digladiavam o homem comum  perguntava-se: Com quem está a verdade, onde está a verdade, enfim, o que é a verdade? 

Da parte da ciência os fundamentalistas apresentavam seus dogmas como respostas conclusivas para as perguntas sobre o universo. Do outro lado os dogmas e dogmáticos das mais diversas denominações filosóficas, teológicas e religiosas, reclamavam para si a mesma autoridade. Os dois arraiais encastelaram-se cada qual no seu radicalismo, no qual, pontos de vista, conclusões e afirmações se haviam transformado em verdades definitivas e irreconciliáveis. Cada qual se declarava porta voz da Verdade. A radicalização das posições atingiu a temperatura máxima durante a segunda metade do século dezenove e começos do século vinte. De um lado impuseram-se nomes como de E. Haeckel, Huxley, e outros, com suas teses radicais e, do outro, a posição não menos radical defendida e formulada e, em parte, consolidada pelo Concílio Vaticano I. Os ecos desta batalha vieram a repercutir também no Sul do Brasil. O desencontro foi especialmente agudo entre os jesuítas e a corrente liberal liderada por Karl von Koseritz. E não podia deixar de ser assim, visto que von Koseritz defendia  com agressividade as teses evolucionistas, materialistas e monistas de E. Haeckel. Os jesuítas, por sua vez, comprometidos com o projeto da Restauração Católica, foram seu alvo preferencial. 

No meio desse fogo cruzado o homem comum, razoavelmente bem instruído, foi tomado pela perplexidade. As Ciências revelavam cada vez mais evidências que abalavam a solidez das “verdades” acabadas. De outra parte os avanços científicos, na medida que penetravam a fundo nos processos naturais, deparavam-se com outras tantas perguntas sem resposta. As respostas  “dogmáticas a priori” dos teólogos, exegetas e demais autoridades eclesiásticas e as respostas “dogmáticas a posteriori” dos cientistas, empurravam a solução cada vez mais para o  impasse. O diálogo tornara-se quase impossível e, com isto, o entendimento praticamente sem perspectivas. O “fundamentalismo” científico e o “fundamentalismo” teológico, envolveram-se numa guerra estéril, na qual sobreviveram apenas perdedores. 

Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano,  mandou o seguinte recado aos beligerantes de ambos os arraiais.

É hora de pedir trégua na guerra cada vez mais acirrada entre ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato necessária. Como em tantas contendas mundanas, essa foi iniciada e intensificada por extremistas de ambos os lados, soando alertas que previam ruínas próximas a menos que o outro lado fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por Deus; ela é  aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso, busquemos, juntos, recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra natal da razão e da adoração nunca correu o risco de se esmigalhar. Nunca vai ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam sinceramente a verdade venham e fixem residência. Atenda a esse chamado. Nossas esperanças, alegrias e o futuro do mundo dependem disso. (Collins. 2007.   p. 236)
Mais próximo a nós ainda, em 2006,  Edward Wilson, um dos mais respeitados entomologista e estudiosos dos ecossistemas naturais e humanizados, alinhou sua compreensão do mundo e da natureza, na mesma direção.

Alguns filósofos pós-modernos, convencidos de que a verdade é relativa e dependente apenas da visão do mundo de cada um, argumentam que não existe uma entidade tal como a “Natureza”. Para eles, trata-se de uma falsa dicotomia, que surgiu em algumas culturas e não em outras. Estou disposto a levar em conta esse ponto de vista, pelo menos por alguns minutos, mas já atravessei tantas fronteiras nítidas entre ecossistemas naturais e humanizados que não posso duvidar da existência objetiva da Natureza. (Wilson, E. 2008. p. 31)

  O biólogo Thomas Henry Huxley nasceu em 4 de maio de  de 1826 em Londres e faleceu em 29 de junho de 1895  também em Londres. Contemporâneo de Darwin tornou-se ao lado de Haeckel um ferrenho defensor da teoria da evolução ao ponto de ser apelidado de o buldogue de Darwin. Apesar desssa sua devoção a Darwin não aceitava simples e puramente tudo que o mestre ensiava. No atacado defendia a ferro e fogo a teoria da evolução, no varejo fazia questão de fazer valer as difrenças. Admirador de Karl von Baer, traduziu as obras dele do alemão para o ingles e defendeu os pressupostos de von Baer para explicar a evolução. 

This entry was posted on sábado, 30 de outubro de 2021. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.