A Igreja dos imigrantes

Os imigrantes alemães, italianos, poloneses e outros, destacavam-se pela religiosidade profunda e sólida. As convicções doutrinarias e os princípios éticos e morais, desempenharam um papel fundamental na moldagem  da fisionomia sócio cultural da população imigrantes no Brasil. A pergunta ser feita pode ser esta: como foi a Igreja que os imigrantes encontraram e como foi a Igreja que trouxeram e terminaram por implantar, não só nas regiões em que somavam maioria, como também em outras em todo o território nacional; quais foram as características da Igreja de tradição luso-brasileira que os imigrantes encontraram?; como foi a Igreja  dos imigrantes alemães, italianos e poloneses católicos?; como foi a Igreja dos imigrantes alemães protestantes?
O modelo predominante que de Igreja que os imigrantes encontraram no Brasil, ostentava as marcas peculiares das circunstâncias históricas em que se desenvolveu. No Brasil vigorava o Padroado e com isso o Imperador estava investido também da prerrogativa de chefe da Igreja e da religião oficial que era a católica. A criação de dioceses, paróquias e capelanias requeria a chancela da autoridade civil. A nomeação de bispos, párocos, capelães e demais postos da hierarquia, dependia da aprovação oficial.  A união entre Igreja e Estado, transformara o catolicismo em religião oficial, fazendo com que as demais não fossem reconhecidas e seus atos considerados nulos ou ilegais. Aos protestantes, por ex., estava vedado  o sepultamento nos cemitérios oficiais, os casamentos considerados concubinato, o batismo sem valor legal e seus lugares de culto não podiam exibir a aparência de templo. Essa realidade condenou à marginalidade especialmente os imigrantes alemães protestantes. Algumas brechas e alguns arranjos introduzidos na legislação, fizeram com nas décadas finais do Império a situação dos protestantes fosse menos desconfortável. Em poucas palavras, os imigrantes católicos encontraram uma Igreja sujeita, submissa e dependente dos caprichos dos governantes e administradores civis, na qual a doutrina e os bons costumes pouco ou nada decidiam. O Imperador era, na verdade, a autoridade maior, enquanto que Roma se limitava a ratificar os atos dos verdadeiros detentores do poder, tanto civil quanto religioso. O tipo de clero que respondia pela cura de almas deve ter causado, no mínimo, surpresa para os católicos vindos da Europa do norte e central. A disciplina clerical não era seu forte. Um bom número de sacerdotes era filiado à maçonaria. Outros tantos dedicavam-se a política, eram fazendeiros ou centravam seus interesses em qualquer outra ocupação, menos a cura de almas. A situação do padre com companheira, e via de regra com filhos, já não causava surpresa.  Os fiéis não só toleravam o fato, como o aceitavam e aprovavam. Os imigrantes defrontaram-se, portanto com uma Igreja sufocada por uma mentalidade que se esgotava em rituais e manifestações em que o profano mascarava o religioso, uma Igreja sem vida sacramental. A essa Igreja os imigrantes católicos contrapuseram a Igreja da Restauração e os protestantes a Igreja da Reforma.
A situação peculiar da Alemanha de maioria protestante, onde o iluminismo e o racionalismo dominavam as elites intelectuais e seus projetos políticos e culturais, obrigou os católicos e suas lideranças a se firmarem em bases  doutrinárias e disciplinares sólidas. Aderiram ao movimento conhecido como Restauração Católica. Em poucas palavras esse movimento tinha como pontos centrais: a retomada da fé, doutrina, moral e a disciplina do Concílio de Trento; a obediência incondicional ao romano pontífice e aos bispos; a distância das autoridades civis;  a rejeição da ingerência do Estado na vida e nos assuntos da Igreja. A Igreja Restaurada caracterizou-se pela grande importância que emprestou às práticas religiosas. De modo especial insistia na frequência regular da missa dominical e nos dias santificados e na prática da religião centrada numa intensa vida sacramental. O batismo deixou de ser um mero ritual de legitimação social, para assumir o seu verdadeiro significado de sacramento. Os sacramentos da penitência e eucaristia, ausentes  na Igreja da tradição luso-brasileira, transformaram-se no verdadeiro termômetro da prática religiosa. O fervor dos fiéis era medido pela assiduidade à confissão e da eucaristia. Não era visto como um bom cristão católico aquele que não cumprisse a desobriga pascal, isto é, que não se confessasse e comungasse pelo menos uma vez ao ano no período pascal. O fervor religioso, a vida sacramental e a fidelidade à ortodoxia eram estimulados por uma série de instrumentos específicos. Sobressaiam entre eles: as Congregações Marianas; o Apostolado da Oração; Associações dedicadas à devoção ao Sagrado Coração de Jesus; Associações de crianças tendo como objeto a veneração do Menino Jesus;  as Organizações de Mães; a Organização de Operários Católicos; a Ação Católica praticada de preferência por jovens das diversas categorias: a Juventude Universitária Católica (JUC), a Juventude Estudantil Católica (JEC), a Juventude Agrária Católica (JAC),  a Juventude Operária Católica (JOC) e a Juventude Católica Independente (JIC).

Com a abertura dos portos para todos os países pelo Edito Real de 28 janeiro de 1808, franqueou-se o comércio do Brasil a países predominantemente protestantes. O Decreto promulgado em 25 de novembro liberava o comércio e a indústria a todos os imigrantes, independente de raça e religião. A exigência de que a imigração em grandes grupos deveria ser exclusiva de católicos romanos, não foi respeitada. Os acatólicos que foram entrando no Brasil, via comércio, formavam pequenas comunidades urbanas que se reuniam em locais de culto que não podiam mostrar  aparências externas de templo. Somente a partir de 1824 começaram a ser postas as bases para uma Igreja Protestante no verdadeiro sentido, dotada de uma relativa  unidade doutrinária e de disciplina religiosa. A bases para essa Igreja foram os imigrantes protestantes alemães, vindos em levas sucessivas para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, somando 54% contra  46% de católicos na média geral. Em 1900 estabeleceu-se no Estado também uma filial do Sínodo de Missouri. A Igreja Protestante implantou, desde  o começo, comunidades bem estruturadas, em torno de suas igrejas, cemitérios e escolas. Sob este aspecto as comunidades protestantes e católicas quase não se diferenciavam, ainda mais que em muitas linhas e picadas ocupavam o mesmo espaço comunal. Diferente dos católicos, os protestantes contaram desde o começo com uma assistência religiosa mais ou menos regular. Tanto assim que na primeira leva de imigrantes encontrava-se um pastor, enquanto os católicos contaram com esse privilégio somente a partir de 1849, com a vinda de jesuítas alemães.

Até a chegada do pastor Borchard a São Leopoldo em 1864, os protestantes estavam organizados em comunidades livres e independentes, entregues aos assim chamados “pastores-colonos”, ou “pseudo-pastores”, carentes  de uma preparação adequada e sem investidura oficial para exercer a função. Até aquele momento nenhuma das igrejas territoriais da Alemanha se tinha preocupado com seus membros emigrados. As comunidades independentes com seus pastores sem a devida preparação, terminaram por consolidar seus próprios referenciais de fé, doutrina e disciplina religiosa. Sem uma Igreja que lhes desse respaldo, tudo dependia da atuação do pastor e do empenho da comunidade. O resultado foi que as comunidades se comportavam como mini igrejas independentes. O choque entre os pastores ordenados e as comunidades independentes e seus pastores foi inevitável. Mas de qualquer forma a partir da década de 1860 a Igreja Luterana de Confissão Evangélica vai sendo moldada numa grande unidade eclesiástica que culmina com a fundação do “Sínodo Riograndense”  em 1886 pelo pastor Wilhelm Rotermund. Resguardando a autonomia comunitária local da velha tradição dos imigrantes, controlada agora pelo pastor formado na Europa o qual devia ser concomitantemente  o elo de ligação com a hierarquia geral, inspirou organizações similares em outras partes do Brasil.

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