Os jesuítas e a imigração alemã O projeto educacional - O professor comunitário #4

Ao se analisar a história da formação das comunidades coloniais no sul do Brasil, duas foram as lideranças que garantiram de fato que essa empreitada fosse levada a bom termo: os padres, com destaque para os jesuítas e os professores  das escoas comunitárias. Cronologicamente, encontramos o professor  bem antes do padre, regendo as escolas de emergência das duas primeiras décadas, liderando a organização comunal e cuidando, na medida do possível, da formação e prática religiosa. Sua tarefa não se esgotava com o ensinamento das primeiras letras. Sua missão extrapolava as quatro paredes de uma escola. Cabia-lhe a tarefa de assumir as iniciativas da comunidade,  conduzi-las e garantir-lhes o sucesso. Liderava as atividades que diziam respeito à religião, à escola, à educação, às iniciativas de natureza social, cultural e econômica. A presença inconfundível, ímpar, indispensável, marcou indelevelmente o perfil das comunidades teuto-brasileiras até o final da década de 1930. A comunidade podia dispensar perfeitamente a presença permanente de um sacerdote. Batava, a rigor, uma ou outra visita por ano a fim de regularizar a situação sacramental dos fiéis. O professor, entretanto, tinha que estar sempre a postos. Sua presença, seus conselhos, suas opiniões, enfim, sua liderança, eram insubstituíveis. Fazia o papel de mediador e árbitro nas disputas, de conselheiro nas dúvidas, de modelo de virtudes, de orientador e guia. Resumindo, cabia-lhe o papel de referencia para tudo que pudesse ocorrer no dia-dia da comunidade. Sobre o professor, o prof. Lúcio Kreutz escreveu na sua tese de doutorado: “O professor paroquial é personagem típico da zona de colonização teuto-brasileira no sul do Brasil. Ele é frito da iniciativa dos imigrantes alemães e seus descendentes na tentativa de estabelecerem-se econômica e culturalmente nas colônias que lhes eram destinadas.  (...) As funções do  professor paroquial junto à comunidades rurais católicas dos teuto-brasileiros do Rio Grande do Sul, eram muito mais amplas do que as meramente docentes e restritas à escola. Ele foi um elemento de unificação, um agente de síntese e promoção das perceoções do grupo humano no qual se inseria ativamente, seja no campo social, político, religioso e cultural”. (Kreutz, Lucio, 1985, p. 2).
O prof. Rudi Schaefer sintetiza na mesma linha o perfil do professor no já citado Manual Didático-Pedagógico:  “O professor, portanto, como regente da escola é auxiliar da família, da Igreja e do Estado. Daí decorre, logicamente, o ato que o professor cumpra com fidelidade os deveres inerentes à função, para que, quando for hora, esteja em condições de prestar contas, de sua gestão com toda a tranquilidade. O exercício adequado da sua função exige do professor uma considerável preparação corporal, espiritual e moral. O professor necessita de um corpo sadio sobretudo para enfrentar  os esforços exigidos para a suam missão. São principalmente a visão, a audição e o aparelho fonador que precisam corresponder à profissão.     Que o professor esteja de posses dos conhecimentos necessários óbvio. Quem não domina suficientemente os conhecimentos não  estará em condições de transmiti-los. A tudo isso é preciso aliar a capacidade didático-pedagógica, sem a qual de nada adianta o mais rico cabedal de conhecimentos. Em parte trata-se de um dom natural. Pode, contudo, ser adquirido a um nível satisfatório, mediante o esforço e a dedicação.   -   O professor precisa, acima de tudo, ficar atento, que a educação se fundamenta especialmente no exemplo. Por  isso não pode dispensar uma sólida formação moral, não apenas na escola, mas deverá ser um modelo na vida pública e na família.   -   A virtude maior do professor é o amor às crianças que lhe são confiadas. É o sol que fecunda toda uma ação educadora.   -   Para garantir a satisfação do professor em sua atividade repleta de bênção, mas discreta e trabalhosa, são indispensáveis a satisfação e a ausência de ambições exageradas.   -   Não se proíbem ao professor, como a qualquer outra pessoa, as diversões permitidas em sociedade. Quando os encontros sociais se mantém no nível do encontro de pessoas de espírito nobre, promovendo conversas também de nível, só podem trazer bênção. O bom humor e alegria sentem-se aí em casa.   -   A formação profissional, tão importante, requer uma esmerada  formação profissional. Os tempos em que se encarregava do lecionar qualquer desocupado que dominasse alguns conhecimentos, estão superados. Exige-se que o futuro professor adquira um conhecimento aprofundado em todas as disciplinas constantes no currículo da escola. É preciso que saiba mais e com maior profundidade do que aquilo que deve ensinar aos alunos. Quem não souber mais do que vai ensinar aos alunos,  não será capaz de apresentá-lo com profundidade.   -   O professor não pode dispensar de um aperfeiçoamento contínuo, ampliando e aprofundando os conhecimentos. Para tanto o professor deve preocupar-se com o que vai ensinar; ler o maior número possível livros, periódicos e outros tipos de publicação; manter relacionamento com pessoas instruídas e cultas; participar de reuniões e assembleias de professores.(cf. Schaefer, 1924, p. 7-9).

O professor paroquial, prefiro chamá-lo professor comunitário, portanto, incarnava a liderança por excelência da comunidade em que atuava. As demais, como os sacerdotes, os negociantes, as associações, os líderes espontâneos, ocupavam, em relação ao professor, uma posição de segunda instância. Essa posição ímpar, exigia do professor uma habilitaçãoo peculiar e complexa. Será assunto da postagem seguinte.


                                  Nova escola (Século XX)                             Velha escola (Século XIX)






Os jesuítas e a imigração alemã O projeto educacional - A natureza da escola comunitária #3

A natureza da escola comunitária explica-se e justifica-se pelos objetivos que perseguia. Estes podem ser resumidos nos seguintes: salvar os imigrantes e seus descendentes da decadência cultural; cultivar a tradição dos antepassados; preservar o nível moral e religioso;  inserir os filhos dos imigrantes como cidadãos brasileiros no todo da nacionalidade brasileira;  formar membros úteis à comunidade num primeiro momento e cidadãos responsáveis e comprometidos num segundo. O que  se pode concluir que a escola comunitária foi uma instituição peculiar e até certo ponto contraditória. Egon Schaden resumiu-a nos seguintes termos: “Refletindo necessariamente os conflitos culturais em que se viam envolvidos os colonos, a escola teuto-brasileira não podia deixar de caracterizar-se pela sua ambiguidade, ou seja, por funções em parte contraditórias. De um lado os colonos compreendiam a conveniência de integrarem-se nomeio nacional; do outro, procuravam transmitir às novas gerações os valores e os padrões de sua cultura”. (Schaden, Egon. In. I Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, 1966, p. 66).
A natureza estrutural da escola. Os imigrantes não levavam na bagagem nenhum modelo de instituição que pudesse ser útil aqui, mesmo depois de adaptado às circunstâncias peculiares daqui. Tinham uma única certeza: era preciso fazer alguma coisa para não naufragar na deculturação. Recorreram então ao princípio  do bom senso: ”ajuda-te e Deus te ajudará”. Depois que 15 ou 20 colonos começavam a formar um nova comunidade, depois um encontro dominical para o culto, eram convidados a permanecer reunidos para decidirem sobre a instalação de uma escola. Como primeira providência formava-se a Associação Escolar (Schulgemeinde). Dentre seus membros escolhia-se a Direção da Escola (Schulvorstand). A este cabia tomar todas as providências para, num primeiro lugar, providenciar a construção da escola: local, características, recursos, material e execução; providenciar um mínimo de recursos didáticos, contratar um professor e decidir sobre a sua remuneração.
A construção era projetada dentro dos limites, das características e disponibilidade de cada caso e executada em regime de mutirão, de maneira que os recursos financeiros costumavam ser mínimos.
A natureza filosófica da escola. Mesmo admitindo  elementos conflitantes na escola comunitária, ela fundamentava-se em princípios claros de competência. Em 1909 numa assembleia da Associação dos professores foram formuladas as competências sobre a escola e a educação e incluídas  no Manual Didático-Pedagógico do prof. Rudi Schaefer, adotado desde 1920 por todos os professores. No parágrafo introdutório no Manual definem-se as três instituições que têm interesse na escola: “Conforme a ordem estabelecida por Deus, são três os entes envolvidos na educação: a família, a Igreja e o estado. Ao logo da evolução histórica, surgiu a escola como instituição complementar dessas três instituições essenciais”. (Schaefer, Rudi, 1924, p. 5-6). O autor do Manual explicita um pouco mais essa complementariedade da escola e educação;
1º. A escola é, em primeiro lugar, uma instituição auxiliar da família. Cabe aos pais a responsabilidade primeira sobre a educação dos filhos. Quanto mais, entretanto avança a história, tanto mais as novas circunstâncias reclamam a presença dos pais. Desta forma não estão em condições de dedicar aos filhos a atenção suficiente. (...) É nesta altura que entra a escola como instituição auxiliar da família e assume uma parte da educação, principalmente no que se refere à instrução. A escola tem o dever de complementar e acabar a educação começada na família. – 2º. A escola age como instituição auxiliar da Igreja. A escola cristão foi a rigor criada porque uma educação diferente da cristã não é pensável em crianças cristãs. (...) Não se entende como é possível que pais cristãos possam confiar os filhos a uma escola que não se fundamenta em princípios cristãos. – 3º. A escola é uma instituição auxiliar do Estado. Ela deve oferecer a todos os cidadãos, aquela formação necessária para que os cristãos  tenham condições de exercer seus direitos e cumprir seus deveres. (Cf. Schaefer, Rudi, 1924, p. 5-6). Resumindo: 1º. Os pais têm o direito natural e divino sobre a educaçãoo dos filhos, o direito primário, portanto; 2º A Igreja tem o direito sobre a formação espiritual das crianças e a guarda das escolas frequentadas por crianças católicas; 3º O Estado tem o direito de exigir dos seus cidadãos uma formação mínima e pode, caso não houver outra alternativa, introduzir a obrigatoriedade mediante dispositivos policiais. Não lhe assiste, porém, o direito do monopólio ou a coação de uma sistema escolar livre e aconfessional. (Mitteilungen, 1909, nº 9, p. 33.
A natureza didático-pedagógica da escola. A partir da fundação da primeira escola católica em Dois Irmãos, em 1835, até o final do século XIX, a rede que se foi formando, aparentava simplicidade, improvisação e informalidade. Os conteúdos curriculares e a duração do período escolar ofereciam o mesmo perfil. A Associação dos Professores, fundada em 1898, assumiu como primeira tarefa  definir a natureza filosófica da escola e formular e implantar um currículo válido para toda a rede e estabelecer 4 anos como duração do período escolar. Para que tudo pudesse funcionar corretamente, estabeleceram-se algumas  medidas de apoio. Parte-se da suposição  que todas as crianças frequentem a escola; que o ingresso se dê uma vez ao ano e em dia determinado; que este dia seja na segunda-feira após o domingo em que os do quarto ano concluem o período com a comunhão solene. O costume consagrou o domingo da “Pascoela”, primeiro domingo depois da Páscoa, como a data de conclusão e o começo do novo ano escolar na segunda-feira seguinte.
O currículo: I. A Religião era considerada a matéria mais importante e era contemplada com  6 horas semanais; II. À língua alemã e portuguesa reservavam-se 8 horas semanais; III. Para o cálculo previam-se 6 horas semanais; IV.; A disciplina “Realia” contava com  1 hora; V. O canto com 1 hora e para a Merenda 20 minutos.
O ensino da religião tinha como objetivo iniciar as crianças  nos princípios religiosos, para assim cumprir os deveres que lhes cabiam como pessoas humanas e como cristãos, com fidelidade, compreensão e alegria; munir a criança dos conhecimentos da religião ao ponto de serem capazes de acompanhar com proveito instruções, sermões, leituras; Deixar as crianças em condições de, mais tarde,  estivessem em condições de defender a religião dos ataques mais comuns.
Ensino da língua alemã, a oficial da escola. Propunha-se que as crianças aprendessem ler e escrever corretamente; reproduzir corretamente o entendido por palavras ou por escrito; familiarizar-se com as regras da língua, necessárias para a correta interpretação e redação; por fim a intelecção  dos conteúdos, tanto lendo quanto falando. Para alcançar o objetivo usava-se como recursos: a leitura, a memorização, a composição, a ortografia, a caligrafia, noções de semântica e outros recursos úteis no aprendizado da língua.
Ensino da língua portuguesa, disciplina  curricular. O ensino da língua começava no terceiro ano. Era ministrado de acordo com o livro “Sabe Falar Português?”. Consistia em exercícios de leitura, de escrita, tradução, cálculo e exercícios de conversação. Pretendia-se garantir o ponto de partida para um futuro aprendizado da língua nacional. Os resultados dependiam das circunstâncias de cada escola.
O ensino do cálculo. Tinha como finalidade municiar os alunos com os conhecimentos indispensáveis para darem conta da administração da propriedade e sua produção e demais  demandas da vida numa comunidade colonial. Começava no primeiro ano pela familiarização com os números, as relações elementares entre eles, a pequena tabuada. No segundo ano, ensinavam-se as quatro operações básicas, grande tabuada e a iniciação com a multiplicação e divisão com  multiplicadores e divisores compostos. No terceiro ano, cálculo om números dados, sistemas métricos, pesos, medidas, sistema monetário, etc. com ênfase na aplicação prática. No quarto ano, os alunos eram iniciados nos cálculos mais complexos: cálculo decimal, frações, regra de três, cálculo de juros, etc.
Ensino de “Realia”, do latim “coisas reais, objetivas. No contexto escolar incluíam noções de geografia, história natural, estudos da natureza e história. Com essa disciplina pretendia-se a formação de uma cosmovisão (Anschauungsunterricht).

O ensino do canto. Com o ensino do canto, pretendia-se levar as crianças a desenvolver os órgãos vocais e torna-las capazes de participar do canto comunitário durante o culto, ao mesmo tempo em que aprendia cantos profanos. Mensalmente aprendia-se um canto novo, alternando religosos e profanos. Desta maneira, no final do período escolar a criança tivera ocasião para aprender 24 cantos religiosos e 24 profanos.

Os jesuítas e a imigração alemã, o projeto educacional - A evolução da escola comunitária católica

A já seguidas vezes citada obra “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul, distingue quatro períodos na evolução da escola comunitária, comparando-a à construção de uma casa. O primeiro período vai de 1824 a 1850. Com seu pequeno número de escolas – 10 católicas – assemelha-se à escavação dos fundamentos; o segundo período – 185-1875 -  assemelha-se à colocação  dos fundamentos e o surgimento dos muros de dentro da terra; o terceiro e o quarto períodos – 1875-1900-1924 – correspondem `conclusão da obra. A missão dos próximos anos consistiria na decoração interna da obra. A obra citada foi publicada em 1824 e, por isso, não havia condições de detalhar e especificar a “decoração interna” imaginada pelo autor. De fato a escola comunitária.
Analisando a escola comunitária teuto-brasileira nas décadas nas década que se seguiu à publicação da citação, verifica-se que os anos de 1914 a 1938, foram realmente de aperfeiçoamento do projeto pedagógico, implantado a partir do começo do século XX. A última fase teve o seu começo com os decretos de nacionalização das assim chamadas “escola estrangeiras”, de 8 de abril e 12 de dezembro de 1938. Esta fase melancólica estende-se pela década de 1940 e 1950, terminando com a completa substituição das escolas comunitárias por outras públicas. Corresponde ao período inglória em que, em nome de uma nacionalismo xenófobo e equivocado, apagou-se  uma das experiências educacionais mais originais e mais bem sucedidas  de que tem notícia na história da educação no Brasil.
No primeiro período – 1824-1850 -, foram criadas 10 escolas. Podem ser classificadas como instituições de emergência, com uma infraestrutura quase rudimentar: prédios rústicos, material didático reduzido ao mais essencial para aprender a ler, a escrever e calcular; um currículo mínimo tanto no conteúdo, quanto na duração que podia ser meses até alguns anos, dependendo da escola; professores sem formação profissional adequada escolhidos e credenciados e sustentados pelas comunidades.
No segundo período – 1850-1875 -, corresponde ao avanço da colonização para o vale do caí, do Taquari e do Pardo. No mesmo ritmo em que se multiplicavam as comunidades, fundavam-se novas escolas. Foram 40 no período, um acréscimo de 400%. O fator determinante desse surto de crescimento da escola foi a vinda dos padres jesuítas alemães, a partir de 1849. Encontraram as comunidades organizadas e em 10 delas uma escola em funcionamento. Assim não foram obrigados a começar a obra pastoral simplesmente do nada. A escola com seu professor serviu de bases logística a partir da qual os padres lançaram os fundamentos de um bem sucedido projeto pastoral. Preservando-lhe o caráter de escola comunitária (Gemeindeschule) souberam fazer dela o aliado mais importante da atividade pastoral. A transformação de muitas delas em “escolas paroquiais” vai acontecer nas décadas seguintes com a influência cada vez maior dos padres e dos bispos sobre o ensino católico. No período em foco os nomes dos padres Klüber, Feldhaus, Steinhart, Kasper, Queri, e outros tiveram mérito especial no florescimento da escola e da educação. Neste período houve também uma melhora sensível na formação do pessoal docente. Mas foram principalmente os professores que moldaram a fisionomia definitiva da escola comunitária durante a segunda metade do século XIX. Com toda a justiça constam nas obras que contam a história do período como “a velha guarda” ou se preferirmos os “pais fundadores” daquela obra. O “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul”, registrou os nomes dos mais destacados. Em Porto Alegre destacaram-se os nomes de Clemens Wallau e Volkmer;  Müssnich no Morro dos Bugres em Dois Irmãos, entre 1847-1880; M. Büttenbender em Frankental, Dois Irmãos, 1874-1919; Vier no Herval, Dois Irmãos; Adams em Dois Irmãos e Maratá 1863-1913; Wickert na Walachei 1859-1872;  W.Jung Picada Café 1883-1913; C. Fuher Picada Café 1875-1890; Birnfeld Picada Café 1845-1873;Ody Linha Nova e São José do Hortêncio 1861-1911; Back São José e Linha Francesa durante 41 anos; Pfiliipsen D. Diogo pro 6 anos; Schmidt em Estrela e Santa Cruz;  Hillesheim em Santa Cruz por 43 anos; Brixner e Somnis em Santa Cruz, 42 e 35 anos respectivamente. Estes e muitos outros moldaram a fisionomia característica da assmim chamada “escola antiga”. Neste período aconteceu uma elevação considerável no nível de formação oferecida pelas escolas ao mesmo tempo em que os primitivos e rústicos prédios deram lugar a construções mais sólidas, mais amplas e mais confortáveis, somadas aos métodos pedagógicos e material didático mais apurados.
No terceiro período – 1875-1900 – a escola comunitária alcance a maturidade como sistema escolar. Numericamente a rede de escolas triplicou, 146 escolas, o que bem demonstra que na medida em a colonização avançava surgiam, no mesmo ritmo, as escolas. Chegara o momento de reunir as escolas que funcionavam independentes umas das outras e reuni-las num sistema, com a mesma duração, com o mesmo currículo, proposta pedagógica unificada e qualificação docente. Neste período efetivadas várias iniciativas que garantiram qualidade à escola sem prejudicar sua expansão numérica. Até  aquela altura o pioneirismo dos professores e das associações escolares, bastavam para garantir a qualidade do ensino e suprir as carências mais elementares da formação profana e religiosa dos filhos dos colonos. Mas com a dispersão e a multiplicação acentuada do sistema, somados à entrada sempre mais professores, fez-se sentir a necessidade de implantar uma estrutura organizacional, conferindo unidade de ação ao pessoal docente, unidade da proposta pedagógica, unidade de currículo, uniformidade da duração do período escolar e formação adequada dos professores.
 Os padres Steinhart e Gasper formaram com os professores Grimm, Kniest e os irmãos Rückert uma comissão que planejou uma Associação para reunir os professores e concretizar os ajustes a serem dados à escola. No Congresso dos católicos em 1898, em Harmonia no município de Montenegro, foi fundada a “Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul”. Esta encarregou-se pela formulação, implantação e coordenação das iniciativas que foram tomadas no período seguinte.
O quarto período – 1900-1938 – pode ser definido como o consolidação definitiva do sistema e a colheita dos frutos em termos de formação de bom nível das gerações que frequentaram a escola naqueles 40 anos. Foi o apogeu do projeto educacional em nível elementar. Seguiu-se a sua destruição com os decretos de nacionalização da escola de 1938. Marca também a passagem da “escola antiga” para a “escola nova”. Nova porque orientava-a uma proposta pedagógica unificada, currículo unificado, duração do período escolar de 4 anos, pessoal docente de alto nível e uma coordenação segura sob a responsabilidade da Associação dos Professores, que costumava realizar suas assembleias gerais por ocasião dos Congressos dos Católicos. Nesses encontros faziam o balanço da situação, combinavam estratégias, propunham correções de rumo e decidiam novas iniciativas. A última relação das escolas em funcionamento com os respetivos professores, é de 1936. No total somavam 398 escolas frequentadas por cerca de 20000 alunos.
Uma vez aplicados os decretos de nacionalização os efeitos sobre as escolas comunitárias foram mortais e irreversíveis. Primeiro, em termos puramente numéricos, das aproximadamente 1500 escolas comunitárias, somadas as católicas e evangélicas, existentes em 1938, em 1945, sobraram talvez 200. As demais, ou se transformaram em escolas púbicas ou fecharam. Em Segundo lugar, desapareceu do cenário colonial a figura inconfundível do professor, mestre e educador, líder comunitário e conselheiro, diácono leigo, enfim, a figura referência da comunidade. Em terceiro lugar, o Estado multiplicou ao indefinido os gastos com a educação. Até aquela altura , as comunidades haviam-se encarregado de tudo, deste a infraestrutura, começando pelo terreno, passando pela construção do prédio, até a aquisição  do material didático, a contratação, remuneração e o controle da eficiência dos professores. Ao assumir tais funções, o Estado jamais seria capaz de mostrar a eficiência de uma comunidade local, comprometida diretamente com a educações dos seus filhos. Em quarto lugar, fazendo-se um balanço dos resultados da nacionalização, constata-se que a curto prazo todos saíram perdendo: o Estado, a escola e a educação e as comunidades. Perderam as autoridades porque deixaram escapar  uma ótima oportunidade de se tornarem simpáticas aos  colonos. No íntimo, salvo raras exceções, eles aspiravam a uma mais rápida e mais completa integração no corpo da nacionalidade brasileira. A maneira truculenta e radical, empregando a ação policial, só serviu para confirmar suspeitas, avivar desconfianças, criar animosidades, e radicalizar posições, que mesmo hoje, quase 80 anos passados, cá e lá ainda vem à tona. Em quinto lugar, a perda da escola comunitária resultou numa geração de quase analfabetos. Os mais atingidos pelo processo foi a geração em idade escolar entre os anos de 1938 e 1950. A alfabetização para uma boa parte dessas pessoas começou ainda a ser feita em alemão, utilizando inclusive a escrita gótica. Proibida de uma hora para a outra a língua alemã, a escrita e os livros em alemão, até aprender, melhor talvez, realfabetizar de acordo com as exigências dos decretos, o período escolar de quatro anos tinha passado. A grande maioria dos egressos das escolas nacionalizadas, no período descrito, pouco aprenderam além de escrever o nome. Não falam nem o alemão nem o português corretamente. Comunicam-se num dialeto fortemente mesclado  com vocábulos portugueses, truncados e germanizados. Perderam o interesse pela leitura, pelo canto, enfim, pela cultura. O que se questiona não é necessidade de inserir sempre melhor as diversas etnias no corpo da nacionalidade, mas forma precipitada, irracional e brutal com que o processo foi conduzido, atropelando a dinâmica histórica e antropológica que rege a aculturação.




Os jesuítas e imigração alemã O projeto educacional - Gênese e missão da escola de comunidade #1

A escola comunitária, objeto deste estudo, é por definição uma escola criada pelas comunidades locais, por elas amparada, financiada, sustentada e garantida, para  as demandas  peculiares do primeiro século da implantação e consolidação da colonização alemã o sul do Brasil. Enquanto os católicos organizaram a sua  rede de escolas comunitárias, os protestantes desenvolveram a sua, no mesmo ritmo e com a mesma finalidade. Tanto assim que, em 1938, quando essas escolas foram vítimas da Campanha de Nacionalização, encontravam-se em funcionamento no sul do Brasil, cerca de 1500 dessas instituições, um pouco mais de 50% protestantes e pouco menos católicas. Na sua gênese e natureza a escola de comunidade foi um dos instrumentos para enfrentar os enormes desafios com que os imigrantes se flagraram ao começarem a vida nessas paragens. Com o transplante de dezenas de milhares de camponeses para o sul do Brasil, correram o maior perigo da sua história, de sofrer uma ruptura na continuidade de suas tradições. Elas podem ser resumidas em três.
A primeira, diz respeito às circunstâncias físico-geográficas em que os imigrantes começaram a sua história na nova pátria. Sobre esta questão já falamos várias vezes em outras postagens. A segunda, refere-se ao isolamento na floresta virgem veio somar-se o isolamento em relação aos demais habitantes da região. O contato com os estancieiros da Campanha e de dos Campos de Cima da Serra, a maior barreira foi, pelo menos nas primeiras décadas, a barreira cultural, em especial, a língua. A esta situação somou-se ainda a distância e, como consequência, a impossibilidade de contato e recurso à administração imperial com sede no Rio de Janeiro. A demora com a demarcação dos lotes e a consequente falta de concessão de títulos leais de propriedade motivaram inúmeros conflitos entre os próprios colonos. Além disto, faltava de tudo: as ferramentas indispensáveis para o trabalho, sementes e os alimentos até que amadurecesse a primeira safra.. Era preciso comprar tudo. A situação era agravada com a ausência ou total precariedade das vias de circulação, para escoar produtos ou buscar socorro de qualquer natureza. Uma terceira dificuldade residia no fato de os imigrantes teutos se haverem assentados na Província mais meridional do então Brasil Império. As disputas pelas fronteiras entre o Brasil e seus vizinhos platinos estavam na ordem do dia. Sucediam-se as escaramuças que, por vezes, degeneravam em verdadeiras guerras. Ao mesmo tempo tomou corpo a ideia de fundar no Rio Grande do Sul uma república independente que levou à Guerra dos Farrapos. Durante 10 anos a Província foi palco de uma guerra civil com todas as sequelas de instabilidade, insegurança, imprevisibilidade, agravadas pelos horrores dos conflitos armados. As incipientes  colônias alemãs foram diretamente envolvidas, engajando-se, em parte nas fileiras imperiais ou aliaram-se aos Farrapos. (mais sobre este envolvimento numa outra postagem).
Conscientes, desde a primeira hora, das circunstâncias adversas e decididos a não abrirem mão do passado cultural e religioso, as comunidades puseram mãos à obra. Recorreram a uma solução que fazia parte da sua história cultural e religiosa: a escola. Uma escola que não servia apenas de local de alfabetização, mas representava o remédio mais eficaz contra o receio pela degenerescência cultural. Com essa missão na sua concepção deve ser entendida a missão histórica a escola de comunidade, ou escola comunitária – “Gemeindeschule” de ambos os credos, que tanto bem trouxe aos colonos teutos nos primeiros 120 anos, e depois, a partir de 1940, faz tanta falta.  Pergunta que se coloca  refere-se à natureza dessa escola. Encontramos a  resposta na obra comemorativa do primeiro centenário da imigração: Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924. “De que natureza afinal são as escolas criadas pelos colonos alemães no decorrer dos cem anos? A resposta encontra-se na própria pergunta. Pelo fato de suas escolas terem sido criadas e mantidas com recursos próprios, sem o auxílio nem da Igreja, nem do Estado, não são, nem escolas das Igrejas, nem das paróquias, nem do Estado. São escolas particulares ou comunitárias. Conservá-las entro destas características, representará, para o futuro, uma das maiores preocupações para s populações teutas católicas, já que as criaram e sustentaram”. (Cem anos de germanidade, p. 414). O jornalzinho do professor: “Mitteilungen”, nº 2, 1900, explicita ainda mais a natureza da escola: “A missão da escola elementar (Volkschule) não se resume na instrução, mas  na educação das novas gerações para a moralidade e a religião. Fora verdade a afirmação: quanto mais se sabe, tanto maior é a virtude, nossa época deveria ser rica em virtude e justiça. E apesar de tudo quantos perigos sociais oferece ao mundo uma formação escolar sem educação moral e religiosa”. Uma carta do imigrante Franzen ao cunhado na Alemanha aponta para a mesma direção: “Tudo estaria bem aqui, não carecêssemos de duas coisas: sacerdotes e escolas alemãs”. Numa carta aos superiores o Pe. Lipinski lamenta a decadência da juventude devido à falta de escola. Poucos anos depois, (1859)  o Pe. Klueber, observou depois de pregada a primeira missão popular: “O bem estar terreno dos colonos é dificultado apenas pela precariedade da escola, indispensável para um profunda educação cristã”.
As primeiras tentativas  de implantação de escolas nas comunidades teutas devem ter sido bem modestas. Nada de escolas bem instaladas, anda de material didático além do estritamente necessário e nada de 4professores  com formação especializada. Os prédios escolares do começo eram primitivos. O poeta Homo deixou a descrição: “em meio à picada ergue-se uma casinha, bem perto do caminho. Não é, afinal de contas um palácio, As paredes são trançadas e revestidas com barro em ambos os lados, coisa que certamente não as enfeita. No interior há um só compartimento e o telhado de tabuinhas”.
Se os  prédios escolares eram modestas e até miseráveis, resumia-se  no mínimo essencial. Limitava-se ao aprender a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, o catecismo e a bíblia. Precário e modesto era também o material escolar: um quadro negro rústico, giz, lousa (Schiefertafel) e estilete de ardósia para escrever (Griffel). É da época o registro de um episódio da época que mostra bem o nível e a precariedade das primeiras escolas. A família Hansen morava na Walachei, duas horas da sede da paróquia. Quando pequeno Mathias atingiu a idade escolar, o pai mandou-o para a escola em Dois Irmãos. Foi equipado com a cartilha, lousa, estilete, além de caneta, tinta e papel. O severo mestre-escola examinou tudo que  o pequeno Mathias levava e sentenciou: Tudo bem com a cartilha, lousa e estilete, mas o que pretendes com caneta, tinta e papel? Ora, aprender a escrever, respondeu o Pequeno Mathias. Meu caro, disse o professor. Teu pai o que está pensando. Podes devolvê-lo a ele. Aqui não somos estudantes.
Também os recursos humanos deixavam muito a desejar. As primeiras escolas costumavam ser regidas por pessoas não portadoras de uma habilitação específica para a função. Tratava-se muitas vezes de mestres escola com uma formação um pouco melhor do que os demais colonos ou de pessoas para as quais as lides da colônia eram pesadas demais. Fouquet resumiu o perfil do professor: “Nas pequenas escolas rurais, colonos e artífices faziam às vezes de professores. Tratava-se de pessoas que não  haviam logrado êxito em outros ramos de atividade ou que ainda não se haviam definido por uma determinada profissão. Alguns eram inválidos ou padeciam de alguma deficiência, que os impossibilitava ao exercício dod trabalho pesado. Muitos, porém, eram religiosos que se compadeciam do desamparo intelectual da juventude ou se sentiam no dever de auxiliar aqueles que haviam sido abandonados à própria sorte, em meio a imensas florestas. Tanto a média do nível de ensino, quanto seus resultados não podiam deixar de ser modestos, mormente se se levar em conta que os cursos nunca excediam a três ou quatro anos, sendo a frequência bastante irregular. As longas caminhadas a pé ou a cavalo tinham efeito contraproducente. Além disso, os pais necessitavam dos filhos par o trabalho e nem todos reconheciam a necessidade da frequência à escola. Acresce que para muitos o pagamento das taxas escolares, feito em moeda ou em produtos coloniais, representava pesado encargo. A despeito de tanta dificuldade, foi de tais escolas que saíram os comerciantes e industriais pioneiros da economia sulina. A essas escolas particulares – assim como as suas congêneres das colônias italianas e polonesas –devemos o fato de, no estado do  sul, a porcentagem de analfabetos se manter, há um século, bem abaixo d média Geraldo país. (Fouquet, 1974, p. 171)

Conclui-se assim que escolas comunitárias produziram frutos apreciáveis, não apenas na preservação da integridade cultural e religiosa dos colonos, como também na sua integração psicológica e existencial na comunidade nacional.