Georg Anton von Schäfer
Tradução, apresentação, notas e edição de Arthur Bl. Rambo
Editora UFSM
A versão em português do livro do major Georg Anton von Schäfer vem ao público 183 depois da sua edição em alemão, em Altona, Alemanha, em 1824. Trata-se provavelmente de uma obra desconhecida pela grande maioria dos historiadores. Entre outras razões permito-me apontar as seguintes. A obra foi publicada em alemão e holandês e sua circulação não parece ter sido de grande abrangência. Na apresentação da obra não consta o número de exemplares impressos e, de mais a mais, só se conhece uma única edição. Um segundo fator de não pouca importância é de que foi escrita por um autor que não consta no rol dos obrigatoriamente citados como referência para os anos que antecederam imediatamente a independência, a própria independência e os começos do Império do Brasil. Um terceiro motivo relaciona-se com o reduzido número de exemplares localizados pelo mundo afora. Da edição alemã, salvo melhores informações, um encontra-se no Instituto Ibero-americano de Berlim, um segundo no Institut für Auslandsbeziehungen (IFA) de Stuttgart, um na British Library, um em Berna, um na Dinamarca, um em Hessen, um na BSW da Alemanha, um na USP, um na Biblioteca Nacional e um na Biblioteca da Unisinos. Uma edição em holandês encontra-se na universidade de Lovaina. Outros exemplares que, por ventura, existam pelo mundo afora não foram localizados numa pesquisa pela internet.
A obra de Schäfer tem como pano de fundo um período relativamente curto da História do Brasil. Se, porém, de um lado cobre poucos anos, 1818-1823, de outro retrata um Brasil que supera a condição de colônia de Portugal para tornar-se um império independente. Não se requerem grandes provas que uma transformação de tamanho alcance viesse acompanhado de tensões de todos os tipos oriundos de todos os planos, tanto públicos quanto privados. Na medida em que o desfecho da independência se avizinhava e se tornava inevitável, os ressentimentos, os descontentamentos, as manifestações de revolta contra os colonizadores assumiam proporções de rebelião. Do lado de Portugal e dos portugueses, recorria-se a todos os meios, também à violência, para impedir o inevitável. E, pode-se afirmar que a tutela se deu no mais autêntico estilo colonial. Valendo-se de leis, dispositivos e regulamentos específicos, Portugal submeteu a colônia a um regime de exploração predatória dos seus recursos naturais. As riquezas minerais como ouro, prata, diamantes, principalmente, alimentavam o erário. Madeiras e outras essências vegetais abasteciam os mercados de Portugal que, por sua vez, os negociava com exclusividade com os demais mercados da Europa. Paralelamente à falta de autonomia política e os entraves interpostos ao livre comércio, bloqueavam qualquer veleidade de usufruir as próprias riquezas. Embora a situação tivesse melhorado sensivelmente após a vinda da família real, a abertura dos portos e a elevação do Brasil colônia à condição de Reino Unido, ao começar a década de 1820, as cortes de Lisboa tramavam uma autêntica recolonização do Brasil, com todas características anteriores a 1808.
A obra que ora apresentamos mostra um Georg Schäfer bastante diferente daquele que é normalmente pintado pelos relatos sobre a imigração alemã no Brasil. O Schäfer agenciador de imigrantes, pouco escrupuloso nos métodos e por vezes rotulado como “mercador de almas”, aventureiro e aproveitador de situações favoráveis, aparece aqui numa perspectiva bastante diferente e bem mais favorável. Não que as acusações que lhe são feitas não tenham fundamento. O que acontece que nas linhas e entrelinhas de “O Brasil como Império independente, ele se revela como um homem viajado, culto, dotado de grande interesse pelas coisas que observa, tanto nas suas viagens internacionais como naquelas realizadas para o Brasil. E a atenção não fica restrita a um ou outro aspecto. Ao seu agudo espírito de observação não escapa nada, tudo merece a sua atenção, seus comentários e suas apreciações. Viajou pelo mundo e pelo Brasil de olhos abertos tanto para a história, quanto para a política, as características sociais, culturais e religiosas e, de modo especial, para a geografia, para as riquezas minerais, recursos vegetais, animais, vias e modalidades de transporte, potencialidades econômicas, sem deixar de lado considerações sobre possibilidades de imigração não lusa para as regiões pouco ou nada povoados do país. Na sua obra Schäfer dedicou o capítulo 13 relativamente curto à questão da imigração. Resume-se em apontar condições prévias para uma imigração bem-sucedida além de pontos importantes a que os candidatos à imigração deveriam prestar atenção. Entende-se pois, o livro foi escrito antes de começar o fluxo migratório para o sul do país. As tentativas até então feitas resumiam-se a três assentamentos de alemães na Bahia: A Colônia Leopoldina, A Colônia de São Jorge de Ilhéus e Frankental.
Depois de sua terceira viagem ao Brasil Schäfer decidiu radicar-se definitivamente no país. Foi incorporado na guarda pessoal do Príncipe Regente e, depois da independência do Imperador D. Pedro I. Dessa posição privilegiada, acompanhou de perto todos os acontecimentos que antecederam, envolveram e seguiram imediatamente o decisivo momento histórico para o Brasil. Compreende-se que, devido à sua posição na guarda palaciana, aproveitasse todas as oportunidades e facilidades proporcionadas pela proximidade com a Imperatriz Leopoldina e D. Pedro e não se referir aos deslizes aventuras extraconjugais do monarca. É indiscutível também que tal testemunho ocular e o envolvimento direto no cotidiano da família imperial, comprometem de alguma forma a objetividade. É inevitável que não se tome partido e paixões do momento se imponham, aparecendo mais nas entrelinhas do que propriamente nas linhas do autor. No caso do major Schäfer, esse lado da questão assume proporções e características peculiares. Na condição de oficial da guarda da Corte Imperial, passava as 24 do dia na proximidade imediata da vida palaciana, para não dizer da intimidade da família imperial. Entende-se, assim, a preocupação do autor em mostrar aos leitores uma imagem idealizada do casal imperial, dos filhos e da rotina diária da Corte e silenciar sobre as sombras que obviamente havia.
Para concluir. O que importa é que “O Brasil como Império “Independente” retrata as impressões de uma testemunha presencial dos acontecimentos que envolveram o Brasil no momento do nascedouro como um país independente. As informações nele contidas saíram da pena de um homem, dono de conhecimentos gerais de alto nível para a época, além de muitos dados e informações dificilmente encontráveis em outra parte. Suas avaliações e seus juízos de valor devem ser vistos, tomando como pano de fundo, o seu envolvimento pessoal nos acontecimentos dos quais trata a obra.