Da Enxada à Cátedra [ 78 ]

A Teologia da Libertação

Acabamos de mostrar como o Marxismo foi minando sorrateiramente, via AP, as organizações católicas, de modo especial aquelas que congregavam as diversas classes de jovens estudantes e outras. No decorrer da década de 1960 e 1970 os integrantes das mais diversas modalidade de AP dos estudantes graduaram-se em cursos superiores, em pós graduações no nível de mestrado e doutorado dentro e fora do Brasil. Fascinados pelo métodos de domínio da opinião pública pela Hegemonia Ideológica de Gramsci, somada à estratégia da Indústria Cultural da Escola de Frankfurt, tendo como pano de fundo o Marxismo, chegou o momento de perguntar: E, como essa turbulência toda repercutiu sobre a Igreja Católica?.

Para entender como a Igreja Católica foi afetada pela turbulência que se abateu sobre a história da humanidade a partir de 1960, pressupõe-se ter uma noção das orientações doutrinárias, disciplinares e pastorais constantes nas conclusões do Concílio Vaticano II – 1962- 1965 - convocado por João XXIII e concluído por Paulo VI. Dois pressupostos têm que ser tomados em conta para entender o caminho que a Igreja pós conciliar começou a por em prática no sentido de se adaptar aos novos tempos. Em primeiro lugar é preciso deixar claro que os padres conciliares não puseram em questão os fundamentos dogmáticos vigentes até então. Em princípio não foi um concílio convocado para rever questões doutrinárias, porém, para encontrar um caminho para uma estratégia pastoral ajustada às novas circunstâncias. As decisões conciliares prometiam uma “nova primavera” para o Catolicismo superando o risco de estagnação ao insistir nas práticas pastorais e litúrgicas próprias do período da Restauração, entre 1850 e 1960. Na missa, administração dos sacramento e demais atos litúrgicos o latim foi substituído pelas línguas dos respectivos povos; a celebração da missa com o celebrante de costas para o povo deu lugar a altares que invertiam essa posição; a redução dos sacerdotes ao estado laico foi flexibilizada; a participação ativa de leigos nos atos litúrgicos, como na celebração da eucaristia, e outros sacramentos foi ampliada; os trajes clericais e os hábitos das ordens e congregações religiosas deram lugar a modelos mais próximos do mundo civil; foi retomado o diaconato exercido por leigos inclusive casados, além de outras aberturas menos visíveis. Com essas medidas de acomodação pastoral aos novos tempos, previa-se, com boas razões uma nova “primavera” para a Igreja. Ordens e congregações religiosas adaptaram-se às determinações do Concílio.

Foi então que repercutiu, de maneira mais perceptível sobre o mundo ocidental, a tormenta dos movimentos de rebeldia de 1968, contra o status quo da cultura, seus valores e sua forma de ver e interpretar a história e as civilizações que se sucederam durante a história da humanidade. Com rara precisão o filósofo Alexandro S. Caldera resumiu os contornos desse fenômeno:

Se as propostas explícitas da pós-modernidade na arte, na literatura, no cinema, na linguagem, permanecem na fragmentação dos modelos e na desconstrução dos paradigmas, fenômenos que estamos por demais presenciando desde o surrealismo, o dadaísmo, Picasso, etc., a realidade nos está conduzindo a formas históricas que não previvem fragmentadas, senão que se reagrupam em novos modelos globalizantes que se confeccionam nos centros de poder mundial e que tendem a uma uniformidade planetária”. (Caldera, 2004, p. 92)

Assim está posto o panorama em que a Igreja Católica procurou e ainda está à procura de uma forma, para enfrentar os desafios pastorais. Sucederam-se ensaios e mais ensaios alternando com outros tantos erros na prática pastoral deixando o povo católico confuso e atordoado. A Inculturação” como método de fazer a catolicidade dialogar com as mais diversas tradições histórico-culturais terminou em inúmeros casos desfigurando ao irreconhecível a imagem da Igreja. Como já lembramos mais acima a matriz marxista, mais exatamente a AP minou pela base as organizações católicas principalmente da juventude a partir do final da década de 1950. Simultaneamente soma-se a essa dinâmica o Gramscismo, a Escola de Frankfurt, sem falar de toda uma geração de pensadores, sociólogos, historiadores, antropólogos, economistas, artistas e por aí vai. A Igreja Católica que sonhava coma uma “nova primavera” como resultado das conclusões do Concílio Vaticano II implementadas pela estratégia de imersão, ou inculturação nas realidades culturais nas suas incontáveis formas, terminou sacudida por um temporal de proporções apocalípticas.

Valendo-se do método da “Inculturação” fez com os responsáveis pela base da doutrinação católica como os párocos e seus auxiliares, catequistas, formadores da nova geração de sacerdotes e religiosos, entrassem em contato diuturno com as realidades sociais, políticas, econômicas e religiosas da grande massa popular. Até aqui tudo bem. As orientações do concílio vaticano II para a atividade pastoral em todos os níveis sociais, pressupõe logicamente tomar contato direto com as realidades humanas em que é posta em prática. A nova Igreja desenhada pelo Concílio pressupõe o abandono das práticas tradicionais da imposição de cima para baixo da doutrina, das práticas litúrgicas, dos preceitos canônicos. Em vez disso manda que os agentes pastorais: catequistas, diáconos, sacerdotes e bispos procurem, não apenas familiarizar-se, mas imergir, por assim dizer, na mentalidade do povo que lhes é confiado. Em outras palavras essa imersão ou contato e convivência da realidade concreta deverá ditar os parâmetros da ação pastoral. Não passa do óbvio que essa guinada histórica em busca de “nova era para o catolicismo” o latim como língua litúrgica universal desse lugar às milhares de idiomas falados pelas inúmeras culturas espalhadas pelo mundo. Mais acima já lembrei algumas outras adaptações mais superficiais como a substituição dos hábitos dos sacerdotes e religiosos e religiosas em geral, o celebrante rezando a missa num altar virado para o público, a participação dos leigos inclusive mulheres nas celebrações litúrgicas e outros mais. Tudo Bem. O discurso “ex Cátedra” ou o discurso que reduzia o universo dos fiéis católicos a um rebanho sem voz própria, sem autonomia e sem escolha a não ser enquadrar-se nos exageros, em muitos casos levados ao extremo pelos agentes pastorais, exigia retoques, senão recursos cirúrgicos mais ou menos drásticos. Mas, pelo que parece os remédios propostos pela interpretação analítica e antropológica dos agentes pastorais “imersos” nas realidades concretas das classes menos favorecidas, maioria numérica na pirâmide social, exagerou na dose, de modo especifico na América Latina. Obedecendo ao bom tom do discurso politicamente correto afinado com a Teologia da Libertação, enveredaram para um descaminho no mínimo preocupante, senão em colisão frontal com o próprio cerne doutrinário da Igreja Católica.

O caminho, melhor a referência, a que recorreu a Teologia da Libertação para lidar com o problema e de alguma maneira dar voz às massas populares consideradas “oprimidas”, baseou-se na matriz marxista. O papa Bento XVI resumiu em poucos parágrafos os desvios doutrinários em que a Teologia da Libertação incorreu. Começa subvertendo a palavra “Salvação” por “Libertação” o que transformou o esforço para solução dos problemas sociais numa questão meramente política em vez de salvacionista no sentido doutrinário da Igreja. Para tanto se faz necessário uma mudança radical das estruturas em vigor, de modo especial na América Latina consideradas como “pecado” responsável de todos os males que acometem os oprimidos. Sem muito esforço percebe-se nesse modo avaliar os problemas sociais o dedo dos filósofos da Escola de Frankfurt, de matriz marxista, fazendo valer a “Teoria Crítica” implementada pela “Indústria Cultura” a serviço da demolição dos valores da Cultura Ocidental. Não se trata, portanto de uma luta religiosa, mas de uma luta política que precisa ser enfrentada e resolvida em primeiro lugar no nível político. A Salvação não passa de um projeto político para o qual se vale dos instrumentos oferecidos pelo marxismo. Como tal o homem vem a ser seu próprio salvador e dispensa a redenção conquistada por Cristo com sua paixão e morte na cruz. Com isso a espiritualidade católica perde seu sentido assim como os sacramentos, os mandamentos, enfim todo arcabouço doutrinário da Igreja levando a uma radical subversão do cristianismo. Como se pode perceber estamos frente a uma nova forma de compreensão do cristianismo como um todo. Os teólogos da Teologia da Libertação continuam valendo-se da linguagem teológica, ascética e litúrgica da Igreja mascarando, entretanto, a distorção pela raiz dos conceitos consagrados por séculos. Essa estratégia ilude não poucos católicos achando que a Teologia da Libertação de fato leva a realização do viés imaginado pela nova pastoral pelo Concílio Vaticano II, quando na verdade não passa de uma heresia passível de excomunhão automática conforme o Decreto de Pio XII de primeiro de junho de 1949. Em outras palavras os defensores da Teologia da Libertação não passam de “lobos em pele de ovelha”. Quem interpreta os acontecimentos históricos e cria e põe em prática os remédios adequados para a solução das massas oprimidas vem a ser a “comunidade”. É dessa forma que o povo se transforma numa antítese à hierarquia que passa a ser degradada à condição de opressora. O magistério da Igreja que defende a existência de valores permanentes contradiz a história. No entendimento da Teologia da Libertação o conceito de Deus e da Revelação são absorvidos pela história. Na prática a verdade realiza-se na história e na práxis. A ação é a verdade e, portanto, a única e verdadeira ortodoxia. De acordo com essa doutrina são ressignificados o mistério pascal assumindo o significado de uma revolução, a eucaristia uma festa de libertação e o êxodo como símbolo da Libertação, assume o papel central da história da salvação.

Creio que essa sucinta análise dos principais ingredientes que deram origem a tentativa de desconstrução dos valores consagrados pela Cultura Ocidental, permite entender de alguma maneira o panorama histórico tumultuado e errático do começo desse terceiro milênio e identificar nas linhas e entrelinhas o Marxismo ateu como inspirador maior desses movimentos considerados individualmente e no seu conjunto.

Dedicação exclusiva na Unisinos – 1990-213

Depois de uma interrupção de dois anos retornei à Unisinos a convite do Pe. Herbert E. Wetzel, pro reitor de Pesquisa e Pós graduação. Propôs-me assumir a coordenação da Pesquisa da universidade. Pedi para me substituir no cargo por outro professor com o argumento de que pretendia me dedicar mais tempo à pesquisa sobre a imigração alemã no sul do Brasil, um tema que sempre me foi muito caro e não tinha como me dedicar devido ao excesso de aulas em duas universidades. O Pe. Wetzel apoiou-me e me integrou na Pós-Graduação de História em fase de implantação. Apresentei-me à profa. Beatriz Franzen coordenadora do programa. De pronto me acolheu e confiou-me a tarefa de montar um “Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros”, com a observação: “No primeiro andar, ao lado da escada, há uma sala com uma mesa, uma cadeira, e um pequeno armário reservado para a instalação do Núcleo”. Pois, foi naquela sala de poucos metros quadrados que se tornou realmente possível e de fato dedicar-me aos sonhos e dramas que acompanharam a imigração dos alemães e outras vertentes étnicas para o sul do Brasil. Não pretendo me demorar em detalhar como foram na sua realidade humana e geográfica as sagas dos imigrantes, mas mergulhar um pouco mais a fundo na história das migrações, imigrações, emigrações. A pergunta que subjaz a todas as outras é essa: “Porque as pessoas migram?” Não me refiro aos viajantes, aventureiros, cientistas, pessoas em busca de tesouros. Refiro-me aos migrantes procurando um local para garantir um futuro promissor para as futuras gerações, resumido nas 4 palavras herdadas da sabedoria dos antigos romanos, já lembradas mais acima: “Ubi bene ibi pátria”.

Em primeiro de abril de1990 fui ocupar o gabinete que a profa. Beatriz me tinha destinado. Realmente não encontrei nada mais do que uma mesa, uma cadeira e um armário de duas portas. Para começar me pus a elaborar um projeto para recuperar e reunir a memória escrita sobre a imigração alemã no sul do Brasil, encontrável nos diversos acervos e bibliotecas de São Leopoldo, Porto Alegre e arredores. Para dar conta desse projeto o Padre Wetzel cedeu duas bolsas de iniciação científica da FAPERGS. Dos bolsistas exigia-se o domínio perfeito do alemão além de saber ler todo tipo de fonte também na impressão e manuscrita gótica. Como candidatos para essa tarefa não podiam ser encontrados na graduação de História, fui procura-los no IFPLA (Instituto de formação de professores de língua alemã) na área das Letras. Foi assim que Isabel Cristina Arendt e Katia Rex formaram a primeira dupla de bolsistas. Nos anos seguintes vieram reforçar a equipe outras bolsistas, todas oriundas do Instituto de formação de professores de língua alemã, entre elas Andrea Marinês Kunz, Justine Koppe, Beatriz Koppe. Elisabeht Breunig, Karen Maurer, Gerson Neumann e outros. O trabalho de Recuperação da Memória levou em torno de 4 anos até ser concluído e posto à disposição dos pesquisadores. Os acervos e bibliotecas mais importantes minuciosamente examinadas foram: a biblioteca do Instituto Anchietano de Pesquisas, a biblioteca do Museu Histórico de São Leopoldo, a biblioteca histórica dos Jesuítas atualmente no sexto andar da biblioteca central da Unisinos, a biblioteca da EST (Escola Superior de Teologia), o Acervo Mentz, na época na UFRGS, a biblioteca particular do prof. Walzer em Hamburgo Velho e outros mais. Em 1991 o prof. Lúcio Kreutz, emérito da Universidade Federal de Viçosa, estudioso da história da educação entre os alemães do sul do Brasil, veio reforçar a equipe do Núcleo. Visitamos o acervo da prefeitura de Nova Petrópolis, o acervo do prof. Renato Seibt, o Acervo da Sociedade União Popular em Pinhal Alto, onde nos foi oferecida uma coleção praticamente completa da periódico da Associação União Popular: o Skt. Paulusblatt. Terminamos a visita a Nova Petrópolis com uma visita ao prof. Reinaldo Krauspenhar, que fora professor de português na Escola Normal (Lehrer Seminar) em Hamburgo Velho e personagem chave no episódio que terminou com o fechamento da instituição pelas autoridades do Estado Novo, exigida por Coelho de Souza, Secretário da Educação do Governo do RS. Naquele mesmo ano o prof. Lúcio e eu fomos participar de um simpósio centrado no tema da contribuição cultural dos imigrantes alemães em Santa Rosa. Aproveitamos a ocasião para visitar o prof. Martin Wobeto em Cândido Godoy. Tínhamos informações de que ele guardava em casa uma rica coleção de livros didáticos usados nas escolas comunitárias católicas e protestantes. Para proteger essas obras da fúria iconoclasta dos agentes da nacionalização, melhor talvez, do “abrasileiramento”,cavou um esconderijo debaixo do assoalho da sala de estar de sua casa, onde não foram encontrados nas invasões a domicílios rotineiras entre 1940 e 1945. Passados os anos de chumbo da nacionalização, acomodou a preciosa coleção num dos cômodos da casa. Resumindo. Quando soube da nossa intenção de inventariar a memória escrita da imigração, especialmente da escola e da educação, nos autorizou a levar tudo que nos interessasse. Foi assim que o Prof. Lúcio enriqueceu significativamente a coleção de livros didáticos que serviram de base para um livro seu focado no material didático das escolas comunitárias, publicado pela Edit. da Unisinos.

Essas buscas pela memória tiveram um outro efeito que considero de grande importância. Na medida em que a nossa atividade de localização de documentos, revistas, jornais, livros, impressos de tudo que era tipo e conteúdo, foi-se tornando conhecido, foram-nos oferecidas pequenas coleções pessoais, relíquias guardadas dos antepassados, além de acervos de respeitável tamanho e valor histórico. Ao acervo de livros didáticos do prof. Wobeto e de outros menores veio somar-se o do prof. Walzer que nos foi oferecido pelas herdeiras Diva e Beatriz com a simples intenção de que o trabalho de décadas do pai como professor não se perdesse. Uma coleção completa do Correio do Povo de 1937- 1960, cobrindo, portanto, o importante período de antes, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, foi adquirido por uma modesta soma em dinheiro. Com o correr do tempo veio somar-se ao acervo já existente toda a documentação relativa à Sociedade União Popular, o acervo pessoal do Pe. Balduino Rambo, a documentação do CEDOP (Centro de Documentação e Pesquisa) fundado pelo Pe. Pedro C. Beltrão e levado a um nível até internacionalmente conhecido pelo estudo e prática do Cooperativismo sob o comando do Pe. Roque Lauschner e Pe. Odelso Schneider e seus auxiliares. O CEDOPE deu lugar no final da década de 1990 ao “Instituto Humanitas” com objetivos totalmente diferentes. Outro acervo de importância para entender a evolução e consolidação da colonização no sul do Brasil vem a ser o acervo reunido pelo Pe. Arthur Rabuske centrado da atividade dos jesuítas, principalmente os da velha guarda que atuaram na região entre 1849 e 1950. Por fim o juiz responsável pela massa falida do Frigorífico Vacriense, o FRIVA entregou à Unisinos como depositária legal, a parte documental da empresa. Toda essa riqueza encontra-se hoje guardada no sexto andar da biblioteca central da Unisinos.

Formou-se assim em poucos anos um Centro de Documentação e Pesquisa que serviu de inspiração para livros, artigos científicos, dissertações de Mestrado, teses de Doutorado inclusive com tradução e publicação na Alemanha. Com isso o Núcleo de Estudos Teuto-Brasileiros que começou com uma mesa, uma cadeira e um armário de duas portas, evoluiu como uma referência regional, nacional e até internacional na sua especialidade. Na formulação do currículo, por ocasião do credenciamento do PPGH esse Núcleo passou à categoria de Linha de Pesquisa com o nome “Imigração e Colonização na América Latina”.

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