Bicentenário da Imigração - 62

A introdução do Relatório termina com as seguintes conclusões.

1. O fechamento dos núcleos partidários não conseguiu extinguir completamente o nazismo.

2. Ele existe ainda e continua desenvolvendo seus trabalhos de germanização o elemento de sangue ariano paralelamente à campanha de nacionalização.

3. É necessário instituir normas especiais para regular a vida social e os atos das chamadas sociedades alemãs, com a finalidade de evitar que elas sejam um fonte geradora e conservadora do germanismo.

4. É imprescindível a proibição do uso de todo e qualquer idioma estrangeiro nos estabelecimentos públicos, como casas de comércio, bares, restaurantes,  etc., quer na linguagem falada como escrita.

5. Faz-se necessário e urgente que o governo tome medidas enérgicas com relação ao ensino particular, quer seja ele religioso ou leigo.

O Estado deve incrementar senão instituir organizações de escotismo para fortalecer a educação cívica do jovem. 

7. Seria inútil que o Governo orientasse uma publicidade educativa nas zonas de colonização, através do cinema e do livro, fazendo exibir filmes de propaganda nacional, com o fim de desenvolver o sentimento patriótico do povo e distribuindo gratuitamente os livros do N.N.P

8. É capital para a extinção completa do perigo pardo que seja pleiteado junto ao Governo Federal, o fechamento em todo o território da Nação daquelas sociedades cujo objetivo é político, como pro exemplo, o Bund der Schaffenden Reichsdeutschen, o Kiefhäuserbund, A União dos Cantores do Brasil, a União Colonial e proibir que sejam fundadas outras, cujo objetivo venha a ser de congregações das demais entidades do país. (cf. Relatório II, 1942, )

Na segunda parte o Relatório analisa  a posição do Consulado Alemão em Porto Alegre e, de modo especial do cônsul Ried, referente à questão da difusão do nazismo no Rio Grande do Sul. A sede central da propaganda nazista no Estado passara do “Deutsches Haus” para o consulado alemão. Como prova de que o cônsul, além de suas funções diplomáticas, também desempenhava o papel de dirigente regional do nazismo, o Relatório exibe atestados e quitação de mensalidades de membros da “Deutsche Arbeits Front”, por parte do Consulado. Constam também pedidos de filiação de novos sócios, encaminhados através da legação. Além disso, arrolam-se alguns pedidos de informações de natureza diversa a respeito de várias pessoas. 

O Relatório faz menção às comemorações do dia primeiro de maio na sede da Sociedade de Atiradores. A conclusão a que chega é que o primeiro de maio foi apenas um pretexto para mascarar propaganda política. Os indícios registrados referem-se à venda de distintivos e postais do Führer, além de uma exposição de livros. Acrescenta-se ainda a declaração de Walter Nast que exerceu o cargo de chefe local da organização “Bund der Schaffenden Reichsdeutschen”, até maio de 1938. Mesmo após ter deixado o cargo de chefe, teria continuado suas atividades junto à organização e a mando do cônsul. 

Parece que não se exige grande capacidade de imaginação para concluir que as provas que se acabam de referir demonstram que a propaganda nazista apresentava duas características. Em primeiro lugar, estava restrita ao âmbito do Consulado  Alemão e, como tal, perfeitamente localizada. Sabia-se quem eram os responsáveis e sabia-se também que o cabeça dessa atividade ilegal era o próprio cônsul. Ora, nada mais fácil do que neutralizar esse foco disseminador de uma ideologia não tolerada pelas leis brasileiras. No caso do envolvimento da legação diplomática, bastava aplicar os parágrafos do Direito Internacional que regulam essa matéria. Em todo o caso, com as provas materiais na mão, o mais óbvio teria sido a declaração do cônsul como “persona non grata”, exigindo sua substituição. E, como complementação, teria bastado exercer uma vigilância atenta e uma ação inteligente contra a entidade suspeita. 

Em segundo lugar há a observar que, se o problema se achava identificado e localizado, sua neutralização não teria exigido nem meios nem estratégias de caráter universal. Já que os nomes dos responsáveis eram conhecidos, por que não concentrar a ação saneadora sobre essas pessoas? Em outras palavras, parece um exagero propor medidas de caráter geral em relação a qualquer pessoa ou entidade de origem alemã.

Ao compulsar as demais páginas do Relatório, tem-se a mesma sensação: o perigo nazista foi exagerado até o limite da histeria.  Nas páginas 63 a 103, estão arroladas novas provas sobre o perigo alemão. Desta vez trata-se de relações da D.A.F., como material de propaganda, cheques e recibos relativos a auxílios e subvenções, de valores relativamente pequenos. Acrescentam-se mais  provas que deveriam atestar o alistamento militar de alemães e filhos de alemães, anexando-se para tal cartas, comprovantes, fichas-padrão etc. 

O fato merecia de certo uma atenção especial por parte das autoridades por constituir-se numa atividade vedada pelas leis brasileiras.  De outra parte, entretanto,  o número de recrutados deve ter sido muito pequeno. Em todo o caso não atingiu a  não ser alemães  natos ou com dupla nacionalidade. A grande massa dos imigrantes de origem alemã, os teuto-brasileiros, não foi sensibilizada. Encontramo-nos de novo frente a uma questão séria, mas restrita a um contingente muito pequeno de alemães. 

A mesma sensação que se tratava de fatos isolados e localizados é reforça pelo assunto que ocupa as páginas 103 a 122 do Relatório. Trata-se  do episódio envolvendo a tentativa de instalação de uma estação de radio transmissão no navio “Rio Grande”, da Companhia Hamburguesa, fundeado no porto de Rio Grande. Na ocasião, foi preso o sr. Mucks que exercia a função de rádio técnico do Sindicato Condor. Ele havia sido mandado do Rio de Janeiro, via VARIG, com a incumbência de instalar o aparelho na embarcação. A policia mandou apreender o aparelho e indiciar os responsáveis. Foram eles o  sr. Studnitz, chefe de trânsito do Sindicato Condor, o diretor da VARIG, Otto Ernst Mayer, brasileiro naturalizado, o sr. Friedrich Ried, cônsul em Porto Alegre, o vice-cônsul alemão em Rio Grande e o comandante do navio. Foi recomendada a prisão de todas essas pessoas, menos do cônsul Ried que gozava de imunidade diplomática. O Relatório não registra quem de fato foi preso. 

Seguem-se nove interrogatórios para apurar a verdadeira finalidade a que se destinava o aparelho de rádio transmissão. Todos foram presididos pelo delegado Plínio Brasil Milano, diretor do DOPS. O primeiro a ser inquirido  foi o rádio técnico Alberto Bussons. Ele havia sido demitido pelo Sindicato Condor há apenas três dias. Do seu depoimento nada mais se pode concluir do que o fato de que o aparelho fora realmente enviado pela Condor, via VARIG, a Porto Alegre e daí a Rio Grande. Quando foi exibido o esquema do aparelho e perguntado se era possível adapta-lo para as supostas transmissões com corrente contínua, o sr. Bussons opinou apenas que talvez fosse possível, mas com algumas adaptações bastante complicadas. 

O segundo interrogatório foi do radio-técnico Werner Mucks, enviado pelo Sindicato Condor para instalar o aparelho no navio. Tratava-se  de um cidadão alemão, mas com permanência legal no País. Em resumo fora mandado pela sua empresa para voar até Porto Alegre e receber instruções do cônsul Ried. Partiu, em seguida, via aérea, até Rio Grande e foi apresentar-se ao capitão do navio “Rio Grande”. Foi por ele informado que deveria instalar e fazer funcionar uma  estação de rádio-transmissão. Ao examinar o aparelho constatou que ele funcionava com  corrente alternada, quando o gerador do navio produzia apenas corrente contínua. A única coisa  possível fazer era a obtenção, mediante adaptações no gerador do barco, de corrente alternada de 160 volts, quando  se necessitava de 220. Consequentemente não conseguiu por em funcionamento o rádio-transmissor. Voltou então a Porto Alegre onde fez um relato ao cônsul. Durante o restante  do interrogatório, o delegado quis saber, entre outras informações, se havia aparelhos similares em operação no Brasil. A resposta foi afirmativa e que eram usados nos aeroportos, como o da Bahia, e que o representante da marca era a firma Hermann Stolz. 

O terceiro a ser interrogado foi Hans Georg Eberhardt, terceiro oficial e rádio-telegrafista do navio. Dele a autoridade policial soube que havia ajudado Hermann Mucks a colocar o aparelho de ondas curtas no navio. Revelou ainda que,  segundo Mucks, o aparelhos de ondas curtas era usado  em alto-mar, que o mesmo Mucks lhe teria recomendado sigilo pois, se tratava de um aparelho clandestino. Informou ainda que o comandante de nada soubera até o momento em que um agente da Companhia Hamburguesa subira a bordo à procura do aparelho. O comandante chamara Eberhardt e obrigara-o a  mostrar onde o aparelho fora guardado. Logo depois, o rádio-transmissor fora lacrado e apreendido pela policia.

O sr. Johannes Hans, capitão do navio, foi o quarto a se submetido a interrogatório. Seu depoimento não acrescentou nenhum dado novo. Confirmou apenas que ignorara o embarque do aparelho de rádio-transmissão; que soubera dele por ocasião da visita do representante da Companhia Hamburguesa; que conhecera o sr. Mucks quando de sua permanência no navio. 

Para o quinto interrogatório, foi convocado o primeiro oficial de bordo Heinrich von Allvorden. Suas informações coincidiram com as do capitão. Também ele não acrescentou nenhuma informação de valor significativo. 

Os três interrogatórios que se seguiram tiveram como depoentes o sr. Friedrich Wilhelm Wilkens, agente da Companhia Hamburguesa. No começo do interrogatório confirmou todas declarações registradas pelo capitão Johannes Hans. Da passagem do interrogatório que se referia ao seu relacionamento com o sr. Mucks, nada de novo pôde ser deduzido.

Sete dias depois, o mesmo Wilkens foi submetido a novo interrogatório. Nessa ocasião, retificou o que afirmara no interrogatório do dia 18 de novembro. Contrariamente ao que então afirmara, admitiu que tivera conhecimento da existência do aparelho de rádio-transmissão; que havia mantido contato com o cônsul Ried, em Porto Alegre; que havia sido apresentado ao técnico Mucks; que havia recebido a recomendação de não abrir a boca sobre a questão do aparelho. Nesta retificação, o sr. Wilkens desmentiu o capitão do navio ao afirmar que ele tivera conhecimento da presença do aparelho no navio e da missão do sr. Mucks.

No dia seguinte, 26 de novembro o sr.  Mucks compareceu perante o delegado Plínio Brasil Milano para novo interrogatório. Naquela ocasião contou  como fora encarregado de levar o aparelho da agencia da  VARIG até o navio, como o entregou ao capitão e como este teria recomendado a toda a tripulação um rigoroso sigilo. À pergunta se não achava que o transporte de Pelotas a Rio Grande fora clandestino, visto que a VARIG não mantinha agencia aí, respondeu que não, porque a encomenda fora transportada  com os papeis em ordem, com as taxas pagas e tudo mais. 

O Sr. Franz Locbel, primeiro engenheiro do navio ”Rio Grande, compareceu ao nono e último interrogatório. No seu depoimento afirmou que o sr. Wilkens levou o transmissor para bordo. Ao tomar conhecimento do fato de que a policia estava investigando o caso, o comandante  do barco determinou rigoroso sigilo. Foi esta a razão por que a primeira tentativa da policia foi frustrada. Confirmou assim a versão do  segundo depoimento do sr. Wilkens. 

Examinando um pouco mais de perto a tentativa de instalação de um rádio-transmissor de grande alcance  no navio alemão “Rio Grande”, podem-se tirar algumas conclusões. 

Primeiro. Tratou-se novamente de um problema localizado. Uma ação inteligente da polícia teria sido mais do que suficiente para dar uma solução adequada e definitiva ao assunto. 

Segundo. Um outro motivo que diminuiu em muito a importância dada ao episódio, foi o fato de nem sequer ter sido comprovada a finalidade subversiva  do aparelho. Certamente existem boas razões para tanto, reforçadas pelos segredo que envolveu sua guarda no navio. 

Terceiro. Há mais um detalhe que, de certa forma, não é de todo irrelevante. O aparelho não foi, nem podia ter sido posto em funcionamento no citado barco. A corrente gerada no navio, nem com adaptações  especiais ter-se-ia ajustado às características técnicas do rádio-transmissor.

Quarto. Supondo que o aparelho em questão e outros similares tivessem sido instalados em muitos pontos estratégicos e, supondo ainda, que tivessem servido à propaganda nazista, sua influência teria sido limitada. Entre os fatores condicionantes dois se sobressaem. Em primeiro lugar na época a existência de rádio-receptores  entre as populações  coloniais teuto-brasileiras era uma raridade. Em regiões inteiras que hoje formam municípios, contavam-se no máximo, com um ou dois aparelhos. E mais um detalhe teria reduzido uma emissora do tipo encontrado no  navio, à total inocuidade pois, os receptores de rádio encontráveis então nas colônias eram do tipo galena. Captavam somente  ondas longas e a curta distância.

O segundo fator reside no fato de a imensa maioria dos assim chamados alemães, acima de 80%, caso tivessem alguma noção do nazismo, este causava pouca ou nenhuma atração sobre eles. Profundamente religiosos que eram, a irreligiosidade do nacional-socialismo os sensibilizaria com muita dificuldade. A simpatia que manifestavam para com a Alemanha alimentava-se em outras razões. Tinha a ver, em primeiro  lugar, com a história, as tradições e os valores. Muitos aplaudiram os êxitos obtidos pelos exércitos alemães  nos campos de batalha na primeira fase da guerra. Com essa atitude, porém, não estavam aprovando a causa que fizera os dirigentes do nazismo desencadearem a guerra. Os aplausos endereçavam-se à disciplina, à coragem e à eficiência, tão apreciados por qualquer alemão em qualquer parte do mundo. 

Quinto. A quinta consideração que se pode fazer relaciona-se  como o real tamanho e o verdadeiro significado da questão. Um rádio transmissor do tipo citado, técnica e praticamente  teria tido condições de alcançar somente uma parcela mínima de pessoas interessadas, porque poucas tinham aceso a um rádio receptor capaz de captar ondas de uma emissora como o tipo descrito. A transformação do episódio em argumento de que todos os alemães e seus descendentes no Brasil se encontravam prestes a transformar-se  numa “quinta coluna”, numerosa e incontrolável, foi um exagero.

A situação real do momento explica muita coisa. Não se justifica, entretanto, a exagerada importância atribuída o fato. Em novembro de 1939, quando ocorreu o episódio, o Brasil encontrava-se em situação de neutralidade em relação à guerra na Europa. Em Porto Alegre, funcionava regularmente o consulado, no Rio de Janeiro a Embaixada Alemã e, em Rio Grande um vice-consulado. A via diplomática, ao que parece, teria sido o caminho normal para resolver o problema. No Relatório não consta nenhuma referência a um recurso nesse nível. Apenas acusam-se os representantes diplomáticos como estimuladores do ilícito.

Estamos frente à manobra de uma potência beligerante francamente comprovada pela ingerência de seus representantes oficiais em flagrante desrespeito às nossas leis.

Pois outra coisa não pode ser esta série de atos praticados no sentido de montar clandestinamente uma emissora de rádio-telegrafia, forçosamente destinada ao serviço de informações, que o vapor em apreço estava impossibilitado de realizar pela interdição da estação própria, de acordo com as regras de neutralidade de nosso País. (Relatório II, 1942, p. 106).

This entry was posted on terça-feira, 26 de julho de 2022. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.