Coordenador do PPGH
Em meados de 1994 aconteceu uma inesperada reviravolta na minha trajetória acadêmica. Fui chamado pelo reitor da universidade, Pe. Aloísio Bohnen. Ao entrar no seu gabinete recebeu-me com o sorriso meio maroto que lhe era peculiar em encontros informais. Pediu que me sentasse, empurrou um envelope timbrado da universidade em minha direção e pediu que o abrisse e lesse o conteúdo em forma de uma portaria. Para meu susto e quase espanto flagrei-me nomeado para assumir a coordenação do Programa de Pós-Graduação em História, substituindo a Profa. Beatriz Franzen. Acontece que a professora que fora junto com o Pe. Ignácio Schmitz a idealizadora daquele PPGH não contava com título de pós-graduação stricto sensu. Como o PPGH estava apenas autorizado a funcionar pela CAPES, foi preciso providenciar o credenciamento. Pelo fato de a coordenadora carecer tanto de mestrado quanto de doutorado as condições para o credenciamento poderiam complicar-se quando fosse entregue à CAPES o relatório dos emissários daquela instância anunciados para o começo do segundo semestre daquele ano. O Reitor, no melhor estilo jesuítico, encarregou-me da missão de consolidar o Pós-Graduação, sem perguntar se estava de acordo ou não. Pediu ainda que comunicasse à coordenadora a sua substituição e o pedido que fosse encontrar-se com o ele. Ela não falou uma palavra, mas percebi que levou um choque. Naquele encontro dela com o Reitor, resultou a decisão de que a universidade bancaria as despesas para que ela se doutorasse em História pela universidade de Lisboa. E, de fato, ela conquistou com o brilhantismo que lhe era próprio, esse título para depois retornar ao PPGH e implantar e coordenar um Núcleo de Estudos Luso-Brasileiros ao modelo da Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros, além de continuar ministrando seminários e orientando mestrandos e doutorandos
A primeira tarefa consistiu em preparar a visita da profa. Campos da UNESPE de Franca, destacada pela CAPES, para examinar as condições para um possível credenciamento. O maior problema foi a definição da “Área de Concentração”. A proposta falava em “Estudos Ibero- Americanos” posta em questão pela visitadora. Depois de argumentos a favor da nossa parte e contra da parte da visitadora, propus como saída conciliatória a denominação de “Estudos Latino- Americanos”. A sugestão foi aceita e os demais ajustes solicitados foram feitos sem maiores tropeços e o prof. Werner Altmann, especialista nessa área da história, redigiu o arrazoado que serviu de suporte teórico ao documento envidado à CAPES. Não demorou muito e veio o credenciamento tão esperado. O primeiro programa de pós-graduação “stricto sensu” tornara-se realidade na Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Pode alguém perguntar porque o primeiro não foi criado em outra área da universidade. A reposta é simples e técnica. Na década de 1980 quando foi solicitada a autorização para o funcionamento do PPGH os mestres e doutores não passavam de uma minoria nos diversos departamentos e, em não poucos inexistentes. Na Unisinos o curso de História foi o único que contava com um número mínimo para arriscar o salto para a pós-graduação stricto sensu. E não se esqueça o detalhe que na verdade o Pe. Schmitz e o prof. Rui Ruben Ruschel eram os únicos portadores do título de doutor e livre-docente específicos em História. Eu próprio contava com o título de doutor em Filosofia e livre docente em Antropologia, além de um estágio de pós doutoramento em Antropologia na Université V, René Descartes em Paris.
Depois da visita da representante da CAPES seguiu a elaboração do projeto do Programa enviado para a apreciação daquele órgão em Brasília. Não demorou veio a confirmação do credenciamento no nível de mestrado. Com isso os mestrandos que haviam concluído os créditos exigidos e aprovadas as dissertações foram submetidos a bancas de avaliação e seus diplomas de mestres em história devidamente validados. Vale destacar que Maria Cristina Bohn Martins e Eliane Deckmann Fleck podem-se orgulhar de terem sido as primeiras mestras do PPGH da Unisinos.
Com o credenciamento e os primeiros mestres devidamente com os diplomas na mão tratei de convencer o Reitor Pe. Aloísio Bohnen e a pró reitora de Ensino e Pesquisa Emi Maria Santini Saft a dar início a elaboração do projeto do doutorado. O reitor apoiou de saída a ideia. Na pró reitoria percebi uma tal ou qual dúvida da oportunidade para apresentar naquele momento, logo depois do credenciamento do mestrado, partir para o nível de doutorado. De outras autoridades acadêmicas de segundo escalão tive que ouvir, sem meias palavras, que não passava de uma temeridade partir logo para o doutorado. Com a certeza do apoio do reitor passei grande parte das férias de 1995, alinhavando um esboço para o doutorado. Com ele na mão fui procurar ainda nas férias, o reitor na residência dos jesuítas. Depois de detalhar para ele as grandes linhas a serem propostas reafirmou sua satisfação que o primeiro doutorado da universidade estava em condições de se tornar realidade. Com a volta às atividades acadêmicas depois das férias o projeto foi analisado minuciosamente pelo colegiado do PPGH, formulado numa proposta para ser avaliada pelo Conselho Universitário. Este momento ocorreu numa das reuniões da instância deliberativa maior da universidade numa das sessões do primeiro semestre daquele ano. Fui obrigado a recorrer a uma série de malabarismos para deixar claro o que se pretendia em termos de formação acadêmica e de pesquisa com o projeto do doutorado em História. Questionamentos de diretores de centros pondo em dúvida a oportunidade e insinuando precipitação no implantar, argumentando com o corpo docente qualificado reduzido, critérios de seleção de docentes; acolhimento de candidatos de áreas profissionais portadores de bacharelado e ou licenciatura que não procedessem especificamente do curso de história; linhas de pesquisas, área de concentração e outros mais não impediram que o projeto fosse aprovado na mais alta instância acadêmica da universidade com a recomendação de submetê-lo às instâncias pertinentes em Brasília. Sem perda de tempo o projeto seguiu para a análise da CAPES. Depois de em torno de dois meses veio a resposta pedindo mais uma série de ajustes antes da aprovação por aquela instância maior do Ministério da Educação. A notícia me foi comunicada pela pró reitora com visível ar de quem dizia nas entrelinhas: “não avisei que era prematuro?”. Não me lembro se fiz alguma comentário. Só sei que, com a colaboração dos colegas e posterior crivo do colegiado do PPGH, a versão atendendo às exigências da CAPES foi reencaminhada para aquela agência. Depois de alguma demora fui informado de que deveria viajar a Brasília a fim de me encontrar com o prof. Vasquez, responsável pelo parecer de aprovação ou não, para tirar as últimas dúvidas com ele. Mais uma breve demora e aprovação do doutorado nos foi comunicada. Não perdemos tempo. Junto com as instâncias internas do PPGH foi feita a chamada para a seleção dos primeiros candidatos ao doutorado em História e o programa pioneiro nesse nível da Unisinos. E, para encurtar a história, se não me falha a memória a profa. Doris Fernandes defendeu a primeira tese de doutorado da Unisinos em 1999.
Somada à rotina do bom andamento do programa em si e no seu diário, cabia-me participar da reunião bi anual de todos os coordenadores dos programas de História em andamento no País, coordenada pela ANPUH, com a finalidade de garantir a unidade mínima entre todos os programas. Devo a essas reuniões a ocasião para conhecer a realidade dos pós de História de Fortaleza, Recife, Bahia, Rio de Janeiro, Niterói, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Brasília, Goiânia, Cuiabá e, por fim Maringá. Não vou entrar em detalhes do que foi tratado em cada um desses encontros. Só sei que me proporcionou uma ideia abrangente da direção em que sopravam os ventos do estudo da História em nível de pós graduação “stricto sensu” nas universidades públicas e privadas em todo o País e, ao mesmo tempo, colher inspirações nelas para aperfeiçoar o programa da Unisinos, além de torna-lo conhecido e reconhecido pelo Brasil afora.
Aqui parece o momento para chamar a atenção para uma característica que conferia ao PPGH da Unisinos um caráter peculiar, isto é, aceitar mestrandos e doutorandos, com bacharelado e ou licenciatura procedentes dos mais diversos cursos de graduação tanto da área das humanidades, letras e artes, quanto de áreas técnicas como de engenharia, arquitetura, direito e outras mais. Essa característica que hoje causa arrepios aos responsáveis pelo arcabouço acadêmica das universidades brasileiras, fundamentava-se no princípio da concepção interdisciplinar como método para construir conhecimento. Em outras palavras. As mais diferentes áreas do conhecimento não passam de caminhos que levam a conhecimentos, mutuamente complementares e convergentes. Assim conquistaram o título de mestrado no PPGH em causa, formados em arquitetura, sociologia, letras, direito, assistência social e outros mais. Essa experiência estimulou a concepção de um Pós Graduação de Filosofia e Ciências Humanas abrangendo a História, a Filosofia, a Sociologia, a Antropologia, a Política e a Pedagogia. A profa. Beatriz Franzen e eu passamos um bocado de horas montando o projeto. O esboço foi submetido à análise do colegiado e depois de aperfeiçoado com as sugestões colhidas submetido à apreciação do Conselho do Centro de Ciências Humanas. Naquela instância foi declarado inviável e por isso morreu na casca. Parece oportuno lembrar que na UFRGS o primeiro programa de pós graduação na área de Ciências Humanas na década de 1970 tinha esse feitio. Reunia a Antropologia, a Política e a Sociologia num único programa. Tive a oportunidade de, com antropólogo participar do Colegiado que o regia, em parceria com representantes da Sociologia e Política. Com o andar dos anos esse programa interdisciplinar também foi fragmentado, resultando em três programas de pós-graduação independentes. Mas, voltando à Unisinos. Para falar a verdade os responsáveis de cada uma das áreas em pauta sonhavam cada qual com um projeto de pós graduação próprio. Com isso, salvo melhor juízo, perdeu-se a ocasião de por em andamento uma pós graduação interdisciplinar administrativa e academicamente mais polivalente, levando a uma formação acadêmica voltada para uma perspectiva ampla e complementar da Filosofia e Ciências humanas, além de um suporte administrativo mais enxuto. Com andar dos anos as coordenações que me sucederam a partir de 2002 e o corpo docente aumentado e renovado, o próprio PPGH encolheu-se sobre si mesmo admitindo exclusivamente candidatos formados em algum curso de história. O resultado está aí. As pós graduações multiplicaram-se na universidade. Multiplicaram-se também os custos administrativos e acadêmicos que hoje 25 anos depois beiram à insustentabilidade além da fragmentação dos resultados nos muitos programas de pós graduação isolados em seus casulos herméticos e irredutíveis. No máximo que conseguem formar são mestres e doutores de uma limitação de visão deploráveis, presas fáceis do Marxismo combinado com o Gramscismo, a Escola de Frankfurt e por aí vai. Profissionalmente não passam de peritos ou “Kenner”, e jamais sábios ou “Weise”, como diriam os alemães. Os docentes e formandos em História ocupam-se com os acontecimentos transitórios e não se dão conta que o que de fato é determinante é o perene que perpassa a história do homem desde o começo que se perde no crepúsculo do tempo. Não se doutoram mais juristas mas manipuladores mais ou menos competentes das leis ou, pior, rábulas de porta de cadeia ou porta de delegacia. Um fenômeno parecido acontece em todas as demais áreas do conhecimento. Para maiores informações remeto às reflexões mais exaustivas mais acima no contexto da análise do “temporal desencadeado com entrada do marxismo, do gramscismo, da escola de Frankfurt, da Teologia da Libertação, da Pedagogia do Oprimido, Piaget, Chomsky, além de outros fatores complementares.
Voltando agora à rotina da coordenação destaco a preocupação e o esforço de ampliar e qualificar o corpo docente do Programa. Até 2002, quando passei a coordenação para o prof. Werner Altmann, foram incorporadas as doutoras em História Ieda Gutfreind e Heloísa Reichel, aposentadas da UFRGS, Paula Caleffi, Loiva Otero, Martin Dreher e as recém doutoradas pela PURGS Eliane Dekmann Fleck, Maria Cristina Bohn Martins, Marcos Jussto Tramontini; pela URFRGS Eloisa Capovilla Luz Ramos, Marlusa Harres. Como se pode ver ao entregar a coordenação do corpo docente o Programa correspondia plenamente às exigências postas pela CAPES e demais instâncias do Ministério da Educação.
Enquanto redigia as presentes memórias, 20 anos após passar o bastão da coordenação do PPGH para outras mãos, fui surpreendido com a notícia de que nova administração da Unisinos resolvera encerrar, melhor, fechar o PPGH e outros pós graduações sricto senso alegando insustentabilidade financeira. Recebi a notícia com a sensação de um soco no estômago. Não me sinto com vontade de opinar sobre o significado dessa decisão que sugere que no fundo, no fundo, muitas, não digo todas as universidades abdicaram do papel de formar “sábios - Weise”, diriam os alemães, para assumir a formação em série, como que em esteiras de montagem, de “peritos – Kenner”, recorrendo novamente à classificação alemã, para atender o mercado de trabalho imediato. Sonhe-se nesse modelo de formação com produção de conhecimento de alto nível e oferecimento ao mercado tecnologias de ponta.