[ Reflexões ]

Reflexões sobre o
Conhecimento como síntese

Considerações introdutórias

Falar em conhecimento importa em arriscar-se a lidar com um desses conceitos, passíveis de tantos e tamanhos entendimentos ou definições, que a pretensão de dar uma formulação compreensiva mínima, não é nem fácil nem simples. A primeira questão que se coloca é a pergunta por onde começar, ou a pergunta: de que conhecimento estamos falando? Conhecimento científico, conhecimento filosófico, conhecimento teológico, conhecimento popular, conhecimento instintivo, conhecimento racional, conhecimento intuitivo, conhecimento primitivo, conhecimento moderno, etc. Como se pode ver, todas essas formas de conhecimento e outras que lhe possam ser acrescentadas, partem de objetos, níveis, ângulos e métodos de aproximação diferentes. Se, portanto, optarmos por um deles como ponto de partida do nosso raciocínio, as conclusões a que chegarmos serão inevitavelmente unilaterais, parciais e fragmentadas. Em qualquer uma das situações a escolhida sinalizará o caminho pelo qual o conhecimento deverá andar e, ao mesmo tempo, determinará o seu próprio perfil teórico e metodológico. Assim o conhecimento teológico sempre será essencialmente teológico embora incorpore na sua estrutura mais ou menos subsídios buscados em outras áreas como a filosofia, as ciências naturais, a tradição. O mesmo pode-se afirmar de todas as demais áreas de conhecimento específico. Assim quando se fala em Teologia Natural, Filosofia Natural, História Natural, Física Atômica, Economia de Mercado, Matemática Financeira, Sociologia Urbana, História Medieval, Antropologia Social, etc., etc., o objeto especificado no adjetivo terá o seu conteúdo tratado com as ferramentas teóricas e metodológicas sugeridas pelo substantivo. Em outras palavras. O caminho da aproximação para a investigação e a compreensão de algum objeto, é aquele previsto no arsenal de instrumentos próprios da área definida pelo substantivo. Assim a aproximação da Natureza é possível pela via filosófica, pela via matemática, pela via química, pela via biogenética, pela via teológica, pela via econômica, pela via histórica e assim por diante. Essa constatação leva sem mais a uma série de conclusões. A via de aproximação de algum objeto tem o seu traçado definido pelo olhar e as ferramentas próprias de cada ponto de vista a partir do qual se começa a investigação. Assim a abordagem pelo viés de um matemático com seus cálculos e fórmulas, trairá sempre o olhar do matemático que orienta e empresta significado aos resultados. Da mesma forma a análise da composição química, a observação microscópica, a evolução histórica, a inserção no contexto natural, etc., deixarão transparecer como pano de fundo e razão de ser o olhar do químico, do biólogo, do historiador, do ecologista ou de outros especialistas e especialidades. Sendo verdadeiros os passos da reflexão que viemos fazendo, abre-se um leque de novas reflexões importantes para avançar um pouco mais sobre a natureza do conhecimento. 

A multiplicidade do conhecimento. 
Tanto pela sua natureza quanto pelo nível, certeza e profundidade, o conhecimento é múltiplo. Falar em natureza do conhecimento significa sem mais nem menos aventurar-se num território, não digo minado, mas sem dúvida motivo de não pouca polêmica.  O conhecimento pode ser dividido em científico, filosófico, teológico, popular, intuitivo, condensado, subliminar, instintivo. Não há necessidade de chamar a atenção de que essa afirmação nos expõe a uma saraivada de discussões. Com que credenciais, o biólogo encastelado em seu laboratório questiona o historiador, ou o filósofo e o teólogo atrevem-se a opinar sobre questões de biogenética, quando a ciência está a demonstrar que as incógnitas que esse campo ainda oferece, em princípio são passíveis de resposta pelos métodos e técnicas disponíveis. Segundo os cientistas, as questões relacionadas com a estrutura, a composição, a dinâmica e as potencialidades da matéria, esgotam-se e resolvem-se perfeitamente por meio das diversas vias de aproximação que a física, a química a biologia e suas ramificações, põem à disposição do pesquisador. Para eles a presença do filósofo só vem tumultuar o cenário quando coloca reparos e pior ainda, quando põe em dúvida a consistência das conclusões que emanam dos laboratórios. De qualquer forma suas eventuais contribuições complicam e embaralham mais do que contribuem. No momento em que um cientista chega à conclusão de que a solução de questões realmente de fundo  desafiam seriamente os potenciais do arsenal das tecnologias de investigação e sinalizam para outras vias de aproximação do problema, seu esforço científico e seus resultados, correm o risco de serem desqualificados ou postos em dúvida pelos seus pares. Os exemplos contam-se às dúzias. Os rótulos de “visionário”, “romântico alienado”, ou a provocação para formular “a verdadeira pergunta”, o que pode ser entendido como algo de que “o homem não é sério”, não são aros. Esse tipo de observação teve endereços como Teilhard de Chardin, Erich Wassmann, Balduino Rambo, Francis Collins e uma série de outros. Os exemplos poderiam ser multiplicados. Não é aqui o lugar nem a ocasião. O mesmo problema percebe-se quando um cientista com os dados objetivos observados na natureza, comprovados com seus cálculos ou demonstrados em seus experimentos em laboratório, aproxima-se do filósofo ou teólogo e lhe sugere a revisão de alguma conclusão ou a reformulação de algum conceito que discorda dos fatos objetivos. 

Se no plano do conhecimento científico e filosófico, que afinal se valem de métodos consagrados, aceitos e respeitados, manifestam-se em larga escala problemas de mútua legitimação dos resultados, o que esperar dos outros níveis. O conhecimento popular é elaborado à margem de teorias e métodos “científicos” e que não resulta de hipóteses comprovadas pela lógica e pelo raciocínio. Nem por isso deixa de ser um verdadeiro conhecimento. Aliás se procurarmos pela fonte, pela raiz do conhecimento científico e filosófico, iremos encontrá-la entre os caçadores, coletores, pastores e agricultores da pré-história. Valendo-se das ferramentas de que dispunham foram consolidando os corpos de conhecimentos que lhes foram vitais para a sobrevivência. Observando, comparando, distinguindo, selecionando, descartando, experimentando, os homens de então criaram   condições cada vez mais sólidas, para continuarem com êxito a sua ascensão histórica. 

A gênese e a dinâmica que deu forma às incontáveis modalidades de conhecimento que podem ser identificados no decurso da história, tem como ponto de partida, raiz ou fonte, a natureza humana com sua capacidade de dar respostas reflexivas e ou reflexas e, ao mesmo tempo, instintivas e intuitivas, aos estímulos vindos do meio físico-geográfico em que aconteceu a respectiva trajetória. Estamos obviamente diante de um desafio de razoáveis proporções. A afirmação de que o homem adquiriu e ainda adquire um conhecimento digno desse nome, com os elementos que a sua capacidade instintiva e reflexa lhe oferece, desperta no mínimo desconfiança e incredulidade em cientistas acostumados a lidar com instrumentos de precisão. Não menos reticente se mostrará o filósofo que só confia na lógica dos seus raciocínios e nas conclusões indiscutíveis dos seus silogismos. Para ambos as certezas de que os instintos, as intuições, os sentimentos, as sensações, são capazes de oferecer, não têm as condições de   segurança e confiabilidade, exigida por um conhecimento digno desse nome.

Cabem aqui algumas considerações. Primeiro. A Renascença mexeu fundo nos conceitos filosóficos, teológicos, artísticos e científicos do mundo medieval. E dessa forma preparou o terreno para que os fundamentos conceituais e metodológicos das assim chamadas “Ciências Modernas”, começassem a tomar forma e consolidar-se no decorrer da segunda metade do século XVIII e a primeira do século XIX. Definiram-se nesse período, os grandes campos das Ciências Naturais: da Matemática, da Química, da Física, da Geologia, da Paleontologia, da Biologia, da Astronomia, da Botânica, da Zoologia e dos seus subcampos. Ao mesmo tempo   operou-se no nível das ideias, uma autêntica revolução do pensamento, que terminou na cosmovisão do homem moderno. Paralelamente sucederam-se num ritmo cada mais acelerado as conquistas a nível de tecnologia. Assim estava sendo armado o cenário sobre o qual a modernidade se imporia com toda a sua pujança. Numa dinâmica em que, de um lado a tecnologia oferecendo aparatos cada vez mais potentes e precisos, proporcionava à Ciência resultados também cada vez mais diversificados e mais exatos e do outro lado a Ciência exigia sempre mais da tecnologia. Foi assim que Ciência e Tecnologia numa dinâmica de mútua aceleração, moldaram o fundamento material da Modernidade. Mas não se pode ignorar que a Ciência e a Tecnologia contaram com um parceiro não menos poderoso na Filosofia, responsável pela cosmovisão moderna. 

Quem intuiu e formulou com rara felicidade a complementariedade entre os dados oferecidos pelas Ciências Naturais e pelas Ciências do Espírito, foi Erich Wassmann. Ele foi um desses representantes emblemáticos de especialista que contou em seu currículo com uma sólida formação clássica, filosófica, teológica e científica. Munido com esse cabedal de conhecimentos mergulhou, como nenhum outro, nem antes nem depois dele, nos complexos mecanismos que regem o bom funcionamento das colônias de formigas e térmitas. Não se limitou a fazer um inventário do que observava, dar-lhe um tratamento estatístico, desdobrar em seus elementos estruturais essas colônias, identificar as classes de indivíduos e sua mútua interdependência e a relação simbiótica com determinados fungos. As descobertas que se foram acumulando, na medida em que os métodos científicos se aperfeiçoavam, assumiram contornos mais amplos, iluminados pelo olhar próprio das Ciências do Espírito. E por esse duplo caminho Wassmann definiu, com o andar do tempo, sua síntese do universo e da natureza. Ela permite vislumbrar a possibilidade de uma harmonia entre as duas aproximações teóricas e metodológicas, por não poucos tidas como impossível. Erich Wassmann valeu-se de dois conceitos que facilitaram e facilitam ainda hoje a harmonização entre os resultados das Ciências Naturais e as Ciências do Espírito: “Weltbild” e “Weltauffassung” ou a “imagem visível, o retrato do mundo” e “a cosmovisão, o significado” do mundo. 

Cabe às Ciências Naturais fornecer os dados objetivos, materiais e concretos para retratar a natureza e dar forma ao “Weltbild”. As Ciências do Espírito encarregam-se de compor esses dados numa unidade que expressa um significado ou significados que   vão além da simples soma, agregação e incorporação dos dados objetivos. É a “Weltauffassung”, a “Cosmovisão”. A metáfora de um quadro pintado talvez esclareça melhor. Na pintura de um quadro as tintas, as cores, a tela, os pinceis, etc. são os elementos que compõem o “Weltbild”, isto é, a imagem desenhada num determinado momento do estado da arte, ou se quisermos a imagem real e possível com os dados científicos disponíveis num determinado momento. O artista combinando cores, tonalidades, luzes e sombras, contornos, panos de fundo, etc., etc., confere sentido, significado ao quadro, de acordo com sua “cosmovisão” – “Weltaufassung”. Pela sua própria natureza, tanto o “Weltbild” quanto a “Weltauffassung”, encontram-se em permanente transformação, reformulação e resignificação. O “Weltbild” muda de figura na mesma cadência em que as Ciências Naturais revelam novos dados, tornam os existentes ultrapassados e assim se obrigam a redesenhar sem parar a realidade – o “Weltbild”. Os responsáveis pela “Cosmovisão” – a “Weltaufassung”, atentos à dinâmica das Ciências Naturais, abandonam significados, reformulam outros e imprimem novos rumos à compreensão do universo e da natureza. 

O redesenhar do “Weltbild” estimulado pelas  novas descobertas científicas e o repensar da “Weltaufassung” por elas estimulado, garantem o clima propício no qual a produção do conhecimento encontra condições para prosperar. E para que essa emulação possa acontecer requer-se, tanto das Ciências Naturais quanto das Ciências do Espírito, uma boa dose de humildade e espírito desarmado. O cientista dedica-se ao seu trabalho com a consciência prévia de que seus métodos e seus instrumentos são de alcance limitado. O filósofo põe-se a formular e a reformular a sua cosmovisão, valendo-se dos dados que a Ciência vai acumulando. Convenhamos não é tarefa para qualquer um. É fundamental o pressuposto de que na construção do conhecimento entram em proporções variáveis conhecimentos parciais oriundos de diversas fontes. Em outras palavras e retomando o que sinalizamos mais acima, o verdadeiro Conhecimento com letra maiúscula é aquele que não vem acompanhado de adjetivos. É o Conhecimento puro e simples “das Wissen schlechthin” diriam os alemães. O sábio, portanto, é aquele que se apropriou de alguma forma do “Conhecimento simplesmente” do “Wissen schlechthin”. Há uma enorme diferença entre um “Sábio”, um “Weise” e um conhecedor, um “Kenner” ou um especialista, um eclético, um dono de memória e conhecimento enciclopédico. O “conhecedor”, o “Kenner”, domina uma área específica do conhecimento, uma fatia expressa pelo adjetivo: conhecimento científico, conhecimento botânico, conhecimento genético, conhecimento histórico, conhecimento religioso, conhecimento popular etc., etc. O “Conhecimento” sem adjetivo e com letra maiúscula que confere a seu portador “Sabedoria” – “Weisheit”, consiste na síntese, na amálgama, entre os dados fornecidos por conhecimentos parciais e adjetivados. A síntese sugere o encontro dos conhecimentos parciais, adjetivados, que num processo dinâmico de complementariedade, levam a uma compreensão nova que vai além da soma das partes. A síntese não anula a natureza dos elementos que entram na sua composição, mas os ressignifica em função de um todo que resulta na interação e composição complementar. O cobre e o estanho continuam sendo cobre e estanho ao se combinarem numa proporção que varia de acordo com a finalidade do bronze que é a amálgama entre os dois. Aparentemente a amálgama não se parece com os dois metais que a compõem. Não brilha nem como cobre nem como estanho. Sua dureza e ductilidade nada tem em comum, nem com o cobre nem com o estanho. Salvaguardadas as diferenças e as peculiaridades, a amálgama parece um recurso adequado, para entender melhor o que seja o Conhecimento. A participação dos conhecimentos parciais ou setoriais no processo de síntese, resultam à maneira de uma amálgama na produção do Conhecimento. O resultado é uma realidade qualitativamente diferente de cada componente individual, sem, contudo, alterar ou anular a natureza e as características das partes. A cor, a ductilidade, a maleabilidade e a dureza do bronze, não alteram a natureza química e física do cobre e do estanho. Integram-se, isso sim, numa nova realidade. Um fenômeno análogo acontece com a produção do Conhecimento. O único Conhecimento digno de ser chamado de Síntese é aquele que resultou da confluência, seguida de uma “amálgama”, da maior quantidade, diversidade e qualidade de conhecimentos parciais. A densidade e a consistência do Conhecimento, portanto, é diretamente proporcional à quantidade e à qualidade dos elementos que entraram na sua construção.

[ Reflexões ]

Apresentação

As páginas que seguem oferecem aos interessados uma coletânea de reflexões que me acompanharam no dia a dia da minha trajetória acadêmica de quase 70 anos. Como professor titular emérito de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a referência das reflexões foi centrada no desvelar e tentar compreender o homem e a humanidade nas suas diversas dimensões. A minha formação acadêmica explica de alguma maneira o objeto das reflexões que seguem e, principalmente, a abordagem interdisciplinar pela qual são apresentadas. Possuo bacharelado em Línguas e Literatura clássicas, bacharelado em Filosofia, Bacharelado em História Natural e Geologia e licenciatura em Teologia. Além disso sou Livre docente em Antropologia e Doutor em Filosofia pela PUCRS e com pós-doutoramento em Antropologia pela Universidade V - René Descartes de Paris.  Pode até parecer exibicionismo da minha parte enumerando todos os meus títulos acadêmicos, por isso dou a mão à palmatória. Tenho a impressão, porém, que, a lembrança é importante para justificar tanto os temas escolhidos para as reflexões, quanto a sua forma de apresentação. O “objeto” da Antropologia ocupa-se com estudo do homem. Qualquer pessoa minimamente instruída, inclusive os não letrados intuem que nos deparamos com uma realidade de extrema complexidade. Embora as Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, tenham penetrado fundo em todas dimensões, a natureza humana continua sendo um mistério a desafiar os métodos científicos e os esforços dos especialistas, assim como biólogos, filósofos, teólogos, historiadores, sociólogos, psicólogos, médicos e demais especialidades  direta ou indiretamente interessadas em procurar respostas para a natureza ontológica do homem.  

Parece que a complexidade  do desafio já foi definido pela filosofia antiga ao resumi-lo na conhecida formulação: a espécie humana existe como os minerais, existe e vegeta como os vegetais, existe e vegeta e sente como os animais, existe, vegeta e sente, tem consciência, sabe e conhece  como os animais, porém,  distancia-se e coloca-se num patamar acima e além dos demais, pela Inteligência Reflexa ou, em outras palavras pela capacidade de Refletir. Ainda em outras palavras. A espécie humana está inserida existencialmente na litosfera, na biosfera, na atmosfera, mas, pela inteligência reflexa distancia-se das demais espécies dando origem à Noosfera. O nível de conhecimento que hoje temos do mundo animal, mais especificamente das categorias taxonômicas mais evoluídas, autoriza atribuir a elas alguma forma de consciência e inteligência. Por isso mesmo que os animais embora tenham inteligência e consciência do que está acontecendo em sua volta, falta-lhes um atributo exclusivamente humano que, resumido, pode ser conceituado da seguinte forma: O animal sabe e tem consciência do que está acontecendo em seu derredor, o homem além de saber e ter consciência, pela capacidade reflexiva, é capaz de entender o “porque” do  seu saber.

Sobre esse panorama como fundo, decidi-me a colocar no papel uma série de reflexões que ocuparam não poucos momentos, para não dizer incontáveis horas dos 60 anos dedicados ao fascinante campo da Antropologia, a ciência que tem como objeto formal o Homem nas suas diversas dimensões como espécie biológica, isto é, “nascido  da terra” e que lhe confere as características de uma espécie taxonômica como todas demais e lhe oferece os meios de sobrevivência e perpetuação biológica. Em sendo assim, consolida-se uma autêntica simbiose entre a alma humana e o meio geográfico em que constrói suas culturas e dimensiona e direciona as peculiaridades da história de cada povo. 

Os textos que seguem não são apresentados no formato de um livro convencional com os   capítulos organicamente alinhados. Vem no formato de “Reflexões avulsas”, mas, com o objetivo subliminar de chamar a atenção que a plenitude do conhecimento do homem envolve uma complexidade e uma multiplicidade de abordagens que se complementam em busca da verdade:  donde vem, porque está aqui e qual o sentido, qual a razão da sua existência e qual é seu destino final. As respostas para essas interrogações são possíveis sob a condição de todas as áreas do conhecimento se darem as mãos, intercambiarem resultados e, num esforço interdisciplinar sincero e isento, avaliarem os resultados produzidos pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. Uma das reflexões que seguem leva o título que resume em quatro palavras o tamanho do desafio: “Doctrina multiplex, Veritas una” ou “As Doutrinas são muitas, a Verdade uma só”.

O Brasil como Império Independente

Georg Anton von Schäfer
Tradução, apresentação, notas e edição de Arthur Bl. Rambo
 
Editora UFSM

 

A versão em português do livro do major Georg Anton von Schäfer vem ao público 183  depois da sua edição em alemão, em Altona, Alemanha, em 1824. Trata-se provavelmente de uma obra desconhecida pela grande maioria dos historiadores. Entre outras razões permito-me apontar as seguintes. A obra foi publicada em alemão e holandês e sua circulação não parece ter sido de grande abrangência. Na apresentação da obra não consta o número de exemplares impressos e, de mais a mais, só se conhece uma única edição. Um segundo fator de não pouca importância é de que foi escrita por um autor que não consta no rol dos obrigatoriamente citados como referência para os anos que antecederam imediatamente a independência, a própria independência e os começos do Império do Brasil. Um terceiro motivo relaciona-se com o reduzido número de exemplares localizados pelo mundo afora. Da edição alemã, salvo melhores informações, um encontra-se no Instituto Ibero-americano de Berlim, um segundo no Institut für Auslandsbeziehungen (IFA) de Stuttgart,  um na British Library, um em Berna, um na Dinamarca, um em Hessen, um na BSW da Alemanha, um na USP, um na Biblioteca Nacional e um na Biblioteca  da Unisinos. Uma edição em holandês encontra-se na  universidade de Lovaina. Outros exemplares que, por ventura, existam pelo mundo afora não foram localizados numa pesquisa pela internet.

A obra de Schäfer tem como pano de fundo um período relativamente curto da História do Brasil. Se, porém, de um lado cobre poucos anos, 1818-1823, de outro retrata  um Brasil que supera a condição de colônia de Portugal para tornar-se um império independente. Não se  requerem grandes provas que uma transformação de tamanho alcance viesse acompanhado de tensões de todos os tipos oriundos de todos os planos, tanto públicos quanto privados. Na medida em que o desfecho da independência se avizinhava e se tornava  inevitável, os ressentimentos, os descontentamentos, as manifestações de revolta contra os colonizadores assumiam proporções de rebelião. Do lado de Portugal e dos portugueses, recorria-se a todos os meios, também à violência, para impedir o inevitável. E, pode-se afirmar que a tutela se deu no mais autêntico estilo colonial. Valendo-se de leis, dispositivos e regulamentos específicos, Portugal submeteu a colônia a um regime de exploração predatória dos seus recursos naturais. As riquezas minerais como ouro, prata, diamantes, principalmente, alimentavam o erário. Madeiras e outras essências vegetais abasteciam os mercados de Portugal que, por sua vez, os negociava com exclusividade com os demais mercados da Europa. Paralelamente à falta de autonomia política e os entraves interpostos ao livre comércio, bloqueavam qualquer veleidade de usufruir as próprias riquezas. Embora a situação tivesse melhorado sensivelmente após a vinda da família real, a abertura dos portos e a elevação do Brasil colônia à condição de Reino  Unido, ao começar a década de 1820, as cortes de Lisboa tramavam uma autêntica recolonização do Brasil, com todas características anteriores a 1808.

A obra que ora apresentamos mostra um Georg Schäfer bastante diferente daquele que é normalmente pintado pelos relatos  sobre a imigração alemã no Brasil. O Schäfer agenciador de imigrantes, pouco escrupuloso nos métodos e por vezes rotulado como “mercador de almas”, aventureiro e aproveitador de situações favoráveis, aparece aqui numa perspectiva bastante diferente e bem mais favorável. Não que as acusações que lhe são feitas não tenham fundamento. O que acontece que nas linhas e entrelinhas de “O Brasil como Império independente, ele se  revela como um homem viajado, culto, dotado de grande interesse pelas coisas que observa, tanto nas suas viagens internacionais como naquelas realizadas para o Brasil. E a atenção não fica restrita a um ou outro aspecto. Ao seu agudo  espírito de observação não escapa nada, tudo merece a sua atenção, seus comentários e suas apreciações. Viajou pelo mundo e pelo Brasil de olhos abertos tanto para a história, quanto para a política, as características  sociais, culturais e religiosas e, de modo especial, para a geografia, para as riquezas minerais, recursos vegetais, animais, vias  e modalidades de transporte, potencialidades econômicas, sem deixar de lado considerações sobre possibilidades de imigração não lusa  para  as regiões pouco ou nada povoados do país. Na sua obra Schäfer dedicou o capítulo 13 relativamente curto à questão da imigração. Resume-se em apontar condições prévias para uma imigração bem-sucedida além de pontos importantes a que os candidatos à imigração deveriam prestar atenção. Entende-se pois, o livro foi escrito antes de começar o fluxo migratório para o sul do país. As tentativas até então feitas resumiam-se a três assentamentos de alemães na Bahia: A Colônia Leopoldina, A Colônia de São Jorge de Ilhéus e Frankental.

Depois de sua terceira viagem ao Brasil Schäfer decidiu radicar-se definitivamente no país. Foi incorporado  na guarda pessoal do Príncipe Regente e, depois da independência do Imperador D. Pedro I. Dessa posição privilegiada, acompanhou de perto todos os acontecimentos que antecederam, envolveram e seguiram imediatamente o decisivo momento histórico para o Brasil. Compreende-se que, devido à sua posição na guarda palaciana, aproveitasse todas as oportunidades e facilidades proporcionadas pela proximidade com  a Imperatriz Leopoldina e D. Pedro e não se referir aos deslizes aventuras extraconjugais  do monarca. É indiscutível também que tal testemunho ocular e o envolvimento direto no cotidiano da família imperial, comprometem de alguma forma a objetividade. É inevitável que  não se tome partido e paixões do momento se imponham, aparecendo mais nas entrelinhas do que propriamente nas linhas do autor. No caso do major Schäfer, esse lado da questão assume proporções e características peculiares. Na condição de oficial da guarda da Corte Imperial, passava as 24  do dia na proximidade imediata da vida palaciana, para não dizer da intimidade da família imperial. Entende-se, assim, a preocupação do  autor em mostrar aos leitores uma imagem idealizada do casal imperial, dos filhos e da rotina diária da Corte e silenciar sobre as sombras que obviamente havia.

Para concluir. O que importa é que “O Brasil como Império “Independente” retrata as impressões de uma testemunha presencial dos acontecimentos que envolveram o Brasil no momento do nascedouro como um país  independente. As informações nele contidas saíram da pena de um homem, dono de conhecimentos gerais de alto nível para a época, além de muitos dados e informações dificilmente encontráveis em outra parte. Suas avaliações e seus juízos de valor devem ser vistos, tomando como pano de fundo, o seu envolvimento pessoal nos acontecimentos dos quais trata a obra.

Bicentenário da Imigração - 80

Depois dessas colocações de caráter mais teórico vem a pergunta se, consideradas as circunstâncias concretas, a realização do sonho de paisagens humanizadas inspiradas na combinação dos dois trinômios que formulamos acima, é exequível? Fiquei horas empacado procurando uma resposta para esse questionamento. A proposta feita há 50 anos pelos técnicos alemães para a valorização do vale do rio dos Sinos prova a sua validade em dezenas de pequenos municípios emancipados de então para cá em todos os vales dos rios que confluem para formar o Guaíba. Embora não se tenha feito um planejamento  técnico como o descrito acima a maioria desses municípios desenvolveu-se de forma muito parecida com o modelo desenhado tecnicamente para o vale do Sinos. Têm em comum que sua população na média não chega aos 10.000 habitantes. As sedes urbanas contam com uma infraestrutura administrativa enxuta e eficiente confiada a prefeitos, vereadores, funcionários e técnicos, que têm como prioridade o progresso e o bem-estar da população. Os desvios desse objetivo e a prática de atos de corrupção, se ocorrem, são exceções e de proporções até toleráveis. A população conta com postos de saúde bem equipados, a cargo de profissionais treinados e, em casos de cirurgias e situações de maior gravidade, as prefeituras dispõem de ambulâncias para levar os pacientes aos hospitais  regionais e a Porto Alegre quando o caso o requer. A educação costuma ser, a par da saúde, a preocupação maior das administrações municipais e da população em geral. Para tanto dispõem de uma rede de escolas que vão do maternal até o ensino médio. O transporte escolar  eficiente atende os alunos, as professoras e professores são relativamente bem pagos e os prédios e instalações adequadas a um ensino de qualidade. Ha exemplos em que municípios investem  até 30% dos seus recursos na educação. Não podem faltar salões de festa, para casamentos bailes e comemorações de datas importantes como os aniversários das emancipações. Há municípios que dispõem de museus e centros de eventos. Os Kerbs fazem parte do calendários onde predominam os descendentes de imigrantes alemães. As estradas municipais em muitos casos costumam ser asfaltadas até os limites dos municípios, facilitando a circulação  das mercadorias e pessoas. Mas, o que mais se destaca é o complexo da atividade econômica. Nas sedes, as antigas casas de comércio, as lendárias “vendas”, foram substituídas por lojas especializadas bem ao estilo urbano. Pequenas, médias e até indústrias de porte maior oferecem um número significativo de postos de trabalho. No interior desses municípios a típica policultura familiar de subsistência deu lugar a atividades mais seletivas, tornando obsoleto todo o complexo de instrumentos e ferramentas tradicionais. Arados de bois, moendas de cana, carroças de bois, machados, serras manuais e até enxadas e machados, máquinas de costura manuais ou com pedais, são hoje, em grande parte, artigos de museu. Com a chegada da eletricidade tudo foi substituído por ferramentas que tornaram a produção rural muito mais produtiva e muito menos penosa do que das gerações passadas. Motosserras dispensaram o machado e o traçador, roçadeiras, micro-tratores e  tratores de maior porte dispensaram os arados e as juntas de bois, carros, motos e caminhões tomaram o lugar das  carroças  puxadas por bois, cavalos ou mulas. Em vez de montarias as pessoas deslocam-se em automóveis que já não são mais motivo de ostentação e riqueza mas, fazem parte das utilidades normais da imensa maioria das pessoas, também do meio rural. Como já afirmamos mais acima, a produção rural tornou-se mais seletiva e especializada para atender ao mercado regional, estadual, nacional e até internacional.   Dezenas de aviários  alinham-se nas encostas dos morros acomodados no meio de árvores nativas  e em não poucos casos rodeados pela mata secundária em constante avanço. Abastecem o mercado estadual, nacional e internacional. Famílias inteiras, filhos ou netos de antigos agricultores encontram trabalho rentável  e, ao mesmo tempo, saudável nesse ramo de atividade amparados por tecnologias de última geração no manejo de frangos de corte e galinhas e/ou perdizes de postura. A suinocultura intensiva valendo-se também de tecnologias de ponta como a seleção genética de raças mais apuradas, inseminação artificial, alimentação balanceada,  assistência veterinária, higiene e destino dos dejetos, substituíram a criação suínos destinados  a suprir as necessidades das famílias. Como no caso da avicultura a suinocultura destina-se ao atendimento das demandas regionais, nacionais e do mercado internacional em constante crescimento quantitativo e com exigências qualitativas  cada vez mais rigorosas. Esse setor de atividade oferece um mercado de trabalho difícil de dimensionar além de perspectivas para evitar que muitos jovens nascidos no meio rural se deixem iludir com os encantos das oportunidades oferecidos pela vida urbana. Um ensino fundamental e médio que inclua em suas programações o alerta pelas oportunidades e a realização de uma vida sadia e digna no meio rural de hoje, pode evitar que muitos jovens traídos pela fantasia de uma vida fácil e cômoda nas cidades, terminem subempregados, mal empregados e desempregados, expostos a todos os riscos que infestam os bairros periféricos. Os administradores dos municípios, os conselhos comunitários, as autoridades e agremiações religiosas e outras tantas, têm condições de prestar um serviço de valor incalculável para as futuras gerações, conscientizando, propondo iniciativas e propondo soluções concretas. As escolas agrícolas de nível médio podem ser multiplicadas formando técnicos na produção de hortigranjeiros orgânicos, fruticultura, suinocultura, avicultura, floricultura, silvicultura e por aí vai. E já que o público consumidor e legislação e controle sanitário e o manejo dos reflorestamentos e a proteção da mata nativa, exigem conhecimentos especializados, abre-se espaço para egressos das escolas superiores de agronomia, veterinária, engenharia florestal e similares. 


A educação, a conscientização, a formação técnica em todos os níveis e o  acesso às tecnologias e métodos de última geração, não mudou apenas o rendimento e a qualidade dos produtos, como também uma  paisagem físico geográfica inimaginável há 80 anos passados. A policultura à base da enxada e do arado de bois nas  encostas pedregosas e muito íngremes foi  abandonada e entregue  ao avanço da vegetação nativa. Já nos referimos a esse fenômeno em outa ocasião mais acima. Vai se formando uma floresta secundária muito parecida na sua composição e formato àquela original e intocada que os imigrantes encontraram ao desembarcarem e se fixarem nessas paragens. Em não poucos casos, no fundo dos vales mais estreitos essa recuperação florestal já desceu até os arroios formados pelos muitos córregos que descem dos morros. Um outro efeito extremamente benéfico desse florestamento espontâneo consiste na retenção da água das chuvas aumentando a vasão das fontes e córregos e fazendo reaparecer fontes que haviam secado depois do desmatamento. Na medida que a nova floresta avança horizontalmente e se avoluma verticalmente vai-se confundindo com as manchas de floresta virgem original que sobreviveram nas coroas e nos topos dos morros. E, na medida em que a floresta secundária se espalha e avoluma, as espécies de aves, mamíferos, répteis, batráquios e insetos, que não foram  extintos, saem dos seus refúgios e voltam a povoar a nova “casa”, enchendo-a com a sinfonia dos seus cantos, assobios, gritos, pios, roncos e urros. A proibição da caça anima pássaros, mamíferos, répteis e outras espécies a se aproximarem das moradias e por assim dizer, conviver em harmonia e comunhão com o homem e seus animais domésticos. A grande maioria das espécies de aves originais e mamíferos, exceto a onça, o puma  e a anta, encontram tranquilidade nos terrenos acidentados de inúmeras áreas abandonadas, impraticáveis para a produção agrícola nos moldes da demanda de alimentos de hoje. A floresta reconquistando o seu espaço nos declives dos morros e montanhas, as pastagens, a fruticultura e o reflorestamento artificial, nas encostas menos íngremes, as áreas mais planas ocupadas com a produção de hortaliças e legumes, as moradias acomodadas na sombra de grandes árvores, o traçado das estradas e caminhos acompanhando as características topográficas, as cidades em franco progresso no centro ou na saída dos vales, compõem paisagens que provam que o “jardim” confiado por Deus ao homem, quando “cultivado” racional e afetivamente resulta em panoramas de uma beleza singular. 

Enquanto reflito sobre a realidade que acabo de pintar, circulam nas redes sociais  documentários que retratam pequenos municípios no interior do Rio Grande do Sul, todos contando com a mesma trajetória histórica. Derrubada a floresta virgem original,  a terra foi cultivada durante 100 ou mais anos no mesmo molde da agricultura familiar de enxada e arado de bois descrito mais acima. De meio século para cá moldaram os seus perfis de acordo com as demandas dos mercados de consumo. Substituíram os tradicionais instrumentos de trabalho pelas ferramentas oferecidas pela tecnologia moderna. Os meio de comunicação ao alcance de qualquer colono na mais remota extremidade  de um vale, mexeram fundo na maneira de ser dos produtores rurais, pondo-os em contato com o que há e acontece de novo, de bom, de discutível e/ou de deplorável no âmbito regional, nacional e internacional. Nesse cenário já não há mais lugar para as famílias numerosas de 10 ou mais filhos. Deram lugar a casais com um ou dois filhos e o próprio conceito do matrimônio tradicional indissolúvel convive tranquilamente com uniões consensuais, mães solteiras, separações e divórcios.  A prática rigorosa e controlada da religião cedeu o lugar a uma opção mais pessoal e livre do que há duas ou três gerações passadas. Ficou no passado o agricultor que costumava percorrer apenas dois caminhos: o diário de ida e volta da roça e o semanal de ida e volta à igreja. Mas, não é aqui o lugar para uma análise antropológica e sociológica mais aprofundada. Resumindo, parece lícito afirmar que os pequenos municípios que surgiram no interior colonial e ocupam uma significativa parcela dos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e outros estados, moldaram um paradigma, diria civilizatório que, descontados os senões e mesmo críticas mais severas e contundentes, apontam o caminho para “cultivar” o “jardim” em que o Criador colocou o homem para que tenha condições de realizar os seus anseios existenciais. Tendo sempre em vista que falo do modelo da pequena propriedade familiar dedicada à policultura de subsistência,  horticultura, fruticultura e tantas outras modalidades, atrevo-me concluir nas linhas e sugerir  nas entrelinhas, que o “agricultor” deu lugar ao “produtor rural”. Munido de um comportamento social e familiar urbano, cultivador de costumes e valores, hábitos religiosos, preocupações econômicas e políticas, pretensões de uma formação mais apurada, sem demora passará ser um personagem da história, como os artesãos e tantas outras ocupações. Os casamentos inter étnicos e inter confessionais tornaram-se rotineiros. Já não causam estranheza uniões entre pessoas louras e afro descendentes, entre católicos e outras confissões religiosas, entre alemães e italianos,  poloneses, luso-brasileiros e afrodescendentes. Essa miscigenação resultou  num cidadão brasileiro  cuja origem remota é traída pelo sobrenome, muitas vezes associado a sobrenomes lusos, italianos e outros; um cidadão brasileiro que já não se serve mais dos seus dialetos em família, muito menos no relacionamento social; um cidadão brasileiro que pode se encontrado em todos os níveis da hierarquia política, militar, econômica e social; um cidadão brasileiro  que, apesar de tudo, bem ou mal, não se esqueceu de suas raízes remotas relembrando e cultivando os dialetos falados por seus avós, seja a nível acadêmico, seja a nível de grupos como os que cultivam os dialetos originários do Reno-Palatinado, ou relembrando nos “Kerbs” e “Oktoberfest”, fragmentos de suas raízes ainda perceptíveis depois de 200 anos em terras brasileiras.

E, para concluir as reflexões que motivaram os “Flagrantes” que acabamos de apresentar nas páginas acima, sugiro como opção de lazer circular em domingos ou feriados pelos vales dos rios que formam o Guaíba e admirar e degustar a paisagem étnico-geográfica moldada nos 200 anos pela presença dos imigrantes alemães e seus descendentes no sul do Brasil: Santa Maria do Erval, Nova Petrópolis, Bom Princípio, São Vendelino, Tupandi, São Pedro da Serra, Salvador do Sul, Poço das Antas, Teutônia, Westfália, Imigrantes, Sinimbu, Sobradinho e tantos outros pequenos municípios na região das Missões, Alto Uruguai, Oeste, Centro e Leste de Santa Catarina e oeste do Paraná.

Bicentenário da Imigração - 79

Cem anos depois.

Até aqui tentamos apontar a trajetória da inserção dos imigrantes alemães no todo da nacionalidade brasileira ou se preferirmos na “nova pátria”  durante os 100 primeiros anos. Depois da chegada da primeira leva tinham-se passado 115 anos quando começou a Segunda Guerra Mundial em 1º de setembro de 1939. Nesse meio tempo, fora implantado o Estado Novo por Getúlio Vargas, em 11 novembro de 1937. A Constituição então promulgada previa a imposição do “abrasileiramento” compulsório dos descendentes dos imigrantes de todas as procedências étnicas. Esse processo, na verdade, começou logo depois que a primeira leva de imigrantes desembarcou em solo brasileiro  e se repetiu cada vez que um novo contingente se vinha somar aos que já se encontravam aqui. Mas, sobre esse encontro com uma realidade geográfica e uma realidade sócio-cultural de todo estranha aos imigrantes, já foi objeto de análise nos scapítulos que antecederam. Em resumo, nos primeiros 100 anos o “abrasileiramento” obedeceu ao ritmo e às peculiaridades antropológica e historicamente esperáveis, tomando em consideração as circunsctâncias em que aconteceu. Foi mais lento do que, por ex, nos USA pois, lá os filhos dos imigrantes nascidos no país eram obrigados por lei a aprender a língua inglesa mesmo que falassem a língua materna em família e no relacionamento quotidiano com as demais pessoas. Aqui no Brasil não havia essa obrigação legal. Como a língua representa o instrumento mais determinante da preservação da tradição cultural, a não obrigatoriedade legal de aprender o português foi, evidentemente, um fator  importante para a preservação por mais tempo dos hábitos, costumes e valores. 

Mas, voltando à situação criada pelo Estado Novo e a consequente Campanha de Nacionalização, a situação dos descendentes dos imigrantes no que dizia respeito à integração nacional, sofreu um choque de proporções difíceis de dimensionar. Num golpe foi  proibido o uso da língua alemã não só em público como também em ambientes privados. Toda e qualquer publicação em língua estrangeira foi interditada e confiscadas aquelas que se encontravam em poder de pessoas, famílias, associações, clubes, igrejas, escolas e demais instituições. Nas missas e cultos religiosos, os sermões e homilias tinham que ser exclusivamente em português. E, para garantir a execução das determinações legais, a polícia foi mobilizada, até em comunidades remotas no inerior colonial, para garantir a observância das determinações. Chegou ao ponto de  entrar nas igrejas durante a missa para recolher os livros de reza de senhoras de idade e as que se recusavam a entregar o seus, ameaçadas de prisão. Casos foram registrados em que agentes a serviço da nacionalização foram flagrados em adegas de casas para surpreender as famílias falando alemão. 

O golpe mais devastador, porém, atingiu as em torno de 1500 escolas comunitárias, católicas  e protestantes espalhadas principalmente pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A língua de ensino na maioria delas continuava sendo o alemão e o ensino do português disciplina obrigatória a partir da terceira série. Eu pessoalmente, fui alfabetizado na escrita gótica e aprendi a ler nos célebres livros escolares da Editora Rotermund. Em dezembro de 1938 foi implantada a reforma escolar com a substituição compulsória do alemão pelo português como língua de ensino, o alfabeto gótico pelo latino, os livros didáticos tradicionais pelos novos fornecidos pela Secretaria da Educação. Os professores vindos da Alemanha foram exonerados e uma porcentagem elevada dos nativos abandonou a vocação. Como mais acima lembramos, na década de 1930, o “abrasileiramento” dos descendentes dos imigrantes caminhava, em linhas gerais, dentro do ritmo antropológico e historicamente esperado, isto é, num processo que leva gerações para ser concluído. Assemelha-se às etapas dos ciclos de vida de animais e plantas. Sucedem-se numa dinâmica que requer períodos mínimos para preparar a passagem do que deve vir depois. Uma metáfora trival para ilustrar do que estamos falando pode ser um pé de milho. A formação e o amadurecimento da espiga demanda necessariamente um espaço de tempo mínmo durante o qual se consolidam sucessivamente as diversas etapas que culminam na formação da espiga, a fecundação, o desenvolvimento dos grãos e seu posterior amadurecimento. Não há como acelerar essa dinâmica sob pena de comprometer o todo, ou simplesmente inviabilizar a sua continuidade. Não há dúvida de que estamos falando de realidades análogas que exigem as devidas reservas na sua aplicação. Mas, de qualquer forma dão uma ideia do que pretendemos ilustar. Com a nacionalização das escolas, com a proibição das línguas que não fossem o português, com a proibição da circulação de jornais, revistas, almanaques, livros e outros meios a realimentação dos valores identidários foi seriamente prejudicada. Com o transtorno causado pela intervenção nas escolas as crianças que concluíram os quatro anos obrigatórios entre 1938 e 1950 e não continuaram os estudos, formaram uma geração de semianalfabetos. O nível cultural das comunidades do interior colonial sofreu um baque difícil de avaliar. Perdeu-se o hábito da leitura por causa da falta do que ler. O alemão estava poibido e o aprendizado precário do português somado a ausência da circulação de publicações nesse idioma, resultou numa geração que mal sabia escrever o nome ou ler e fazer cálculos os mais elementares. 

A esse lamentável choque cultural vieram somar-se as mudanças mundiais profundas resultados da Guerra que recém terminara. Não é aqui  o lugar para uma análise mais profunda do novo quadro geopolítico, geoeconômico, geoestratégico e outras novidades que desenharam o perfil do mundo a partir de 1945. O nosso interesse centra-se no rumo e na celeridade que impulsionou a inserção na nacionalidade brasileira os descendentes dos imigrantes alemães, agora já na quarta, quinta geração. Entre os muitos fatores destacamos aqueles que foram de maior importância. Com a queda do Estado Novo, a deposição de Vargas e a redemocratização do País, os decretos, as leis que proibiram a circulação de livros, jornais, revistas almanaques e outros impressos, foram abolidas. As atividades associativas de natureza cultural, artística, recreativa e destinadas ao lazer puderam ser reativadas e novas foram criadas. Na sua grande maioria deixaram para trás o caráter étnico  adotando a língua portuguesa, sem abandonar  a alemã, e com isso abriram as portas dos quadros dos associados aos luso-brasileiros e demais etnias. Destacaram-se nessse processo, por ex., a Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (SOGIPA), a Sociedade Leopoldina, a Germânia e outras em Porto Alegre, a Sociedade Orpfeu de São Leopoldo e dezenas de outras sociedades e clubes espalhadas pelo sul do Brasil, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e, em menor número, nos demais estados. Entre as novas fundadas depois da Guerra destacou-se a “Federação Cultural Alemã do Brasil” – “FECAB” em Porto Alegre, com o objetivo  do cultivo da Cultura Alemã no Brasil com o mesmo feitio institucional das demais. O convívio e a participação nas atividades esportivas, culturais, artísticas, de lazer e outras, de associados de procedências étnicas variadas, a língua alemã foi perdendo espaço para o português e o intercâmbio de costumes, hábitos, valores, cosmovisões, etc., fez dessas organizações  um importante fator de integração. Até meados do século passado o Brasil figurava entre os países eminentemente rurais. Essa situação foi-se invertendo, ao meu ver, por duas razões básicas: a oferta de empregos dos excedentes da população rural nas mais diversas oportunidades oferecidas pelo rápido crescimento urbano, e paralelamente, o esgotamento das áreas disponíveis para novas fronteiras da tradicional  colonização em pequenas propriedades familiares, no centro oeste de Santa catarina e Paraná. A esses fatores somaram-se outros mais intimamente ligados como causas ou efeitos, ao movimento rural-urbano. As iniciativas para recuperar a escola étnica e confessional não lograram  sensibilizar senão apenas alguns líderes religiosos e comunitários. Todas elas terminaram sob a jurisdição dos municípios e sob a tutela e fiscalização da proposta curricular e pedagógica orientada pelas secretarias estaduais de educação afinadas com as diretrizes do Ministério da Educação. A escola comunitária foi vitimada pelos decretos de nacionalização do  ensino de dezembro de 1938 e varrida das comunidades do interior rural. E é preciso admitir, com a conivência, senão aberto apoio, da maioria dos líderes religiosos, somada ao fato de que a maioria dos colonos apoiavam a situação que os livrava do compromisso com o salário do professor e a manutenção das escolas. Daí para frente  esse ônus coube às prefeituras. Professores e professoras contratadas pelo município desempenhavam sua função evivdentemente valdendo-se do português como língua de ensino. Essa situação fez com que gradativamente  a nova geração fosse servir-se dela, paralelamente com os dialetos  tradicionais que por um bom número de anos continuaram como a língua no diário das famílias e comunidades. Na medida em que as gerações nascidas na primeira metade do século XX, não falando ou falando mal o português, foram saindo de cena, diminui proporcionalmente o número de pessoas que somente falavam e entendiam o alemão e os diversos dialetos praticados no sul  do País. Hoje são raras as pessoas mesmo de idade que, não entendem o português dos netos ou bisnetos que já não falam nem entendem o alemão. 

A popularização do rádio e mais tarde da televisão fez com que os colonos das comunidades mais remotas e isoladas entrassem em contato com o mundo do qual, até então, tinham uma noção vaga, se é que tinham alguma. Seus olhos e mentes transpuseram o topo dos morros que delimitavam seu mundo comunal e tiveram acesso aos acontecimentos que movimentavam a história regional, nacional e internacional. É desnecessário lembrar que a abertura das janelas para o mundo impactou nas picadas do interior colonial com seus valores, hábitos, costumes, virtudes e vícios, até então estranhos para aqueles colonos pacatos e normalmente cultivando um modelo de vida sóbrio e austero. Sem alarde e silenciosamente esse grande mundo foi sendo incorporado no seu quotidiano do que oferecia de bom, de discutível e até de deplorável. Não demorou para que a avalanche das tecnologias de comunicação turbinadas pela revolução eletrônica derrubassem do que sobrara das barrreiras que separavam o rural do urbano quanto ao acessso em tempo real, às informações e acontecimentos de qualquer parte do mundo. 

Como se pode perceber, a partir do final da Segunda Guerra Mundial os tempos mudaram radicalmente afetando em cheio o personagem humano moldado pela pequena propriedade familiar com sua produção direcionada, antes de mais nada, para suprir as demandas da família. A última fronteira de colonização ao modelo consagrado pelos imigrantes alemães, italianos, poloneses e de outras procedências  da Europa, encerrou-se com a ocupação das terras ainda disponíveis no oeste do Paraná. Paralelamente à industrialização tomou fôlego e multiplicou e diversificou as oportunidades e opções de trabalho nos centros urbanos para os excedentes das famílias ainda numerosas no interior colonial. Os meios de comunicação com o acesso ao rádio primeiro e da televisão um pouco mais tarde, impulsionados pela eletrificação também do meio rural, resultaram em dois efeitos complementares. Em primeiro lugar, o agricultor entrou em contato com o que acontecia além das  fronteiras que delimitavam sua comunidade e tomou conhecimento dos avanços da industrialização, da disponibilidade de tecnologias em constante aperfeiçoamento e, de modo especial das oportunidades de trabalho. Aconteceu com isso uma profunda transformação na percepção do mundo pelo agricultor. Costumes, hábitos, valores, todo um estilo de vida de “colono” transformou a cosmovisão dessa gente e moldou-a de acordo com o figurino urbano. Assistimos a uma autêntica urbanização das mentes. As famílias numerosas de 10 ou mais filhos foram dando lugar a casais com dois ou três filhos no máximo. Em segundo lugar, a oferta de oportunidades de trabalho desencadearam uma crescente onda migratória do meio rural para o centros urbanos. Em poucas décadas inverteu-se  a situação do  Brasil de um país predominantemente rural para um país em urbanização acelerada.  Hoje as tecnologias de comunicação permitem aos agricultores conectarem-se com o mundo todo até nos intervalos dos trabalhos na lavoura. Aos filhos dos colonos ofereceram-se mais e mais oportunidadess e facilidades para se formarem no ensino médio e terem acesso ao superior. Com os respectivos certificados e diplomas na mão, o leque de oportunidades de trabalho se multiplicaram absorvendo uma porcentagem importante da mão de obra disponível no meio rural. Inúmeros filhos e filhas de agricultores encontraram trabalho na construção civil, no setor de serviços, no exercício de profissões liberais, no comércio, nas indústrias, no funcionalismo público, nas forças armadas e por aí vai. O processo de urbanização daí resultante exigiu e continua exigindo empenho crescente das administrações públicas responsáveis, no limite de suas competências,  no disciplinamento da formação de sempre novos bairros periféricos. São fundamentais nesse esforço políticas, ações e estratégias centradas no saneamento básico, abastecimento de água potável, mobilidade urbana, escolas e educação, saúde pública e, sobretudo, o acesso aos produtos que formam o complexo de uma alimentação qualitativa e quantitativamente adequada. 

O “trabalho” é um dos pressupostos para a realização integral das pessoas, do “humano no homem” – “die Menschlichkeit”.  É importante refletir sobre essa questão não apenas de forma teórica e abstrata, mas inserida num contexto regional concreto, por ex., o vale do rio dos Sinos, do Cai, do Taquari e outros. Requerem-se propostas tecnicamente elaboradas por equipes devidamente credenciadas e habilitadas para tanto. Depois de nos demorarmos em mostrar a dinâmica da urbanização  impulsionada pela industrialização e seus reflexos sobre a infraestrutura, sobre a revolução social, cultural, econômica, etc., inerente ao próprio fenômeno da passagem da cosmovisão rural para a urbana, um outro complexo de potencialidades da região, chama a atenção. A geomorfologia  dos curso médio e superior do Sinos como dos demais rios que terminam no Guaíba, não permitem monoculturas ao modelo do grande agro negócio. As florestas originais que cobriam as várzeas dos rios e arroios e subiam até as bordas dos Campos de Cima da Serra, deram lugar à pequena propriedade familiar, em torno de 70 hectares no começo. A produção diversificada destinava-se, em primeiro lugar, para o sustento da família. Passados  200 anos depois do desembarque dos primeiros imigrantes, os lotes coloniais foram sucessivamente  repartidos para 10 ou menos hectares. A agricultura familiar e a criação de animais domésticos caminha para a extinção. Em outra ocasião, mais acima, já nos referimos aos efeitos dessa mudança. Nas encostas dos morros onde há 70 anos as roças de milho, feijão, batata, mandioca subiam até onde era possível a prática da agricultura de enxada, foram substituídas e  estão sendo tomadas por uma floresta secundária parecida à original ou reflorestadas com acácia e/ou eucalipto. Por estranho que possa parecer nesse cenário    que vai tomando conta do espaço da  agricultura familiar abrem-se perspectivas para implantar um modelo de produção que encontra na expansão urbana um potencial de consumo em contínuo crescimento. Vai nessa perspectiva que  aponta para a solução tanto da produção de alimentos quanto da abertura de postos de trabalho para os que se sentem atraídos por um estilo de vida e, ao mesmo tempo, por uma realização profissional e pessoal fora da rotina e das opções que oferecem os centros urbanos. Isso vale tanto para os filhos dos agricultores, mesmo que concluam o primeiro ou segundo grau, quanto para àqueles jovens que conquistam títulos universitários. Aliás são mais do que louváveis as escolas de agronomia, veterinária, engenharia florestal e outras que oferecem em seus currículos opções para os alunos se especializarem para atuar e assim melhorar os resultados nesse setor de vital importância para cobrir as demandas do quotidiano dos centros urbanos.

Essas obsersvações aplicam-se por ex., às condições geomorfológicas, geográficas, demográficas, econômicas e demandas de abastecimento em geral, aos  vales dos rios que convergem para a capital e terminam no Guaíba, com acabamos de lembrar. Vale a pena comentar algumas das sugestões mais relevantes deixadas pela equipe de técnicos responsável pelo projeto de “Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. O lugar da tradicional policultura de subsistência pode ser perfeitamente preenchido com a produção de hortaliças e legumes para suprir a demanda em franco crescimento com a expansão urbana. Para tanto há áreas disponíveis com solos adequados em toda a extensão do vale. A configuração topográfica, tipo de solos e variação climática permitem o desenvolvimento da fruticultura de todas as espécies, menos as eminentemente tropicais, sempre bem vindos para o consume local e regional. Nos espaços planos e nas meias encostas os cítricos, pêssegos, figos, uvas de mesa, abacate e outras variedades subtropicais, encontram condições propícias para render bons dividendos para quem os cultivar. Mais para o alto, de 500 metros ou mais podem ser cultivadas peras, maçãs, ameixas, marmelos e outros que exigem temperaturas mais baixas por um bom período do ano. Todas essas áreas oferecem condições favoráveis para pastagens e criação de gado leiteiro. Mas há um outro setor de não pouca importância. Falamos do reflorestamento com espécies de uso diário como acácia e  eucalipto para lenha e tanino a primeira e madeira para a construção e lenha a segunda. Todas essas atividades, praticadas com o uso das modernas tecnologias de manejo oferecem um potencial difícil de dimensionar de mão obra e, portanto, perspectivas de trabalho saudável e retorno garantido para quem se interessar, independente do nível de formação escolar ou acadêmica. A posse do conhecimento teórico e prático da realidade agrária e o emprego da tecnologia abre espaço para técnicos e técnicas formadas em escolas de nível médio e agrônomos e agrônomas, veterinários e veterinárias, portadores de diploma universitário. A combinação do trinômio trabalho-produção-abastecimento com o trinômio natureza-preservação-cultivo temos em mãos o pressuposto para fazer do vale do Sinos e de muitos outros  ecossistemas humanizados altamente produtivos, ecologicamente equilibrados, esteticamente belos.  “Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado, não só para cuidar e guardar o existente, como também para trabalhar nele e cultivá-lo afim de que produza frutos”, observou o Papa Francisco na “Encíclica Laudatdo si”.

Bicentenário da Imigração - 78

A Trajetória da Integração

Os primeiros 100 anos    
Quando me pus a refletir qual seria um tema digno e pertinente para uma ocasião de tanta relevância, isto é o segundo centenário da imigração alemã, vieram-me à lembrança dois momentos decisivos que marcaram a história dos descendentes dos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, dois momentos decisivos em que os teuto-brasileiros foram postas frente a desafios de grandes proporções. Foram obrigados a refletir seriamente sobre o lugar que lhes cabia ocupar na sociedade nacional brasileira. Falo da Primeira Guerra Mundial – 1914-1918 e da Segunda Guerra Mundial – 1939-1945. Nas duas a Alemanha acabou  derrotada, física e moralmente destroçada, economicamente arruinada, socialmente desorganizada e execrada pela opinião pública mundial. O reflexo mais visível dessa situação sobre os descendentes de alemães e, de modo especial, no sul do Brasil, foi a desconfiança e a aberta hostilidade em relação a eles da parte dos demais segmentos étnicos, especialmente dos luso-brasileiros, somado a um profundo golpe na auto-estima.

No contexto dessas duas situações surgiram iniciativas em meio ao grupo teuto-brasileiro do Rio Grande do Sul, com a finalidade comum de recuperar a auto-estima em baixa, mostrar aos concidadãos de outras procedências étnicas, que os descendentes dos imigrantes alemães tem sido elementos úteis no todo da nacionalidade e, que a fidelidade à língua e às tradições em nada comprometia o seu patriotismo. Pelo contrário constituía-se num pressuposto para exercê-lo na sua plenitude. 

Depois da Primeira Guerra Mundial a iniciativa mais importante neste sentido foi da monumental obra organizada e, na sua maior parte  redigida pelo Pe. Theodor Amstad: “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, publicada por ocasião do primeiro centenário da imigração alemã em 1924, pelo “Verband Deutscher Vereine” – “Federação das Associações alemãs”. A versão traduzida para o portugês por mim dessa obra foi publicada em 1999 pela Editora Unisinos.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, com a Alemanha novamente derrotada, destruída e arruinada, o Pe. Balduino Rambo, o Pe. Henrique Pauquet, junto com pastores protestantes, num esforço solidário interconfessional, criaram o “Comitê de Socorro à Europa Faminta” – a “SEF”, com a finalidade de arrecadar alimentos não perecíveis, roupas, agasalhos e valores em dinheiro, para socorrer os  alemães na sua extrema miséria. Reerguida a Alemanha, os mesmos idealizadores da SEF, reuniram-se no dia 25 de julho de 1951, para fundar o “Centro Cultural 25 de Julho” tendo como objetivo “a prática da língua alemã e a contribuição para a preservação e aprimoramento do seus conhecimentos de literatura, técnica profissional e ciências, etc., sem prejuízo do idioma nacional e difundir entre aqueles sócios que não conhecem ou conhecem pouco, de acordo com o critério no “Centro Cultural 25 de Julho”. Por meio do canto  e de outras atividades culturais o “25 de Julho”, transformou-se nos últimos 70 anos num dos grandes responsáveis pela preservação da identidade dos descendentes dos imigrantes de até oitava geração e responsável também pelo sadio orgulho que sentem pelo que foram e pelo que são. As realizações do “25 de Julho”, por serem mais recentes, estão na memória da maioria dos interessados no assunto. Por essa razão vou concentrar-me prioritariamente na situação criada pela Primeira Guerra Mundial, retratadas nas linhas e nas entrelinhas do “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924”.

Coube ao Pe. Amstad organizar e redigir a maior parte do testo desta monumental  publicação oficial em comemoração ao centenário da imigração alemã no Rio Grande do sul. A obra foi encomendada pelo “Verband Deutscher Vereine” e publicada  pela Typographia do Centro em 1924. Trata-se, a meu juízo,  de uma das obras de leitura básica obrigatória para qualquer um que queira familiarizar-se com a história da imigração alemã no Sul do Brasil. Na apresentação aparece um detalhe até certo ponto estranho. Não consta o nome do Pe. Amstad como autor. Sabe-se, entretanto, que foi ele seu organizador e o responsável por mais de oitenta por cento do texto. O restante do texto é da autoria do jornalista Arno Phillipp.

O motivo declarado da obra foi obviamente a comemoração do primeiro centenário da imigração alemã. Mas a começar pela escolha do próprio titulo, sugerem-se  considerações que  extrapolam o sentido comemorativo. Convém lembrar que a data, 1924, coincidiu com um complexo de fatos históricos, sociais, políticos, econômicos e religiosos que se refletem, direta e indiretamente, nas páginas da obra e, de modo especial, no discurso escolhido pelo autor.

A primeira guerra mundial, 1914-1918, obrigara os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil e, especificamente no Rio Grande do Sul, a uma série de reflexões. A aliança do Brasil com os aliados  em guerra contra a Alemanha, fez subir à tona algumas  questões, até então latentes, assumindo proporções que a atmosfera dos grandes conflitos costuma exagerar ao extremo. Na época viviam ainda muitos imigrantes diretamente vindos da Alemanha. Mas a média da população teuta era formada pelos descendentes de primeira, segunda, terceira e até quarta geração. É mais do que compreensível que numa situação dessas a atenção das autoridades e do segmento luso-brasileiro se voltasse com atenção especial para as comunidades de descendência alemã. Os noticiários nacionais e internacionais carregavam  cada vez mais as cores contra a Alemanha e os alemães, terminando por pô-los sob suspeita e confiná-los num incômodo e doloroso isolamento. Passou-se a suspeitar  da autenticidade, da sinceridade e da lealdade das suas intenções como cidadãos. Foram tratados como cidadãos de segunda categoria e vistos como traidores em potencial. Toda essa situação foi alimentada por uma série de fatores que até então haviam causado pouca ou nenhuma preocupação para as autoridades e a opinião pública do País. Entre eles sobressaem alguns com significado especial.

Os descendentes dos imigrantes alemães concentravam-se em regiões exclusivas ou quase exclusivas. Destacavam-se na paisagem do Rio Grande do Sul e Santa Catarina pela sólida organização comunitária, pela laboriosidade, pelo apego às tradições, pela língua, pela alta escolaridade, pelo progresso econômico, pela intensa vida associativa. Davam assim a falsa impressão para muitos  de um enclave étnico renitente à assimilação no todo da nacionalidade brasileira. Entre os que assim pensavam contam-se intelectuais e escritores de renome  como  Moisés Velhino e Darcy Ribeiro. Recomnendo a leitura de “A Capitania d’El-Rei”, do  primeiro e “Os Brasileiros” do segundo. Para muitos essa impressão foi reforçada pelas próprias características físicas desses brasileiros de pele, cabelos  e olhos claros e estatura acima da média nacional. Além disso permaneciam firmemente agarrados  aos valores dos antepassados. Entre todos esses elementos um os estigmatizou de maneira toda especial. Exibiam um alto nível de alfabetização, mais de 90%, quando a média nacional não passava dos 30% a 40%. A resposta estava nas escolas criadas, administradas e controladas pelas comunidades, não só no que dizia respeito ao aspecto gerencial, como também  e, principalmente, quanto ao currículo, à filosofia pedagógica, aos métodos didáticos praticados e aos próprios professores. Acontece que nessas escolas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português constava apenas como matéria curricular. O resultado final deste estado de coisas não podia ser outro. Uma população toda alfabetizada, gozando de um nível cultural significativo, em condições, portanto, de assumir um posicionamento político consciente, fiel às tradições, falando alemão  na família e no relacionamento quotidiano nas comunidades, preocupava os nacionalistas.

Não é de se admirar que essa situação que, até 1914, costumava ser vista com certa estranheza pelos luso-brasileiros, mas tolerada e até aceita como normal, com o evoluir da guerra, assumisse  conotações bem diferentes. Para a tradição luso-brasileira ficava difícil acreditar que essa gente cultivando costumes germânicos, falando mal ou nem sequer falando português, numa situação de guerra contra a sua terra de origem, fosse capaz de colocar a obrigação como cidadãos brasileiros acima de qualquer outro valor. 

As conseqüências não se fizeram esperar. A imprensa em língua alemã foi proibida, clubes e associações fechados e proibida a língua alemã nas escolas. Essas providências sinalizavam aos teuto-brasileiros que, de então para o futuro, as circunstâncias da guerra os levaria a refletir com muita seriedade sobre a compatibilidade de sua condição de cidadãos brasileiros e a preservação da língua e as tradições da sua herança cultural. Os fatos estavam a mostrar-lhes  que o ritmo da inserção definitiva e integral na comunidade nacional, também no que se referia ao aspecto cultural, deveria ser acelerado. Aliás essa sensação motivou na época a tomada de decisões de não poucas lideranças do meio teuto. 

A reação do mundo teuto-brasileiros ao clima hostil em que vivia não foi  uniforme. Lideres das mais diversas procedências partiram para iniciativas com a finalidade de  ir ao encontro do novo panorama que se esboçava. O arcebispo de Porto Alegre, D. João Becker tomou a frente. Apesar de alemão nato impôs aos padres sob sua jurisdição proferirem os sermões em língua portuguesa e as escolas comunitárias a adotá-la como língua de ensino. Considerando a autoridade inconteste na época da autoridade eclesiástica, pode-se imaginar facilmente o impacto que essa determinação causou nas comunidades teuto católicas. A reação do mundo teuto-brasileiro não foi uniforme e assumiu proporções diferentes nas diversas situações. Assim, por ex., a Sociedade Orfeu de São Leopoldo modificou os estatutos alinhando a instituição com os rumos nacionalizadores em curso. Os professores das escolas comunitárias em suas assembléias começaram  uma reflexão insistente sobre os rumos que lhes cabia imprimir à educação das novas gerações a fim de prepará-las  para enfrentar a nova realidade. Reinava a convicção generalizada de que estava chegando ao  final a fase em que os imigrantes e seus descendentes foram deixados em paz nas suas linhas e picadas. Raras vezes alguém lhes punha sob suspeita a sinceridade da sua cidadania, pelo fato de não falarem ou falarem mal o português e se manterem fiéis às tradições. As evidências sinalizavam para um novo capítulo da dinâmica da inserção na comunidade nacional, marcado por prenúncios de grandes turbulências e sérios conflitos com o segmento luso-brasileiro na definição dos rumos do futuro do País. 

Entretanto a guerra terminara com a derrota da Alemanha. Para os teuto-brasileiros orgulhosos da sua origem  e ascendência, este desfecho significou uma imensa frustração. A humilhação da Alemanha somada  à atmosfera de desconfiança e hostilidade em que viviam como cidadãos brasileiros, derrubou-lhes a auto-estima  até um nível critico. Tornara-se urgente que uma iniciativa fosse tomada no sentido de devolver-lhes o orgulho sadio pelo que  eram e pelo que realizavam de útil em favor da região e do País. Essa preocupação perpassa  as seiscentas e cinquenta páginas do “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”. No prefácio da obra o Pe. Amstad expressou claramente esta preocupação. 

“Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul” é o titulo da presente obra comemorativa. Isto significa ao mesmo tempo o fecho da obra realizada aqui pelos alemães, a obra cultural da germanidade na qual colaboraram diversos segmentos. Sem diferença de religião  e de concepções políticas, foram reunidas as pedras para a edificação da obra comum. A todos que colaboraram, um obrigado do fundo do coração! A recompensa  consiste na certeza de terem contribuído para a recuperação da honra da terra dos antepassados, no momento em que ela geme mergulhada na humilhação e na escravidão. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 9)

As comemorações  do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul tiveram, além dos “Cem Anos de Germanidade”, outro momento de afirmação da germanidade. Em São Leopoldo e em Novo Hamburgo foram inaugurados monumentos alusivos ao acontecimento, ao mesmo tempo em que era institucionalizado o “Dia do Colono” fixado para o dia 25 de julho. Todos esses esforços para chamar à consciência o orgulho da germanidade, não tardaria em colidir frontalmente contra:

 O modernismo que desde 1917 iniciara a sua caminhada influenciando as artes e posteriormente a política. Nele se faziam presentes traços nitidamente nacionalistas que rompiam com o romantismo, o parnasianismo e o realismo. Negando ideais e idéias  européias, buscava a independência intelectual do Brasil. Acentuava a política de defesa  do “espírito nacional”, cultivando as tradições  do País e sublinhando o português como língua nacional. Toda essa movimentação queria “abrasileirar o Brasil”. O conceito chave para a época passa ser  “brasilidade”. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 8)

Esse novo rumo teve a sua expressão mais visível na “Semana de Arte Moderna” realizada em São Paulo em 1922, culminando 15 anos mais tarde na Campanha de Nacionalização. O Estado Novo, instalado em 1937, consagraria definitivamente o estado nacional centralizado, acompanhado de evidentes motivações, características e estratégias nacionalistas. Mesmo para o observador menos avisado não passava despercebido  que a heterogeneidade étnica, cultural e lingüística, dificilmente continuariam a ser tolerados. Não restava dúvida de que as autoridades responsáveis pela nova ordem, se valeriam de todos os meios legais e coercitivos para diminuir e, se possível, apagar as diferenças. O prenúncio fez-se realidade logo depois da implantação do Estado Novo. Leis, decretos, portarias, ordens de serviço, etc. escudados pela ação policial, na maioria dos casos draconiana, puseram em marcha um conjunto de instrumentos, com o objetivo de “abrasileirar”, de uma vez por todas, as dezenas de grupos e identidades étnicas, assim chamadas “alienígenas”, estabelecidas dentro das fronteiras nacionais. Na mira estavam em primeiro lugar as escolas étnicas, sobretudo as comunitárias  nas regiões de colonização alemã. Na maioria delas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português figurava apenas como disciplina curricular obrigatória. Em não poucas escolas o aprendizado da língua nacional ou da “língua” como os descendentes de alemães costumavam chamar o Português, encontrava uma série de dificuldades que, na prática, terminavam por torna-lo inócuo. Entre as razões merecem citação: o deficiente preparo de muitos professores para ensiná-lo corretamente e a falta de estímulo para praticar a língua no dia  a dia das pessoas. A comunicação em família e no convívio comunitário continuava sendo quase que exclusivamente nos dialetos herdados dos antepassados. O pouco que fora aprendido na escola cairia no esquecimento com o termino dos quatro anos obrigatórios de freqüência escolar. Considerando essa realidade pode-se afirmar  que nas  comunidades teutas dos estados do Sul do Brasil, a língua aprendida na família, a língua do quotidiano das comunidades, era o dialeto, com uma larga predominância do “Hunsrückisch”, acompanhado das inevitáveis adaptações  impostas pelo meio geográfico e sócio-cultural dos estados do sul. 

“Cem Anos de Germanidade” reflete obviamente também essa realidade. Esforça-se por mostrar aos brasileiros de todas as origens étnicas e principalmente aos luso-brasileiros a contribuição alemã em todos os segmentos da atividade humana, para desfazer qualquer dúvida a respeito da sinceridade do comprometimento dos alemães para com o progresso do País. Não se tratava de uma minoria irredenta, um quisto ou um enclave étnico  como o classificou Darcy Ribeiro, mas brasileiros que empenhavam todas as suas energias e potencialidades em favor da terra em que haviam nascido. Queremos deixar claro que na intenção e na atitude de há muito estavam definitivamente “abrasileirados”. O que faltava  viria ao natural no espaço de algumas  gerações, bastava confiar  a dinâmica do processo à lógica da História. Mas, como se constatou 15 anos mais tarde, exatamente no ano do falecimento do Pe. Amstad, o “abrasileiramento” espontâneo foi atropelado pela política de nacionalização do Estado Novo. 

O conteúdo da obra somado ao discurso escolhido revelam a grande preocupação do seu autor e organizador, que deve ser entendido no macro-contexto acima esboçado.

Resumindo as considerações sobre “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, o leitor tem em mãos uma obra, ou melhor, a obra mais completa sobre a contribuição no Rio Grande do Sul, nos primeiros 100 anos. Para complementar os objetivos acima apontados, a obra brinda o leitor com dados estatísticos que dificilmente poderão ser encontrados em outra obra do gênero. Os 20 anexos  no final da obra valorizam-na em muito, além de sinalizar para pesquisas de dimensões inéditas na história da imigração alemã no estado do Rio Grande do Sul. Com  o “Cem Anos de Germanidade” o Pe. Amstad e demais responsáveis pela obra, legaram à posteridade um magnífico resumo da história política, econômica, social, educacional, religiosa, cultural, do século dezenove e das duas primeiras décadas do século vinte.

E para encerrar permito-me repetir que as palavras finais do prefácio do “Cem Anos de Germanidade” escritas em 1924, continuam atuais e ainda hoje válidos, 100 anos depois e expressam muito bem os sentimentos e as convicções da diretoria e dos associados do “25 de Julho” e dos admiradores da cultura alemã, na data do jubileu de ouro deste benemérito Centro Cultural. 

Parte pois, “Mensageiro do Centenário” do trabalho e das obras alemãs! Leva  antes de mais nada a todos os lares dos colonos a notícia daquilo que os nossos  antepassados realizaram. Acende  nos netos o fogo sagrado da emulação, para que um dia também os seus nomes se perpetuem em obras que enobrecem! Entra também nos majestosos   palácios das cidades, onde quer que more um alemão pois, de mãos dadas, colônia e cidade realizaram a grande obra cultural do século

“Mensageiro do Centenário”, pede discretamente  licença para adentrar também nas moradias dos nossos concidadãos de outras nacionalidades! Não poucos, com certeza, irão reconhecer, sem inveja, os nossos méritos e alegrar-se conosco por aquilo que o empenho e a tenacidade alemãs realizaram no Rio Grande do Sul. “Mensageiro do Centenário”, cruza também os mares do mundo e leva para a velha pátria notícias do trabalho e das aspirações alemãs no distante Brasil. Mostra aos nossos compatriotas de lá, por palavras e imagens, que permanecemos fieis à índole alemã, permanecemos fieis aos bons ensinamentos, aos bons costumes que nossos pais trouxeram da velha pátria e nos transmitiram como o mais precioso dos legados. (cf. Cem anos de gramdnidade, 2005, p. 9-10);