A
já seguidas vezes citada obra “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul,
distingue quatro períodos na evolução da escola comunitária, comparando-a à
construção de uma casa. O primeiro período vai de 1824 a 1850. Com seu pequeno
número de escolas – 10 católicas – assemelha-se à escavação dos fundamentos; o
segundo período – 185-1875 - assemelha-se
à colocação dos fundamentos e o
surgimento dos muros de dentro da terra; o terceiro e o quarto períodos –
1875-1900-1924 – correspondem `conclusão da obra. A missão dos próximos anos
consistiria na decoração interna da obra. A obra citada foi publicada em 1824
e, por isso, não havia condições de detalhar e especificar a “decoração
interna” imaginada pelo autor. De fato a escola comunitária.
Analisando
a escola comunitária teuto-brasileira nas décadas nas década que se seguiu à
publicação da citação, verifica-se que os anos de 1914 a 1938, foram realmente
de aperfeiçoamento do projeto pedagógico, implantado a partir do começo do
século XX. A última fase teve o seu começo com os decretos de nacionalização
das assim chamadas “escola estrangeiras”, de 8 de abril e 12 de dezembro de
1938. Esta fase melancólica estende-se pela década de 1940 e 1950, terminando
com a completa substituição das escolas comunitárias por outras públicas.
Corresponde ao período inglória em que, em nome de uma nacionalismo xenófobo e
equivocado, apagou-se uma das
experiências educacionais mais originais e mais bem sucedidas de que tem notícia na história da educação no
Brasil.
No
primeiro período – 1824-1850 -, foram criadas 10 escolas. Podem ser
classificadas como instituições de emergência, com uma infraestrutura quase
rudimentar: prédios rústicos, material didático reduzido ao mais essencial para
aprender a ler, a escrever e calcular; um currículo mínimo tanto no conteúdo,
quanto na duração que podia ser meses até alguns anos, dependendo da escola;
professores sem formação profissional adequada escolhidos e credenciados e
sustentados pelas comunidades.
No
segundo período – 1850-1875 -, corresponde ao avanço da colonização para o vale
do caí, do Taquari e do Pardo. No mesmo ritmo em que se multiplicavam as
comunidades, fundavam-se novas escolas. Foram 40 no período, um acréscimo de
400%. O fator determinante desse surto de crescimento da escola foi a vinda dos
padres jesuítas alemães, a partir de 1849. Encontraram as comunidades
organizadas e em 10 delas uma escola em funcionamento. Assim não foram obrigados
a começar a obra pastoral simplesmente do nada. A escola com seu professor
serviu de bases logística a partir da qual os padres lançaram os fundamentos de
um bem sucedido projeto pastoral. Preservando-lhe o caráter de escola
comunitária (Gemeindeschule) souberam fazer dela o aliado mais importante da
atividade pastoral. A transformação de muitas delas em “escolas paroquiais” vai
acontecer nas décadas seguintes com a influência cada vez maior dos padres e
dos bispos sobre o ensino católico. No período em foco os nomes dos padres
Klüber, Feldhaus, Steinhart, Kasper, Queri, e outros tiveram mérito especial no
florescimento da escola e da educação. Neste período houve também uma melhora
sensível na formação do pessoal docente. Mas foram principalmente os
professores que moldaram a fisionomia definitiva da escola comunitária durante
a segunda metade do século XIX. Com toda a justiça constam nas obras que contam
a história do período como “a velha guarda” ou se preferirmos os “pais
fundadores” daquela obra. O “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul”, registrou
os nomes dos mais destacados. Em Porto Alegre destacaram-se os nomes de Clemens
Wallau e Volkmer; Müssnich no Morro dos
Bugres em Dois Irmãos, entre 1847-1880; M. Büttenbender em Frankental, Dois
Irmãos, 1874-1919; Vier no Herval, Dois Irmãos; Adams em Dois Irmãos e Maratá
1863-1913; Wickert na Walachei 1859-1872;
W.Jung Picada Café 1883-1913; C. Fuher Picada Café 1875-1890; Birnfeld
Picada Café 1845-1873;Ody Linha Nova e São José do Hortêncio 1861-1911; Back
São José e Linha Francesa durante 41 anos; Pfiliipsen D. Diogo pro 6 anos;
Schmidt em Estrela e Santa Cruz;
Hillesheim em Santa Cruz por 43 anos; Brixner e Somnis em Santa Cruz, 42
e 35 anos respectivamente. Estes e muitos outros moldaram a fisionomia
característica da assmim chamada “escola antiga”. Neste período aconteceu uma
elevação considerável no nível de formação oferecida pelas escolas ao mesmo
tempo em que os primitivos e rústicos prédios deram lugar a construções mais
sólidas, mais amplas e mais confortáveis, somadas aos métodos pedagógicos e
material didático mais apurados.
No
terceiro período – 1875-1900 – a escola comunitária alcance a maturidade como
sistema escolar. Numericamente a rede de escolas triplicou, 146 escolas, o que
bem demonstra que na medida em a colonização avançava surgiam, no mesmo ritmo,
as escolas. Chegara o momento de reunir as escolas que funcionavam
independentes umas das outras e reuni-las num sistema, com a mesma duração, com
o mesmo currículo, proposta pedagógica unificada e qualificação docente. Neste
período efetivadas várias iniciativas que garantiram qualidade à escola sem
prejudicar sua expansão numérica. Até
aquela altura o pioneirismo dos professores e das associações escolares,
bastavam para garantir a qualidade do ensino e suprir as carências mais
elementares da formação profana e religiosa dos filhos dos colonos. Mas com a
dispersão e a multiplicação acentuada do sistema, somados à entrada sempre mais
professores, fez-se sentir a necessidade de implantar uma estrutura
organizacional, conferindo unidade de ação ao pessoal docente, unidade da
proposta pedagógica, unidade de currículo, uniformidade da duração do período
escolar e formação adequada dos professores.
Os padres Steinhart e Gasper formaram com os
professores Grimm, Kniest e os irmãos Rückert uma comissão que planejou uma
Associação para reunir os professores e concretizar os ajustes a serem dados à
escola. No Congresso dos católicos em 1898, em Harmonia no município de
Montenegro, foi fundada a “Associação dos Professores e Educadores Católicos do
Rio Grande do Sul”. Esta encarregou-se pela formulação, implantação e coordenação
das iniciativas que foram tomadas no período seguinte.
O
quarto período – 1900-1938 – pode ser definido como o consolidação definitiva
do sistema e a colheita dos frutos em termos de formação de bom nível das
gerações que frequentaram a escola naqueles 40 anos. Foi o apogeu do projeto
educacional em nível elementar. Seguiu-se a sua destruição com os decretos de nacionalização
da escola de 1938. Marca também a passagem da “escola antiga” para a “escola
nova”. Nova porque orientava-a uma proposta pedagógica unificada, currículo
unificado, duração do período escolar de 4 anos, pessoal docente de alto nível
e uma coordenação segura sob a responsabilidade da Associação dos Professores,
que costumava realizar suas assembleias gerais por ocasião dos Congressos dos
Católicos. Nesses encontros faziam o balanço da situação, combinavam
estratégias, propunham correções de rumo e decidiam novas iniciativas. A última
relação das escolas em funcionamento com os respetivos professores, é de 1936.
No total somavam 398 escolas frequentadas por cerca de 20000 alunos.
Uma
vez aplicados os decretos de nacionalização os efeitos sobre as escolas
comunitárias foram mortais e irreversíveis. Primeiro, em termos puramente
numéricos, das aproximadamente 1500 escolas comunitárias, somadas as católicas
e evangélicas, existentes em 1938, em 1945, sobraram talvez 200. As demais, ou
se transformaram em escolas púbicas ou fecharam. Em Segundo lugar, desapareceu
do cenário colonial a figura inconfundível do professor, mestre e educador,
líder comunitário e conselheiro, diácono leigo, enfim, a figura referência da
comunidade. Em terceiro lugar, o Estado multiplicou ao indefinido os gastos com
a educação. Até aquela altura , as comunidades haviam-se encarregado de tudo,
deste a infraestrutura, começando pelo terreno, passando pela construção do
prédio, até a aquisição do material
didático, a contratação, remuneração e o controle da eficiência dos
professores. Ao assumir tais funções, o Estado jamais seria capaz de mostrar a
eficiência de uma comunidade local, comprometida diretamente com a educações
dos seus filhos. Em quarto lugar, fazendo-se um balanço dos resultados da
nacionalização, constata-se que a curto prazo todos saíram perdendo: o Estado,
a escola e a educação e as comunidades. Perderam as autoridades porque deixaram
escapar uma ótima oportunidade de se tornarem
simpáticas aos colonos. No íntimo, salvo
raras exceções, eles aspiravam a uma mais rápida e mais completa integração no
corpo da nacionalidade brasileira. A maneira truculenta e radical, empregando a
ação policial, só serviu para confirmar suspeitas, avivar desconfianças, criar
animosidades, e radicalizar posições, que mesmo hoje, quase 80 anos passados,
cá e lá ainda vem à tona. Em quinto lugar, a perda da escola comunitária
resultou numa geração de quase analfabetos. Os mais atingidos pelo processo foi
a geração em idade escolar entre os anos de 1938 e 1950. A alfabetização para
uma boa parte dessas pessoas começou ainda a ser feita em alemão, utilizando
inclusive a escrita gótica. Proibida de uma hora para a outra a língua alemã, a
escrita e os livros em alemão, até aprender, melhor talvez, realfabetizar de
acordo com as exigências dos decretos, o período escolar de quatro anos tinha
passado. A grande maioria dos egressos das escolas nacionalizadas, no período
descrito, pouco aprenderam além de escrever o nome. Não falam nem o alemão nem o
português corretamente. Comunicam-se num dialeto fortemente mesclado com vocábulos portugueses, truncados e
germanizados. Perderam o interesse pela leitura, pelo canto, enfim, pela
cultura. O que se questiona não é necessidade de inserir sempre melhor as
diversas etnias no corpo da nacionalidade, mas forma precipitada, irracional e
brutal com que o processo foi conduzido, atropelando a dinâmica histórica e
antropológica que rege a aculturação.