Os jesuítas no sul do Brasil


Desde o descobrimento, a América Latina tornara-se o cenário  em que os jesuítas, mais do que os membros de qualquer outra ordem religiosa, implantaram e desenvolveram projetos de cristianização e de promoção humana. Universalmente  famosa e conhecida, foi a obra por eles edificada durante os séculos XVI, XVII e XVIII, tanto nas colônias espanholas quanto nas portuguesas. Podem ser encontrados no Chile liderando iniciativas no ensino e educação, na instalação de oficina, tipografias, artesanatos, farmacologia, além da catequese aos nativos e filhos dos espanhóis. Estão presentes no Chaco argentino civilizando os nativos e implantando colégios importantes em cidades como Córdova, Rosário e Tucumán. Sua obra mais conhecida foram as missões entre os nativos e o complexo de Reduções espalhadas pelo norte da Argentina, sul do Paraguai e sul do Brasil. A partir de 1549 os jesuítas foram presença obrigatória no Brasil. Duas atividades destacaram-se: a catequese entre os nativos e a implantação de colégios nos centros mais importantes  como São Paulo, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e outros. A história do Brasil não pode ser escrita sem tomar em conta a contribuição dos filhos de Santo Inácio. Os nomes de Nóbrega e José de Anchieta são familiares a qualquer criança do ensino fundamental.
Depois da expulsão das colônias latino-americanas na década de 1750 e, mais ainda, depois da supressão da Ordem em 1773, as obras dos jesuítas foram entregues ao arbítrio, à cobiça, aos interesses escusos e à hostilidade para com a Igreja. Relatos chegados até nós, documentos históricos, correspondências da época, além das imponentes ruinas dos templos, reduçõe e aldeamentos testemunham o tamanho e a importância  da obra dos jesuítas daqueles quase dois séculos, tanto assim que as ruinas das reduções foram declaradas patrimônio da humanidade.
Restaurada a Ordem em 1914, em poucos anos, os filhos de Santo Inácio de Loyola, como que emergindo de um “retiro compulsório de 40 anos”, voltaram aos cenários apostólicos, para dar continuidade à obra interrompida. Retomaram o apostolado da educação, reassumiram as missões populares, recomeçara a conquista para o cristianismo dos povos autóctones e acompanharam os imigrantes europeus em busca de novas pátrias. Foi em meio a essa dinâmica que em 1842 chegaram ao sul do Brasil os primeiros jesuítas da Ordem restaurada. Agora sua missão consistiu, não em catequizar índios, mas em dar assistência religiosa aos núcleos  de povoamento em formação, cuidar da educação profana e religiosa e dar andamento a ambiciosos projetos de promoção humana.
Os primeiros jesuítas a trabalharem no sul do Brasil depois da restauração da Ordem, foram os espanhóis expulsos da Argentina pelo ditador Rosas em 22 de março de 1841. O superior da América Latina, Pe. Mariani Verdugo refugiou-se em Montevideo. O Pe. Verdugo e seu companheiro, Pe. Sadó, viajaram para o Rio de Janeiro onde contavam com um amigo e defensor dos jesuítas, na pessoa do internúncio apostólico Ambrósio Campodonico. Notícias da precária situação religiosa no Rio Grande do Sul levaram O Pe. Verdugo a mandar para lá seu companheiro, Pe. Sadó e, par auxiliá-lo, chamou o Pe. Coris de Montevideo. Resolvidas as questões burocráticas e dos subsídios aos quais os padres renunciaram, começaram a viagem para o Sul de navio. A viagem foi interrompida por uma tempestade na altura de Santa Catarina e a embarcação arrastada para a ilha do mesmo nome. Receando novas peripécias em viagem marítima, os padres optaram pela via terrestre, percorrendo por terra os 400 quilômetros até Porto Alegre, onde foram calorosamente recebidos, tanto pelas autoridades civis quanto eclesiásticas. O pároco da matriz fez questão de hospedá-los em sua casa até conseguirem moradia própria. Não demorou e uma rica dama, a Sra. Delfina Carlota Araújo Brusque, cedeu gratuitamente, junto com um escravo, uma casa para morarem e o pároco providenciou a mobília e gêneros alimentícios.
Os dois padres não perderam tempo e, sem tardar, começaram a pregar missões para a população luso-brasileira, primeiro em Pelotas, em seguida em Porto Alegre, para melhorarem a  fluência na  língua. Sobre o resultado das missões em Porto Alegre o Pe. Schupp registrou: “O afluxo do povo foi de todo extraordinário: a igreja estava repleta até o coro; participaram exatamente os cidadãos de maior destaque da cidade. Durante o sermão reinava um silêncio reverente. Os confessionários foram sitiados, de modo especial no dia da comunhão geral, oito padres atenderam às confissões da manhã até o entardecer, sem conseguir satisfazer a todos que se apresentaram para a confissão. Assistiu-se a uma maravilhosa movimentação que empolgava a população inteira de Porto Alegre. (Schupp, Ambros. A Missão dos jesuítas alemães no Rio Grande do Sul. Ed. Unisinos, São Leopoldo, p. 102).
Durante a década de 1840, a colônia alemã avançava em ritmo acelerado ente 30 a 50 quilômetros ao norte de Porto Alegre. A metade protestante contava com assistência religiosa regular, enquanto os católicos continuavam desassistidos. Costumavam reunir-se aos domingos para a “devoção”, para rezar e cantar, ler e comentar em comum a Sagrada Escritura. Mas a ausência de sacerdotes, a falta da missa, da confissão e dos sacramentos, terminariam, em questão de médio prazo, pondo em risco a fé, a disciplina e a doutrina religiosa, junto com a deterioração dos costumes e da perda da própria identidade. Contudo, a religiosidade dormitava debaixo das cinzas, à espera do momento para irromper com todo o vigor. E esse momento concretizou-se, quando em 1844, os padres Sadó e Coris atenderam ao convite para pregar uma missão em São Leopoldo, sede da Colônia Alemã. Um relato do Pe. Schupp descreveu  o evento: “A missão começou com uma procissão pelas ruas da cidade. Todos participaram com tamanha ordem e edificação, como não tinham sido observados em nenhuma missão anterior. O espetáculo em que os católicos caminhavam em grande número, em parte misturados com não poucos protestantes que, longe de ofender e ridicularizar, participaram com o maior respeito. Chegaram ao ponto de não poucos, entre eles um pastor e o comandante militar protestante, participarem do culto divino e persignando-se como se fossem católicos, rezaram e acompanharam a cerimônia em tudo”. (Schupp. Idem, p.103).
No ano seguinte, 1845, os mesmos padres Sadó e Coris retomara as missões, desta vez na colônia alemã propriamente dita. Pregaram missões, sucessivamente, em Bom Jardim (Ivoti), São José do Hortêncio e Dois Irmãos. Apesar de não entenderem nada do que os missionários  falavam nos sermões, a atenção dos colonos foi total, como que intuindo o que lhes era dito. O mais importante foi a ocasião que se lhes oferecia para porem dia as suas consciências pela confissão, apesar das dificuldades da língua, participarem da eucaristia e regularizarem os  matrimônios. Uma impressão toda especial deixaram as cerimônias das primeiras comunhões e o canto piedoso dos alemães, amantes do canto.
A passagem dos padres Sadó e Coris pelas colônias alemãs do Sul, além de porem em dia a vida sacramental dos colonos, teve uma outra consequência não menos importante. Já que a curto prazo não havia perspectiva concreta para uma assistência pastoral permanente e regular, por parte de sacerdotes que dominavam a língua alemã, os padres espanhóis recorreram a outros meios. Um deles consistiu em fornecer livros edificantes e instrutivos para, de alguma forma, suprir a falta de catequese, prédicas, instruções religiosas, ou simplesmente satisfazer o prazer de uma boa leitura. A ideia foi apresentada ao Pe. Roothan, geral da Ordem, que encarregou o Pe. Beckx para concretizar a proposta. Não demorou para ser descarregada em Porto Alegre uma enorme caixa com livros. O Pe. Sadó em pessoa levou-os até a colônia e confiou a tarefa de distribui-los aos fabriqueiros. Estes livros foram mais tarde passados de geração em geração, como preciosos objetos de herança. A outra providência consistiu em resolver a questão da assistência pastoral a longo prazo. O Pe. Morrey superior da província espanhola, encaminhou uma solicitação ao Superior Geral. O pedido teve pronto acolhimento. Os acontecimentos adversos aos jesuítas na Europa Central veio em benefício dos colonos alemães no sul do Brasil. A revolução de 1848 fizera seus estragos também na Áustria. Os jesuítas perderam propriedades, os colégios em grande parte fechados, liberando um apreciável número de religiosos para outras obras. O Geral solicitou então ao Provincial da Galícia que destacasse alguns jesuítas para enviá-los ao Brasil. Da lista que se ofereceram espontaneamente, foram escolhidos dois padres: Augustin Lipinski, Josepf Sedlac e o irmão Anton Sontag. (Continua na seguinte postagem).

O Sul muda com a imigração


Da América Latina, o Brasil é o país que ostenta o quadro étnico-cultural mais heterogêneo. Presentes estão grupos significativos representando diversas raças e culturas. Embora uns se concentrem mais numa região e outros noutra, encontramo-los em todo o território nacional. Para onde quer que se viaje, topa-se com o negro, o asiático, o branco e com todos os matizes de cor da pele e cabelos que a miscigenação foi capaz de  engendrar. Formas de vida  as mais diversificadas, costumes e cosmovisões divergentes, filosofia de vida às vezes exóticas, encontram guarida em solo brasileiro e, ao mesmo tempo, clima favorável para se manifestarem livremente. O que todos têm em comum é a esperança de que aqui, apesar de todas as dificuldades, existem condições reais e objetivas para construir um futuro melhor. Fiquemos apenas com a presença dos imigrantes alemães. A sua presença segue, em grandes linhas, a mesma lógica. A partir do século XIX, a administração colonial seguida da imperial, decidiu assegurar a soberania sobre as províncias do Sul. Esparsamente habitadas por estancieiros e alguns bolsões de colonos açorianos, esses territórios representavam uma tentação constante para as republicas castelhanas vizinhas. Por falta de súditos da Coroa Portuguesa para povoar essas regiões vazias o Conselho Ultramarino decidiu convidar migrantes do Centro e Norte da  Europa. A preferência caiu sobre alemães e italianos. Vários motivos pesaram: durante séculos vinham praticando a agricultura em pequenas propriedades: nunca tiveram problemas com a Coroa Portuguesa, como franceses, ingleses e holandeses e espanhóis. O casamento de D. Pedro I com a princesa austríaca D. Leopoldina, reforçou a preferência por alemães. Para os imigrantes um futuro promissor os esperava no sul do Brasil e para o Brasil ajudaria a resolver o vazio daqueles espaços, motivo de contínuas disputas e escaramuças  com os castelhanos do Paraguai, Argentina e Uruguai.
Se o elemento imigratório por si só já significou a presença de uma novidade étnico-cultural que marcaria para o futuro grandes extensões do Sul, outras novidades impor-se-iam para valer. Até então nos estados do centro e do norte do País predominavam os latifúndios concentrados na produção de açúcar, algodão e café , operados à base do trabalho escravo. e no Sul a criação de gado. Com a imigração alemã implantou-se o modelo da agricultura familiar diversificada em pequenas propriedades de 77 hectares no começo, diminuindo até 25 hectares cem anos depois do começo da imigração. A pequena propriedade resumia-se em última análise numa empresa familiar. Tinha como prioridade o sustento das famílias e, para tanto, era preciso praticar a diversidade de produção. Cultivava-se milho, feijão, batata, arroz, mandioca, aipim, trigo, cevada, etc. Os excedentes eram comercializados nas praças locais ou exportados para o Centro do País. Ao lado da produção agrícola os colonos criavam suínos, bovinos, equinos, galináceos, ovelhas e outros. A banha de porco rendia bons ganhos adicionais e não faltava colocação nos principais mercados locais, regionais e nacionais.
No Rio Grande do Sul, centro e oeste de Santa Catarina, oeste do Paraná, a pequena propriedade e a economia baseada na policultura, transformaram vastas regiões, numa paisagem humanizada inconfundível. As terras  foram repartidas sempre de acordo com o mesmo modelo. Um rio, um arroio, um dorso de morro, serviam como referência para  alinhar os lotes. Uma trilha no mato no começo, um caminho depois e, por fim, uma estrada,  permitiam  a circulação das pessoas, animais e produtos. As moradias dos colonos eram construídas próximas às estradas, cada qual no seu lote. No centro de uma unidade geográfica a igreja,  escola,  cemitério,  casa de comércio,  artesanatos e locais de lazer e diversão, tinham seu lugar garantido. Temos assim o perfil padrão das comunidades coloniais. As comunidades  organizavam-se com o tempo em unidades paroquiais, tendo como sede a maior e a mais estrategicamente localizada. Com o correr do tempo  essas sedes paroquias evoluíram para distritos e foram sendo contempladas com a infraestrutura necessária para o funcionamento da burocracia oficial: subprefeitura, subdelegacia e polícia, agência do correio, cartório de registros. A maioria das sedes das paróquias da época evoluiu para sedes de municípios.
A primeira providência pelos pioneiros ao atacarem uma nova fronteira de colonização consistia em abrir uma trilha de acesso aos lote, uma “picada”. Mais tarde a picada transformava-se em caminho, em estrada vicinal, em estrada municipal, dependendo do tamanho e da importância estratégica. Por terem sido as responsáveis pela circulação interna no espaço comunal e por isso serem o fator principal da sua integração, essas “picadas”, terminaram por significar a própria comunidade. Quando alguém usava a expressão “minha picada”, na verdade, referia-se à comunidade donde vinha ou morava. Uma lógica  semelhante aplicava-se às propriedades alinhadas ao longo de um arroio, falava-se em “linha” ou “lajeado”. Picada, Linha ou Lajeado indicam comunidades. Assim Picada Café, Linha Bonita ou Lajeado Grande, tem seus nomes consagrados pela lógica da evolução colonial.
A identidade geográfica das colonizações dos imigrantes vem acompanhada da consolidação das comunidades. Acontece que a comunidade, além da família, foi o eixo em torno do qual giravam os interesses e a vida dos colonos. Numa comunidade haviam nascido, nela encontrariam praticamente tudo do que precisavam no dia a dia, nela tinham o seu mundo de relacionamento humano, nela enfim, esgotava-se a existência da grande maioria. Importava, por isso, preservá-la de tudo quanto pudesse ameaçar a sua integridade.
Além da família cultivada como valor maior e educadora por excelência das novas gerações, outras providências não podiam faltar. Entre as mais importantes aparecem a Escola, a Religião, a Auto suficiência comunal e o Associativismo.
A Escola foi fundamental para afastar o perigo da decadência cultural e religiosa. Depois de se instalarem 15 ou 20 moradores numa nova Linha ou Picada, reuniam-se para criar uma escola, antes mesmo de pensar numa capela pois, a escola podia servir também para realizar os eventuais cultos ou missas, funcionando com “escola-capela”. Entre os membros da comunidade escolhia-se a Diretoria. Esta encarregava-se da construção do prédio, da instalação interna, do material didático, e o mais importante, escolher e contratar o professor, fiscalizar seu desempenho, vigiar-lhe a conduta e cuidar da sua remuneração e substituí-lo caso não satisfizesse. Conscientes da importância da escola e da formação básica, as comunidades canalizaram uma parcela significativa em seu favor. Fizeram dela uma instituição em que os filhos dos colonos, além de serem alfabetizados, familiarizavam-se com o manejo da língua falada e escrita. As crianças recebiam um sólido conhecimento de aritmética, cálculo de juros e porcentagens, além de informações sobre medidas, volumes e pesos e de tudo que fosse essencial para o bom andamento na administração da atividade produtiva. A escola supria a escassez de curas de alma ministrando aulas de Catecismo e Bíblia, assim como informações básicas sobre animais, plantas, manejo do solo, etc. A insistência na consolidação dos costumes, hábitos e valores culturais e éticos assim como as regras da boa convivência comunal. Neste contexto o professor, além das suas funções de ensinar na escola, assumia também a de líder comunitário, referência de comportamento, braço direito dos curas de almas, regente de coral, sacristão, etc. O resultado não podia ser outro. No final da década de 1930, ocasião em que Estado Novo e sua Campanha de Nacionalização, interveio no sistema e, em nome de um nacionalismo equivocado e xenófobo, truncou essa dinâmica, todas as comunidades contavam com sua escola, em torno de 1500, somando católicas e protestantes. Escola e Igreja, formação profana e religiosa, formaram dois dos pilares que conferiam um perfil inconfundível à região colonial. A eles veio somar-se um terceiro, para completar o tripé da identidade étnica dos imigrantes alemães: o Associativismo. Costumava-se afirmar: “onde se encontram dois alemães, funda-se uma associação”. No começo do século XX, quando as comunidades alemãs já somavam milhares, quando as fronteiras de colonização avançavam sobre as reservas de florestas virgens da Serra, Missões e Alto Uruguai, foi preciso pensar em organizações mais abrangentes. Surgiram então, em 1900 o “Bauernverein”  ou Associação de Agricultores” e, em 1912 o “Volksverein” ou “Sociedade União Popular”, duas associações com ambiciosos projetos de desenvolvimento social, econômico e cultural, para dar conta das demandas das comunidades rurais de que estamos falando.
A resultante humana dessa fórmula peculiar de que os imigrantes alemães se valeram, resultou no cidadão brasileiro, também peculiar: o “Teuto-Brasileiro”. Quem viaja pelos estados do sul do Brasil, encontra esse cidadão, perfeitamente integrado na vida nacional, cultivando ainda os valores e tradições dos seus antepassados, ancorado na família e comunidade e, não, raro utilizando na comunicação diária os dialetos falados nas províncias de origem da Alemanha, com forte incidência de vocábulos e expressões do português.
(NB. Maiores informações encontram-se no texto completo da matéria, indicado na bibliografia))


Esta matéria foi publicada originalmente  em “Etnia e Educação : a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Editora da UFSC/Edditora Unisul, Florianópolis/Tubarão, 2003


Religião e participação política


Jean Roche, na sua obra “A colonização alemã no Rio Grande do Sul”, tornada clássica e obrigatória para todo aquele que pretende compreender o significado da presença alemã no Estado, resumiu suas considerações  sobre a participação política dos imigrantes e seus descendentes, na constatação: “Durante todo  o século XIX e quase toda a primeira parte do século XX, o papel político  dos teuto-riograndense foi quase nulo”.
Vários foram os fatores que contribuíram para essa situação. Ente eles merecem atenção os seguintes. Primeiro, os grandes latifundiários, os estancieiros criadores de gado, controlavam, de fato, toda a política local, regional e por vezes também nacional. As estâncias  haviam-se transformado em autênticos  feudos dos quais emanava todo o poder político  e a partir delas, eram ditadas as regras e diretrizes da ação política. Ao colono alemão e aos demais imigrantes não restava outra saída a não ser entrar no jogo das oligarquias estancieiras ou permanecer à margem do jogo político. Segundo, na região colonial que na época estava confinada, grosso modo, nos vales do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí, assim como nas comunidades urbanas das cidades menores, os alemães preservavam a sua feição germânica. O contato e intercâmbio com o mundo luso-brasileiro não passava de episódico e superficial. Para os detentores do poder político, essa população praticava uma economia de baixo potencial de competição, comparada com a criação de gado nas estâncias. Falava alemão e não oferecia ameaça política embora pudesse contribuir com um precioso reforço eleitoral, quando seus interesses estivessem em jogo. O Pe. Schupp descreveu assim a situação:
“Nos primeiros tempos certamente nenhum alemão da colônia teria alimentado a veleidade de participar ativamente na vida oficial do Estado, pela simples razão de dificilmente encontrar-se alguém que compreendia português. Só era possível encontrar candidatos para determinadas funções que, pela sua natureza, podiam ser exercidas na própria colônia. De outra parte não faltavam os padres que por razões  muito ponderáveis defendiam esse isolamento. Tal situação foi superada com o correr do tempo. Generalizou-se a convicção de que o colono, caso quisesse fazer valer seus direitos, teria que apropriar-se da língua em nível suficiente”.

Um terceiro fator merece destaque. É conhecido que um dos propósitos para promover a colonização por imigrantes europeus  não lusos, consistiu em povoar  as regiões devolutas e estimular uma agricultura alternativa aos latifúndios monocultores. A intenção do governo foi convidar alemães para serem colonos e não servirem de fermento, com vistas a uma transformação do modelo político. Mas o nível de desenvolvimento e o volume da produção agrícola, o comércio, os artesanato e as indústrias incipientes, somados à organização comunal, educacional e eclesiástica, fizeram com que os alemães católicos não se contentassem mais em fazer o papel de meros espectadores do processo político. Aspiravam por uma participação política mais ativa e, desta forma, influir nas decisões do governo e da administração pública. A este terceiro fato somou-se um quarto, de importância decisiva para os católicos. A Monarquia, regime em que vigorava a união da Igreja e do Estado foi substituída pela República e a consequente implantação do Estado laico, sob muitos aspectos desfavorável e não raro hostil à Igreja Católica. A nova situação exigia dos católicos uma posição política mais definida e mais combativa. Foi preciso partir em busca de um caminho adequado para conviver com a nova realidade nacional.
No terreno da participação política, os católicos alemães do Rio Grande do Sul, buscaram inspiração no Partido Católico do Centro da Alemanha. Assim, em 1890 foi fundaram o Partido Católico do Centro, como agremiação política, da qual participariam também os católicos das outras etnias presentes no Estado,  para fazer frente a uma série de medidas republicanas que incomodavam os católicos: a obrigatoriedade do casamento civil antes do religioso, a legislação dos cemitérios, a inelegibilidade do clero, a proibição do ensino religioso nas escolas públicas e outras tantas. O Partido Católico do Centro participou da eleição dos integrantes da Constituinte Federal e Estadual. Na primeira não elegeu nenhum representante e na segunda três, mas em coligação com o Partido Republicano, aliança que lhe valeu a descaraterização e decretou seu fim prematuro. Constava das intenções do Partido do Centro um projeto de jornal no qual seriam publicados jornais nas três línguas mais importantes do Rio Grande do Sul: “A Época”, “Il Corrieri Cattolico” e “Deutsches Volksblaltt”. Este último estava sendo publicado pelos padres jesuítas em São Leopoldo desde 1871. Para dar maior solidez ao empreendimento editorial foi criada uma sociedade anônima que deu continuidade ao “Deutsches Volksblatt” e, a partir de maio de 1890 as edições semanais de “A Época” e a partir de meados de 1891 do “Il Corrieri Cattolico”. Os jornais defendiam como pontos programáticos (cf. Gertz): 1. Liberdade religiosa para o catolicismo, sem a intromissão do estado; 2. Isenção do serviço militar para clérigos e seminaristas;  3. Intangibilidade e garantia para as propriedades eclesiásticas, inclusive as das comunidades locais; 4. Fim das escolas ateias mantidas pelo Estado; 5. Fim da obrigatoriedade do casamento civil.
Diante da evidência de que um Partido Católico não era um bom caminho para  os católicos fazerem valer seus direitos e suas reivindicações, suas lideranças partiram para outras iniciativas de arregimentação. Testaram o modelo dos “Katholikentage” – “Congressos Católicos”, muito populares na Alemanha, Suíça e Áustria. A primeira experiência realizada em Bom Jardim (Ivoti) mostrou-se promissora e o programado 1898 para Harmonia, foi um sucesso. De ano em ano e mais tarde de dois em dois anos, esses Congressos repetiram-se até 1940, quando foram vítima da Campanha de Nacionalização e da Segunda Guerra Mundial. Foi em meio aos debates e  às análises das questões importantes que afetavam  as comunidades rurais e urbanas, que resultaram políticas comuns para solucionar os desafios que diziam respeito  a todos, como  Educação, Saúde, Abertura de novas fronteiras agrícolas, modernização da produção agrícola, Incentivo à cultura e não em último lugar o aprofundamento da religiosidade, com ênfase à vida sacramental e à instrução religiosa. No Congresso dos Católicos em 1900 em Santa Catarina da Feliz foi criada a Associação Rio-grandense de Agricultores, “O Riograndenser Bauernverein” e depois que esta foi transformada em Sindicato em 1909, foi substituída em 1912, no Congresso dos Católicos em Venâncio Aires, pela Sociedade União Popular, “O Volksverein”. Essas duas organizações cumpriram a dupla tarefa de concretizar os grandes projetos de desenvolvimento social e econômico propostos pelos Congressos e, ao mesmo tempo, atuar como uma poderosa força política informal que não podia ser ignorada pelos partidos convencionais, na primeira metade do século XX.










A Religiosidade no quotidiano dos imigrantes


A história da humanidade é uma história de migrações e seus efeitos. É assim que  Karl Fouquet começa o seu livro: “A contribuição alemã para a construção da nação brasileira”, por ocasião do sesquicentenário da imigração alemã no Brasil. Várias coisas merecem destaque  nesta colocação. Em primeiro lugar, o homem como sujeito e ator da história é, e sempre será, um eterno migrante, um forasteiro, um peregrino sempre a caminho. Em segundo lugar, a pergunta: porque afinal o homem migra? A resposta deve ser procurada  na própria natureza humana, em constante busca de realização, em busca do aperfeiçoamento. É por essa razão que o homem não se cansa em melhorar a segurança e o bem estar material; vai à procura da inserção num relacionamento social que lhe assegura um convívio frutífero com seus semelhantes; busca  aperfeiçoar-se culturalmente apropriando-se de sempre novos conhecimentos; procura o equilíbrio interno de suas demandas psicológicas; e, de modo especial, administrar  os mistérios e as incógnitas da vida, da natureza e do universo por meio de  crenças, rituais, atitudes e práticas religiosas. Os teóricos que se ocuparam com o fenômeno da migração, tentaram, cada qual a partir do ângulo em que analisou o fato, identificar os motivos, ou o motivo, porque o homem migra. Para o economista, o homem migra para prover as necessidades materiais do dia a dia; para o sociólogo, o homem migra para livrar-se de uma situação social que o impede de beneficiar-se com o convívio dos seus semelhantes. Mesmo que esses motivos e outros tantos, representem o momento da tomada de decisão para migrar, no fundo, no fundo, uma motivação permeia todas as outras. Resume-se na tendência, no instinto do homem em concretizar a sua realização existencial. Os romanos, na sua proverbial capacidade de formular máximas sábias, legaram uma que expressa na plenitude conceitual, a razão porque o homem migra: “Ubi bene, ibi patria”  - onde o homem se sente bem aí está a sua pátria.
Qualquer que seja a situação que leva o homem a migrar, implica em decisões acompanhadas de consequências mais ou menos traumáticas. Como ponto de partida cobra do migrante o abandono e a renúncia à terra natal e todo seu entorno humano e sua história. Trata-se sempre de um desenraizamento e de um transplante movido pela esperança de encontrar a realização, a segurança e a felicidade em outra parte. A nossa atenção centra-se nas migrações transoceânicas durante  o século XIX, período em que a Europa Central e do norte, expeliu  seus excedentes populacionais, para todos os quadrantes do planeta, de modo especial para as três Américas. Não é difícil imaginar o que significou na época e nas circunstâncias de então, uma viagem da Europa para o sul do Brasil. As viagens duravam meses dos portos alemães e holandeses até o Rio de Janeiro e, finalmente, para Rio Grande,  Porto Alegre e São Leopoldo. Era tarefa para homens e mulheres em grandes dificuldades, mas decididos em busca de uma saída, movidos por uma fé inabalável em si mesmos mas sobretudo uma profunda fé em Deus. Cristãos que eram, protestantes e católicos, encaravam o migrar como uma autêntica peregrinação em busca da terra prometida. Um canto entoado pelos emigrantes do Hunsrück, dizia:
Fomos chamados por Deus, caso contrário, a nossa peregrinação não teria sentido.
Acreditando Nele nos pomos a caminho.
Deus falou a Abraão: deixa a tua terra e parte para aquela que, com minha mão forte, te mostrarei. Também nós acreditamos na Sua poderosa voz. Por isso partimos daqui em busca do Brasil distante.
Os imigrantes serviram-se de duas armas para enfrentar o desconhecido e as transformaram em lema: “ora et labora” – “reza e trabalha”. Práticos como eram esses camponeses, sabiam muito bem que a oração sem o trabalho não passa de alienação e o trabalho sem a oração num fardo insuportável. E no seu quotidiano como é que os imigrantes concebiam a punham em prática o binômio “Reza e Trabalha”. Para responder a essa pergunta, é preciso entender a cosmovisão própria do camponês, do agricultor ou do colono. O contato diuturno com a natureza, com a “mãe terra”, ensina-lhe que entre ele e o mundo que o rodeia, há uma relação existencial. A vida e o bem estar dependem  dos animais, das plantas, do sol, da lua do calor, do frio, da alternância das estações, etc. E assim o sol e a lua com seus ciclos regulares, a cadência da natureza, deixam de ser apenas fenômenos naturais, para se transformar no palco  em que a existência do homem se torna possível. E nesta relação simbiótica o homem constrói sua cultura, sua história, seu imaginário, sua simbologia, sua mitologia, suas crenças, sua religião, sua religiosidade, seus rituais, seus princípios éticos. Tudo que o rodeia se anima e se personaliza, de acordo com o significado material, mágico ou religioso de que vem revestido. As realidades naturais e os fenômenos que as acompanham, assumem vida e importância pelo que representam no quotidiano e pelo que sugerem à imaginação. Essas observações aparentemente talvez não tenham nenhuma ou pouca relação com a religiosidade dos nossos antepassados. Na verdade, entretanto, suas vidas foram vividas e suas histórias  construídas, ressalvadas as peculiaridades históricas e geográficas.
A religiosidade dos indivíduos e das comunidades dos imigrantes identifica-se em dois níveis. O primeiro, o mais visível, a qual normalmente serve de termômetro para avaliar o grau e a profundidade  da religiosidade, são as práticas religiosas formais como a frequência às missas e cultos, novenas procissões, orações da manhã, nas refeições, antes de dormir, etc. Caracterizam à sua maneira, cada uma das tradições mais importantes de que nos ocupamos aqui: a luso-brasileira, a alemã evangélica e a alemã católica. O segundo, que poderíamos chamar  de respostas informais de natureza religiosa que costumam manifestar-se espontaneamente diante das situações mais inusitadas que costumam acompanhar o quotidiano das pessoas. Uma surpresa agradável, uma notícia triste, uma catástrofe natural, um espetáculo da natureza, a contemplação de uma flor, o caminhar por uma plantação amadurecendo, a satisfação com uma boa colheita. Esses cenários e dezenas de outros costumam ocasionar  momentos de irrupção da religiosidade na sua forma mais espontânea e, por isso mesmo, mais autêntica. É neste plano que se manifesta a verdadeira religiosidade. No momento em que a pessoa percebe que as fórmulas feitas, já não dão conta do que sente e intui, recorre à espontaneidade que tem na oração do silêncio a sua manifestação mais eloquente. Fórmulas e versos atrapalham e, tanto o homem simples quanto o colono com a enxada ou o machado na mão e quanto o sábio e o cientista, munido da pena e do computador, refugiam-se na reflexão silenciosa que os põe em sintonia com a natureza, e nas suas manifestações mais prosaicas e  mais grandiosas, escutam a voz de Deus. O Dr. Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, responsável pelo mapa  genético do homem, em seu livro “A Linguagem de Deus”, caracterizou o tipo de religiosidade de que estamos falando:
“Depois que passei a acreditar em Deus, empreguei um tempo considerável tentando apreciar as características Dele. Conclui que Ele deve ser um Deus que se preocupa com as pessoas. Também conclui que Deus deve ser santo e justo, já que a Lei Moral me chama nessa direção. Contudo isso me parecia uma abstração terrível. O fato de ser bom e amar as suas criaturas não significa, por exemplo, que tenhamos a habilidade de nos comunicar com Ele, ou que tenhamos um tipo de relacionamento com Ele. Descobri, porém, uma sensação crescente de anseio por essas coisas, e comecei a perceber que é para isso que sevem as orações. A oração não é, como alguns parecem sugerir, uma oportunidade para manipular Deus para que Ele faça o que você quer. Em vez disso, trata-se de uma forma de buscar uma afinidade com Deus, aprender com Ele e tentar perceber o ponto de vista Dele, sobre vários assuntos ao nosso derredor, que nos deixam confusos, em dúvida e em sofrimento”. (A linguagem de
Deus. Francis Collins, Edit. Gente, São Paulo, 2007)


Palestra proferida, da Associação das Comunidades Teuto-Brasileiras  do Litoral Norte, no Encontro em São Pedro de Alcântara.





A Igreja dos imigrantes

Os imigrantes alemães, italianos, poloneses e outros, destacavam-se pela religiosidade profunda e sólida. As convicções doutrinarias e os princípios éticos e morais, desempenharam um papel fundamental na moldagem  da fisionomia sócio cultural da população imigrantes no Brasil. A pergunta ser feita pode ser esta: como foi a Igreja que os imigrantes encontraram e como foi a Igreja que trouxeram e terminaram por implantar, não só nas regiões em que somavam maioria, como também em outras em todo o território nacional; quais foram as características da Igreja de tradição luso-brasileira que os imigrantes encontraram?; como foi a Igreja  dos imigrantes alemães, italianos e poloneses católicos?; como foi a Igreja dos imigrantes alemães protestantes?
O modelo predominante que de Igreja que os imigrantes encontraram no Brasil, ostentava as marcas peculiares das circunstâncias históricas em que se desenvolveu. No Brasil vigorava o Padroado e com isso o Imperador estava investido também da prerrogativa de chefe da Igreja e da religião oficial que era a católica. A criação de dioceses, paróquias e capelanias requeria a chancela da autoridade civil. A nomeação de bispos, párocos, capelães e demais postos da hierarquia, dependia da aprovação oficial.  A união entre Igreja e Estado, transformara o catolicismo em religião oficial, fazendo com que as demais não fossem reconhecidas e seus atos considerados nulos ou ilegais. Aos protestantes, por ex., estava vedado  o sepultamento nos cemitérios oficiais, os casamentos considerados concubinato, o batismo sem valor legal e seus lugares de culto não podiam exibir a aparência de templo. Essa realidade condenou à marginalidade especialmente os imigrantes alemães protestantes. Algumas brechas e alguns arranjos introduzidos na legislação, fizeram com nas décadas finais do Império a situação dos protestantes fosse menos desconfortável. Em poucas palavras, os imigrantes católicos encontraram uma Igreja sujeita, submissa e dependente dos caprichos dos governantes e administradores civis, na qual a doutrina e os bons costumes pouco ou nada decidiam. O Imperador era, na verdade, a autoridade maior, enquanto que Roma se limitava a ratificar os atos dos verdadeiros detentores do poder, tanto civil quanto religioso. O tipo de clero que respondia pela cura de almas deve ter causado, no mínimo, surpresa para os católicos vindos da Europa do norte e central. A disciplina clerical não era seu forte. Um bom número de sacerdotes era filiado à maçonaria. Outros tantos dedicavam-se a política, eram fazendeiros ou centravam seus interesses em qualquer outra ocupação, menos a cura de almas. A situação do padre com companheira, e via de regra com filhos, já não causava surpresa.  Os fiéis não só toleravam o fato, como o aceitavam e aprovavam. Os imigrantes defrontaram-se, portanto com uma Igreja sufocada por uma mentalidade que se esgotava em rituais e manifestações em que o profano mascarava o religioso, uma Igreja sem vida sacramental. A essa Igreja os imigrantes católicos contrapuseram a Igreja da Restauração e os protestantes a Igreja da Reforma.
A situação peculiar da Alemanha de maioria protestante, onde o iluminismo e o racionalismo dominavam as elites intelectuais e seus projetos políticos e culturais, obrigou os católicos e suas lideranças a se firmarem em bases  doutrinárias e disciplinares sólidas. Aderiram ao movimento conhecido como Restauração Católica. Em poucas palavras esse movimento tinha como pontos centrais: a retomada da fé, doutrina, moral e a disciplina do Concílio de Trento; a obediência incondicional ao romano pontífice e aos bispos; a distância das autoridades civis;  a rejeição da ingerência do Estado na vida e nos assuntos da Igreja. A Igreja Restaurada caracterizou-se pela grande importância que emprestou às práticas religiosas. De modo especial insistia na frequência regular da missa dominical e nos dias santificados e na prática da religião centrada numa intensa vida sacramental. O batismo deixou de ser um mero ritual de legitimação social, para assumir o seu verdadeiro significado de sacramento. Os sacramentos da penitência e eucaristia, ausentes  na Igreja da tradição luso-brasileira, transformaram-se no verdadeiro termômetro da prática religiosa. O fervor dos fiéis era medido pela assiduidade à confissão e da eucaristia. Não era visto como um bom cristão católico aquele que não cumprisse a desobriga pascal, isto é, que não se confessasse e comungasse pelo menos uma vez ao ano no período pascal. O fervor religioso, a vida sacramental e a fidelidade à ortodoxia eram estimulados por uma série de instrumentos específicos. Sobressaiam entre eles: as Congregações Marianas; o Apostolado da Oração; Associações dedicadas à devoção ao Sagrado Coração de Jesus; Associações de crianças tendo como objeto a veneração do Menino Jesus;  as Organizações de Mães; a Organização de Operários Católicos; a Ação Católica praticada de preferência por jovens das diversas categorias: a Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude Estudantil Católica (JEC), a Juventude Agrária Católica (JAC),  a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Católica Independente (JIC).

Com a abertura dos portos para todos os países pelo Edito Real de 28 janeiro de 1808, franqueou-se o comércio do Brasil a países predominantemente protestantes. O Decreto promulgado em 25 de novembro liberava o comércio e a indústria a todos os imigrantes, independente de raça e religião. A exigência de que a imigração em grandes grupos deveria ser exclusiva de católicos romanos, não foi respeitada. Os acatólicos que foram entrando no Brasil, via comércio, formavam pequenas comunidades urbanas que se reuniam em locais de culto que não podiam mostrar  aparências externas de templo. Somente a partir de 1824 começaram a ser postas as bases para uma Igreja Protestante no verdadeiro sentido, dotada de uma relativa  unidade doutrinária e de disciplina religiosa. A bases para essa Igreja foram os imigrantes protestantes alemães, vindos em levas sucessivas para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, somando 54% contra  46% de católicos na média geral. Em 1900 estabeleceu-se no Estado também uma filial do Sínodo de Missouri. A Igreja Protestante implantou, desde  o começo, comunidades bem estruturadas, em torno de suas igrejas, cemitérios e escolas. Sob este aspecto as comunidades protestantes e católicas quase não se diferenciavam, ainda mais que em muitas linhas e picadas ocupavam o mesmo espaço comunal. Diferente dos católicos, os protestantes contaram desde o começo com uma assistência religiosa mais ou menos regular. Tanto assim que na primeira leva de imigrantes encontrava-se um pastor, enquanto os católicos contaram com esse privilégio somente a partir de 1849, com a vinda de jesuítas alemães.

Até a chegada do pastor Borchard a São Leopoldo em 1864, os protestantes estavam organizados em comunidades livres e independentes, entregues aos assim chamados “pastores-colonos”, ou “pseudo-pastores”, carentes  de uma preparação adequada e sem investidura oficial para exercer a função. Até aquele momento nenhuma das igrejas territoriais da Alemanha se tinha preocupado com seus membros emigrados. As comunidades independentes com seus pastores sem a devida preparação, terminaram por consolidar seus próprios referenciais de fé, doutrina e disciplina religiosa. Sem uma Igreja que lhes desse respaldo, tudo dependia da atuação do pastor e do empenho da comunidade. O resultado foi que as comunidades se comportavam como mini igrejas independentes. O choque entre os pastores ordenados e as comunidades independentes e seus pastores foi inevitável. Mas de qualquer forma a partir da década de 1860 a Igreja Luterana de Confissão Evangélica vai sendo moldada numa grande unidade eclesiástica que culmina com a fundação do “Sínodo Riograndense”  em 1886 pelo pastor Wilhelm Rotermund. Resguardando a autonomia comunitária local da velha tradição dos imigrantes, controlada agora pelo pastor formado na Europa o qual devia ser concomitantemente  o elo de ligação com a hierarquia geral, inspirou organizações similares em outras partes do Brasil.

O caixeiro viajante

Ao mesmo tempo em que a região colonial se consolidava e começava a dar sinais evidentes de prosperidade, estabeleceram-se nos centros urbanos como Rio Grande, Pelotas e, especialmente, Porto Alegre, casas de importação e exportação dedicadas aos mais diversos ramos do comércio, ao lado de estabelecimentos comerciais de todos os tamanhos e feitios. No começo Rio Grande era o único porto marítimo do Rio Grande do Sul e liderava o grande comércio ligado à importação e exportação.  Em Pelotas localizavam-se  os grandes abatedouros, em  torno das quais nasceram indústrias alemãs que manufaturavam: sebo, vísceras, patas, ossos, chifres, e demais sobras, transformando-as em sabão, velas, cola, farinha  de osso, adubo, etc.
Dois fatores fizeram com que, a partir de 1850, Porto Alegre assumisse o papel de polo comercial e industrial maior do Estado, relegando Pelotas e Rio Grande para um segundo plano. Em primeiro lugar, foi o avanço da colonização para fora do vale do rio dos Sinos. No decurso da década de 1850, a porção média dos rios Caí, Taquari, Pardo e Jacuí até Santa Maria, foi sendo desbravada. Em poucas décadas os excelentes solos daquelas bacias fluviais transformaram-se em ricos celeiros de produção agrícola: feijão, milho, batata, mandioca, tabaco. O milho e a mandioca convertidos em banha de porco, um dos pilares da prosperidade da época. Feijão, banha e farinha de mandioca eram exportados em grandes volumes para o centro do País. Em segundo lugar, em meio ao avanço sobre novas fronteiras de colonização, definiu-se uma eficiente rede de comunicação e circulação de mercadorias, via fluvial com Porto Alegre. As cinco bacias fluviais principais, colonizadas por alemães no começo e poloneses, italianos, e outros a partir de 1870, formaram uma vasta região geoeconômica, que convergia para Porto Alegre, capital da Província, sede do governo e da burocracia oficial, centro financeiro, comercial e indústria e principal porto de navegação interna, porta de saída e entrada, via Rio Grande, para a exportação e importação.
Neste contexto, consolidou-se um complexa rede de comércio cobrindo toda a região colonial, tendo como ponto de convergência Porto Alegre, com as seguintes características. Nas picadas do interior estabeleceram-se casas de comércio locais, as “vendas” Elas compravam dos colonos os excedentes que eram entregues a estabelecimentos intermediários de maior porte, localizados junto a terminais de navegação: São Leopoldo, São Sebastião do Caí, Montenegro, Estrela, Lajeado, Mariante, Cachoeira do Sul. O mesmo papel desempenhavam as estações da ferrovia com seus ramais que começaram a cruzar a região a partir da década de 1870. Em barcos ou de trem as mercadorias seguiam até Porto Alegre onde eram entregues nas grandes casas de comércio aí sediadas. Toda essa movimentação dava-se também em sentido contrário abastecendo as demandas do interior colonial.
À primeira vista o esquema parece simples e funcional. Havia, porém, um questão fundamental a ser resolvida: o intermediários dos negócios, o personagem capaz de manter vivas e ininterruptas as relações comerciais entre todos os elos da cadeia. Entra em cena para exercer essa função o “Caixeiro Viajante” que percorria a região colonial e oferecia as novidades que estavam sendo colocadas no mercado pelas casas importadoras de Porto Alegre, para retornar à base com as encomendas. Foram circunstâncias todo peculiares sob as quais foi posto em movimento e se manteve o vínculo entre o nosso centro de comércio e o “Hinterland” mais afastado do Rio Grande do Sul. Para superar as dificuldades  dos comerciantes do interior e para assegurar o intercâmbio com o grande centro de comércio, utilizando os precários meios de transporte impôs-se, há muito tempo, a necessidade de fazer viajar representantes credenciados. Sua missão resumia-se na procura do “vendeiro” no seu próprio estabelecimento, oferecer-lhe a oportunidade de remeter seu dinheiro sem que fosse obrigado a abandonar o seu negócio por um tempo maior e encomendar as mercadorias, tomando como base as amostras apresentadas pelos caixeiros viajantes. Uma viagem  no lombo de uma mula até Cachoeira do Sul, Veranópolis ou Alegrete e Uruguaiana, por si só significava um desafio gigantesco. Exigia do Caixeiro um preparo físico e uma disposição psicológica fora do comum.
Falar em Caixeiro Viajante significa falar da natureza, da alma da prática comercial na segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX e das relações da capital com o interior, do mundo urbano e do mundo rural. O caixeiro viajante Carl Naschold caracterizou a sua profissão e seus personagens no almanaque “Riograndenser Musterreiter”, em 1913:
A vida do Caixeiro Viajante rio-grandense é um maravilhoso poema. Quem sabe apareça alguém que reúna essa joia numa única canção, reúna numa única canção esse apetite indomado, essa atividade cheia de aventuras e persistência em meio a uma natureza toda peculiar, em meio a florescentes colônias alemãs e à Campanha rica em cidades. Benigno leitor queria emprestar asas à imaginação e deixar que cruzam as picadas alemãs, isto é, viajar comigo por uma daquelas estradas que cruzam as picadas alemãs. Vamos a cavalo e avançamos num trote lento e suave como é costume aqui, para não cansar demais o animal. À direita e à esquerda áreas de mato alternam-se com potreiros, roças cultivadas e moradias.. Estas costumam ficar a uma boa  distância umas das outras e um pouco recuadas da estrada. Um muro ou uma cerca protegem as moradias e os potreiros, evitando  que cavalos, reses, porcos e outros animais se evadam.

Aproximamo-nos de uma casa que fica perto da estrada. Diante da porta encontramos , em alguns casos sim em outros não, algumas árvores de sombra. O que nunca falta são postes e sobre eles traves transversais, ou pelo menos argolas para prender os nossos cavalos. Estamos diante de uma casa de comércio, de uma assim chamada “venda”. Apeamos pois a nossa intenção é conhecer caixeiros viajantes que têm como cenário de trabalho as vendas. A atenta dona da venda apressa-se em oferecer uma cadeira para a nossas bela leitora, para facilitar o desmontar com o vestido comprido. Na maioria dos casos, as mulheres das colônias costumam andar a cavalo com vestido curto, sendo que cavalgam bem à maneira dos homens. Saímos da luz ofuscante do dia e entramos na agradável penumbra da venda protegida da claridade com cortinas. Saudamos os presentes com um apeto de mão como é costume no País, quando se trata de alguma forma de conhecidos. Depois, sentamo-nos num banco em frente à mesa da loja, chamada balcão. As senhoras que nos acompanharam sentam-se em cadeiras que lhes são oferecidas. Pedimos uma garrafa de cerveja nacional pois, a cavalgada ao sol nos rendera uma grande sede. Para as senhoras há licor, água com extrato de framboesa e doces ...... Encaminhamo-nos até a porta e eis que se aproximam dois cavaleiros, chapéus de abas largas e caídas sobre a cabeça, um poncho esvoaçando ao vento, lenço no pescoço, botas de cano alto munidas com  grandes esporas, o relho, com a direita segurando o chicote de cabo curto, a pistola na guaiaca, o cinturão com a bolsa do dinheiro, confeccionada com pele de animal. Ainda não é certo que se trata de caixeiros viajantes pois, este é o traje nacional do Rio Grande do Sul e o mais adequado para as viagens  no interior. Um dos homens, ainda moço, carrega atrás de si, pendendo de ambos os lados da cela, duas grandes bruacas de couro marrom. É o distintivo do caixeiro viajante. Passam por nós, erguem levemente o chapéu, saltam das mulas, passam o cabresto pela argola do poste e prendem-no na trave. Entram na venda e saúdam a vendeira com um aperto de mão. Perguntam pelo dono da casa, pela família e de modo especial pelas filhas da casa. Os colonos presentes também os saúdam como velhos conhecidos. O motivo está nas muitas festas na colônia de que os viajantes participam. Em cada uma das ocasiões em que se acham presentes, cabe-lhes o papel mais importante. São dançarinos desenvoltos e valentes bebedores. Os filhos da colônia a que aos quais surrupiam as garotas reconciliam-se com eles pelas maneiras elegantes e espontâneas. Mandam servir dúzias de “inglesa”, isto é, cerveja estrangeira. Conhecem as piadas mais engraçadas, sabem contar acontecimentos políticos e são o jornal vivo para a colônia. Cabe a eles formar a opinião  dos colonos e dos comerciantes do interior. Durante a recente revolução rio-grandense eram vistos pelo governo como perigosos propagandistas dos maragatos, em outras palavras, perturbadores da ordem, o que obviamente não passou de uma injustiça. Com raras exceções, defendiam o único ponto de vista razoável: manter as colônias neutras frente à guerra fratricida de brasileiros com brasileiros. Os caixeiros  representam, em todo o caso, um poder. São os pioneiros do comércio alemão e os defensores do germanismo. Conquistam muitos amigos e o apoio na colônia, são convidados para padrinhos e a maioria busca a esposa nas melhores famílias da colônia.