A
escola comunitária, objeto deste estudo, é por definição uma escola criada
pelas comunidades locais, por elas amparada, financiada, sustentada e garantida,
para as demandas peculiares do primeiro século da implantação
e consolidação da colonização alemã o sul do Brasil. Enquanto os católicos
organizaram a sua rede de escolas
comunitárias, os protestantes desenvolveram a sua, no mesmo ritmo e com a mesma
finalidade. Tanto assim que, em 1938, quando essas escolas foram vítimas da
Campanha de Nacionalização, encontravam-se em funcionamento no sul do Brasil,
cerca de 1500 dessas instituições, um pouco mais de 50% protestantes e pouco
menos católicas. Na sua gênese e natureza a escola de comunidade foi um dos
instrumentos para enfrentar os enormes desafios com que os imigrantes se
flagraram ao começarem a vida nessas paragens. Com o transplante de dezenas de
milhares de camponeses para o sul do Brasil, correram o maior perigo da sua
história, de sofrer uma ruptura na continuidade de suas tradições. Elas podem
ser resumidas em três.
A
primeira, diz respeito às circunstâncias físico-geográficas em que os
imigrantes começaram a sua história na nova pátria. Sobre esta questão já
falamos várias vezes em outras postagens. A segunda, refere-se ao isolamento na
floresta virgem veio somar-se o isolamento em relação aos demais habitantes da
região. O contato com os estancieiros da Campanha e de dos Campos de Cima da
Serra, a maior barreira foi, pelo menos nas primeiras décadas, a barreira
cultural, em especial, a língua. A esta situação somou-se ainda a distância e,
como consequência, a impossibilidade de contato e recurso à administração
imperial com sede no Rio de Janeiro. A demora com a demarcação dos lotes e a
consequente falta de concessão de títulos leais de propriedade motivaram
inúmeros conflitos entre os próprios colonos. Além disto, faltava de tudo: as
ferramentas indispensáveis para o trabalho, sementes e os alimentos até que
amadurecesse a primeira safra.. Era preciso comprar tudo. A situação era
agravada com a ausência ou total precariedade das vias de circulação, para
escoar produtos ou buscar socorro de qualquer natureza. Uma terceira
dificuldade residia no fato de os imigrantes teutos se haverem assentados na
Província mais meridional do então Brasil Império. As disputas pelas fronteiras
entre o Brasil e seus vizinhos platinos estavam na ordem do dia. Sucediam-se as
escaramuças que, por vezes, degeneravam em verdadeiras guerras. Ao mesmo tempo
tomou corpo a ideia de fundar no Rio Grande do Sul uma república independente
que levou à Guerra dos Farrapos. Durante 10 anos a Província foi palco de uma
guerra civil com todas as sequelas de instabilidade, insegurança, imprevisibilidade,
agravadas pelos horrores dos conflitos armados. As incipientes colônias alemãs foram diretamente envolvidas,
engajando-se, em parte nas fileiras imperiais ou aliaram-se aos Farrapos. (mais
sobre este envolvimento numa outra postagem).
Conscientes,
desde a primeira hora, das circunstâncias adversas e decididos a não abrirem
mão do passado cultural e religioso, as comunidades puseram mãos à obra. Recorreram
a uma solução que fazia parte da sua história cultural e religiosa: a escola.
Uma escola que não servia apenas de local de alfabetização, mas representava o
remédio mais eficaz contra o receio pela degenerescência cultural. Com essa
missão na sua concepção deve ser entendida a missão histórica a escola de
comunidade, ou escola comunitária – “Gemeindeschule” de ambos os credos, que
tanto bem trouxe aos colonos teutos nos primeiros 120 anos, e depois, a partir
de 1940, faz tanta falta. Pergunta que
se coloca refere-se à natureza dessa
escola. Encontramos a resposta na obra
comemorativa do primeiro centenário da imigração: Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924. “De que
natureza afinal são as escolas criadas pelos colonos alemães no decorrer dos
cem anos? A resposta encontra-se na própria pergunta. Pelo fato de suas escolas
terem sido criadas e mantidas com recursos próprios, sem o auxílio nem da
Igreja, nem do Estado, não são, nem escolas das Igrejas, nem das paróquias, nem
do Estado. São escolas particulares ou comunitárias. Conservá-las entro destas
características, representará, para o futuro, uma das maiores preocupações para
s populações teutas católicas, já que as criaram e sustentaram”. (Cem anos de
germanidade, p. 414). O jornalzinho do professor: “Mitteilungen”, nº 2, 1900,
explicita ainda mais a natureza da escola: “A missão da escola elementar
(Volkschule) não se resume na instrução, mas
na educação das novas gerações para a moralidade e a religião. Fora
verdade a afirmação: quanto mais se sabe, tanto maior é a virtude, nossa época
deveria ser rica em virtude e justiça. E apesar de tudo quantos perigos sociais
oferece ao mundo uma formação escolar sem educação moral e religiosa”. Uma
carta do imigrante Franzen ao cunhado na Alemanha aponta para a mesma direção:
“Tudo estaria bem aqui, não carecêssemos de duas coisas: sacerdotes e escolas
alemãs”. Numa carta aos superiores o Pe. Lipinski lamenta a decadência da
juventude devido à falta de escola. Poucos anos depois, (1859) o Pe. Klueber, observou depois de pregada a
primeira missão popular: “O bem estar terreno dos colonos é dificultado apenas
pela precariedade da escola, indispensável para um profunda educação cristã”.
As
primeiras tentativas de implantação de
escolas nas comunidades teutas devem ter sido bem modestas. Nada de escolas bem
instaladas, anda de material didático além do estritamente necessário e nada de
4professores com formação especializada.
Os prédios escolares do começo eram primitivos. O poeta Homo deixou a
descrição: “em meio à picada ergue-se uma casinha, bem perto do caminho. Não é,
afinal de contas um palácio, As paredes são trançadas e revestidas com barro em
ambos os lados, coisa que certamente não as enfeita. No interior há um só
compartimento e o telhado de tabuinhas”.
Se
os prédios escolares eram modestas e até
miseráveis, resumia-se no mínimo
essencial. Limitava-se ao aprender a ler, escrever, as quatro operações de
aritmética, o catecismo e a bíblia. Precário e modesto era também o material
escolar: um quadro negro rústico, giz, lousa (Schiefertafel) e estilete de
ardósia para escrever (Griffel). É da época o registro de um episódio da época
que mostra bem o nível e a precariedade das primeiras escolas. A família Hansen
morava na Walachei, duas horas da sede da paróquia. Quando pequeno Mathias
atingiu a idade escolar, o pai mandou-o para a escola em Dois Irmãos. Foi
equipado com a cartilha, lousa, estilete, além de caneta, tinta e papel. O
severo mestre-escola examinou tudo que o
pequeno Mathias levava e sentenciou: Tudo bem com a cartilha, lousa e estilete,
mas o que pretendes com caneta, tinta e papel? Ora, aprender a escrever,
respondeu o Pequeno Mathias. Meu caro, disse o professor. Teu pai o que está
pensando. Podes devolvê-lo a ele. Aqui não somos estudantes.
Também
os recursos humanos deixavam muito a desejar. As primeiras escolas costumavam
ser regidas por pessoas não portadoras de uma habilitação específica para a
função. Tratava-se muitas vezes de mestres escola com uma formação um pouco
melhor do que os demais colonos ou de pessoas para as quais as lides da colônia
eram pesadas demais. Fouquet resumiu o perfil do professor: “Nas pequenas
escolas rurais, colonos e artífices faziam às vezes de professores. Tratava-se
de pessoas que não haviam logrado êxito
em outros ramos de atividade ou que ainda não se haviam definido por uma determinada
profissão. Alguns eram inválidos ou padeciam de alguma deficiência, que os
impossibilitava ao exercício dod trabalho pesado. Muitos, porém, eram religiosos
que se compadeciam do desamparo intelectual da juventude ou se sentiam no dever
de auxiliar aqueles que haviam sido abandonados à própria sorte, em meio a
imensas florestas. Tanto a média do nível de ensino, quanto seus resultados não
podiam deixar de ser modestos, mormente se se levar em conta que os cursos
nunca excediam a três ou quatro anos, sendo a frequência bastante irregular. As
longas caminhadas a pé ou a cavalo tinham efeito contraproducente. Além disso,
os pais necessitavam dos filhos par o trabalho e nem todos reconheciam a
necessidade da frequência à escola. Acresce que para muitos o pagamento das
taxas escolares, feito em moeda ou em produtos coloniais, representava pesado
encargo. A despeito de tanta dificuldade, foi de tais escolas que saíram os
comerciantes e industriais pioneiros da economia sulina. A essas escolas
particulares – assim como as suas congêneres das colônias italianas e polonesas
–devemos o fato de, no estado do sul, a
porcentagem de analfabetos se manter, há um século, bem abaixo d média Geraldo
país. (Fouquet, 1974, p. 171)
Conclui-se
assim que escolas comunitárias produziram frutos apreciáveis, não apenas na
preservação da integridade cultural e religiosa dos colonos, como também na sua
integração psicológica e existencial na comunidade nacional.