A Natureza como Síntese - 70

Todos os sábios que analisamos até aqui declaram, de uma forma ou outra, sua perplexidade frente a essa constatação inequívoca e se perguntam: Como se deu a travessia do “Rubicão” que traça a linha de fronteira entre o instintivo e o racional. Como todos eles com maior ou menor convicção defendem a evolução natural como mecanismo responsável pelas mudanças, adaptações e novidades que surgiram e surgem ainda hoje  em a natureza, tentaram explicar o que é possível explicar pelos genes capazes de reagir com mutações em contato com o ambiente em contínua transformação. Não é aqui novamente o lugar para discutir a mais diversas soluções que foram apresentadas pelos diferentes autores. Uma outra prerrogativa privativa da espécie humana pelos menos tão intrigante quanto a capacidade de refletir é a Lei Moral inata ao homem. Esse enigmático instrumento que se manifesta em todas as pessoas e que, desde muito cedo na infância faz com que a criança comece a distinguir entre o certo e o errado. A explicação, via evolução natural da Inteligência Racional e da Lei Moral representam um desafio até agora não superado pelos cientistas de fato sérios e confiáveis. Também não é aqui o lugar  para aprofundar essa questão.

As considerações que  acabamos de fazer, podem até parecer um desvio desnecessário ao foco central em torno do qual giram as reflexões, isto é, “A Natureza como  Síntese”. Entretanto, elas fazem todo o sentido nesse contexto na medida em que apontam nessa direção. 

A  partir do ponto de vista de que  todas as espécies vivas, incluindo o homem, são o resultado da evolução global da vida na terá, alguns aspectos dessa gênese dessa história sugerem um aprofundamento da reflexão que desenvolvemos  até aqui. O primeiro fato é a evidência de que a vida na terra tem  o seu ponto de partida nas “arqueobactérias”, formas primitivas e relativamente simples que marcam a transição entre o orgânico não  vivo e o propriamente vivo. Pelos dados fornecidos pelos métodos de datação da cronologia terrestre disponíveis, os vestígios de vida mais remotos são encontrados em formações rochosas que datam de cerca de  3,5 bilhões de anos. Trata-se de diferentes formas de micróbios, os quais, presume-se, que eram dotados da capacidade de armazenar informações, quem sabe pelo DNA. Auto-reproduziam-se além de dotadas de um potencial indefinido de evoluir para inúmeras formas de vida. Dessas formas de vida é legítimo concluir que, pelos mecanismos e leis da evolução, descendem todas as espécies de seres vivos que compõem atualmente a biosfera. Pelo que a evolução tem a apresentar como responsável por essa fantástica ascensão do simples lá no começo ao extremo da complexidade de hoje, desde  então até o estágio atual da natureza viva, não houve rupturas, não se percebem “lacunas” que não sejam explicáveis pela ciência, até a chegada do homem. A dinâmica evolutiva é continua e ininterrupta e caracteriza-se pela complexificação ascendente e pela capacidade inesgotável de produzir novas espécies e descartar ao longo dessa trajetória aquelas que as mutações em combinação com as alterações do meio ambiente, tornam menos competitivas. O que de momento interessa nesse processo é a complexificação. que, aliás, representa um dos conceitos-chave sobre os quais  Teilhard de Chardin apoia a sua grandiosa síntese do universo e da natureza. Para ele a complexificação ascendente permite uma manifestação cada vez mais explicita da consciência. Presente rudimentarmente nas formas mais arcaicas de vida ela vai aflorando na medida em que as formas de vida se complexificam, até o refinamento extremo nas formas mais evoluídas, orientando os instintos que garantem segurança e competitividade.

No topo dessa complexidade  anatômica e fisiológica, somada à plena tomada de consciência do mundo que o rodeia, situa-se o homem. Até aqui tudo muito certo e muito lógico. Um senão, porém, vem a essa altura complicar a lisura dessa história. O homem tem tudo perfeitamente igual ao mundo animal, inclusive seu instintos, consciência, inteligência e conhecimento daquilo que o cerca. Acontece entretanto que ele ocupa uma posição, não mínimo singular, senão qualitativamente diferente, pela inteligência reflexa com a qual é capaz de avaliar os objetos que encontra, as realidades com se defronta, as situações em que é obrigado a movimentar-se. A isso soma-se a lei moral que confere a capacidade única de avaliar os seus atos e os dos seus semelhante,  distinguindo entre o certo e o errado, livre para optar por caminhos alternativos, inclusive equivocados ou de auto destruição. Dessa forma o ser humano dispõe de liberdade  de opção e  e da tomada de  decisões alternativas. E onde há liberdade de escolha, onde, portanto, há possibilidades, há esperança e onde há esperança a realização plena é possível, “o bem como tal” é possível, conforme racionou o filósofo da esperança, Ernst Bloch.

Essas reflexão até pode parecer um desvio estranho no caminho que estamos seguindo. Salvo melhor juízo, não é. Serviu para mostrar como a espécie humana ocupa definitivamente o topo da ascensão biológica. Mais. Ela parece ter atingido o limite das possibilidades puramente genético-evolutivas para avançar mais. O fato é que essa base constitui-se na condição sem a qual  a inteligência  reflexa e demais características superiores exclusivas da espécie humana, se possam manifestar. Em outras palavras. A natureza biológica específica do homem, fruto do processo biológico da evolução, desenvolveu os instrumentos por meio dos quais, ele é capaz de ativar a sua capacidade racional, de articular sons numa escala inexistente  entre as espécies animais e fazer valer as exigências da Lei Moral. Mal comparando a evolução genético-biológica põem à disposição os instrumentos que permitem ao homem executar suas sinfonias, expressar por mil modalidades de linguagens o seu universo cultural e intercambiá-lo com seus semelhantes, fixá-lo nas mais diversas formas de escrita, transmiti-lo às novas gerações. Em outras palavras novamente a evolução preparou as cordas vocais como instrumentos da fala, não porém, “o que”  é para ser transmitido. Preparou o violino mas não as melodias que o virtuose é capaz de estrair dele. O especialista em linguagem Daniel Everett lançou um livro com significativo título: “Language a Tool of Culture” – “A Linguagem uma Ferramenta  da Cultura”, no qual defende uma posição muito próxima para a linguagem, daquela de Dobzhansky. 

Da mesma forma como os genes determinam nossa capacidade de falar, não o que dizemos, os princípios éticos que aceitamos não provêm da nossa herança biológica, senão pela cultural. A evolução biológica do homem previu a base orgânica para sua evolução cultural. Por servir como base do progresso cultural ela não deve ser apenas preservada nos limites do possível, senão também aperfeiçoada e valorizada. A planificação da evolução humana, incluindo a biológica, a biologia deve ser direcionada para a perspectiva  da herança espiritual e cultural do homem. Neste contexto inclui-se a religião, a filosofia, a arte e o conjunto do conhecimento e experiência acumulado pela humanidade. (Dobzhnsky, 1969,  p. 177)

Essas informações de Dobzhansky somadas às muitas outras que encontramos no decorrer dessas reflexões, subsidiam, cada uma à sua maneira, a tese de que a Natureza constitui-se numa monumental síntese. Na perspectiva sistêmica ou organísmica de Ludwig von Bertalanffy , na compreensão de Teilhard de Chardin e de Balduino Rambo, o universo, a natureza e todas formas de vida nela encontráveis, extintas ou não, são o resultado dessa síntese, formando por assim dizer um “super-sistema”. E o próprio conceito de sistema ou organismo afirmam implicitamente que os sub-sistemas que compõem o todo são, por sua vez e à sua maneira, resultado de uma síntese. Edward Wilson, pesquisando formigas e outros insetos e observando ecossistemas naturais e humanizados chegou à conclusão de que a Natureza é um Fato objetivo”, isto é, resultado de uma síntese. Francis Collins estudando as características do genoma humano como sendo o  responsável por um surpreendente parentesco biológico entre todas as formas de vida, desde as mais rudimentares até as mais evoluídas, incluindo o homem, formulou o conceito de “BioLogos”  para fazer entender como, a partir dos dados da genética,  resultou a síntese de que nos estamos ocupando.

Mas há um outro aspecto paralelo a essa linha de interpretar a natureza que, embora controversa entre os que se ocupam com essa temática que não pode se desprezada, apresentada  por Collins e que pode ser percebida nas entre linhas dos demais. Referimo-nos as diversas interpretações de como a evolução preparou o caminho para possibilitar o surgimento do homem. Foi apresentada na sua forma extrema pela teoria “antrópica”, pela qual a natureza existe em função do homem, preparando o terreno para tal  e as condições para se desenvolver biológica e culturalmente objeto dos comentários de Collins (cf. A Linguagem de Deus, p.). Implícita nessa maneira de interpretar o acontecer da história da vida, teve como finalidade o homem, o que significa que foi orientado por uma teleologia.

Dobzhansky concluiu seu livro sobre a “Hereditariedade e Natureza do Homem” com uma reflexão que faz todo o sentido para aqueles que se preocupam  com a saúde do nosso planeta, a nossa morada, a nossa pátria, a nossa querência ou a “nossa mãe e pátria”.

A evolução levou o homem a uma encruzilhada da qual não há escapatória e não permite voltar atrás. Nosso passado animal ficou irremediavelmente perdido. Nem querendo não é possível retornar a ele. Está em questão de um lado o ocaso cultural e biológico e, do outro, uma progressiva adaptação da cultura ao lastro hereditário dos genes e suas mutações e, do outro a cultura induzindo as mutações nos  genes. Vem aqui  ao caso a metáfora de Nietzsche que imagina a humanidade equilibrando-se sobre uma corda estendida sobre um  abismo. Na primeira alternativa a humanidade não chega na outra borda do precipício. Cai no abismo antes de a alcançar. Na segunda o condicionamento recíproco entre os genes e a cultura, garante, apesar dos pesares, alcançar  a outra margem. Está nas mãos do homem escolher a alternativa certa para que a travessia ocorra sem um catástrofe definitiva e irreversível. Uma postura otimista permite acreditar que a espécie humana não se precipite no abismo. Já que a nossa época é caracterizada por muitos como a idade da ansiedade é preciso contrapor-lhe uma boa dose de otimismo. Dobzhansky declara-se otimista embora a ansiedade domine uma alta porcentagem das pessoas. Seu otimismo provem da convicção de que a natureza e o homem são frutos da evolução e a humanidade junto com a natureza continuarão evoluindo indefinidamente para o futuro. Olhando em nosso derredor constatamos que existe um enorme volume de fealdades, temperadas por não menos belezas; há muita coisa boa acontecendo, como também muito coisa abominável. O que deve prevalecer não é o pessimismo destruidor mas o otimismo e consequentemente a esperança criadora. O mundo não foi criado de forma estática por uma única ação criadora, A criação não é um ato isolado mas um processo, cujo êxito não pode ser garantido pela evolução. Entretanto, o homem tem todas as condições de lutar para que o processo não termine num beco sem saída. Na última frase do seu livro, Dobzhansky conclui sua reflexão: “Sem dúvida o homem está de posse das ferramentas para assegurar êxito e essa é uma batalha que confere significado e dignidade à vida humana individual e coletiva. Permita-me repetir, a evolução confere esperança”. (Dobzhansky, 1969,  p. 178).

A Natureza como Síntese - 69

Dito isso analisemos com mais detalhes o que Dozhansky propõe no último capítulo do seu livro: “Para onde vai a Humanidade?”, em relação à síntese que é tema central das reflexões que vimos fazendo até aqui. Nele o autor nos  brinda  com elementos preciosos para fundamentar a tese de que a natureza e, como personagem principal a espécie humana, formam uma “Grande Síntese”. Na sua compreensão o polo de convergência da natureza e por isso mesmo de todo o esforço da ciência, devem ter a compreensão do homem  como objetivo maior. É sua a reflexão.

A ciência deve ser antropocêntrica, o que quer dizer ter o homem como referência. Algumas vezes define-se a ciência básica, fundamental e teórica, como método para compreender o mundo. A ciência prática ou a tecnologia é um método para transformar o mundo em função da vontade e das aspirações do homem. É perfeitamente razoável que o conhecimento do mundo seja útil, melhor indispensável, para determinar quais as mudanças serem efetuadas, como fazê-las, para que beneficiem a humanidade. Não há dúvida de que a inter-relação e a ciência básica deve ser interpretada de modo amplo. O conhecimento das partículas subatômicas, dos átomos e das moléculas, organismos inferiores e superiores, das montanhas e oceanos, dos planetas, sóis e galáxias, ajuda ao ser humano no seu esforço de compreender-se a si mesmo e sua lugar no universo.

Quem é o homem, donde vem e para onde vais? É questionável que  a ciência por si só esteja em condições de  responder definitivamente essas interrogações; certamente as melhores inteligências seriam impotentes  diante delas sem dispor de conhecimentos científicos. (Dobzhansky, 1969, p. 150)

A essa reflexão o autor acrescentou os versos do poeta Omar Khayyam que viveu há oito séculos passados, condensando em poucas palavras a mesma problemática: “Chegamos a este mundo sem saber porque; Nem de onde, queiras ou não, como a água que flui; e partimos dele como o vento do deserto, para onde não sei, queiras ou não”. (idem, º. 151). Ao poeta soma a opinião do filósofo, Nietzsche. “O ser humano é uma corda estendida entre os animais  e o super-homem, uma corda estendida sobre um abismo. (idem, p. 151). Não consta que Darwin, assim como muitos outros cientistas, a maioria presumivelmente, não conheceram  Omar Khayyam, muito menos inspiraram-se em seus versos. O fato é que a ciência e os cientistas estão direta ou indiretamente comprometidos em achar respostas para as perguntas formuladas pelo poeta. Sem dúvida progrediu-se muito neste sentido nos últimos dois séculos. Nos laboratórios, nas pesquisas de campo observando o acontecer da natureza na sua prodigiosa complexidade, abriram milhares de caminhos e trilhas, sonhando em contribuir para dar sempre mais respostas parciais, convergindo para uma que seja a final e a conclusiva. 

Dobzhansky demora-se em explorar a riqueza de sentido da metáfora de Nietzsche. O homem como espécie biológica ainda não concluiu a evolução. Já venceu uma boa parte da sua travessia por cima do abismo. Será que logrará chegar são e salvo na  outra margem, ou seu destino é precipitar-se do alto e terminar com sua história truncada no meio do caminho. Na verdade três são os desfechos possíveis. Ou a evolução termina no super-homem de Nietzsche; ou uma hecatombe nuclear ou vinda de fora, do universo, rompe a corda e a humanidade termina no fundo do abismo; ou a evolução encontra condições para continuar sua marcha até esgotar todo o seu potencial e a biosfera e com ela a espécie humana,  se apagam  como uma vela que esgotou a cera que a alimenta. Não faz sentido apostar em um desses desfechos pois, em última análise não interfere na essência da natureza humana. O próprio super-homem de Nietzsche não seria uma nova espécie humana, mas um novo patamar previsto e efetuado pelo curso normal da evolução.

Depois dessas considerações, Dobzhabsky demora-se em insistir que a espécie humana, apesar dos pesares, não deixa de ser um fenômeno único, Leitmotiv da sinfonia que confere sentido e razão de ser à harmonia da natureza; que  a cultura não se transmite pelas células sexuais e portanto, não pelos genes, mas é individualmente adquirida por cada pessoa, pela convivência com pais, irmãos, vizinhos, seu entorno social, a tradição oral  e escrita ou perpetuada de qualquer outra forma; que a fase decisiva na transmissão da cultura é na infância e, num sentido mais amplo, a socialização começa no nascimento e estende-se até a morte; que a transmissão da cultura acontece independente da identidade étnica e por isso somos todos, de alguma maneira herdeiros tanto dos personagens proeminentes da história, quanto dos anônimos protagonistas  das conquistas culturais desde o remoto paleolítico, até hoje; que a cultura evolui e continua evoluindo como os genes, porém, acionada não por mecanismos biológicos, mas por mecanismos e leis próprias. A evolução biológica e a evolução cultural são fenômenos análogos e não homólogos, por isso mesmo um não é passível de redução no outro. Esse reducionismo espalhou uma grande confusão entre cientistas, historiadores, sociólogos e políticos, Transformada em ideologia política serviu de base para desqualificar  raças supostamente inferiores geneticamente e por isso incapazes de ascender em direção ao “super-homem” imaginado por Nietzsche. O exemplo em cultura pura foi o nacional socialismo que elegeu a “raça ariana” como a predestinada a realizar essas façanha e desqualificar todas as demais como inferiores e merecedoras  de extermínio. De qualquer forma essa confusão reina em grau mais ou menos acentuado onde quer que se pratica a  discriminação  motivada pelo argumento “raça”. Essa confusão é universal no tempo e no espaço. Onde  quer que tenham vivido raças humanas de cores, estatura e compleição física diferentes, o racismo esteve e está de alguma forma presente. Segundo essa concepção a evolução biológica e a evolução cultural estariam condicionadas à mutação dos genes. Seria, portanto, um processo homólogo e reducionista em que a cultura na sua essência é o resultado do DNA como a cor da pele ou as papilas dos dedos. O autor exemplifica a questão com os avanços espetaculares verificados nos últimos séculos em todos os setores da atividade humana e chama a atenção ao fato de  “que milhões de trabalhadores que na atualidade manejam complicadas máquinas são filhos  e netos de camponeses e lavradores que apenas sabiam cultivar a terra. Para essa mudança certamente não foi necessário esperar a mutações genéticas para transformar  camponeses em engenheiros.  (Dobzhansky, 1969, p. 154). 

A posição oposta à que prega o determinismo genético afirma que a identidade genética da humanidade é de tal ordem que não deve ser tomada em consideração quando o assunto é cultura, relacionamento social, político e procedimentos econômicos. Justifica-se  pela reação normal de que um extremo provoca reações extremas opostas. Novamente a saída defendida pelo autor, segue um caminho intermediário assim descrito por ele. 

Não há dúvida que a capacidade da espécie humana não surgiu repentinamente em algum remoto antepassado nosso: pelo contrário, deve ter evoluído gradualmente. Tão pouco essa capacidade é constante; varia de tempos em tempos e de individuo para indivíduo. Os genes humanos permitem que o homem adquira uma cultura com maior ou menor facilidade, mas a diferença do que os racistas sustentam, os genes não determinam o tipo de cultura de que se apropria, da mesma maneira que os genes permitem que o homem fale, mas não permitem o que ele fala. A continuidade e o desenvolvimento da cultura somente é possível na medida em que preserve e aperfeiçoe sua base genética. (Dobzhansky, 1969,  p, 155).

Continuando, Dobzansky defende com argumentos vindos da genética de que o homem é descendente de um ancestral comum como os símios antropoides. Defende o pensamento absolutamente dominante de que foram as mutações genéticas que o tornaram talvez o mais competitivo e o mais bem sucedido de todas espécies de mamíferos. “Fazem milhões de anos, nossos antepassados eram animais pouco numerosos e inconspícuos que aparentemente viviam na África; atualmente o homem é um verdadeiro cosmopolita, que vive em todas as partes do mundo” (Dozhansky, idem, p. 157). Pelo que é legítimo concluir das afirmações do autor até aqui, as mutações  que ocorreram na espécie humana no decorrer de sua gênese, fizeram com que se transformasse numa das mais bem adaptadas pela versatilidade que seu genoma lhe proporciona.  Salvo melhor juízo penso que aqui escapou ao ilustre geneticista um detalhe que não parece de pouca importância. Observando bem a estrutura anatômica ficam visíveis algumas características que colocam o homem em situação de inferioridade aos animais,  tomando em consideração a   competição seletiva ao nível instintivo. Observando as mãos sob os aspecto anatômico elas não oferecem especialização às vezes levada quase a exagero nos animais. Isso  faz com que não sirvam para nada em termos de execução de uma tarefa qualquer, como por ex., as garras de um tamanduá ou tatu, o casco de um cavalo, os dentes caninos de leão ou os  dentes de um roedor. Acontece que as mãos, os pés, os dente e outros recursos anatômicos do homem são capazes de dar conta de todas essas tarefas, porém, com uma eficiência muito menor do que seus competidores na natureza. As mãos servem para cavar, mas cavam mal, servem para agarrar, mas agarram mal, servem para esmurrar, mas esmurram mal. Aos dentes caninos cabem apenas funções complementares  e  sua utilidade não passa muito além do completar a arcada dentária. Assim poderíamos analisar outros detalhes da anatomia humana comparando-os com os dos animais. Pelo fato, porém, de as mãos, por assim dizer não servirem para nenhuma função especializada, a serviço da inteligência racional transformam-se num instrumento de multi-utilidade a extremos de refinamento improvável no mundo animal. Para ilustrar basta observar o que um violinista é capaz de exigir dos dedos para extrair do instrumento  vibrações nos limites do impossível. Ainda mais o manuseio correto e eficiente da parafernália da informática indispensável para tocar para frente a civilização de hoje, é impensável sem incrível versatilidade das mãos. Considerando bem a evolução anatômica tornou a espécie humana uma das menos competitivas entre seus pares no mundo animal. Entregue somente a seu potencial físico-anatômico a espécie humana quem sabe já teria sido varrido do planeta ou reduzida a uma existência sem brilho. O que então faz com ela é provavelmente a única espécie entre os mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes, em franca expansão? A resposta vem de uma característica exclusiva da espécie humana: a Inteligência Reflexa. Para entender mais facilmente por que a inteligência reflexa confere tamanha vantagem competitiva, já os antigos gregos parecem ter encontrado uma resposta que satisfaz até hoje. Para eles, a natureza foi estruturada sobre níveis de complexidade ascendentes, ou seja: os minerais existem, os vegetais existem e vegetam, os animais existem, vegetam e sentem, o homem existe, vegeta, sente e raciocina. A capacidade do raciocínio, se preferirmos, da inteligência reflexa, faz a diferença. De um lado a espécie humana tem as suas raízes  como espécie existencialmente mergulhadas no reino vegetal e no reino animal. Como as  plantas e animais sua existência biológica é comandada pelas mesmas leis gerais da biologia. Vegeta como a plantas, sente, tem consciência, memória e inteligência como os animais, principalmente os mamíferos que lhe são taxonomicamente mais próximos. Supera entretanto, esses níveis pela inteligência reflexa, pela capacidade de raciocinar. Em outras palavras. Um cachorro ou um macaco sabem coisas, mas o homem é o único a saber o “porque” do seu saber. Os animais morrem mas o homem é o único que sabe que vai morrer. Essa capacidade de tomar consciência de uma situação ou de um fato, observá-lo, interpretá-lo, encontrar soluções alternativas para lidar com ele, escolher o caminho que parece o mais acertado para solucionar desafios, são todas operações mentais que só se observam no comportamento do homem e dependem de raciocínio, de inteligência reflexa. É nessa prerrogativa que deve ser buscada a enorme vantagem competitiva para a sobrevivência, sobre os demais seres vivos que com ele disputam o espaço e os meios de sobrevivência. O próprio Dobzhansky resumiu  essa superioridade em competir ao observar que o mais notável é que tantos outros organismos impõem-se ao meio ambiente mudando os genes, o ser humano o faz geralmente modificando a cultura, adquirida e transmitida por aprendizado. Com efeito numerosas espécies de animais adaptaram-se a climas frios desenvolvendo espessas proteções de lã ou pelos, hibernando durante o período de frio; o homem dominou o frio acendendo um fogo e confeccionando vestimentas para abrigar-se. A adaptação por meio da cultura é muitíssimo mais rápida e eficiente do que a adaptação genética; uma nova ideia ou acontecimento, criado por uma só pessoa, pode converter-se em patrimônio da humanidade num espaço de tempo relativamente curto. (Dobzhansky, 1969,  p. 157)

A Natureza como Síntese - 68

A visão sintética da natureza de Dobzhansky a partir da genética.  O que é legítimo concluir do que se acaba de comenta? Dobzhansky apresenta uma resposta a partir de sua especialidades de geneticista, válida na sua essência para cientistas em qualquer uma das áreas da Ciências Naturais. Ao apresentar o livro “A Herança e a Natureza Humana” a bases que nos servirá de guia para as reflexões que seguem, chama a atenção ao fato de que a obra é fruto da série “Holiday Science Lectures”, patrocinada pela Sociedade Americana para o Progresso da Ciência em 1963 e  1964. O objetivo da série de estudos e reflexões foi assim resumido: “ampliar os horizontes científicos do público, e compartilhar com ele uma parte da emoção e inspiração do esforço científico.

Dos numerosos avanços da ciência, a ciência da hereditariedade, é um dos mais impressionantes. Evidentemente a genética não inventou uma nova superbomba, nem consegue competir com a sensação romântica oferecida pelas viagens interplanetárias. O interesse e a importância da genética são definidos por outras razões. Há mais de dois milênios os sábios gregos descobriram que “o conhecer-se a si mesmo”, é base de toda a sabedoria. Talvez a principal finalidade da genética, da biologia e da ciência em geral – ou pelo menos um deles  -  consiste  em ajudar o homem a compreender-se a si mesmo e tomar consciência do seu lugar no universo.

Por meio deste livro não se pretende cobrir o campo todo da genética. Nosso objetivo principal serão os aspetos humanísticos da genética, que vale dizer enfocar os dados, as ideias e as concussões básicas mais significativas para o homem, sua origem e seu futuro. (Dobzhansky, 1969, p. 11)

O corpo da obra “Herança e a Natureza humana” é dedicado à análise das conquistas da genética até 1975, ano do falecimento do cientista. Introduz o capítulo  primeiro intitulado “A Natureza da Hereditariedade” apresentando um panorama do crescimento exponencial da humanidade, numa taxa média anual de 1,8%. De 2.015.000.000 em 1930, pulou para 2.509.000.000 em 1950 e em 1961 já subira para 3.069.000.000. Hoje, 2015 constatamos a impressionante cifra de ------------ Essa situação mostra que a densidade populacional vai se intensificando, na razão direta do aumento populacional. Os homens agrupam-se mais e mais e confluem para centros urbanos, metrópoles e megalópoles cada vez mais gigantescas. Viver como eremita no deserto, afirma o autor é geograficamente impossível pois, até os desertos transformaram-se em lugares de lazer, em campos de exploração de petróleo, em complexos tecnológicos, como por ex., o Vale do Silício nos Estados Unidos. As florestas tropicas e subárticas assim como as ilhas mais distantes nos oceanos, as proximidades dos polos recebem ininterruptamente cientistas, exploradores e complexos de instalação para explorar recursos naturais. “O homem é obrigado assumir-se cada vez mais, de acordo com a definição de Aristóteles  - como politikón zoon, como animal social, como animal da cidade, como animal “político”. (Dobzhansky, 1969, p. 13.

Os seres humanos além de formar uma espécie taxonômica com as características  comuns  que permitem sua classificação nessa categoria zoológica, como as demais, apresenta, ao mesmo tempo, uma variedade individual que vai ao extremo. Não há duas pessoas perfeitamente idênticas. Desde que foi constatado que as impressões digitais são prova de identificação, até hoje, não há notícia da existência de coincidência no desenho das papilas entre duas pessoas, tanto assim que continuam como prova conclusiva da identidade ou não, em casos de dúvida. Nem mesmo os gêmeos idênticos são realmente idênticos, são isso sim, menos diferentes. Dobzansky chama à atenção ao fato de que por mais parecidos entre si pareçam os indivíduos de uma espécie, uma observação mais atenta mostra que também  entre os animais e as plantas, há traços que os identificam como individualidades. A resposta a essa constatação  deve ser procurada na combinação dos efeitos da herança genética e a influência do meio ambiente em que as pessoas se encontram. “Uma  pessoa  qualquer, com todas as suas características físicas, mentais e culturais é produto da interação entre natureza e alimentação, hereditariedade e ambiente” (Dobzhansky, p. 14). Sendo assim tanto o determinismo genético, quanto o determinismo ambiental, levados ao exagero, distorcem o que de fato ocorre com o homem e, por extensão com os animais e plantas. No caso do homem somam-se à base genética e à influência do meio geográfico, as características culturais com todos os seus desdobramentos. Conclui-se daí que,  as incontáveis modalidades das condições geográficas e as condições culturais, colaboram com outras tantas modificações nos indivíduos, ressalvado o potencial genético de cada pessoa ou indivíduo de uma determinada espécie. 

O código genético como fundamento da identidade biológica de todos os seres vivos, das arqueobactérias ao  elefante e o homem, das algas diatomácias até uma araucária várias vezes secular, apresenta os mesmos elementos químicos básicos, o mesmo DNA,  o mesmo plano estrutural e os mesmos reflexos nos indivíduos. Representa assim um poderoso argumento, talvez o mais consistente,  em favor da “síntese” da natureza. Vale lembrar que Francis Collins encontrou esse argumento em favor da natureza como síntese, também no campo da genética, enquanto Wilson o foi buscar nas observação dos insetos e ecossistemas naturais e humanizados que a natureza é um “Fato objetivo”. Theilard de Chardin chegou à mesma  conclusão partindo da paleoantropologia, Bertalanffy da biologia. Os caminhos e as abordagens  são diferentes mas todas convergem “para Roma”, isto é, todos sinalizam para uma grande síntese.

No capítulo I, Dobzansky explica  exaustivamente o papel das células sexuais; como os cromossomas e genes conduzem a herança genética; qual a composição química dos cromossomas e os mecanismos de auto multiplicação relacionam-se com  origem da vida. Dedica o capítulo II à “Multifacética  Natureza Humana”. Nele aprofunda a questão da individualidade do homem  na unidade da humanidade; genótipo e fenótipo; estudo dos gêmeos; as modificações induzidas pelo meio ambiente. No capítulo III discute a questão da raça, as diferenças individuais e da coletividade, a raça como fenômeno biológico, as frequências genéticas humanas, uma possível classificação das raças humanas, raça, inteligência e personalidade, um elogio à diversidade. O capítulo IV leva como título: “A Tara Genética e o Perigo das Radiações”, com os subtítulos: Evolução, mutação, as mutações no homem, tipos de mutação e suas causas, a maioria das mutações é prejudicial, seleção natural, tara genética, condições genéticas ambivalentes, genética e o perigo das radiações. Esses quatro capítulos, como se perceber pelos assuntos enfocados neles, ocupam-se com a fundamentação da natureza humana, bases genéticas e interação do meio ambiente com essas bases. Não é o lugar aqui para profundar os aspectos científicos e técnicos desse fundamento, pois, o interesse nas presente reflexões  é aprofundar a tese da “Natureza como Síntese”. 

A Natureza como Síntese - 67

Theodosius Dobzhansky (1900-1975)

Perfil de Dozhansky. Theodosius Dobzhansky  nasceu em 1900 na Ucrânia, filho único do professor de matemática Grigory Dozhansky. Cursando o segundo grau noturno dedicou-se à coleção de borboletas que o motivou a tornar-se biólogo. Trabalhou e estudou na universidade de Kiev entre 1917 e 1924. Transferiu-se então para Leningado onde, sob a orientação  de Yuri Filipechenko, iniciou-se no estudo da Drosophila melanogaster, num laboratório recém montado para essa  finalidade. Em 1927  emigrou para os Estados Unidos como membro do Conselho Internacional de Educação da Fundação Rockfeller. Trabalhou na universidade Columbia com Thomas Hunt Morgan, pioneiro no estudo da genética valendo-se da Drosophila melanogaster. Com ele transferiu-se para a Universidade da Califórnia em Berckeley, onde permaneceu até 1940. Fez observações com a mosca da fruta também fora do âmbito da universidade. Em 1937 obteve a cidadania americana. No mesmo ano publicou uma das suas obras mais importantes: “Genetics and the Origino of Species”. Em 1940 Dobzhansky retornou à universidade Columbia onde trabalhou até 1962. Até a sua aposentadoria em e 1971 pesquisou no Instituto Rockfeller. Como professor  emérito voltou para a universidade da Califórnia. 

A obra que escolhemos para apresentar a concepção de Dobzhansky sobre a natureza como síntese é o livro publicado em 1969, com o título na tradução para o espanhol: Herencia y Naturaleza del Hombre. Nas três páginas do prefácio ele chama a atenção para a gigantesca expansão da atividade científica. O número de cientistas cresce proporcionalmente mais do que o da população mundial. Essa realidade leva a uma série de consequências que merecem atenção. Uma delas refere-se a especialização crescente e no mesmo ritmo do número de especialistas que se somam anualmente aos já em atividade. Com isso abrem-se novas frentes, com novas especializações. Daí resulta que hoje é simplesmente impossível que um só cientista seja capaz de abarcar  sequer os conhecimentos gerados na subárea, por ex., da zoologia ou da botânica, fazendo com que se corra o risco de não se perceber o conjunto em que a especialidade se encontra inserida. O desmonte dos objetos de pesquisa chega ao extremo de os resultados já não interessarem a mais ninguém além do próprio especialista. – Um segundo fenômeno que corre paralelo a esse quadro vem a ser os cientistas avançando na contramão do processo da especialização levada ao extremo. São aqueles que se preocupam em encaixar os dados isolados num todo, num sistema ou, se preferirmos, numa Síntese. À dinâmica centrifuga própria da especialização, pretende-se somar algo de útil ao conhecimento como um todo. Ela precisa ser temperada com sua antípoda, a dinâmica centrípeda em direção à síntese dos resultados das pesquisas. Acontece que quanto maior for o volume de informações saídas dos laboratórios, tanto mais trabalhoso será o esforço de amalgamá-los numa síntese. Cientistas especializados e sintetizadores costumam ser personalidades que pela própria natureza da sua postura intelectual, correm o perigo de serem medíocres tanto como cientistas, quanto como sintetizadores. No plano ideal, porém, cada especialista deveria ser um sintetizador e este um especialista. Trata-se, porém, de uma façanha pouco comum mas não impossível. Quem sobe a esse nível já não é mais um simples conhecedor da sua especialidade, um “Kenner” como diriam os alemães, mas um sábio, um “Weise”.

O especialista que alcançou esse patamar corre o risco  sério de ser desqualificado como tal. Para os pesquisadores especializados, o esforço na  análise aliada à  preocupação pela síntese, exige o recurso a conceitos, a um discurso e, de modo especial, a métodos, que causam estranheza ao especialista. No plano metodológico vale-se da intuição e ou da percepção sensorial, da sabedoria popular para preencher as lacunas e responder as perguntas que os dados objetivos dos laboratórios, das tabelas estatísticas ou dos modelos matemáticos deixaram em branco. Com a singularidade com que constrói a sua concepção integradora, holística do conhecer as realidades concretas, o “sábio” naturalista transforma-se em poeta, em artista, e porque não, em místico. A apreciação da harmonia de uma paisagem, o mistério de uma floresta silenciosa, o épico de uma tempestade, o assustador de um abismo, põe em ebulição as emoções mais profundas da alma num linguajar bem diverso daquele, por ex.,que é próprio de uma descrição taxonômica de plantas e animais. Em todos os sábios cuja cosmovisão que interpretamos até aqui, percebe-se essa peculiaridade independente da sua especialidade como cientista: Erich Wassmann com suas formigas e térmites, Teilhard de Chardin especialista em  paleoantropologia, Balduino Rambo, especialista em taxonomia dos fanerógamos, Ludwig von Bertalanffy biólogo, Francis Coilins  na genética médica e Edward Wilson  com insetos e ecossistemas. Por se valerem de recursos literários que fogem do padrão enxuto, despido ou esquelético ao descrever espécies e gêneros, montar tabelas estatísticas ou descrever processos físicos, não raro são desqualificados por pares  que apostam todas fichas no rigor dos métodos científicos e apresentam os resultados numa linguagem que se aproximam de um código secreto, decifrável somente pelos iniciados. Para eles um Balduino  Rambo depois de coletar amostras de fanerógamos um dia inteiro, descansando na boca do canyon do Fortaleza ou do Taimbezinho, intuindo que “alguém mora nesses abismos e alguém vigia nessas  torres de observação”, não passa de um romântico alienado. Para seus críticos a ciência que faz não oferece  a credibilidade  dos dados objetivos comprovados, “preto no branco”, pelos métodos e as ferramentas da  análise empírica. A obra de Francis Collins, “A Linguagem de Deus” e a de Edward Wilson “A Criação”, são textos que alternam ou mesclam dados científicos com divagações épicas, românticas, líricas e até místicas. A grandiosa concepção da unidade na complexidade do universo, da natureza e do homem de Teilhard de Chardin, segue na mesma linha e sofreu as mesma restrição e desqualificação imputada a seu irmão de ordem religiosa há pouco citado. Em seguida constaremos o mesmo, ressalvadas as peculiaridades pessoais, em Dobzansky.

A Natureza como Síntese - 66

Somados aos conhecimentos acumulados e à moldagem do perfil da personalidade, a Natureza é uma poderosa e inesgotável fonte de inspiração,  musa para escritores, poetas, pintores, músicos, cantores,  místicos e por aí vai. Quem não conhece “O gigante de Pedra” de Gonçalves Dias, as canções inspiradas no mar de Dorival Caimi, a descrição da formação de um enxame de abelhas do poeta romano Virgílio, a Sinfonia Pastoral de Beethhoven, a Odisseia de Homero, e outras  muitas milhares de produções literárias inspiradas nas belezas naturais. Artistas plásticos encontraram nas montanhas, rios, lagos, flores, florestas, árvores, charnecas, campos e prados cobertos de flores as musas particulares de inspiração. O poeta romântico Novalis, por ex.,  fez da “flor azul” o símbolo da utopia. As próprias religiões  incarnaram  seus deuses e espíritos em acidentes geográficos, árvores, florestas e animais. Até o “filosofo da esperança” Ernst Bloch encontrou na descrição das pradarias do Mississipi, com seus horizontes sem fim, as manadas de milhões de búfalos caçados pelos índios num cenário sem fronteiras, sem cercas, sem porteiras e sem cadeados, o conceito-chave da estrutura do seu pensamento: A Liberdade. 

Poderíamos multiplicar ao indefinido exemplos dessa vinculação do homem, sua história, suas crenças, sua manifestações artísticas, seu imaginário, seus estímulos inspirados em  fenômenos naturais. Não é o momento nem o lugar para aprofundarmos essa questão fascinante. Para fechar essas reflexões que poderíamos prolongar até o indefinido, recorremos novamente a Wilson.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender. Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de obter mais conhecimentos. E ao dominar esse novo e belo mundo que  está à espera de cada criança, surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer por toda a vida para os demais, benefício para toda a humanidade. (Wilson, 2008,  p. 166)

Wilson dedica o capítulo 17, o último do seu livro “A Criação”, para propor a seu destinatário, um pastor fundamentalista, uma “Aliança pela Vida”. Lembra que, como cientista, passou a vida inteira estudando a  “Criação”. Ficou claro pelo que que pode ser deduzido da sua obra até aqui, que para ele a Natureza, a Biosfera representa   “A Criação”. Por esse conceito entende a Natureza como “um fato objetivo”, não um aglomerado, resultado da soma  de milhões de espécies vivas de todos os tamanhos desde as arqueo-bactérias sub-microscópicas  até gigantes como a baleia ou uma araucária várias vezes secular. O conceito de “Fato objetivo” na compreensão do autor coincide na essência com o “Weldbild – Cosmovisão” de Erich Wassmann, a concepção unitária do Universo de Teilhard de Chardin, “Organismo” ou “Sistema”, de Bertalanffy, “Fisonomia de Balduino Rambo, “Biologos” de Francis Collins. Expressa também o que entendemos quando falamos em “Natureza como Síntese”. Wilson deixa claro que ele observa o “fato objetivo” que é a Natureza, como ele prefere chamá-la, da perspectiva do “secularismo” fundamentado na ciência. Obviamente a concepção da natureza  do pastor a quem se destinam suas reflexões, interpreta-a do  ponto de vista da religião. As duas aproximações, aparentemente irreconciliáveis, encontram-se nesse território comum. A ciência consegue, de um lado, identificar o primeiro elo da corrente que representa biosfera e do outro o último, isto é, da simplicidade  das arqueo-bactérias até extrema complexidade dos vegetais e animais no topo da corrente. A ciência, por sua vez, conseguiu também decifrar  pelas leis naturais o “como”, o gigantesco sistema, a Biosfera foi arquitetada, terminando por configurá-lo como um “fato objetivo”, em ouras palavras, um ente com personalidade própria, que vai além da simples soma dos elementos que entram na sua gênese, mas uma grande “Síntese”. 

Se da perspectiva da “Ciência secular” foi possível chegar até essa profundeza da compreensão do universo e da natureza, fica esclarecido um dos lados da questão, isto é, aquela que responde ao “como” a natureza é arquitetada e como funciona. O outro lado da questão pede respostas confiáveis para o “donde”, a explicação da causa que explica a origem da “energia!” que deu origem a tudo e para o “onde” que dá sentido a tudo. Evidentemente esse tipo de interrogações não é posta, nem interessa ao cientista que aposta todas as fichas nos resultados dos seus métodos. Outro tanto também incomoda ao intérprete literal do Gênesis. Acontece que a natureza como  Wilson a entende oferece o cenário no qual os dois lados encontram condições para que “as poderosas forças da religião e da ciência possam se unir. E o melhor lugar para começar  é na tarefa de zelar pela vida” (A Criação, p. 185). Em seguida chama a atenção para o fato de que nem a ciência é capaz de  dar a resposta final ao enigma que faz com que “A Criação” se configure numa grande “síntese”, se preferirmos um grande “sistema”. Continuando na reflexão chama a atenção que  aspectos da biologia e da educação apontam o território comum  onde um diálogo e um entendimento entre os dois campos é possível, sem que um deles tenha que abdicar das suas convicções. E continuando identifica as questões inegociáveis entre a ciência e a religião.

Nesse processo não tentei  diluir, de forma alguma, a diferença fundamental entre a ciência e as religiões tradicionais  com respeito à origem da vida. Deus fez a Criação, é que o senhor diz. Essa verdade está claramente expressa nas Sagradas Escrituras. Vinte e cinco séculos de teologia e boa parte da civilização ocidental foram construídos com base nessa convicção. Mas não é assim, digo eu, a vida se fez a si mesma, por meio de mutações aleatórias e da seleção natural das moléculas codificadoras. Por mais radical  que pareça tal explicação, ela tem um imenso volume de provas interconectadas. Talvez ainda se chegue a demonstrar que essa teoria está errada; no entanto, a cada ano isso parece menos provável. (Wilson, 2008,  p. 185-186).

Para encerrar o diálogo imaginado com o pastor fundamentalista propõe não levar em conta as diferenças fundamentais entre os dois, ou se preferirmos, entre a Ciência e a Religião, no diálogo que propõe. Aponta como terreno no qual esse diálogo apresenta perspectivas reais de chegar a um consenso.

Tanto o senhor  como eu somos humanistas no sentido mais amplo: o bem-estar da humanidade está no centro dos nossos pensamentos. Mas a diferença entre o humanismo baseado na religião e o humanismo baseado na ciência se irradia por toda a filosofai, e até pelo sentido que atribuímos a nós como espécie. Essa diferença afeta a maneira como cada um de nós valida a nossa ética, nosso patriotismo, nossa estrutura social, nossa dignidade pessoa.

O que devemos fazer? Esquecer as diferenças, digo eu. Encontramo-nos no terreno comum. Isso talvez não seja tão difícil  como parece à primeira vista. Pensando bem, nossas diferenças metafísicas têm um efeito notavelmente pequeno sobre a conduta da sua vida e da minha. Minha suposição é que somos ambos pessoas éticas, patrióticas e altruístas mais ou menos no mesmo grau. Somos produtos de uma civilização que  surgiu não só da religião como igualmente do Iluminismo fundamentado na ciência. De boa vontade nós dois serviríamos no mesmo júri. lutaríamos nas mesmas guerras, tentaríamos com a mesma intensidade, a santificar vida humana. E, com certeza- compartilhamos o amor à Criação. (Wilson, 2008,  p. 187-188).

Wilson não informa se o convite que ao pastor fundamentalista teve algum retorno. Pelo que parece, o pastor a quem se dirige é um representante, um personagem protótipo à testa de uma denominação cristã fundamentalista. Acontece que tendo ou não relação  com o apelo do cientista, veio à público a “Encíclica  Verde” do papa Francisco. A cada dia que passa o pontífice abre mais uma janela para o grande mundo do qual  a Igreja que pastoreia faz parte significativa. Convida para um diálogo sincero e despido  de artimanhas e subterfúgios, para um diálogo sério e descomprometido com todas denominações cristãs, com  muçulmanos, judeus, budistas, agnósticos, ateus, cientistas crentes ou não, enfim qualquer pessoa interessada num entendimento fraterno entre os homens num terreno de interesse comum. Os convites e apelos  para diálogo são repetidos pelo papa nas mais diversas circunstâncias e pelos meios de comunicação de que dispõe. Não é de se admirar que  fizesse sua também a causa em favor da “salvação da Criação”, assim como a entende o professor Edward Wilson. Valendo-se de uma Encíclica, o documento mais importante disponível, ofereceu ao público, sem distinção de credo, raça e classe social a monumental encíclica “Laudato si”, “Louvado seja”, apelando pela urgência de estancar a degradação da nossa “mãe e pátria”, no entender do irmão seu de ordem Balduino Rambo. Do alto dos seus 86 anos Wilson dedicados a entender “A Criação”, finalmente poderá sentir-se recompensado que  ele um “humanista secular” baseado na ciência e Francisco, representante máximo do “humanismo cristão”, encontram-se em terreno comum na batalha pela salvação da vida na terra.

A Natureza como Síntese - 65

Depois desse desvio sugerido pelos cinco princípios de Wilson retornemos à sua proposta “para salvar a vida na terra”. No capítulo 15 ele sugere como deve ser feita a educação de um “naturalista”. Note-se que emprega o conceito de Naturalista em vez de cientista, biólogo ou qualquer outro do gênero. Por Naturalista entende-se uma pessoa que conhece de alguma forma todos os aspectos de que a Natureza é composta, sua estrutura orgânica, seu funcionamento e sua história evolutiva. Um Naturalista, portanto, é conhecedor generalista da Natureza capaz de concebê-la como um todo, como “um fato objetivo”, como ele a definiu em outra passagem da sua obra, e assim colaborar com proposta e iniciativas munidas do potencial capaz de contribuir  efetivamente para “salvar a vida na terra”. Para ele a formação de um autêntico naturalista começa cedo na infância.

A ascensão à natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos da vida. Toda a criança é uma naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos – tudo isso está presente em seu cerne mais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres”. (Wilson, 2008,  p. 158).

Wilson resume depois a história do afastamento gradual do homem do seu habitat natural com o começo da agricultura e domesticação de animais há 15000 anos atrás, dando início ao Neolítico. Esse distanciamento vai-se acentuando durante a pré-história, a história antiga, até que no final da Idade Média praticamente todos os ecossistemas habitáveis no planeta, exibiam de alguma forma a presença e a interferência do homem. O processo de  “humanização” porém entra num ritmo cada vez mais acelerado a partir das grandes navegações transoceânicas. Essas tiveram como consequência a presença e a colonização em larga escala na América, na África, na Ásia e na Oceania. O ímpeto desse processo tomou fôlego ainda maior com a Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XVIII, para transformar-se em furacão devastador no final do século XIX  durante todo o século XX, e no começo do século XXI.

Mesmo assim, os instintos ancestrais continuam vivos dentro de nós. Eles se expressam na arte, nos mitos e na religião, nos parques e jardins, nos esportes da caça e da pesca, tão estranhos (pensando bem). Os americanos passam mais tempo nos jardins zoológicos do que eventos esportivos profissionais, e ainda mais tempo nas áreas protegidas dos  parques nacionais, cada vez mais abarrotados de visitantes. A recreação nas florestas naturais e reservas naturais – isto é, nas partes que permanecem intactas – gera uma renda substancial, da ordem de 20 bilhões de dólares anuais, ao Produto Interno Bruto do país. A televisão e o cinema do mundo industrializado estão saturados de imagens da Natureza virgem. Um  símbolo de riqueza pessoal é a casa de campo, tipicamente localizada em um ambiente pastoral ou natural. Ela serve como refúgio para quem deseja encontrar paz de espírito e como ponto de retorno a algo que foi perdido, mas não esquecido. Observar  pássaros se tornou um importante hobby e uma próspera indústria. Ser naturalista não é apenas uma atividade, e sim um honroso estado de espírito (Wilson, 2008,  p. 159).

Nessa passagem, Wilson oferece nas linhas, mas principalmente nas entre linhas, uma riqueza de informações e sugestões úteis,  capazes de levar as pessoas a  compreender o que significa para a sua existência a “mãe e pátria” como o Pe. Balduino Rambo se referiu à Natureza.  Começa por ai que que o homem se acha existencialmente  inserido nela e, por isso mesmo, a sua existência e sobrevivência depende dela. Em resumo,  a identidade biológica da espécie humana  é feita da mesma matéria prima da natureza mineral e orgânica; na Natureza encontra os meios para a sua subsistência; na Natureza busca as inspirações para construir o seu universo simbólico. Como já  insistimos mais acima, as conquistas tecnológicas postas em andamento a partir do Neolítico, foram afastando o homem cada vez mais do contato e convívio intimo com o seu entorno natural. No momento histórico em que vivemos hoje grande parte da humanidade passa o dia a dia, não  na sombra das árvores da floresta ou na liberdade dos horizonte sem limites de uma savana, de uma estepe ou de uma pradaria, mas no artificialismo de uma metrópole empestada pelo odor do asfalto,  prisioneiro de engarrafamentos monumentais e acuado por uma rotina diária que desafia a capacidade de resistência das pessoas mais disciplinadas. “Hoje, a maior parte da humanidade reside em um mundo fabricado artificialmente. O  berço, o lar inicial da nossa espécie, foi quase que esquecido por completo” (A Criação, p.159). Mas, embora nesses ambientes se tenha perdido de vista em larga escala o contato com as raízes primigênias, elas não foram de todo esquecidas. Mesmo sufocado pela zoeira da  atmosfera  de uma metrópole moderna, o instinto atávico do pertencimento a esse “mundo perdido mas não esquecido”, lembra o homem das raízes da espécie humana, portanto da suas, e sente-se atraído de volta a   elas, mesmo que por algumas  horas  em alguma relíquia de Natureza original. A memória atávica da qual falamos faz parte  da própria natureza humana. Explicá-la desafia qualquer teoria psicológica, sociológica, evolucionista, antropológica ou religiosa. Tem as suas raízes no mistério que até hoje envolve em grande parte a natureza da espécie. Valendo-se da intuição, da percepção sensorial, do farejar o entorno, ignorando as ferramentas da lógica e da ciência  que garantem credibilidade para a Ciência e a Filosofia, degusta pelo menos por alguns momentos, no máximo por algumas horas, o retorno ao espaço em que os remotos antepassados começaram a fantástica  história do homem feita da simbiose entre ele e seu chão. Munido com essas ferramentas a humanidade sobreviveu durante centenas de milhares, quem sabe milhões de anos  e encontrou a matéria prima para construir a sua historia material e espiritual. Embora,  apesar de a degradação da Natureza ter avançado até um ponto crítico, essa nostalgia essencialmente enraizada na alma dos seres humanos dá a certeza de que é possível bloquear o caminho antes de passar da vigésima quarta hora. E há um remédio eficaz, talvez o mais eficaz, para que essa tragédia não se consuma. Consiste em fazer subir à tona, essa realidade, torna-la consciente e incorpora-la na personalidade como um dos componentes que estimulam as pessoas a lidar com responsabilidade com a Natureza. Wilson chama a atenção de que com isso as pessoas  comuns podem tornar-se naturalistas “que não é apenas uma atividade, e sim um honroso estado de espírito”.(A Criação, p. 159). De outra parte, cientistas que não incarnam esse estado de espirito nem o a levam em conta  nas suas investigações, pouco ou nada contribuem para  desperta-lo como uma ferramenta coletiva nas ações positivas em favor da conservação e preservação do ambiente natural. 

A fase ideal para despertar a consciência pela  inserção existencial na natureza, é a infância como já foi apontado mais acima. Com esse contato precoce com a natureza a criança familiariza-se em etapas com os animais e plantas que encontra nas suas incursões  nos ecossistemas disponíveis. Vai percebendo  as diferenças entre árvores,  arbustos,  ervas e  flores. Da mesma forma toma consciência da multiplicidade de formas dos pássaros, seus cantos, pios e assobios. Aos poucos sua atenção se volta  para as miríades de insetos que se movimentam no interior de uma floresta ou no descampado. Nesse contato espontâneo com os seres vivos, animais e plantas, dispensando regras pedagógicas e professores treinados, onde os pais, irmãos ou outras pessoas fazem o papel de guias e mestres, a criança, usando os cinco sentidos, como que farejando, vai identificando, classificando e organizando o mundo que a cerca como se fosse um brinquedo, um quebra cabeça, um lego. O Pe. Rambo, nascido no meio rural, registrou em seu diário comentando a sua infância: “Fui um menino solitário e meu brinquedo predileto foram as árvores da floresta”. E adulto tornou-se botânico reconhecido nacional e internacionalmente. E nessa relação lúdica com a natureza consolidam-se na criança as bases intelectuais e emocionais indispensáveis para a formação formal que a preparará  não apenas para ser um cientista, como para qualquer outra área, inclusive o exercício de uma profissão liberal ou o cultivo da arte. Wilson observa.

As habilidades cognitivas do naturalista se expressam de muitas formas, inclusive nas atividades práticas das sociedades industrializadas, Como observa Gardner, a criança que é capaz de discriminar prontamente entre plantas, aves ou dinossauros está usando a mesma habilidade (ou inteligência) que emprega ao classificar diferentes tênis,  carros, aparelhos de som ou bolinhas de gude. E ainda. É possível que o talento para reconhecer padrões recorrentes  que identificamos nos artistas, poetas, cientistas sociais seja construído sobre as habilidades fundamentais de percepção que encontramos na inteligência do naturalista. 

A mente da criança se abre muito cedo para a Natureza viva. Se for estimulada, ela  se desdobra em estágios que vão fortalecer seus laços com as formas de vida não humanas. O cérebro é programado para aquilo que psicólogos chamam de “aprendizado preparado”: Nós nos lembramos com facilidade e prazer de algumas experiências. Em contraste, somos contra-preparados para evitar  aprender  outras experiências , ou então  a aprendê-las e depois evitá-las. Por ex., flores e borboletas, sim; aranhas e cobras, não. (Wilson, 2008,  p. 160 -161).

 Baseado na própria experiência  de como ele  foi introduzido no instigante mudo da natureza começou muito cedo como criança. Depois como jovem estudante na universidade teve a sorte de encontrar entre seus mestres os guias certos para consolidar nele a paixão pela natureza, sua micro e macro fauna e aprender  a lidar com esse mundo complexo com as ferramentas adequadas. Nesse aprendizado a criança e o jovem devem ser apenas guiados e acompanhados, não empurrados e ou foçados. É importante que se permita o livre embrenhar-se nas surpresas que pode oferecer um nicho escondido no ângulo de um muro do quintal, um singelo arbusto na beira da estrada, uma tábua velha abandonada num canto, um tronco  de árvore em decomposição. Os guias e ou os professores orientam e ensinam a lidar com as teorias e as práticas para dar forma e consistência aos dados observados ou coletados em campo. Outra recomendação importante é que se  tome em consideração e se respeite o ritmo de cada aluno. A formação do naturalista não admite cercas e  cadeados. Tem como pressuposto o livre farejar no seu entorno e a absorção pelos cinco sentidos, por assim dizer por osmose,  tudo que encontra nas trilhas percorridas num parque ou as emoções vividas na sombra e na quietude de uma floresta. As experiências  e o aprendizado nesse modelo terão repercussões positivas, não só nos futuros cientistas formais, como nos de qualquer profissional na especialidade que for. O aprendizado na “Escola da Natureza” ensina  que ela se compõe de uma complicada complexidade responsável pela sua estrutura, da precisão com que os elementos mais insignificantes contribuem para que um ecossistema de qualquer tamanho resulte numa obra prima de harmonia, beleza e  arte. Ninguém de sã razão ousaria por em dúvida o  valor do aprendizado como instrumento pedagógico de inegável importância para a formação técnica, e,  principalmente, da personalidade, tornando-a apta para qualquer atividade  em qualquer  área do conhecimento também fora do âmbito formal das Ciências Naturais.