Apresentação
As páginas que seguem oferecem aos interessados uma coletânea de reflexões que me acompanharam no dia a dia da minha trajetória acadêmica de quase 70 anos. Como professor titular emérito de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, a referência das reflexões foi centrada no desvelar e tentar compreender o homem e a humanidade nas suas diversas dimensões. A minha formação acadêmica explica de alguma maneira o objeto das reflexões que seguem e, principalmente, a abordagem interdisciplinar pela qual são apresentadas. Possuo bacharelado em Línguas e Literatura clássicas, bacharelado em Filosofia, Bacharelado em História Natural e Geologia e licenciatura em Teologia. Além disso sou Livre docente em Antropologia e Doutor em Filosofia pela PUCRS e com pós-doutoramento em Antropologia pela Universidade V - René Descartes de Paris. Pode até parecer exibicionismo da minha parte enumerando todos os meus títulos acadêmicos, por isso dou a mão à palmatória. Tenho a impressão, porém, que, a lembrança é importante para justificar tanto os temas escolhidos para as reflexões, quanto a sua forma de apresentação. O “objeto” da Antropologia ocupa-se com estudo do homem. Qualquer pessoa minimamente instruída, inclusive os não letrados intuem que nos deparamos com uma realidade de extrema complexidade. Embora as Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, tenham penetrado fundo em todas dimensões, a natureza humana continua sendo um mistério a desafiar os métodos científicos e os esforços dos especialistas, assim como biólogos, filósofos, teólogos, historiadores, sociólogos, psicólogos, médicos e demais especialidades direta ou indiretamente interessadas em procurar respostas para a natureza ontológica do homem.
Parece que a complexidade do desafio já foi definido pela filosofia antiga ao resumi-lo na conhecida formulação: a espécie humana existe como os minerais, existe e vegeta como os vegetais, existe e vegeta e sente como os animais, existe, vegeta e sente, tem consciência, sabe e conhece como os animais, porém, distancia-se e coloca-se num patamar acima e além dos demais, pela Inteligência Reflexa ou, em outras palavras pela capacidade de Refletir. Ainda em outras palavras. A espécie humana está inserida existencialmente na litosfera, na biosfera, na atmosfera, mas, pela inteligência reflexa distancia-se das demais espécies dando origem à Noosfera. O nível de conhecimento que hoje temos do mundo animal, mais especificamente das categorias taxonômicas mais evoluídas, autoriza atribuir a elas alguma forma de consciência e inteligência. Por isso mesmo que os animais embora tenham inteligência e consciência do que está acontecendo em sua volta, falta-lhes um atributo exclusivamente humano que, resumido, pode ser conceituado da seguinte forma: O animal sabe e tem consciência do que está acontecendo em seu derredor, o homem além de saber e ter consciência, pela capacidade reflexiva, é capaz de entender o “porque” do seu saber.
Sobre esse panorama como fundo, decidi-me a colocar no papel uma série de reflexões que ocuparam não poucos momentos, para não dizer incontáveis horas dos 60 anos dedicados ao fascinante campo da Antropologia, a ciência que tem como objeto formal o Homem nas suas diversas dimensões como espécie biológica, isto é, “nascido da terra” e que lhe confere as características de uma espécie taxonômica como todas demais e lhe oferece os meios de sobrevivência e perpetuação biológica. Em sendo assim, consolida-se uma autêntica simbiose entre a alma humana e o meio geográfico em que constrói suas culturas e dimensiona e direciona as peculiaridades da história de cada povo.
Os textos que seguem não são apresentados no formato de um livro convencional com os capítulos organicamente alinhados. Vem no formato de “Reflexões avulsas”, mas, com o objetivo subliminar de chamar a atenção que a plenitude do conhecimento do homem envolve uma complexidade e uma multiplicidade de abordagens que se complementam em busca da verdade: donde vem, porque está aqui e qual o sentido, qual a razão da sua existência e qual é seu destino final. As respostas para essas interrogações são possíveis sob a condição de todas as áreas do conhecimento se darem as mãos, intercambiarem resultados e, num esforço interdisciplinar sincero e isento, avaliarem os resultados produzidos pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. Uma das reflexões que seguem leva o título que resume em quatro palavras o tamanho do desafio: “Doctrina multiplex, Veritas una” ou “As Doutrinas são muitas, a Verdade uma só”.