Os jesuítas no sul do Brasil


Desde o descobrimento, a América Latina tornara-se o cenário  em que os jesuítas, mais do que os membros de qualquer outra ordem religiosa, implantaram e desenvolveram projetos de cristianização e de promoção humana. Universalmente  famosa e conhecida, foi a obra por eles edificada durante os séculos XVI, XVII e XVIII, tanto nas colônias espanholas quanto nas portuguesas. Podem ser encontrados no Chile liderando iniciativas no ensino e educação, na instalação de oficina, tipografias, artesanatos, farmacologia, além da catequese aos nativos e filhos dos espanhóis. Estão presentes no Chaco argentino civilizando os nativos e implantando colégios importantes em cidades como Córdova, Rosário e Tucumán. Sua obra mais conhecida foram as missões entre os nativos e o complexo de Reduções espalhadas pelo norte da Argentina, sul do Paraguai e sul do Brasil. A partir de 1549 os jesuítas foram presença obrigatória no Brasil. Duas atividades destacaram-se: a catequese entre os nativos e a implantação de colégios nos centros mais importantes  como São Paulo, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e outros. A história do Brasil não pode ser escrita sem tomar em conta a contribuição dos filhos de Santo Inácio. Os nomes de Nóbrega e José de Anchieta são familiares a qualquer criança do ensino fundamental.
Depois da expulsão das colônias latino-americanas na década de 1750 e, mais ainda, depois da supressão da Ordem em 1773, as obras dos jesuítas foram entregues ao arbítrio, à cobiça, aos interesses escusos e à hostilidade para com a Igreja. Relatos chegados até nós, documentos históricos, correspondências da época, além das imponentes ruinas dos templos, reduçõe e aldeamentos testemunham o tamanho e a importância  da obra dos jesuítas daqueles quase dois séculos, tanto assim que as ruinas das reduções foram declaradas patrimônio da humanidade.
Restaurada a Ordem em 1914, em poucos anos, os filhos de Santo Inácio de Loyola, como que emergindo de um “retiro compulsório de 40 anos”, voltaram aos cenários apostólicos, para dar continuidade à obra interrompida. Retomaram o apostolado da educação, reassumiram as missões populares, recomeçara a conquista para o cristianismo dos povos autóctones e acompanharam os imigrantes europeus em busca de novas pátrias. Foi em meio a essa dinâmica que em 1842 chegaram ao sul do Brasil os primeiros jesuítas da Ordem restaurada. Agora sua missão consistiu, não em catequizar índios, mas em dar assistência religiosa aos núcleos  de povoamento em formação, cuidar da educação profana e religiosa e dar andamento a ambiciosos projetos de promoção humana.
Os primeiros jesuítas a trabalharem no sul do Brasil depois da restauração da Ordem, foram os espanhóis expulsos da Argentina pelo ditador Rosas em 22 de março de 1841. O superior da América Latina, Pe. Mariani Verdugo refugiou-se em Montevideo. O Pe. Verdugo e seu companheiro, Pe. Sadó, viajaram para o Rio de Janeiro onde contavam com um amigo e defensor dos jesuítas, na pessoa do internúncio apostólico Ambrósio Campodonico. Notícias da precária situação religiosa no Rio Grande do Sul levaram O Pe. Verdugo a mandar para lá seu companheiro, Pe. Sadó e, par auxiliá-lo, chamou o Pe. Coris de Montevideo. Resolvidas as questões burocráticas e dos subsídios aos quais os padres renunciaram, começaram a viagem para o Sul de navio. A viagem foi interrompida por uma tempestade na altura de Santa Catarina e a embarcação arrastada para a ilha do mesmo nome. Receando novas peripécias em viagem marítima, os padres optaram pela via terrestre, percorrendo por terra os 400 quilômetros até Porto Alegre, onde foram calorosamente recebidos, tanto pelas autoridades civis quanto eclesiásticas. O pároco da matriz fez questão de hospedá-los em sua casa até conseguirem moradia própria. Não demorou e uma rica dama, a Sra. Delfina Carlota Araújo Brusque, cedeu gratuitamente, junto com um escravo, uma casa para morarem e o pároco providenciou a mobília e gêneros alimentícios.
Os dois padres não perderam tempo e, sem tardar, começaram a pregar missões para a população luso-brasileira, primeiro em Pelotas, em seguida em Porto Alegre, para melhorarem a  fluência na  língua. Sobre o resultado das missões em Porto Alegre o Pe. Schupp registrou: “O afluxo do povo foi de todo extraordinário: a igreja estava repleta até o coro; participaram exatamente os cidadãos de maior destaque da cidade. Durante o sermão reinava um silêncio reverente. Os confessionários foram sitiados, de modo especial no dia da comunhão geral, oito padres atenderam às confissões da manhã até o entardecer, sem conseguir satisfazer a todos que se apresentaram para a confissão. Assistiu-se a uma maravilhosa movimentação que empolgava a população inteira de Porto Alegre. (Schupp, Ambros. A Missão dos jesuítas alemães no Rio Grande do Sul. Ed. Unisinos, São Leopoldo, p. 102).
Durante a década de 1840, a colônia alemã avançava em ritmo acelerado ente 30 a 50 quilômetros ao norte de Porto Alegre. A metade protestante contava com assistência religiosa regular, enquanto os católicos continuavam desassistidos. Costumavam reunir-se aos domingos para a “devoção”, para rezar e cantar, ler e comentar em comum a Sagrada Escritura. Mas a ausência de sacerdotes, a falta da missa, da confissão e dos sacramentos, terminariam, em questão de médio prazo, pondo em risco a fé, a disciplina e a doutrina religiosa, junto com a deterioração dos costumes e da perda da própria identidade. Contudo, a religiosidade dormitava debaixo das cinzas, à espera do momento para irromper com todo o vigor. E esse momento concretizou-se, quando em 1844, os padres Sadó e Coris atenderam ao convite para pregar uma missão em São Leopoldo, sede da Colônia Alemã. Um relato do Pe. Schupp descreveu  o evento: “A missão começou com uma procissão pelas ruas da cidade. Todos participaram com tamanha ordem e edificação, como não tinham sido observados em nenhuma missão anterior. O espetáculo em que os católicos caminhavam em grande número, em parte misturados com não poucos protestantes que, longe de ofender e ridicularizar, participaram com o maior respeito. Chegaram ao ponto de não poucos, entre eles um pastor e o comandante militar protestante, participarem do culto divino e persignando-se como se fossem católicos, rezaram e acompanharam a cerimônia em tudo”. (Schupp. Idem, p.103).
No ano seguinte, 1845, os mesmos padres Sadó e Coris retomara as missões, desta vez na colônia alemã propriamente dita. Pregaram missões, sucessivamente, em Bom Jardim (Ivoti), São José do Hortêncio e Dois Irmãos. Apesar de não entenderem nada do que os missionários  falavam nos sermões, a atenção dos colonos foi total, como que intuindo o que lhes era dito. O mais importante foi a ocasião que se lhes oferecia para porem dia as suas consciências pela confissão, apesar das dificuldades da língua, participarem da eucaristia e regularizarem os  matrimônios. Uma impressão toda especial deixaram as cerimônias das primeiras comunhões e o canto piedoso dos alemães, amantes do canto.
A passagem dos padres Sadó e Coris pelas colônias alemãs do Sul, além de porem em dia a vida sacramental dos colonos, teve uma outra consequência não menos importante. Já que a curto prazo não havia perspectiva concreta para uma assistência pastoral permanente e regular, por parte de sacerdotes que dominavam a língua alemã, os padres espanhóis recorreram a outros meios. Um deles consistiu em fornecer livros edificantes e instrutivos para, de alguma forma, suprir a falta de catequese, prédicas, instruções religiosas, ou simplesmente satisfazer o prazer de uma boa leitura. A ideia foi apresentada ao Pe. Roothan, geral da Ordem, que encarregou o Pe. Beckx para concretizar a proposta. Não demorou para ser descarregada em Porto Alegre uma enorme caixa com livros. O Pe. Sadó em pessoa levou-os até a colônia e confiou a tarefa de distribui-los aos fabriqueiros. Estes livros foram mais tarde passados de geração em geração, como preciosos objetos de herança. A outra providência consistiu em resolver a questão da assistência pastoral a longo prazo. O Pe. Morrey superior da província espanhola, encaminhou uma solicitação ao Superior Geral. O pedido teve pronto acolhimento. Os acontecimentos adversos aos jesuítas na Europa Central veio em benefício dos colonos alemães no sul do Brasil. A revolução de 1848 fizera seus estragos também na Áustria. Os jesuítas perderam propriedades, os colégios em grande parte fechados, liberando um apreciável número de religiosos para outras obras. O Geral solicitou então ao Provincial da Galícia que destacasse alguns jesuítas para enviá-los ao Brasil. Da lista que se ofereceram espontaneamente, foram escolhidos dois padres: Augustin Lipinski, Josepf Sedlac e o irmão Anton Sontag. (Continua na seguinte postagem).

This entry was posted on segunda-feira, 4 de agosto de 2014. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.