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A Natureza como Síntese


Em dezembro de 2015, realizou-se em Paris a “Conferência Internacional do Clima”. Reunidos estavam os chefes, dos governos das grandes potências, dos emergentes, além de representações  de países do terceiro mundo. O show foi comandado  pelas estrelas dos primeiros. Nesse cenário, não deixaram de se fazer ouvir as vozes das organizações que pululam pelo mundo afora, com o propósito sincero ou nem tanto de salvar  o que sobrou da natureza, “a casa da humanidade”, o lar no qual nasceu a espécie humana, que a abriga e a sustenta. Desde o momento em que o primeiro dos seus representantes começou a respirar o ar das suas florestas e savanas e a servir-se das suas dádivas, essa “casa” foi seriamente maltratada com o andar dos séculos e milênios. O estrago causado é de tal ordem que, com razão, preocupa grandes e pequenos, pobres e ricos, poderosos e humildes, governantes e o povo em geral. Afinal, essa “casa” abriga a todos e a todos sustenta. Sua degradação termina atingindo indistintamente a todos. Primeiro e o mais cruelmente os menos favorecidos, mas é uma questão de tempo para que cobre seu preço também aos poderosos e aos magnatas. A prova está aí. A cúpula do poder político somada à do poder econômico encontrou-se em Paris para ouvir o grito de socorro da “nossa mãe e pátria” maltratada até o irracional pelo homem “racional”.

Chegou-se ao limite e tornou-se urgente uma tomada de posição, definir políticas globais e partir para ações  concretas e sérias, isentas e desinteressadas. O momento é de tomar decisões para valer e firmar compromissos objetivos e sérios para enfrentar  o problema. O debate não pode estagnar e esgotar-se  no nível de uma cortina de fumaça de belos e sonoros discursos; não se podem esperar as soluções via critérios geopolíticos, geoeconómicos ou geoestratégicos; não se avança na solução dos desafios ambientais turbinadas com iniciativas por toda a sorte de  ideologias e ou interesses  não confessados ou não confessáveis. Não há mais tempo a perder, pois a questão ambiental é urgente e complexa demais. No livro que aqui apresento com o título “A Natureza como Síntese” não pretendo refletir ou analisar políticas públicas, políticas de natureza geoeconómica  ou geoestratégica ou então analisar quais os aspetos concretos em que a natureza corre perigo. O aprofundamento desse lado da questão ambiental encontra-se detalhado, comentado e dimensionado num outro livro da minha autoria e em vias de publicação, intitulado “A Nossa Casa” – reflexões inspiradas  na Encíclica “Laudato Si”.

O que de fato interessa aqui é um pressuposto que deveria conferir uma bases sólida que, se não for tomado em consideração, mais, se não for colocado como fundamento, todo e qualquer iniciativa em favor da natureza não passa de um castelo construído sobre areia. É preciso responder à pergunta aparentemente singela e óbvia: “O que é a Natureza, qual a sua essência”. Será que ela se resume num conjunto aleatório e fortuito de elementos químicos, estruturas minerais, variáveis climáticas, a micro e nano fauna, as plantas e os animais superiores e no meio de tudo isso o homem? Quem sabe resume-se numa máquina finamente calibrada e de alta resolução, funcionando à maneira de um robô? Ou a natureza tem algo de tudo isso, mas sua essência ultrapassa o nível da mecânica para situar-se num patamar mais acima e mais além?

O avanço e os resultados das pesquisas científicas levou um número crescente de cientistas a conceber a natureza com o resultado de “engenhosa síntese”. O aprofundamento das pesquisas  da química, física, biologia, paleontologia, genética, fisiologia, botânica, zoologia, ecossistemas, astrofísica, os organismos e os sistemas, está a convencer um número sempre maior de cientistas e dos mais conceituados, a conceber a natureza como uma “grandiosa síntese”. Em poucas palavras. Essa síntese não se resume na soma dos elementos que a compõem, senão pela complementariedade funcional. 

A compreensão da natureza posta nessa perspetiva, entre muitas, uma conclusão  assume um significado todo especial. O esforço das ciências naturais centra-se na compreensão do “como” a natureza foi e se encontra estruturada e como funciona. Falando em síntese, essa é apenas uma face da questão. Falta responder “donde”, “para que” e “para onde”. Qualquer  esforço em busca de uma síntese, termina em frustração, no caso de se ignorar, pior desqualificar ou até negar essas três dimensões. Para responder ao “como”, as ciências naturais dispõem de métodos, ferramentas e competência. Quanto à resposta pelo “donde”, o “para que” e “para onde”, os métodos, as ferramentas e a competência cabe às ciências do espírito, das ciências humanas, inclusive das letras e artes. Sendo assim, a construção de uma síntese da natureza digna desse nome só então terá chances de sucesso, quando em seu edifício contribuírem proporcionalmente todas as áreas do conhecimento. É indispensável que as ciências todas, as naturais, as espirituais, as humanas, letras e artes se encontrem e se comprometem para realizar essa tarefa num esforço interdisciplinar honesto e isento. Para tanto pressupõe-se uma  linguagem que ambos os lados entendam e partir de questionamentos que em princípio interessam a todos: “Como começou tudo”, “como funciona”,  uma “teleologia comando ou não os processos? E qual o “destino final?”; enfim, a razão de ser ou não da natureza como “casa”,  “querência” ou “mãe e pátria” da humanidade.   

Nas reflexões que seguem depois, depois de um capítulo introdutório e se ocupa com a inserção  existencial do homem na natureza, dedicamos o restante do texto à compreensão da natureza de sete cientistas mundialmente  respeitados nas respetivas  especialidades. Três deles, Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Balduino Rambo, foram jesuítas. Sua compreensão da natureza leva, evidentemente as marcas dessa filiação. Hans Driesch biólogo e filósofo e o também biólogo Ludwig von Bertalanffy, cientista secular. Francis Collins e Theodosius Dobzjansky  alinham-se  entre os geneticistas mais importantes, o primeiro em genética médica e o segundo como um dos sistematizadores da genética como ciência. Não os limita  nenhum compromisso confessional. O último vem a ser Edward Wilson entomólogo dos mais respeitados e autoridade maior no conhecimento dos ecossistemas naturais e humanizados. Autodefine-se como “humanista secular”.



Bicentenário da Imigração - 64

A fim de se fundamentar as afirmações que se acabam de registrar, o Relatório consigna uma série de citações do mesmo periódico: “Der Deutsche Ansiedler”. Lendo com calma os textos citados, fica-se com a sensação de que eles se transformaram em contraprovas. Ou ao menos pouco provam de mais consistente em favor da ação nazista  na Igreja Evangélica. Ficaria muito longo enumerar aqui a série completa de “provas” registradas no Relatório II o extraídos do “Der Deutsche Ansiedler”.

Nessa publicação, depois de afirmar que a campanha contra os teuto-brasileiros fora inspirada e comandada a partir dos Estados Unidos, os articulistas  passam a falar  de uma matéria publicada no “Jornal do Brasil”, da autoria de Barbosa Lima Sobrinho. Foi desta matéria que pincelamos a citação acima registrada.

Barbosa Lima Sobrinho ao falar da Campanha de Nacionalização, ressalta entre outras coisas, o seguinte:

Primeiro. A Campanha discriminou os cidadãos de origem alemã, os teuto-brasileiros, apontando-os como integrantes  de uma “minoria alemã”. Apesar de a legislação brasileira desconhecer qualquer categorização  dos cidadãos do País, os teuto-brasileiros eram vistos como estrangeiros, como nazistas, como espiões. Essa campanha empenhou-se também em tentar apagar da história do Brasil a contribuição valiosa de inúmeros alemães e dos seus descendentes já no período colonial e ainda no tempo de Martim Afonso d Souza. 

Segundo. O autor exige no seu artigo que as queixas contra a discriminação sejam ouvidas e tomadas em consideração. E mais. Os méritos dos teuto-brasileiros, sua participação na vida nacional e sua contribuição positiva, tanto na paz como na guerra, fazem parte da nossa história e acrescenta:

O que os teuto-brasileiros produziram, devem eles à sua própria capacidade. O Brasil nada fez, para formar este elemento numa substância integral da nação. Eles construíram suas próprias escolas, porque da nossa parte não importamos disto. Nós deixamos sempre correr as cousas, até se formar daí um problema, pelo qual não podemos responsabilizar os teuto-brasileiros. (Relatório II, 1942, p. 162).

Terceiro. Barbosa Lima Sobrinho continua relatando que no Rio de Janeiro foram nacionalizados entre outros o “Germânia”,o mais antigo da cidade e o “Hospital Alemão”, em Santa Catarina foram fechados o “Urwaldsbote”, “Kolonie-Zeitung”,  “Volkszeitung”. O jornal “Blumenauer Zeitung” teve sua circulação permitida pelo Ministério da Justiça. O exagero na preocupação pelo “perigo alemão” chegou ao ponto de serem  mandados dois batalhões de caçadores para Blumenau.

Quarto. No Paraná e em Santa Catarina, os agentes da nacionalização chegaram se intrometer em questões religiosas, ferindo o princípio legal da liberdade de culto. O fato originou o envio de representação ao presidente da República da parte  da Associação das Comunidades Evangélicas de Santa Catarina e do Paraná.

Nós confiamos na continuação da liberdade de culto evangélico como um fator de ordem e de paz e garantimos, que vossa Excelência poderá  contar com o nosso apoio inabalável no caminho traçado para a grandeza do Brasil. (Relatório II, 1942, p. 163).

Quinto. No Rio Grande do Sul, a Campanha de Nacionalização demitiu da escola de Novo Hamburgo o pastor Th. Dietschi, riograndense nato e conhecido pelo seu amor à terra e que conseguiu elevar a escola, com um trabalho incansável de anos , a um nível muito elevado.

Ainda no Rio Grande do Sul foi fechado um número considerável de boas escolas. Essa atitude configura-se contraditória quando em todo o Brasil em torno de 80% das crianças em idade escolar ficam sem instrução. No Rio Grande do Sul, em torno de 400 a 600 escolas teuto-brasileiras cumpriram as formalidades legais e encontram-se  registradas e devidamente  reconhecidas pelo Estado. As autoridades respectivas concederam a essas escolas uma hora de aula por dia em alemão. Esse fato demonstra, conforme o jornal “Allgemeine Lehrezeitung” de São Leopoldo, um espírito positivamente flexível da parte dos responsáveis pela implementação da Campanha de Nacionalização. 

Sexto. O citado jornal lamenta o fato de as autoridades nacionalizadoras  terem conseguido gerar entre os teuto-brasileiros uma grande desconfiança em relação ao Estado. De outra parte, deplora também a ausência de objetividade na forma como era conduzida a nacionalização, nivelando, num mesmo plano, professores estrangeiros e brasileiros natos, professores cumpridores  de seus deveres patrióticos e professores relapsos. 

Sétimo. O jornal “Allgemeine Lehrerzeitung” reafirma mais uma vez que o uso da língua alemã e o  seu cultivo não visa nada além da preservação dos valores culturais. Os teuto-brasileiros  não vêm nessa  atitude nenhuma intenção de negar a sua condição de cidadãos brasileiros, nem de hostilizar a língua vernácula. 

Oitavo. O Relatório II continua citando o jornal “Der Deutsche Ansiedler” que, em resumo, defende a mesma posição do “Allgemeine Lehrerzeitung”. 

Nono. O jornal “Der Deutsche Ansiedler”  é novamente invocado para falar sobre  as atividades da Sociedade Evangélica Alemã na Diáspora, com sede em Hamburgo. Em síntese, a posição defendida  nessas atividades não apresenta nenhum dado novo relevante face a tudo que se acaba de  registrar.

Tentando, a essa altura, tirar uma conclusão sobre o valor real  dos argumentos enumerados nessas páginas, para provar o “perigo alemão” no Brasil, chega-se a uma conclusão um tanto paradoxal. Não poucas citações  registradas no Relatório parecem provar exatamente o contrario do que se pretende. Nessa linha situa-se, por ex., o depoimento do jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Nas linhas  e, principalmente nas entrelinhas dos jornais arrolados,  contam-se mais provas a favor da sinceridade de intenções dos teuto-brasileiros como cidadãos, do que sinais de hostilidade ao País, ou pior, da iminência de atitudes e de atos de traição. Esses, se ocorreram, reduzem-se a fatos isolados, mantendo-se numa freqüência estatística esperável em tais circunstâncias. 

Entre os comentários que o documento citado sugere, podem-se destacar os seguintes:

Primeiro. Foi redigido como saudação de ano novo de 1937. Naquele momento histórico, final de 1936, vigoravam relações diplomáticas  normais entre o Brasil e a Alemanha. No País circulavam livremente jornais, revistas, almanaques, livros, etc., em língua alemã e nas demais línguas utilizadas  pelos diversos grupos étnicos. O nacional-socialismo, como o fascismo, contavam com muitos simpatizantes aqui no Brasil, também entre os luso-brasileiros. O próprio modelo de Estado em Gestação e, naquele ano implantado com o Estado Novo, apresentava não poucos pontos  em comum com nacional-socialismo e o fascismo. Nada havia, portanto, de surpreendente que um jornal de orientação  evangélico-luterana publicasse a mensagem de ano novo do coordenador das comunidades no estrangeiro. A rigor, significava a mesma coisa que se os jornais alemães  de orientação católica  tivessem publicado diretrizes doutrinárias, disciplinares ou pastorais, vindas de Roma.

Segundo. Se o fato de haver sido publicada a mensagem do bispo Heckel não significou nada de anormal há, contudo, um aspecto que explica e justifica a reação das autoridades nacionalizadoras. 

Apontamos para a expressa e aberta adesão à doutrina nacional-socialista e o reconhecimento explícito do “Führer”. Configura-se aí uma evidente aproximação da Igreja Evangélica não como um todo, mas de representantes oficiais seus, com a doutrina do nacional-socialismo. Fica difícil negar que, neste caso, religião e política não  se confundiram e é preciso dar  razão às autoridades policiais quando registram no Relatório: “Daí, forçosamente, resultou ter o nazismo procurado unificar o interesse político e o sentimento religioso”. (Relatório II, 1942, p. ).

Terceiro. O temor de utilizar a pregação  religiosa para mascarar um objetivo político, entretanto, foi exagerado. Serviu de pretexto para declarar a Igreja Evangélica, seus pastores e fieis, sem distinção, como os “mais  estrangeiros dos estrangeiros”. Onde quer que se realizasse um culto evangélico, onde quer que se ministrassem aulas  a alunos evangélicos e onde quer que se reunissem evangélicos, irrompiam os emissários da nacionalização. Vasculhavam documentos, apreendiam livros e periódicos, intimavam pessoas e prendiam lideres. Não se respeitava nem a privacidade, invadindo residências, nem o mais primário direito à dignidade, prendendo pastores em delegacias ao lado de delinqüentes comuns. A justificativa para   proceder com tamanho exagero perde a base de sustentação, quando se toma conhecimento da atitude oficial adotada em Santa Cruz pelo Sínodo Riograndense. Na ocasião foi posto em discussão se os  ministros evangélicos deveriam jurar sobre o Novo Testamento, ou como vinha sendo feito, sobre o Antigo Testamento também. Após um debate acalorado e habilmente conduzido pelo pastor Dohms, ficou decidido que o juramento continuaria sendo proferido sobre os dois Testamentos. 

Com esse resultado venceu implicitamente a corrente que seria a oficial do Sínodo e que não aceitava a intromissão da política na religião.

Quarto. Encontramo-nos de novo frente à mesma situação do qual já se  falou em diversas outras ocasiões. O Sínodo Riograndense, como instituição orientadora da  doutrina e da ação pastoral da Igreja Evangélica no  Estado, não aceitou a imposição de atuar como veículo de penetração do nazismo em nosso meio. Obviamente não adotou a postura  ostensivamente favorável à Campanha de Nacionalização, como o fez a Cúria Metropolitana sob o comando de D. João Becker. O  Sínodo optou por uma linha própria de defesa da propagação  do Evangelho. Sua lógica resumiu-se num raciocínio muito singelo. A fé sobrevive unicamente através da prédica. Ora, a prédica somente alcança o seu objetivo quando entendida pelos fieis. Portanto, não  faz sentido  pregar o Evangelho numa língua que os fieis não entendem. 

Coerente com essa lógica o pastor Hermann Dohms baixou normas  para os pastores do Sínodo, no dia 6 de novembro de 1939. Entre elas destacamos:

Considerando que as instruções baixadas pelo Senhor Chefe de Policia sobre o uso da língua estrangeira em prédicas religiosas, excluem a língua da nossa Igreja em prédicas e sermões; considerando que essa solução imperiosamente exige decisão dos dirigentes da Igreja, que terão o fim de garantir, após novos entendimentos com os poderes públicos, uma ordem uniforme da vida eclesiástica; 
a Diretoria do Sínodo Riograndense ordena que os pastores do Sínodo Riograndense não façam prédicas ou  sermões;
os cultos dominicais, dos quais, na Igreja Evangélica Luterana a prédica é pare integrante, não serão realizados a não ser que os pastores recebam novas instruções. (Relatório II, 1942, p. 196).

Ao mesmo tempo em que a diretoria do Sínodo mandou suspender  a realização dos cultos dominicais, enviou  um memornadum ao Chefe de Policia, no qual tenta  esclarecer a questão da língua e sua importância na celebração dos cultos. Nas ponderações  que se fazem no memorandum, não há vestígio de declarações de rebeldia contra as autoridades nacionalizadoras. Muito pelo contrário. Embora se constitua num documento fundamental, quando se quer formar um juízo correto sobre a posição oficial do Sínodo Riograndense na questão em foco, ficaria longo demais reproduzi-lo na íntegra. Quem se interessar pode encontrar o texto completo nas pgs. 106-107 do Relatório II.

O primeiro memorandum foi complementado por um segundo, datado em 13 de novembro de 1939. Nele o pastor Dohms especificou ainda mais a questão da importância vital da pregação como condição de fé. A íntegra do texto encontra-se também nas pgs. 200 a 202  do Relatório II.

No dia 17 de novembro de 1939, a diretoria do Sínodo, ainda sob  a presidência do pastor Dohms, enviou a todos os pastores uma circular para a orientação prática. É um documento que demonstra um equilíbrio e uma objetividade surpreendente. Tanto assim que, submetido à  chefia da policia, foi por ela aprovado. Fixemo-nos em alguns pontos.

Sobre os cultos diversos e atos solenes devem ser observadas as seguintes instruções, expedidas com conhecimento prévio e consentimento do chefe de policia.
1. Os senhores pastores  devem tomar devidamente em consideração o artigo 46 do decreto-lei 1545 e as instruções baixadas pelo Sr. Chefe de Policia no tocante à execução deste decreto, relativamente às prédicas ou sermões religiosos.
2. São prédicas ou  sermões todos os discursos dirigidos à comunidade presente na celebração do culto divino regulamentar.
As breves alocuções pronunciadas comumente por ocasião de atos solenes, como por exemplo pronunciação de palavras confortadoras no ato da encomendação dos mortos, nunca proferidos do púlpito, não chamamos de prédicas. Declarou-nos  Sr. Chefe de Polícia a respeito dessas alocuções que, em casa podem ser feitas na língua oficial da Igreja, vigorando quanto às alocuções feitas  na igreja ou em lugares públicos, as instruções do Sr. Chefe de Policia relativas às prédicas.
3. As autoridades estaduais não submetem o ritual da Igreja a restrição alguma, nem a respeito da língua original do ritual luterano. Os cultos litúrgicos, incluindo responsórios, hinos, cantados pela comunidade ou pelo coro, leitura do evangelho, da epístola e de textos clássicos dos patriarcas da Igreja, orações serão  celebradas conforme os textos originais do ritual.
Do mesmo modo serão usados formulários de agenda relativos aos atos solenes do batismo, confirmação, casamento, celebração da Santa Ceia, encomendação de mortos e outras solenidades regulamentares, tais como inaugurações de igrejas, ordenação de introdução de pastores, etc.
4. No tocante à prática dominical, o Sr. Chefe de Policia nos declarou que, excluídas as sedes de  municípios, em todos os outros lugares  a prédica em português podem ser repetida em alemão a juízo do pastor. (Relatório II, 1942, p. 199-200).

A esse memorandum foi acrescentado, como complemento comprobatório, a indissolubilidade entre a fé e a pregação. O documento fundamenta-se numa série extensa e rica de  citações extraídas do Novo Testamento, principalmente das cartas de São Paulo. A quem interessar, encontram-se reproduzidos nas pgs. 203-206  do Relatório II.

No presente capítulo, o terceiro do Relatório II, repete-se o mesmo equívoco dos dois anteriores. Ao introduzi-lo as autoridades policiais recorrem à tática de apontar para um cenário absolutamente assustador. A pregação religiosa e, de forma mais radical, a evangélico-luterana, é apresentada como uma via perversa de contrabandear a ideologia nazista para dentro das comunidades coloniais. Os pregadores são apresentados como agentes escolhidos pelo nacional¬socialismo, para infiltrar-se, através da pregação, nas mentes e corações da gente “alemã”. Sempre conforme  os autores do Relatório, o púlpito transformara-se  tribuna política, como ficou explícito nesta passagem:

Daí forçosamente resultou ter o nazismo procurado unificar  o interesse político e o sentimento religioso. 
No estrangeiro há mais um fator preponderante: a Igreja pelo respeito  que infunde, está mais ou menos colocada a salvo da ação vigilante das autoridades e, portanto, das restrições da censura.
Do púlpito é mais fácil predicar em idioma estranho à língua nacional. E disso muito se tem prevalecido os nazistas, que já o transformaram em tribuna política. (Relatório II, 1942, p. 158).

Os argumentos enumerados para a generalização da ameaça nazista, mascarada pela pregação religiosa, foram as diretrizes emanadas  de autoridade evangélico-luterana em Bremen, o bispo Heinz Weidemann, e publicadas no jornal “Kommende Kirche”, em 6 de agosto de 1939. A passagem mais inequívoca, demonstrando o comprometimento da religião com a política, é esta:

A Igreja cristã terá que se recristianizar  novamente. Onde nela viva a verdadeira cristandade, será anti-judaica. A verdadeira cristandade está em posição de vanguarda contra qualquer pretensão vaticana que joga política e religião na mesma panela e deriva daí, exigências de poder. Isto é político mas não cristão. 
Entre o fogo cerrado da falsa Igreja, que se pós anti-cristã em forma de confissões, deverá traspassar a Futura Igreja, para a cristandade verdadeira, que não poderá ser  separada da questão de um Deus alemão. (Relatório II, 1942, p. 180)

Avaliando os dois textos, fora do contexto geral dominante entre as igrejas teuto-brasileiras evangélico-luteranas, sem a menor dúvida assustam e chocam. Não há como não admitir que se trata de formulações inequívocas de uma religiosidade comprometida com uma ideologia política. Compreende-se assim  a reação de quase pavor das autoridades a serviço da nacionalização, ao delas tomarem conhecimento. Sem a menor  margem de erro, haviam-se defrontado com um problema sério e, ao mesmo tempo, de extrema  delicadeza. Em extremo delicado porque envolvia  a Igreja e os pregadores. Num país conhecidamente respeitoso para com a religiosidade  do seu povo e, cuja constituição consagrara a liberdade de religião e de culto, a aliança espúria  de uma ideologia política exótica com uma religião legalmente reconhecida, transformara-se num sério complicador a ser enfrentado.

Na pratica, tomando como base a realidade objetiva que dominava as intenções dos ministros evangélico-luteranos, em parceria com suas comunidades, desenhava-se  um quadro muito menos assustador. A ameaça da infiltração nazista via pregação, via catequese, foi exagerada. As razões que podem ser invocadas são, entre outras. 

O fato de as afirmações acima mencionadas terem emanado de autoridade eclesiástica da Alemanha, a repercussão prática entre os pastores e fieis das comunidades evangélico-luteranas no Brasil parece ter sido muito diluída. Abraçaram a causa pastores isolados e defenderam-na grupos de leigos localizados e não muito representativos  na totalidade dos fieis. Essa dedução fica clara frente à posição oficialmente assumida pelo Sínodo Riograndense. Um exame  superficial das orientações assinadas pelo  pastor Dohms, na qualidade de presidente do Sínodo, não deixa dúvidas. Os decretos governamentais foram aceitos, procurou-se harmonizar a prática pastoral com as regulamentações dos decretos oficiais e desenvolveu-se um esforço inequívoco em traçar uma linha de convivência e entendimento, com os responsáveis para por em prática  a Campanha de Nacionalização. Existindo, como de fato existiu, uma ameaça  de infiltração nazista via pregação religiosa, essa parece ter sido exagerada. Armou-se um aparato ostensivo de repressão, traduzido numa retórica agressiva, e propôs-se também uma estratégia de terra arrasada. Os problemas  e os impasses que se seguiram, terminaram em resultados nada convincentes e mergulharam o relacionamento dos executores da nacionalização e as lideranças da Igreja Evangélico-Luterana, numa zona de turbulência inútil e contraproducente.

Bicentenário da Imigração - 63

Depois de haver relatado o episódio, envolvendo a tentativa de instalação de uma emissora de rádio no navio mercante alemão “Rio Grande”, o Relatório passa  a comentar a relação entre as sociedades e associações alemãs  e o Consulado. O que  essa questão tenta demonstrar é como a simples relação de interesses mútuos evoluiu, aos poucos, para um domínio total do Consulado e do cônsul sobre essas entidades. O Relatório fala em protetorado expresso na forma de verbas e material necessário para a implementação das sociedades. A situação tornou-se possível porque um número grande de sociedades filiara-se à Federação Alemã de Sociedades” – o “VDV” – “Verband Deutscher Vereine”. 

Em seguida o Relatório passa a apresentar o que foi e o que pretendia  a “Federação das Associações Alemãs – VDV”. Cabia-lhe a tarefa de concentrar todas as informações sobre as milhares de sociedades alemãs no estrangeiro, filiadas  à “VDV”, a única que de fato une a pátria com as sociedades alemãs existentes no estrangeiro. A “VDV” se encarrega de promover a união dos alemães no estrangeiro, conservando a seu instinto alemão e repelindo as influências da cultura  de outros povos. Interessa-se pelos institutos, colégios e igrejas; põe à disposição dos associados e das  bibliotecas, peças de teatro, filmes, revistas e livros alemães, em grande  parte gratuitamente; protege os associados em questões comerciais e particulares. Todo o alemão no estrangeiro, de qualquer profissão, deve ter a convicção de que a “VDV” é para ele, na prática, uma organização que o auxilia e que por ele trabalha.

Quando se oferece ocasião, a VDV a aproveitará para auxiliar as sociedades no estrangeiro, remetendo o material necessário, o do nacional-socialismo. O alemão no estrangeiro, deve ter o espírito voltado para a pátria que lhe mostra claramente o caminho a seguir ou ele se inspira na reivindicação, da qual a pátria está imensamente  compenetrada, ou ele a despreza, perdendo a ligação íntima com a Alemanha correspondendo-se com povos estrangeiros.

Em vista destes conhecimentos no curto espaço de tempo em que existe a VDV (fundado em 11  de abril de 1934) até 15 de outubro de 1936, já se associaram cerca de 1.150 associações, sociedades beneficentes, escolas e comunidades no estrangeiro. (Relatório II, 1942, p. 124-125).

Foi, sem dúvida, correta, oportuna e necessária a preocupação das autoridades responsáveis pela segurança nacional ao submeterem a VDV a uma severa vigilância. A preocupação impunha-se, de um  lado, pelo momento histórico de uma Alemanha em guerra. Mas impunha-se por uma razão adicional ainda mais forte e complementar à primeira: a indisfarçada intenção dos condutores  da política expansionista  do nacional-socialismo em consolidar nos países de maior presença alemã, cabeças de ponte, encarregadas de assegurar a implantação a idéia do pangermanismo. Sendo assim, toda a cautela era pouca e necessário todo o rigor.

Examinando com maior atenção os registros e os comentários consignados no Relatório II, chega-se à mesma conclusão daquela do episódio envolvendo a estação de rádio transmissão. O alcance da propaganda através da VDV visava, em primeiro lugar, municiar com material de propaganda, livros, revistas, etc., os núcleos da NSDAP, atuando nos centros urbanos maiores em todos os estados do Centro-Sul do Brasil. A VDV fora criada, portanto, para garantir a pureza das idéias e dos ideais raciais e culturais nas células do NSDAP. Ora é um fato conhecido das pessoas mais ou menos conhecedoras da situação, que essas células achavam-se novamente restritas a centros urbanos médios e grandes. Entre a população das comunidades rurais, que somavam a imensa maioria do universo de alemães no Brasil, não lograram êxito, foram ignoradas e, em não poucos casos, hostilizadas. As razões desse fato já foram arrolados mais acima.

O perigo, portanto, que a propaganda nazista representava para os estados do Sul de fato existiu. Era preciso levá-lo a sério. Tratou-se, contudo, mais uma vez de algo limitado, restrito, confinado com chances reais de empolgar politicamente núcleos muito ativos, mas bem identificados e conhecidos pelas autoridades responsáveis. Essa afirmação torna-se óbvia quando se procede a um exame dos documentos comprobatórios reproduzidos no Relatório. Os documentos de nº 23 e 24, das páginas 129 e 130, reproduzem a carteira de filiação à NSDAP de Günther Schinke, de Novo Hamburgo. Nos documentos 25 e 26, às páginas 133-135 Consulado Alemão Participa à Sociedade de Ginástica de Montenegro a concessão de  duas cotas de 1.000 marcos alemães para os anos de 1936 e 1937. O documento de nº 27, página 137, reproduz, sem comentários, uma fotocópia de capa do livreto que contem os estatutos e a relação das sociedades filiadas ao VDV. O documento de número 28, página, 139, reproduz apenas a fotocópia da primeira página dos estatutos, contendo, também, o início dos objetivos e da finalidade do VDV. Também a respeito deste documento, além de incompleto, não consta nenhuma interpretação, nenhuma apreciação ou comentário. Nos documentos de nº de 29 a 33 correspondentes às páginas 141 a 149, segue a relação fotocopiada das associações filiadas ao VDV em diversos países. De todo o Brasil constam ao todo em torno de 170 sociedades filiadas. Verificando agora quantas delas se localizam nos três estados do Sul, aparece o seguinte: 23 eram do estado do Paraná, 22  de Santa Catarina, 45 do Rio Grande do Sul. Dessas 45, três eram de Neu Würtenberg, hoje Panambi, 19 de Santa Cruz do Sul, de Porto Alegre constavam apenas  duas de importância secundária: a Sociedade de Ginástica Navegantes e  o Clube de Esgrima Harmonia. As grandes sociedades como o Turnerbund (Sogipa), a Leopoldina e outras, pelo que consta, não se haviam filiado  ao VDV. De São Leopoldo consta apenas a Sociedade  de Ginástica. Constam ainda as Sociedades de Ginástica de Novo Hamburgo, Hamburgo Velho, Sapiranga, Campo Bom, Canela, São Sebastião do Cai, Montengro, Maratá. As demais  sociedades filiadas encontravam-se em localidades menores e se dedicavam a atividades diversas. Dentre essas últimas , a mais importante e a mais  abrangente, foi a Associação dos Professores Teuto-brasileiros  Evangélicos do Rio Grande do Sul, com sede em São Leopoldo.

A localização  geográfica das sociedades filiadas ao VDV no Rio Grande do Sul, como no Paraná e em Santa Catarina, confirma o que foi assinalado acima. Na sua quase totalidade atendiam a clientelas de centros urbanos de certo porte. Raras foram as sociedades filiadas em núcleos tipicamente coloniais e, mais raro ainda, em picadas no interior. Um dado até certo ponto surpreendente oferecem as 19 sociedades filiadas em Santa Cruz, contra apenas duas em Porto Alegre, uma em São Leopoldo, uma em Novo Hamburgo e uma em Hamburgo Velho. Das duas centenas de sociedades, associações, clubes, etc. em plena atividade, uma porcentagem quase irrisória havia-se filiado ao VDV até o começo da Segunda Guerra Mundial. Sendo assim, a periculosidade dessas sociedades era muito relativa. Já que a policia estava de posse dos seus nomes, nada mais fácil do que enquadrá-las nas regras e leis vigentes. O erro nessa história foi listar todas as demais entidades do gênero sob a rubrica de quinta-colunismo ou de traição.

A segunda parte do Relatório II termina com a apresentação de mais dois documentos. Nenhuma dos dois acrescenta qualquer prova substantiva relativa à atividade  de propaganda nazista no Estado. No máximo podem ser considerados como indícios mais ou menos sérios. No primeiro deles, o de nº 34, o cônsul alemão pede esclarecimentos ao sr. Wilhelm Daumer sobre a Academia de Artes e Ofícios (Handwerker Akademie), solicitando para tanto a sua presença no consulado. O outro documento, o de nº 35, apresenta sem comentários e sem explicações uma coleção de distintivos, pregadores, insígnias, etc., utilizados  pelos nacional-socialistas. Da forma como se encontra no Relatório poderia tratar-se até de um documento fabricado, por ex., a foto de uma coleção de museu. 

Como conclusão final desta segunda parte, pode-se dizer que fica a impressão de que o tamanho do perigo nazista no Rio  Grande do Sul foi exagerado além do necessário e do sensato. O escritor Barbosa Lima Sobrinho, citado no Relatório, dá a dimensão correta ao problema ao escrever:

Errôneo também é, destacar alguns casos excepcionais, nos quais teuto-brasileiros se esqueceram de seu dever como cidadãos brasileiros e se puseram contra as leis do País, para agora suspeitar de todos os cidadãos de sangue alemão, denunciando-os sem exceção como inimigos do País e espiões. (Relatório II, 1942, p. 162)

A terceira parte do Relatório II ocupa-se com a relação entre a política e a religião. A primeira questão que chama a atenção  é o fato de que nas mais de cento e cinqüenta páginas que se ocupam com o tema, procura-se mostrar como a Igreja e os pastores evangélicos serviram de propagadores  da ideologia nazista no Rio Grande do Sul. Não se arrolam provas que envolvem os católicos e seus sacerdotes. É de se supor que as autoridades policiais ocuparam-se muito pouco com os católicos por lhes parecer que eles não ofereciam problemas maiores.

Aliás essa quase despreocupação para com os católicos de descendência alemã encontra explicação  na tomado de posição oficial da hierarquia católica  do Rio Grande do Sul em relação para com  a Campanha de Nacionalização. O arcebispo metropolitano de Porto Alegre, D. João Becker e seus sufragâneos não tardaram em assumir uma atitude declaradamente favorável à nacionalização e seus promotores. Basta conferir  as declarações a respeito divulgadas na revista “Unitas”, órgão oficial do arcebispado.

Sendo a orientação oficial das autoridades eclesiásticas solidária com o programa de nacionalização, as resistências ostensivas ou simplesmente passivas não causavam maiores preocupações. O apoio da Igreja mereceu, aliás, seguidas referencias elogiosas do Secretario da Educação e Cultura, Dr. Coelho de Souza. Referindo-se aos grupos de alemães que  denominou  de “tradicionalistas”, isto é, as populações coloniais  que convencionamos chamar  de teuto-brasileiros e seus curas de alma, assim se expressou:

Dirigem-nos os padres de ordens religiosas, valendo-se da sua relativa autonomia que lhes permite  opor uma resistência passiva à ação dos bispos que – justiça lhes seja feita – têm colaborado com o Governo na obra da nacionalização e, dos setores públicos; no setor luterano, orientam-nos os pastores dissidentes da Igreja Alemã. (Relatório II, 1942).) 

Entre os católicos, portanto, a preocupação dos nacionalizadores reduzia-se a fatos, grupos ou pessoas isoladas. Da parte da hierarquia, a aceitação era oficial, inclusive com o apoio formal à Campanha.

O autor do Relatório  começa afirmando que o nazismo procurou harmonizar a religião e a política, no caso a protestante. Uma razão muito plausível consistia  no fato de em países com uma população tradicionalmente religiosa, a ação da censura e da vigilância das autoridades costumava ser menos diuturna e muito menos severa. Ficava assim, até certo ponto, fácil utilizar o púlpito como tribuna política e o Evangelho e a Sagrada Escritura como disfarce.

Depois da análise  da vinculação da religião com a propaganda política, temos a transcrição da mensagem de ano novo do bispo protestante Dr. Heckel, dirigida às comunidades sob sua jurisdição no estrangeiro. 

A passagem que segue dever ter causado a maior espanto:

Na época em que passa pelo mundo o temporal espiritual e a dissolução, nós, homens e mulheres evangélicos, deixamo-nos ficar mais unidos, fieis à fé de nossos pais, fieis para com a nossa Igreja, que sempre anuncia um novo evangelho, fieis ao nosso povo e prontos para a nossa missão.

Permaneçamos, embora longe de isolados da nossa Pátria Alemã, fieis na oração para com a nossa comunidade, nossa Igreja, nosso povo e o  nosso Führer.

Firmemo-nos sobre o fundamento que serviu de base à nossa fé: Jesus Cristo, ontem, hoje e por toda a eternidade.

Quais são as forças que hoje mantém a Alemanha. Deve-se mencionar em primeiro lugar – a família de origem e conhecimento que traz consigo a cultura alemã, que será transmitida de geração em geração. Vemos, porém, que os filhos de famílias alemãs afundam-se na cultura alheia (ao País).

Para evitar isso, temos o colégio alemão, com os fundamentos da educação alemã.

Esta foi a diretriz do colégio colonial alemão através dos tempos: educar os filhos dos alemães como alemães.

Reconhecemos que, antes de 1933, foi esta a orientação da Alemanha. E, como é natural, essa educação, para sentir seus efeitos benéficos, deve ser iniciada na juventude e na  maturidade. 

A maior ajuda dos círculos alemães  para a cultura germânica é o trabalho das diversas Sociedades Alemãs, visando esta sociabilidade e o estreitamento dos vínculos que unem e convocam a comunidade. O indiscutivelmente reconhecido trabalho, com seus objetivos esclarecidos, ganhou uma nova arma com as irradiações, cujo barateamente veio com o NSDAP. 

Quando o governo alemão reunir a força de todos os alemães esparsos pelo mundo, levantar-se-á um eco de agradecimentos de alemães no estrangeiro pois, nós sem adjutório algum, representamos no mundo o povo alemão. (Relatório II, 1942, p.1558-161).

O autor do Relatório reagiu assim à posição do bispo Heckel:

A este ponto é licito indagar: que  mais se comete aqui, política ou religião?
É a palavra do chefe da Igreja Evangélica para o exterior, contida em um dos órgãos oficiais do protestantismo. 
Que fonte originaria, quer o veículo de divulgação, não podem ser mais autorizados.
Diante disso, pode-se afirmar que a Igreja Evangélica Alemã se transformou em ala do NSDAP, ocupando lugar saliente em sua formação.
E foi completa a transformação.
O sacerdote vai perdendo aos poucas todas as características de sua missão apostolar.
A serenidade de espírito  que lhe emprestou a fé para distingui-lo entre os mortais foi trocada pelo fanatismo violento. (Relatório II, 1942, p. 161).

Bicentenário da Imigração - 62

A introdução do Relatório termina com as seguintes conclusões.

1. O fechamento dos núcleos partidários não conseguiu extinguir completamente o nazismo.

2. Ele existe ainda e continua desenvolvendo seus trabalhos de germanização o elemento de sangue ariano paralelamente à campanha de nacionalização.

3. É necessário instituir normas especiais para regular a vida social e os atos das chamadas sociedades alemãs, com a finalidade de evitar que elas sejam um fonte geradora e conservadora do germanismo.

4. É imprescindível a proibição do uso de todo e qualquer idioma estrangeiro nos estabelecimentos públicos, como casas de comércio, bares, restaurantes,  etc., quer na linguagem falada como escrita.

5. Faz-se necessário e urgente que o governo tome medidas enérgicas com relação ao ensino particular, quer seja ele religioso ou leigo.

O Estado deve incrementar senão instituir organizações de escotismo para fortalecer a educação cívica do jovem. 

7. Seria inútil que o Governo orientasse uma publicidade educativa nas zonas de colonização, através do cinema e do livro, fazendo exibir filmes de propaganda nacional, com o fim de desenvolver o sentimento patriótico do povo e distribuindo gratuitamente os livros do N.N.P

8. É capital para a extinção completa do perigo pardo que seja pleiteado junto ao Governo Federal, o fechamento em todo o território da Nação daquelas sociedades cujo objetivo é político, como pro exemplo, o Bund der Schaffenden Reichsdeutschen, o Kiefhäuserbund, A União dos Cantores do Brasil, a União Colonial e proibir que sejam fundadas outras, cujo objetivo venha a ser de congregações das demais entidades do país. (cf. Relatório II, 1942, )

Na segunda parte o Relatório analisa  a posição do Consulado Alemão em Porto Alegre e, de modo especial do cônsul Ried, referente à questão da difusão do nazismo no Rio Grande do Sul. A sede central da propaganda nazista no Estado passara do “Deutsches Haus” para o consulado alemão. Como prova de que o cônsul, além de suas funções diplomáticas, também desempenhava o papel de dirigente regional do nazismo, o Relatório exibe atestados e quitação de mensalidades de membros da “Deutsche Arbeits Front”, por parte do Consulado. Constam também pedidos de filiação de novos sócios, encaminhados através da legação. Além disso, arrolam-se alguns pedidos de informações de natureza diversa a respeito de várias pessoas. 

O Relatório faz menção às comemorações do dia primeiro de maio na sede da Sociedade de Atiradores. A conclusão a que chega é que o primeiro de maio foi apenas um pretexto para mascarar propaganda política. Os indícios registrados referem-se à venda de distintivos e postais do Führer, além de uma exposição de livros. Acrescenta-se ainda a declaração de Walter Nast que exerceu o cargo de chefe local da organização “Bund der Schaffenden Reichsdeutschen”, até maio de 1938. Mesmo após ter deixado o cargo de chefe, teria continuado suas atividades junto à organização e a mando do cônsul. 

Parece que não se exige grande capacidade de imaginação para concluir que as provas que se acabam de referir demonstram que a propaganda nazista apresentava duas características. Em primeiro lugar, estava restrita ao âmbito do Consulado  Alemão e, como tal, perfeitamente localizada. Sabia-se quem eram os responsáveis e sabia-se também que o cabeça dessa atividade ilegal era o próprio cônsul. Ora, nada mais fácil do que neutralizar esse foco disseminador de uma ideologia não tolerada pelas leis brasileiras. No caso do envolvimento da legação diplomática, bastava aplicar os parágrafos do Direito Internacional que regulam essa matéria. Em todo o caso, com as provas materiais na mão, o mais óbvio teria sido a declaração do cônsul como “persona non grata”, exigindo sua substituição. E, como complementação, teria bastado exercer uma vigilância atenta e uma ação inteligente contra a entidade suspeita. 

Em segundo lugar há a observar que, se o problema se achava identificado e localizado, sua neutralização não teria exigido nem meios nem estratégias de caráter universal. Já que os nomes dos responsáveis eram conhecidos, por que não concentrar a ação saneadora sobre essas pessoas? Em outras palavras, parece um exagero propor medidas de caráter geral em relação a qualquer pessoa ou entidade de origem alemã.

Ao compulsar as demais páginas do Relatório, tem-se a mesma sensação: o perigo nazista foi exagerado até o limite da histeria.  Nas páginas 63 a 103, estão arroladas novas provas sobre o perigo alemão. Desta vez trata-se de relações da D.A.F., como material de propaganda, cheques e recibos relativos a auxílios e subvenções, de valores relativamente pequenos. Acrescentam-se mais  provas que deveriam atestar o alistamento militar de alemães e filhos de alemães, anexando-se para tal cartas, comprovantes, fichas-padrão etc. 

O fato merecia de certo uma atenção especial por parte das autoridades por constituir-se numa atividade vedada pelas leis brasileiras.  De outra parte, entretanto,  o número de recrutados deve ter sido muito pequeno. Em todo o caso não atingiu a  não ser alemães  natos ou com dupla nacionalidade. A grande massa dos imigrantes de origem alemã, os teuto-brasileiros, não foi sensibilizada. Encontramo-nos de novo frente a uma questão séria, mas restrita a um contingente muito pequeno de alemães. 

A mesma sensação que se tratava de fatos isolados e localizados é reforça pelo assunto que ocupa as páginas 103 a 122 do Relatório. Trata-se  do episódio envolvendo a tentativa de instalação de uma estação de radio transmissão no navio “Rio Grande”, da Companhia Hamburguesa, fundeado no porto de Rio Grande. Na ocasião, foi preso o sr. Mucks que exercia a função de rádio técnico do Sindicato Condor. Ele havia sido mandado do Rio de Janeiro, via VARIG, com a incumbência de instalar o aparelho na embarcação. A policia mandou apreender o aparelho e indiciar os responsáveis. Foram eles o  sr. Studnitz, chefe de trânsito do Sindicato Condor, o diretor da VARIG, Otto Ernst Mayer, brasileiro naturalizado, o sr. Friedrich Ried, cônsul em Porto Alegre, o vice-cônsul alemão em Rio Grande e o comandante do navio. Foi recomendada a prisão de todas essas pessoas, menos do cônsul Ried que gozava de imunidade diplomática. O Relatório não registra quem de fato foi preso. 

Seguem-se nove interrogatórios para apurar a verdadeira finalidade a que se destinava o aparelho de rádio transmissão. Todos foram presididos pelo delegado Plínio Brasil Milano, diretor do DOPS. O primeiro a ser inquirido  foi o rádio técnico Alberto Bussons. Ele havia sido demitido pelo Sindicato Condor há apenas três dias. Do seu depoimento nada mais se pode concluir do que o fato de que o aparelho fora realmente enviado pela Condor, via VARIG, a Porto Alegre e daí a Rio Grande. Quando foi exibido o esquema do aparelho e perguntado se era possível adapta-lo para as supostas transmissões com corrente contínua, o sr. Bussons opinou apenas que talvez fosse possível, mas com algumas adaptações bastante complicadas. 

O segundo interrogatório foi do radio-técnico Werner Mucks, enviado pelo Sindicato Condor para instalar o aparelho no navio. Tratava-se  de um cidadão alemão, mas com permanência legal no País. Em resumo fora mandado pela sua empresa para voar até Porto Alegre e receber instruções do cônsul Ried. Partiu, em seguida, via aérea, até Rio Grande e foi apresentar-se ao capitão do navio “Rio Grande”. Foi por ele informado que deveria instalar e fazer funcionar uma  estação de rádio-transmissão. Ao examinar o aparelho constatou que ele funcionava com  corrente alternada, quando o gerador do navio produzia apenas corrente contínua. A única coisa  possível fazer era a obtenção, mediante adaptações no gerador do barco, de corrente alternada de 160 volts, quando  se necessitava de 220. Consequentemente não conseguiu por em funcionamento o rádio-transmissor. Voltou então a Porto Alegre onde fez um relato ao cônsul. Durante o restante  do interrogatório, o delegado quis saber, entre outras informações, se havia aparelhos similares em operação no Brasil. A resposta foi afirmativa e que eram usados nos aeroportos, como o da Bahia, e que o representante da marca era a firma Hermann Stolz. 

O terceiro a ser interrogado foi Hans Georg Eberhardt, terceiro oficial e rádio-telegrafista do navio. Dele a autoridade policial soube que havia ajudado Hermann Mucks a colocar o aparelho de ondas curtas no navio. Revelou ainda que,  segundo Mucks, o aparelhos de ondas curtas era usado  em alto-mar, que o mesmo Mucks lhe teria recomendado sigilo pois, se tratava de um aparelho clandestino. Informou ainda que o comandante de nada soubera até o momento em que um agente da Companhia Hamburguesa subira a bordo à procura do aparelho. O comandante chamara Eberhardt e obrigara-o a  mostrar onde o aparelho fora guardado. Logo depois, o rádio-transmissor fora lacrado e apreendido pela policia.

O sr. Johannes Hans, capitão do navio, foi o quarto a se submetido a interrogatório. Seu depoimento não acrescentou nenhum dado novo. Confirmou apenas que ignorara o embarque do aparelho de rádio-transmissão; que soubera dele por ocasião da visita do representante da Companhia Hamburguesa; que conhecera o sr. Mucks quando de sua permanência no navio. 

Para o quinto interrogatório, foi convocado o primeiro oficial de bordo Heinrich von Allvorden. Suas informações coincidiram com as do capitão. Também ele não acrescentou nenhuma informação de valor significativo. 

Os três interrogatórios que se seguiram tiveram como depoentes o sr. Friedrich Wilhelm Wilkens, agente da Companhia Hamburguesa. No começo do interrogatório confirmou todas declarações registradas pelo capitão Johannes Hans. Da passagem do interrogatório que se referia ao seu relacionamento com o sr. Mucks, nada de novo pôde ser deduzido.

Sete dias depois, o mesmo Wilkens foi submetido a novo interrogatório. Nessa ocasião, retificou o que afirmara no interrogatório do dia 18 de novembro. Contrariamente ao que então afirmara, admitiu que tivera conhecimento da existência do aparelho de rádio-transmissão; que havia mantido contato com o cônsul Ried, em Porto Alegre; que havia sido apresentado ao técnico Mucks; que havia recebido a recomendação de não abrir a boca sobre a questão do aparelho. Nesta retificação, o sr. Wilkens desmentiu o capitão do navio ao afirmar que ele tivera conhecimento da presença do aparelho no navio e da missão do sr. Mucks.

No dia seguinte, 26 de novembro o sr.  Mucks compareceu perante o delegado Plínio Brasil Milano para novo interrogatório. Naquela ocasião contou  como fora encarregado de levar o aparelho da agencia da  VARIG até o navio, como o entregou ao capitão e como este teria recomendado a toda a tripulação um rigoroso sigilo. À pergunta se não achava que o transporte de Pelotas a Rio Grande fora clandestino, visto que a VARIG não mantinha agencia aí, respondeu que não, porque a encomenda fora transportada  com os papeis em ordem, com as taxas pagas e tudo mais. 

O Sr. Franz Locbel, primeiro engenheiro do navio ”Rio Grande, compareceu ao nono e último interrogatório. No seu depoimento afirmou que o sr. Wilkens levou o transmissor para bordo. Ao tomar conhecimento do fato de que a policia estava investigando o caso, o comandante  do barco determinou rigoroso sigilo. Foi esta a razão por que a primeira tentativa da policia foi frustrada. Confirmou assim a versão do  segundo depoimento do sr. Wilkens. 

Examinando um pouco mais de perto a tentativa de instalação de um rádio-transmissor de grande alcance  no navio alemão “Rio Grande”, podem-se tirar algumas conclusões. 

Primeiro. Tratou-se novamente de um problema localizado. Uma ação inteligente da polícia teria sido mais do que suficiente para dar uma solução adequada e definitiva ao assunto. 

Segundo. Um outro motivo que diminuiu em muito a importância dada ao episódio, foi o fato de nem sequer ter sido comprovada a finalidade subversiva  do aparelho. Certamente existem boas razões para tanto, reforçadas pelos segredo que envolveu sua guarda no navio. 

Terceiro. Há mais um detalhe que, de certa forma, não é de todo irrelevante. O aparelho não foi, nem podia ter sido posto em funcionamento no citado barco. A corrente gerada no navio, nem com adaptações  especiais ter-se-ia ajustado às características técnicas do rádio-transmissor.

Quarto. Supondo que o aparelho em questão e outros similares tivessem sido instalados em muitos pontos estratégicos e, supondo ainda, que tivessem servido à propaganda nazista, sua influência teria sido limitada. Entre os fatores condicionantes dois se sobressaem. Em primeiro lugar na época a existência de rádio-receptores  entre as populações  coloniais teuto-brasileiras era uma raridade. Em regiões inteiras que hoje formam municípios, contavam-se no máximo, com um ou dois aparelhos. E mais um detalhe teria reduzido uma emissora do tipo encontrado no  navio, à total inocuidade pois, os receptores de rádio encontráveis então nas colônias eram do tipo galena. Captavam somente  ondas longas e a curta distância.

O segundo fator reside no fato de a imensa maioria dos assim chamados alemães, acima de 80%, caso tivessem alguma noção do nazismo, este causava pouca ou nenhuma atração sobre eles. Profundamente religiosos que eram, a irreligiosidade do nacional-socialismo os sensibilizaria com muita dificuldade. A simpatia que manifestavam para com a Alemanha alimentava-se em outras razões. Tinha a ver, em primeiro  lugar, com a história, as tradições e os valores. Muitos aplaudiram os êxitos obtidos pelos exércitos alemães  nos campos de batalha na primeira fase da guerra. Com essa atitude, porém, não estavam aprovando a causa que fizera os dirigentes do nazismo desencadearem a guerra. Os aplausos endereçavam-se à disciplina, à coragem e à eficiência, tão apreciados por qualquer alemão em qualquer parte do mundo. 

Quinto. A quinta consideração que se pode fazer relaciona-se  como o real tamanho e o verdadeiro significado da questão. Um rádio transmissor do tipo citado, técnica e praticamente  teria tido condições de alcançar somente uma parcela mínima de pessoas interessadas, porque poucas tinham aceso a um rádio receptor capaz de captar ondas de uma emissora como o tipo descrito. A transformação do episódio em argumento de que todos os alemães e seus descendentes no Brasil se encontravam prestes a transformar-se  numa “quinta coluna”, numerosa e incontrolável, foi um exagero.

A situação real do momento explica muita coisa. Não se justifica, entretanto, a exagerada importância atribuída o fato. Em novembro de 1939, quando ocorreu o episódio, o Brasil encontrava-se em situação de neutralidade em relação à guerra na Europa. Em Porto Alegre, funcionava regularmente o consulado, no Rio de Janeiro a Embaixada Alemã e, em Rio Grande um vice-consulado. A via diplomática, ao que parece, teria sido o caminho normal para resolver o problema. No Relatório não consta nenhuma referência a um recurso nesse nível. Apenas acusam-se os representantes diplomáticos como estimuladores do ilícito.

Estamos frente à manobra de uma potência beligerante francamente comprovada pela ingerência de seus representantes oficiais em flagrante desrespeito às nossas leis.

Pois outra coisa não pode ser esta série de atos praticados no sentido de montar clandestinamente uma emissora de rádio-telegrafia, forçosamente destinada ao serviço de informações, que o vapor em apreço estava impossibilitado de realizar pela interdição da estação própria, de acordo com as regras de neutralidade de nosso País. (Relatório II, 1942, p. 106).

Bicentenário da Imigração - 61

Relatório II da Polícia

O documento que segue corresponde ao Relatório II, elaborado pela chefatura da polícia do Grande do Sul, publicado em 1942. Trata-se da continuação e complementação do Relatório I. O Relatório II compõe-se de  sete partes:

A primeira, é uma introdução geral; a segunda, uma análise da participação da propaganda do consulado e, em especial, do cônsul Ried; a terceira, leva como titulo geral: Religião e política nazista abordando a questão dos pastores protestantes  e de pregadores do Evangelho, como forma de contrabandear a ideologia nazista para dentro do País; a quarta, parte ocupa-se com o envolvimento  da União Beneficente e Educativa Alemã na difusão das idéias e  propostas  nacional-socialistas; a quinta, parte leva o titulo: propaganda e mostra como os ideais nazistas são veiculados  por meio de toda a sorte de  publicações como livros, revistas, almanaques, folhetos, jornais, etc.; no capítulo seguinte, sob o titulo Juventude Brasileira, o Relatório ocupa-se com o aliciamento dos jovens para a ideologia nacional-socialista, principalmente por meio de organizações postas a funcionar para tal finalidade; sétima e última parte, tem como titulo: A Liga Colonial do Reich e o Boicote Comercial, tentando demonstrar como os alemães procuraram aumentar  sua influência mediante várias formas de boicote comercial.

Parece oportuno examinar mais de perto o que consta neste segundo relatório. Nele seus autores propõem-se oferecer às autoridades e aos brasileiros em geral as provas definitivas da existência de um “perigo alemão”  no Estado, desmascarando  seus agentes  e denunciando seus métodos. Não é por acaso que se lê escrito na primeira página do Relatório: 

O mês corrente completa um ano da apresentação do primeiro relatório da Chefia de Policia sobre as atividades nazistas no Rio Grande do Sul.

Sem descansar um só minuto a vigilância em torno do perigo pardo, durante esse período, apresentamos agora outro trabalho, acompanhado de novos documentos e descendo a maiores detalhes.

Outras faces do problema, não divulgadas então, aparecem agora examinadas de forma a permitir, não só ao Governo do Estado, como aos altos responsáveis da República, um estudo completo da matéria. Julgamos ter cumprido assim um indeclinável dever patriótico, tornando possível aos novos dirigentes o exame de um assunto que afeta a própria nacionalidade.

Durante muito tempo não se acreditou e até mesmo zombou-se  da existência de semelhante caso. 

Os documentos apresentados em nosso primeiro relatório em parte abalaram tal incredulidade.

O povo só mais tarde foi orientado pelos jornais, com a divulgação de noticiários estrangeiros,  referentes às pretensões de Hitler na América do Sul. (Relatório II, 1942, p. 7)

Após essas palavras introdutórias, segue uma série de referências indicando os tópicos que foram considerados especialmente ilustrativos para comprovar  o “perigo nazista” no Estado. Afirma-se que o nazismo, em nome do princípio da autodeterminação dos povos, exige a união de todos os alemães em uma grande Alemanha. O Relatório continua afirmando que essa foi a razão pela qual se estabeleceram comunidades alemãs no exterior. Elas deveriam basicamente encarregar-se de reunir sociedades e associações com a finalidade de preservar os valores, os costumes, a maneira de ser alemã. Em seguida chama a atenção  para o fato de que ainda  existem no Brasil algumas associações, como  “União dos Cantores Alemães do Brasil” o “Kiefhäuserbund”, o “Bund der Schaffenden Reishsdeutschen”, a União Colonial Alemã” e outras. Outras associações, sociedades ou clubes não são citados. Pelo que se pode  deduzir, estavam inoperantes pois, haviam sido fechados. 

Seguindo na sua exposição o relator afirma que germanismo e nazismo são dois conceitos que se confundem. Um é a essência do outro. Portanto, sem nazismo não há razão de ser para o germanismo, sendo o inverso igualmente verdadeiro.

Encontramo-nos aqui frente a mais um equívoco em que incorreram os nacionalizadores. Basta abrir o dicionário Aurélio e examinar o significado do termo germanismo. Os três significados básicos são:  1. Palavra, expressão ou construção peculiar à língua alemã; 2. Admiração excessiva ou fanática a tudo quanto é alemão; 3 Imitação das maneiras, costumes ou coisas alemãs. 

A confusão é evidente. Tomando como base o segundo e o terceiro sentidos, o termo germanismo reporta-se à história, ás tradições, aos usos, aos costumes, enfim, à maneira peculiar de os alemães se identificarem. Significa o que normalmente se designa por germanidade. Ora o nazismo não passa de uma ideologia política defendendo a idéia de um estado nacional-socialista. 

O termo germanismo foi, entretanto, considerado no Relatório como um conceito apenas racial e político. Lê-se no texto sob análise: “Eliminando a questão racial (germanismo) terá desaparecido o nazismo, (Relatório II, 1942, p. 8).

Em lugar de esclarecer a questão alemã do nazismo, o autor do Relatório agrava ainda mais a confusão. Quando em qualquer ambiente  razoavelmente informado, o termo germanismo é entendido como um conceito de natureza cultural, no Relatório é reduzido a um mero significado biológico ao se referir à raça alemã. 

O autor ou autores responsáveis pelo Relatório incorrem num segundo equívoco e este ainda mais danoso, quando afirmam que nazismo e germanismo são a essência um do outro. Vale afirmar que a ideologia nacional-socialista é  fruto do germanismo  que o germanismo, por sua vez, se perpetua pelo nazismo. Parece que aqui há duas coisas que merecem destaque. Em primeiro lugar quando se fala em germanismo, alude-se de fato a uma  tradição cultural e não a um concepção acanhada e idiossincrática da raça alemã. É evidente que uma tradição cultural, uma história de muitos séculos, animada por uma escala de valores  profundamente enraizados e implementados por usos e costumes próprios, possa servir de solo fecundo para que brote  e medre nela uma determinada ideologia, no caso a nazista. Concluir dai, porém, que foi simplesmente produto do germanismo, não passa de um reducionismo simplista. Ninguém nega que o nazismo  encontrou solo fértil numa Alemanha destroçada  pela guerra e mergulhada num profunda crise de identidade e caos social, político e econômico. Seus defensores souberam aproveitá-lo magnificamente como forma de reafirmar a identidade nacional e de reencontro com a própria dignidade.

Um outro aspecto da questão merece ser lembrado. De que maneira o germanismo pode ser considerado como a essência do nazismo, se esse tipo de ideologia  floresceu nos pontos mais distantes do planeta e entre povos com tradições as mais diversificadas? Basta lembrar o fascismo na Itália, o falangismo na Espanha, o nacionalismo pregado por Tito na Iuguslávia e o próprio nacionalismo defendido no Brasil na época da Campanha de Nacionalização. 

Essa confusão toda somente foi possível na medida em que as autoridades nacionalizadoras não se aperceberam de que estavam identificando de maneira indevida, um conceito de natureza cultural  com uma concepção ideológica do Estado e da sociedade, aliada a uma concepção filosófica de raça biológica superior.  O Relatório afirma em poucas linhas que as associações mantidas por imigrantes alemães e seus descendentes atuavam como focos eficazes da permanência  do germanismo no Brasil, como conclui textualmente: 

E os documentos 27, 28 e 29 que se encontram no capítulo referentes  ao Consulado Alemão evidenciam qual é a verdadeira missão dessas sociedades, assim como provam a filiação delas ao “Verband Deutscher Vereine”. (Relatório II, 1942, p. 9).

Os documentos referidos não esclarecem quase nada, muito menos acrescentam alguma prova mais consistente. O documento 27 restringe-se  a uma fotocópia da capa do livreto dos estatutos e a relação das sociedades filiadas ao “Verband Deutscher Vereine”: o documento 28 reproduz a introdução  incompleta dos estatutos; o documento 29 resume-se numa lista de sociedades de diversos países filiados ao “Verband Deutscher Vereine”. 

Foram essas as razões, segundo o Relatório que impunham uma ação enérgica contra o perigo alemão no Rio Grande do Sul. 

A essas constatações introdutórias sobre o perigo alemão segue um artigo que reproduz  o ponto de vista  alemão sobre a questão. Trata-se da transcrição de uma matéria publicada na revista americana, The Quarterly Journal of inter American Relations”, de 7 de setembro de 1939, assinada por Reinhard Marck. Em resumo o artigo começa fazendo uma distinção entre os alemães do Brasil. Denomina de germano-brasileiros os alemães nascidos no Brasil. Trata-se de cidadãos que se encontram  no País há várias gerações e seu estatuto político está claramente  definido. Somam a imensa maioria dos alemães.

Um segundo grupo, incomparavelmente menor, é formado por aqueles alemães  natos e que estão no Brasil na condição legal de turistas ou aqueles  que aqui se encontram por mais de seis meses e são tratados como turistas. 

Depois o articulista fala do número de imigrantes no Sul do Brasil e dos principais pontos de concentração, apresentando um quadro sucinto, porém, exato do tipo de alemães que se estabeleceram no Sul do País.

Os primeiros imigrantes alemães eram, sem exceção, gente  praticamente destituída de  meios, cujo principal capital compunha-se de uma disciplina hereditária, de uma robusta capacidade de trabalho e do amor à ordem e à economia. Pequenos camponeses, artífices e lavradores  predominavam. Além desses, havia ainda um grupo de pessoas arrancadas da terra natal pelas guerras européias, especialmente as napoleônicas, as quais mais tarde  vieram a servir como mercenários do exército brasileiro; a maior parte destes últimos deixou-se ficar permanentemente no país. Os colonizadores alemães no Rio Grande do Sul receberam um incremento considerável da Legião Alemã, os quais haviam lutado pelo Brasil contra a Argentina em 1851-1852. Essa Legião Alemã era formada de voluntários  das antigas tropas de Schleswig-Holstein popularmente apelidados de Brummer (rosnadores). Sendo a maior parte desses homens  bem treinados e cheios de iniciativa, forneceram aos colonizadores alemães os primeiros chefes intelectuais, editores e funcionários locais. Durante o período subseqüente até 1914, a imigração foi constituída, principalmente, de famílias de camponeses (representando 76% dos imigrantes) o tamanho médio dessas famílias em 1912 era de sete pessoas. Depois da guerra mundial, lavradores, artífices e comerciantes, assim como pequenos camponeses vieram para o Brasil.

Finalmente, a partir de 1932, a corrente imigratória tornou-se mais ampla incluindo intelectuais, empregados bancários, peritos em agricultura, juristas, médicos, muitos dos quais adquiriram pequenas fazendas, especialmente no norte do Paraná. 

Essa gente de idêntico sangue e espírito, ainda que de diferente nível intelectual, forma um padrão cultural e social que deu ao sul do Brasil um caráter único. Esses estabelecimentos alemães são exemplo, além de seu valor econômico são um ornamento para a paisagem. A perseverança, a iniciativa e a limpeza criaram, nos três estados meridionais do Brasil uma civilização, apesar dos começos primitivos e dos meios inadequados e lutando contra tremendas desvantagens. (Relatório II, 1942), p. 13).

A preservação das tradições religiosas tornou-se, ao lado da educação em mais um foco de atenção. Em qualquer comunidade pequena ou grande, organizaram-se  associações religiosas. Elas responsabilizavam-se pela infra-estrutura material para ao culto. Cuidavam da vida religiosa, dos cultos e das programações litúrgicas. 

Os clubes e associações destinadas ao lazer, à prática de esportes, ao cultivo da arte, complementada por uma imprensa rica e variada, haviam-se  transformado  num outro conjunto de atividades tão a agosto dos alemães. 

Caracterizando  os alemães do Sul do Brasil, os teuto-brasileiros, como cidadãos laboriosos, disciplinados, portadores de um nível de instrução acima da media brasileira, profundamente religiosos, dedicados ao lazer e à cultura  em suas associações, concluiu Reinhard Marck:

É ridículo falar em perigo alemão no Sul do Brasil. Os brasileiros de origem alemã, infelizmente indiferentes às lutas políticas, têm-se sempre submetido sem oposição a hegemonia política dos luso-brasileiros cuja verdadeira atividade nela reside. O teuto-brasileiro tem sido sempre um dos cidadãos mais disciplinados e ordeiros do Brasil. Sobretudo as gerações mais novas de teuto-brasileiros, sendo cidadãos do Brasil, se entusiasmam grandemente pela idéia de um Brasil maior e nenhuma acusação pode ser mais injusta que a de lhe atribuir idéias de separatismo. O absurdo dessa acusação torna-se mais flagrante se considerarmos estarem os estabelecimentos alemães  do Centro Sul do Brasil, espalhados por vastos territórios e ser a sua população em número muito inferior aos de brasileiros de outras origens.

Nem os teuto-brasileiros, nem os cidadãos alemães podem compreender como pode um luso educado aceitar, sem criticas, como verdadeiros, os avisos constantes da imprensa acerca dos planos de conquista alemã no sul do Brasil. Os  alemães do Brasil Meridional vêm nisto uma infundada e maldosa propaganda  feita pro outros países e motivada exclusivamente  por interesses político-econômicos. Os interesses da Alemanha no Brasil são de caráter puramente econômico e ela deseja relações de amizade para poder  levar avante um comércio ativo no interesse dos dois países. (Relatório II, 1942, p. 14)

O articulista ressalta, em seguida, o fato de os imigrantes alemães se terem dedicado a todo o tipo de trabalho, tanto ao físico como ao intelectual. Para o luso-brasileiro o labor  físico, o trabalho braçal, era coisa de escravo ou de peão. Homens, mulheres e crianças dedicavam-se  com paixão a qualquer tarefa, não importando a natureza.

Reinhard Marck mostra, em seguida, como o trabalho alemão sempre foi reconhecido por brasileiros com espírito isento:

A contribuição dos colonos alemães ao Brasil tem sido sempre reconhecida e apreciada por brasileiros justos e razoáveis. Assim o luso-brasileiro Aurélio Porto, compara a inclinação  ao trabalho dos alemães com a “industriosidade das abelhas” e o Presidente do Rio Grande do Sul, Homem de Melo, qualificou os alemães de “raça que tem energia e religião”. Da mesma forma o  ex-presidente  Manoel Ribas, do Paraná, atualmente interventor Federal no Estado, tem, continuamente gabado a assiduidade e a disciplina dos colonos alemães, nos quais ele vê um elemento de valor para o futuro do Estado. E, nada menos que a figura do Visconde de Taunay, nobremente reconheceu as virtudes dos colonos alemães, quando na assembléia  geral de dois de outubro de 1882 disse: “Basta dizer que cada um dos estabelecimentos é uma escola prática de amor ao trabalho”. (Relatório II, 1942, p. 15)

Depois de apontar a dedicação e o amor ao trabalho como uma das características  dos alemães dignas de elogio, o articulista passa a falar de mais outra contribuição valiosa desses imigrantes. Como a quase totalidade  deles vinha com um nível de instrução bem acima da média do Brasil, fez com que o Rio Grande do Sul figurasse nas estatísticas de então, como único estado com uma taxa de analfabetismo menor que 70%.

O grande valor atribuído pelos alemães à instrução levou-os a se empenhar pela criação de escolas  que fossem capazes de garantir a continuidade dessa tradição. Como das autoridades locais, regionais e federais pouco ou nada lhes restava esperar, eles próprios, reunidos em suas comunidades, garantiram a seu modo a instrução mediante escolas comunitárias de bom nível. As escolas públicas implantadas nas regiões de imigração, a partir do último decênio do século dezenove, jamais teriam acompanhado a crescente demanda.

O Brasil é a mãe pátria do teuto-brasileirismo da mesma forma  como o é para os outros brasileiros. Quem quer que seja que ataque o Brasil, de dentro ou de fora, deverá contar com a máxima resistência, quer este ataque venha do Amazonas, da fronteira da Bolívia ou do Rio Grande do Sul. Os teuto-brasileiros têm o sentimento profundo da sua ligação ao solo do Brasil. Os pontos de vista variam em relação ao conceito de brasilidade. Um pequeno número de teuto-brasileiros aceitou, sob influência  integralista, a idéia de uma fusão geral de raças. A maior parte deles, porém, guarda a convicção de que o Brasil, sendo um país de imigração é a verdadeira pátria de todas as raças e nacionalidades nele representadas, donde se deve seguir a perfeita igualdade, nacional e política de todos. (Relatório II, 1942, p. 18-19).

Um pouco mais adiante, referindo-se à ação nacionalizadora crescente. Acrescentou:

A ignorância do idioma português por parte dos teuto-brasileiros é frequentemente exagerada. Esta ignorância só se encontra muito raramente e, só em estabelecimentos isolados, onde a população não tem tido oportunidade de aprender a língua, devido à falta de escolas públicas. Nesses lugares o alemão reina como idioma escolar. Hoje em dia alguns brasileiros acreditam que a língua alemã deveria ser exterminada. Esta filosofia é realmente bolchevista. Embora o nacionalismo brasileiro difira em muitos pontos do bolchevismo, combatendo-o como ideologia estrangeira, sua destruição dos valores criadores da individualidade nacional, usavam ambos, os mesmos métodos universalistas e cemânicos (sic). O bolchevismo deseja o abandono das características peculiares às nações do Globo, e o nacionalismo brasileiro extremado tem o mesmo fito das fronteiras brasileiras. (Relatório II, 1942, p. 128).

Da forma como o artigo de Reinhard Marck é apresentado, sem nenhum comentário, muito menos uma análise mais minuciosa, chega a pôr em dúvida a oportunidade da sua reprodução  no contexto do Relatório. Pelo que se pode constatar, deveria trazer o ponto de vista alemão sobre a questão da nacionalização. Neste particular conseguiu em boa parte o seu intento.

Considerando, porém, a pobreza dos argumentos enumerados para justificar a campanha de nacionalização e, considerando a ausência de qualquer análise do texto, fica a impressão de que o conteúdo do artigo termina por contradizer o ponto de vista  dos nacionalizadores. Já que o assim  chamado “ponto de vista alemão” foi sequer contestado seriamente, significa que os fatos  e os argumentos de fato foram e são ainda hoje pouco convincentes. O mesmo pode-se concluir examinando o restante do Relatório II. 

Apos citar o artigo o Relatório  continua  referindo o local de maior presença alemã no Brasil, com a finalidade de demonstrar a importância do elemento raça na questão do germanismo. Refere-se ainda aos princípios legais que regulamentam a situação dos indivíduos realmente identificados, relacionando tudo isso com a sua situação de cidadãos.

O Projeto Pastoral dos Jesuítas no sul do Brasil


Desde o seu descobrimento, a América Latina serviu de cenário em que os jesuítas, mais do que qualquer outra ordem religiosa, implantaram e desenvolveram projetos de cristianização e promoção humana. Universalmente conhecida e famosa foi a obra evangelizadora por eles protagonizada durante os séculos XVII e XVIII, tanto nas possessões espanholas quanto portuguesas nesse continente. O valor histórico, artístico e arquitetónico do que resistiu ao tempo e da depredação humana das reduções no noroeste do Rio Grande do Sul, é de tal significado que mereceu ser declarado patrimônio cultural da humanidade pela Unesco. Além desses testemunhos mais conhecidos, encontramos as pegadas dos jesuítas daqueles dois séculos em todo restante da América Latina. Estavam presentes no Chile onde lideraram iniciativas de implantação de tipografias, oficinas e artesanatos. Desenvolveram e aperfeiçoaram  a farmacologia, valendo-se de plantas e essências nativas. De modo especial dedicaram-se à educação e catequese dos índios e dos filhos dos espanhóis e a cura de almas da população em geral.

Os jesuítas estiveram presentes também na Argentina. Contribuíram decisivamente  na catequese entre os índios do Chaco, Entre Rios e Missiones. Importante foi também a sua contribuição na educação em instituições de ensino fundamental e médio nos centros de maior importância como Córdoba, Tucumán, Rosário e Buenos Aires. Pregaram missões garantindo assim um bom nível religioso entre a população. Como na Argentina e Chile os jesuítas desenvolveram também uma importante obra  missionária no Paraguai. As ruínas das reduções no sul desse país, datando dos séculos XVII e XVIII, faziam parte do  vasto complexo de missões entre os indígenas entre o norte da Argentina e noroeste o Rio Grande do Sul. A importância do Paraguai  foi de tal ordem na atividade missioneira que a sede da província da Ordem encontrava-se em Asunción. De lá se tem o registro dos primeiros jesuítas nativos como Roque Gonzales, martirizado em Pirapó no Rio Grande do Sul.

Desde 1549 os jesuítas marcaram presença também no Brasil. Dedicaram-se antes de mais nada à catequese e à educação dos índios e filhos dos portugueses. Com a supressão da Ordem pelo papa Clemente XIV em 1773 essa obra foi interrompida. Restaurada a Ordem em 1814, em poucos anos os discípulos de Santo Inácio, como que emergindo de um retiro compulsório de 40 anos, retornaram aos antigos cenários apostólicos na América Latina para retomar e dar continuidade à obra interrompida. Voltaram para  dar catequese, abrir escolas, pregar missões populares, fundar paróquias e dar andamento, de modo especial no sul do Brasil, a um magnífico Projeto Pastoral cujos frutos são colhidos até hoje.

NB. Para quem interessar o “Projeto Pastoral” dos Jesuítas encontra-se amplamente analisado e avaliado no livro que publiquei pela Edit. Unisinos em 2013.











Bicentenário da Imigração - 60

Documentos anexos:

A última parte  do Relatório, sob o titulo “Documentos e Traduções”, reproduz uma série de fotocópias de documentos diversos, que deveriam constituir o suporte documental para amparar a convicção de que o perigo nazista rondava de perto todos os alemães no sul do Brasil.

Segue  lista  desses documentos com seus conteúdos, a fim de que seja possível avaliar melhor a sua importância como provas da subversão nazista.

Documento nº 1. P. 189, de 22 de dezembro de 1937. 
O cônsul de Porto Alegre comunica ao “Turn und Schützerverein” de Montenegro que o ministro da propaganda em Berlim estava de acordo em financiar uma série de aparelhos de ginástica.

Documento nº 2 – p. 192 de 11 de janeiro de  1937
O cônsul alemão comunica à Sociedade de Ginástica de Montenegro  concessão de 1.000 marcos e pede enviar proposta de auxílio para poder ser encaminhada à sede no estrangeiro.

Documento nº 3 – p. 197 de 16 de setembro de 1937.
O cônsul de Porto Alegre anuncia a Hermann Heincke, da Sociedade de Ginástica de  Montenegro  concessão de 1:512$500 e pergunta como gostaria de recebê-la.

Documento nº4 – p. 203 de 30 de março de 1937.
O cônsul em Porto Alegre comunica à senhorita Irene Schwertner a concessão mensal de 100$000 da parte do consulado para custear a manutenção de um jardim de infância em Petrópolis, Porto Alegre.

Documento nº 5. – p. 207 de 20 de novembro de 1936.
O consulado de Porto Alegre comunica à Sociedade de Ginástica  a concessão de 1.000 marcos da parte do ministério do exterior alemão.

Documento nº 6. – p. 211 de 24 de maio de 1937.
Willy Ullrich confirma o recebimento de 32 discos do consulado alemão, para serem distribuídos  entre as sociedades de Boa Vista do Erechim.

Documento nº 7 – p. 215 de 31 de maio de 1937.
O professor Franzmeyer do Seminário Teuto-Brasileiro Evangélico de São Leopoldo pede  a Walter Hornig, chefe do Círculo do NSDAP de Porto Alegre a concessão de seis matrículas no valor de 9:000$000, para o Seminário Teuto-Evangélico e acrescenta o nome dos contemplados.

Documento nº 8 – p. 219 de 6 de julho d 1937.
O dr. Alderich Franzmeyer acusa o recebimento de 1:800$000 da Caixa de Previdência Nacional-Socialista, destinados a alunos pobres do Seminário Teuto-Evangélico de São Leopoldo.

Documento nº 9 – de 9 de fevereiro de 1938.
O Banco Alemão Transatlântico comunica a Hugo Muller que creditou em sua conta a quantia de  5:000$000  em benefício do Círculo Riograndense da NSDAP.

Documento nº 10 – p. 225 de 22 de setembro de 1937.
Hugo Muller, do NSV, círculo do Rio Grande do Sul, solicita ao Banco Alemão Transatlântico: que primeiramente transporte por conta do cheque com um mínimo de desconto a quantia de 5:000$000 do capital da NSV, círculo do Rio Grande do Sul, depositado neste banco a prazo fixo de 60 dias. 
Segundo. Pede para retirar o capital do NSV, depositado a 60 dias de prazo, pedindo apuração  de contas e a devolução do capital depositado.

Ao pé do documento consta:

Capital devolvido:  86:733$000
Em cheque: 5:000$000
        81:733$000

Documento nº 11 – p. 229 de 25 de abril de1938.
Consta de dois recibos, um de 50$000 e outro de  400$000 recebidos do SSV por motivo de prisão. Não  se indicam nomes. 

Documento nº 12 – p. 233 de 10 de setembro de 1936.
O partidário Henz Ahrens é convocado para interrogatório na Casa Alemã no dia 17/09/1936. 

Documento nº 13 – p. 237 de 4 de setembro de 1937.
O sr. Mutzchle de São Paulo comunica à Sociedade de Ginástica  e Tiro ao Alvo de Montenegro o recebimento de 50$000. 

Documento nº 14 – p. 241 de 15 de dezembro de 1937.
O sr. Eisele, presidente do VDV, pede  `”Liga das Sociedades Germânicas no Estrangeiro para remeter as contribuições referentes a 1937, até março d 1938.

Documento nº 15 – p. 247-248 de 15 de setembro de 1937.
O sr. Eisele, da VDV de Berlim, comunica a distribuição de prêmios à Juventude Alemã de além-mar pelas Ligas das Sociedades Germânicas.

Documento nº 16 – p. 251 de  outubro de 1937
Otto Riebes, de Hamburgo Velho, chefe do núcleo VDV, acusa a remessa de 15 discos e indica as sociedades será contempladas.

Documento nº 17 – p. 255-256 de 28 de maio de 1937.
Eduardo Springer de Novo Hamburgo, presidente da Confederação  das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul, manda um ofício ao Diretor da Folha da Tarde, pedindo correção  em informações publicadas na edição de 25 de maio de 1937. Fora publicado que estava em andamento uma aproximação e inclusive uma filiação a entidades alemãs por parte da Federação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul. A notícia, segundo Eduardo Springer, não correspondia à verdade e só causou confusão no seio da confederação.

Documento nº 18 – p. 259-260, de janeiro de 1937 e maio de 1937. Este documento reproduz uma circular expedida pela diretoria  da Sociedade Turnerbund (Sogipa) a todas as sociedades de ginástica no Rio Grande do Sul. A circular reproduz, em primeiro lugar, uma carta do prefeito de Porto Alegre, major Alberto Bins, dirigida à assembléia geral extraordinária do Turnerbund em 27 de janeiro de 1937. Eis a carta:

O Turnerbund é uma sociedade teuto-brasileira, isto é, uma sociedade brasileira, porque a maioria de seus sócios são cidadãos que tomaram a si a tarefa de conservar  e dedicar-se à comunhão alemã. Nesta posição ela não deverá filiar ou ligar-se  à uma organização alemã do Reich, mas unicamente manter uma ligação cultural. Qualquer outra atitude do teuto-brasileiro e de suas  sociedades dificultará  o cumprimento  dos deveres populares junto ao convívio de seus concidadãos luso-brasileiros. Eu lamentaria sinceramente  fosse mal interpretada pelos associados alemães e se com isto houvesse uma cisão entre alemães e teuto-brasileiros. 
Porto Alegre, 27 de janeiro de 1937
(ass.) Albelrto Bins  (Relatório I, 1942), p. 250)

Segue  esta carta  circular assinada pela diretoria do Turnerbund:

O conteúdo desta carta importantíssima vigora para todos nós teuto-brasileiros, para todas as sociedades de ginástica da Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul, nas quais os teuto-brasileiros em absoluta maioria, em grande maioria, e por isso também responsáveis  no sentido mais completo da expressão – pelas deliberações que não se possam unir com os deveres  de brasileiros natos ou naturalizados.Temos que seguir um caminho reto e resoluto, que segundo  seguimos já há 40 anos com sucessos consecutivos.
Não nos ligamos a nenhuma organização alemã do Reich, mas somente mantemos relações culturais.
A Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul e do Reischsbund für Leibesübungen, não se opõe ao intercâmbio  cultural. Neste ponto existe unanimidade entre os associados do Turnerbund, cuja diretoria, no decorrer dos anos também em tempo recíproco, chegou à conclusão, que também sem o mencionado  “Anschluss” será possível um trabalho muito amigável com as associações na Alemanha, sendo ainda hoje, como nos anos anteriores, possível e desejdo, um compreensão por ambas as partes para o bem de todos. Quem perceber em nossa atitude cheia de experiência e fidelidade uma lança contra a Alemanha e sua direção, a este falta competência no julgamento de uma questão tão importante.
Numa sessão dos delegados da Confederação das  Sociedades de Ginástica do Rio Grande do Sul (sessão extraordinária) deverá ser feita uma deliberação definitiva sobre o “Anschluss” da Confederação ao “Reichsbund für Leibesübungen, Berlim” – Antes, porém, deverá ser convocada  uma assembléia geral em  todas as sociedades de ginástica  e departamentos para deliberar sobre o referido “Anschluss”.
Prezados  irmãos esportivos. Não podemos, não devemos dar para isso o nosso apoio, porque isso seria uma junção e uma ligação. 

Porto Alegre, maio de 1937
Aloys Friedrichs – Presidente de honra do Turnerbundr. Waldemr Niemeyer – 1º presidente
Willy Kohs – 2º presidente
Heirich Neurich – 3º secretario
Adolf Trein – 4º secretario   (Relatório I, 1942, p. 259-260)

Lendo e relendo esta circular dirigida à Confederação das Sociedades de Ginástica do Rio  Grande do Sul, chega-se à mesma conclusão que aquela que resultou do artigo de Reinhardt Mark, reproduzido em parte no Relatório II. Antes de servir como argumento para denunciar a infiltração nazista no Rio Grande do Sul, constitui-se num prova  de que setores teuto-brasileiros significativos, se opuseram às manobras dos agentes de propaganda e aliciamento nacional-socialistas. A circular  transforma-se  desta maneira numa autêntica  contraprova de tudo que o Relatório  I e também o Relatório II, se propuseram a comprovar.

Documento nº 19 – sem data – p. 261
Este documento resume-se num anúncio que oferece o Manual dos Alemães da Fronteira e do Esterior, caderno 38/39

Documento nº 20 – p. 267 de 1937
O documento reproduz o programa de celebrações do dia 1º de maio de 1937 para a DAF (Deutsche Arbeiterfront) do Brasil.

Documento nº 21 – p. 271 de 7 de setembro de 1936. 
Neste documento E. Dorsch pede ao núcleo de Sant Cruz o preenchimento  de questionário solicitado pela AO (Ausland Organisation). 

Documento nº 22 – p. 275de 25 de janeiro de 1938.
Erwin Marx, de Porto Alegre, comunica a E. Dorsch que recebeu as diretrizes e os formulários de proposta. O documento diz textualmente:

Comunico-lhe o seguinte: Aqui na praça não existe nenhuma organização, não tendo por isso um fiador para assinar a proposta. 
Se, porém,  houver qualquer dúvida sobre a minha pessoa peço pedir informações ao sr. Emil Fritsch de Santo Ângelo. 


O dinheiro das joias e das mensalidades lhe remeterei pelo correio. (Relatório I, 1942, p. 275)

Documento nº 23 – p. 279 de 17 de janeiro de 1936.
Erwin Becker, de Porto Alegre, comunica ao Sr. Ellwanger a sua ida até Santa Cruz e Venâncio Aires para aí  fazer uma palestra sobre a viagem à Alemanha.

Documento nº 24 – p. 283  de 29 de julho de 1935.
Otto Ernst Meyer comunica ao Sr. Dorst que não poderá participar, junto com os companheiros, na ida ao aeroporto e à ilha, por ter que viajar para o Rio de Janeiro por causa de tratativas  no Ministério da Viação. Pede também que se adie tal visita e que os companheiros aproveitem o ordenado do fim do mês para pagarem as contribuições.

Documento nº 25 – p. 287 de 8 de abril de 1835.
O Sr. Stakerjan pede ao sr. Otto Meyer, diretor da VARIG, a gentileza de transportar para o Rio e Janeiro a quantia de 1:707$300 e uma carta destinada ao Grupo de Profissionais Alemães de lá. 

Documento nº 26 – p. 191 – sem data
Na realidade são dois documentos. Um data de novembro do ano (?) em que o missivista indica no nº 21 do Deutshes Volksblatt com o artigo: Nós protestamos contra as intrigas nazistas”, para municiá-lo com mais este material na sua campanha contra o  nazismo. Na mesma carta o autor denuncia  que o jornal nazista “Deutscher Morgen” continuava aparecendo, apesar das denúncias e a intervenção da policia. Em dezembro o mesmo missivista  de São Paulo escreve que lamenta não receber os jornais pedidos, porque os jornais anti nazistas não chegavam mais até São Paulo.

Documento nº 27 – p.  291 de 02 de janeiro de 1939. 
Apresenta sem comentários uma fotocópia de uma fatura G.A.V.  Halem, de Bremen, de uma compra feita por H.W. Ludwig, de Porto Alegre.

Documento nº 28 – p. 292, sem data.
Reproduz,  sem comentários, uma foto da porta lacrada da sede da “Die Detusche Arbeiterfront”. 

Várias são as considerações que se poderiam fazer sobre o Relatório I, tomado como um todo. Quero, entretanto, chamar a atenção para dois pontos que parecem fundamentais  para avaliá-lo como dossiê comprobatório do perigo nazista generalizado no Rio Grande do Sul.

Primeiro. Todas as evidências levam à convicção de que o perigo nazista realmente existiu como já foi lembrado mais acima. Os agentes e as agências de propaganda, entretanto, eram perfeitamente conhecidos  pela policia e as sedes dos focos de irradiação sabidas. O perigo nazista, portanto, reduzia-se a um caso de policia localizado.

Segundo. Dos 27 documentos arrolados como provas no final do Relatório I, somente quatro são posteriores ao 10 de novembro de 1937, data da implantação do Estado Novo. 23, portanto datam de um período em que não havia restrições legais para o funcionamento de tais atividades.