Os jesuítas e a imigração alemã O projeto educacional - A natureza da escola comunitária #3

A natureza da escola comunitária explica-se e justifica-se pelos objetivos que perseguia. Estes podem ser resumidos nos seguintes: salvar os imigrantes e seus descendentes da decadência cultural; cultivar a tradição dos antepassados; preservar o nível moral e religioso;  inserir os filhos dos imigrantes como cidadãos brasileiros no todo da nacionalidade brasileira;  formar membros úteis à comunidade num primeiro momento e cidadãos responsáveis e comprometidos num segundo. O que  se pode concluir que a escola comunitária foi uma instituição peculiar e até certo ponto contraditória. Egon Schaden resumiu-a nos seguintes termos: “Refletindo necessariamente os conflitos culturais em que se viam envolvidos os colonos, a escola teuto-brasileira não podia deixar de caracterizar-se pela sua ambiguidade, ou seja, por funções em parte contraditórias. De um lado os colonos compreendiam a conveniência de integrarem-se nomeio nacional; do outro, procuravam transmitir às novas gerações os valores e os padrões de sua cultura”. (Schaden, Egon. In. I Colóquio de Estudos Teuto-Brasileiros, 1966, p. 66).
A natureza estrutural da escola. Os imigrantes não levavam na bagagem nenhum modelo de instituição que pudesse ser útil aqui, mesmo depois de adaptado às circunstâncias peculiares daqui. Tinham uma única certeza: era preciso fazer alguma coisa para não naufragar na deculturação. Recorreram então ao princípio  do bom senso: ”ajuda-te e Deus te ajudará”. Depois que 15 ou 20 colonos começavam a formar um nova comunidade, depois um encontro dominical para o culto, eram convidados a permanecer reunidos para decidirem sobre a instalação de uma escola. Como primeira providência formava-se a Associação Escolar (Schulgemeinde). Dentre seus membros escolhia-se a Direção da Escola (Schulvorstand). A este cabia tomar todas as providências para, num primeiro lugar, providenciar a construção da escola: local, características, recursos, material e execução; providenciar um mínimo de recursos didáticos, contratar um professor e decidir sobre a sua remuneração.
A construção era projetada dentro dos limites, das características e disponibilidade de cada caso e executada em regime de mutirão, de maneira que os recursos financeiros costumavam ser mínimos.
A natureza filosófica da escola. Mesmo admitindo  elementos conflitantes na escola comunitária, ela fundamentava-se em princípios claros de competência. Em 1909 numa assembleia da Associação dos professores foram formuladas as competências sobre a escola e a educação e incluídas  no Manual Didático-Pedagógico do prof. Rudi Schaefer, adotado desde 1920 por todos os professores. No parágrafo introdutório no Manual definem-se as três instituições que têm interesse na escola: “Conforme a ordem estabelecida por Deus, são três os entes envolvidos na educação: a família, a Igreja e o estado. Ao logo da evolução histórica, surgiu a escola como instituição complementar dessas três instituições essenciais”. (Schaefer, Rudi, 1924, p. 5-6). O autor do Manual explicita um pouco mais essa complementariedade da escola e educação;
1º. A escola é, em primeiro lugar, uma instituição auxiliar da família. Cabe aos pais a responsabilidade primeira sobre a educação dos filhos. Quanto mais, entretanto avança a história, tanto mais as novas circunstâncias reclamam a presença dos pais. Desta forma não estão em condições de dedicar aos filhos a atenção suficiente. (...) É nesta altura que entra a escola como instituição auxiliar da família e assume uma parte da educação, principalmente no que se refere à instrução. A escola tem o dever de complementar e acabar a educação começada na família. – 2º. A escola age como instituição auxiliar da Igreja. A escola cristão foi a rigor criada porque uma educação diferente da cristã não é pensável em crianças cristãs. (...) Não se entende como é possível que pais cristãos possam confiar os filhos a uma escola que não se fundamenta em princípios cristãos. – 3º. A escola é uma instituição auxiliar do Estado. Ela deve oferecer a todos os cidadãos, aquela formação necessária para que os cristãos  tenham condições de exercer seus direitos e cumprir seus deveres. (Cf. Schaefer, Rudi, 1924, p. 5-6). Resumindo: 1º. Os pais têm o direito natural e divino sobre a educaçãoo dos filhos, o direito primário, portanto; 2º A Igreja tem o direito sobre a formação espiritual das crianças e a guarda das escolas frequentadas por crianças católicas; 3º O Estado tem o direito de exigir dos seus cidadãos uma formação mínima e pode, caso não houver outra alternativa, introduzir a obrigatoriedade mediante dispositivos policiais. Não lhe assiste, porém, o direito do monopólio ou a coação de uma sistema escolar livre e aconfessional. (Mitteilungen, 1909, nº 9, p. 33.
A natureza didático-pedagógica da escola. A partir da fundação da primeira escola católica em Dois Irmãos, em 1835, até o final do século XIX, a rede que se foi formando, aparentava simplicidade, improvisação e informalidade. Os conteúdos curriculares e a duração do período escolar ofereciam o mesmo perfil. A Associação dos Professores, fundada em 1898, assumiu como primeira tarefa  definir a natureza filosófica da escola e formular e implantar um currículo válido para toda a rede e estabelecer 4 anos como duração do período escolar. Para que tudo pudesse funcionar corretamente, estabeleceram-se algumas  medidas de apoio. Parte-se da suposição  que todas as crianças frequentem a escola; que o ingresso se dê uma vez ao ano e em dia determinado; que este dia seja na segunda-feira após o domingo em que os do quarto ano concluem o período com a comunhão solene. O costume consagrou o domingo da “Pascoela”, primeiro domingo depois da Páscoa, como a data de conclusão e o começo do novo ano escolar na segunda-feira seguinte.
O currículo: I. A Religião era considerada a matéria mais importante e era contemplada com  6 horas semanais; II. À língua alemã e portuguesa reservavam-se 8 horas semanais; III. Para o cálculo previam-se 6 horas semanais; IV.; A disciplina “Realia” contava com  1 hora; V. O canto com 1 hora e para a Merenda 20 minutos.
O ensino da religião tinha como objetivo iniciar as crianças  nos princípios religiosos, para assim cumprir os deveres que lhes cabiam como pessoas humanas e como cristãos, com fidelidade, compreensão e alegria; munir a criança dos conhecimentos da religião ao ponto de serem capazes de acompanhar com proveito instruções, sermões, leituras; Deixar as crianças em condições de, mais tarde,  estivessem em condições de defender a religião dos ataques mais comuns.
Ensino da língua alemã, a oficial da escola. Propunha-se que as crianças aprendessem ler e escrever corretamente; reproduzir corretamente o entendido por palavras ou por escrito; familiarizar-se com as regras da língua, necessárias para a correta interpretação e redação; por fim a intelecção  dos conteúdos, tanto lendo quanto falando. Para alcançar o objetivo usava-se como recursos: a leitura, a memorização, a composição, a ortografia, a caligrafia, noções de semântica e outros recursos úteis no aprendizado da língua.
Ensino da língua portuguesa, disciplina  curricular. O ensino da língua começava no terceiro ano. Era ministrado de acordo com o livro “Sabe Falar Português?”. Consistia em exercícios de leitura, de escrita, tradução, cálculo e exercícios de conversação. Pretendia-se garantir o ponto de partida para um futuro aprendizado da língua nacional. Os resultados dependiam das circunstâncias de cada escola.
O ensino do cálculo. Tinha como finalidade municiar os alunos com os conhecimentos indispensáveis para darem conta da administração da propriedade e sua produção e demais  demandas da vida numa comunidade colonial. Começava no primeiro ano pela familiarização com os números, as relações elementares entre eles, a pequena tabuada. No segundo ano, ensinavam-se as quatro operações básicas, grande tabuada e a iniciação com a multiplicação e divisão com  multiplicadores e divisores compostos. No terceiro ano, cálculo om números dados, sistemas métricos, pesos, medidas, sistema monetário, etc. com ênfase na aplicação prática. No quarto ano, os alunos eram iniciados nos cálculos mais complexos: cálculo decimal, frações, regra de três, cálculo de juros, etc.
Ensino de “Realia”, do latim “coisas reais, objetivas. No contexto escolar incluíam noções de geografia, história natural, estudos da natureza e história. Com essa disciplina pretendia-se a formação de uma cosmovisão (Anschauungsunterricht).

O ensino do canto. Com o ensino do canto, pretendia-se levar as crianças a desenvolver os órgãos vocais e torna-las capazes de participar do canto comunitário durante o culto, ao mesmo tempo em que aprendia cantos profanos. Mensalmente aprendia-se um canto novo, alternando religosos e profanos. Desta maneira, no final do período escolar a criança tivera ocasião para aprender 24 cantos religiosos e 24 profanos.

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