Os jesuítas e a imigração alemã - o projeto pastoral #2


Na postagem anterior apresentamos um resumo sobre o começo da atividade dos jesuítas alemães na colônia alemã e o esboço do projeto pastoral que seria implantado no decorrer das décadas seguintes. Nesta oferecemos um quadro evolutivo do Projeto Pastoral, por meio de uma sólida organização paroquial. Os imigrantes alemães, como também, a partir de 1870, italianos, poloneses e outros costumavam organizar-se em comunidades fundamentadas na família, na religião, no trabalho, na solidariedade, no lazer, etc. Como se pode concluir estamos diante de um cenário próximo do ideal, para fazer prosperarem paróquias dinâmicas, capazes de um grande potencial de mobilização popular, de recrutamento de vocações sacerdotais e religiosas e iniciativas  em favor da promoção humana material e espiritual. Além disto pode-se afirmar que neste território gestou-se e consolidou-se a matriz, o paradigma de organização comunitária, que serviu de modelo para todas as fronteiras de colonização posteriores  no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Um outro elemento que precisa ser destacado é o fato de que na região encontrarmos uma composição étnica que inclui uma porcentagem significativa de elementos  de todas as procedências, menos a indígena. Na parte sul das bacias fluviais do Guaiba encontramos os lusos e açorianos predominando, na parte média os imigrantes alemães e na parte superior, italianos, poloneses demais. Desta forma definiram-se duas fronteiras históricas de contato inter-étnico e inter-religioso. No sul predominava o catolicismo típico da tradição lusa. Na fronteira norte multiplicavam-se as comunidades católicas dos italianos e poloneses. Entre os luso-brasileiros católicos no sul e os ítalo-brasileiros, também católicos no norte, fixaram-se os teuto-brasileiros meio a meio católicos e protestantes. Geograficamente estes últimos ocuparam os cursos médios dos rios e não demorou desenvolveram comunidades de nível econômico e bem estar apreciável. Foi nestas comunidades em que os jesuítas alemães foram progressivamente implantando e consolidando paróquias. Dois Irmãos e São José do Hortêncio, em 1849, foram as duas primeiras. A elas seguiram-se, São Leopoldo em 1859, Santa Cruz do Sul, em 1865, Estrela em 1873. Eram verdadeiras mega-paróquias com jurisdição sobre territórios que hoje abrigam dezenas de paróquias e  várias dioceses. De Dois Irmãos, a de menor território, foi desmembrada em 1867 a paróquia de Bom Jardim (Ivoti). Já a jurisdição de São José do Hortêncio cobria todo o vale do Caí, as cabeceiras do rio das Antas, até os Campos de Vacaria. Dela foram desmembradas as paróquias Montenegro em 1872, Bom Princípio em 1873, São Salvador (Tupandi) em 1875, São Sebastião do Cai em 1881, Feliz em 1884, Harmonia em 1900, Nova Petrópolis em 1906, Gramado em 1907. A jurisdição  de São Leopoldo estendia-se sobre o vale  dos Sinos até Santo Antônio da Patrulha. Dela originaram-se as paróquias de  Hamburgo Velho em 1895, Taquara em 1898, Rolante em 1915. O Território original sob a jurisdição da paróquia de Estrela, criada em 1873, cobria toda a bacia do rio Taquari e Antas, incluindo as colônias italianas e polonesas de Antônio Prado, Veranópolis, Ipê, Cotiporã, Casca, Guaporé, Encantado, Roca Sales e Lajeado. De Estrela originaram-se, numa primeira fase, às paróquias de Lajeado em 1902, Poço das Antas em 1905 e Roca Sales em 1909. No vale do rio Pardo a paróquia matriz foi a de Santa Cruz, criada em 1865, sucessivamente desmembrada, dando origem à  paróquia de Venâncio Aires em 1891, Candelária em 1899,  Sobradinho em 1917 e Monte Alverne em 1918.
A organização das paróquias sempre seguiu o mesmo padrão. Depois que 15 a 20 moradores se haviam fixada em uma nova piada ou linha, eles se reuniam para formar uma comunidade. As “capelas e igrejas”, se é que podem ser chamadas assim, no começo da formação de uma comunidade na mata virgem, não eram vistosas. A construção dava-se em regime de mutirão. Todos colaboravam com o que tinham a oferecer. Alguém cedia uma parcela do seu lote para a construção da capela e instalação do cemitério. Note-se,  que a capela servia de escola durante a semana donde vem o conceito de escola-capela. Outros doavam madeira e demais materiais de construção, outros ainda entravam com suas juntas de bois e carroças para o transporte. Ninguém se negava a contribuir com dias de trabalho na fase da construção. Nada de projetos desenhados  por arquitetos, aprovados pelas prefeituras e pelo bispo.  A obra concretizava-se sob a liderança de alguém da comunidade. Toda a comunidade envolvia-se de alguma forma na construção da sua escola-capela, onde iriam rezar e cantar em comunidade, lugar de encontros dominicais que serviam também como momentos de papos amenos, atualização de notícias, troca de experiências e, porque não, da dar início a um namoro ou fechar um negócio. A escola-capela não passava de uma construção um pouco maior e mais bem elaborada do que as casas dos colonos. Não costumavam passar muitos anos, uma década ou até menos, depois de consolidadas as comunidades, para que as capelinhas de emergência fossem substituídas por templos mais amplos, arquitetonicamente mais estéticas e mais duráveis. A aspiração de qualquer comunidade era ter a sua capela de pedra ou tijolo ou sua igreja paroquial vistosa, com torre imponente, abrigando um, dois ou três sinos. E, quando entrava em questão a construção da igreja matriz da paróquia, as comunidades que a formavam entravam em clima de emulação que dificilmente deixava de envolver alguém. Isso não impedia que houvesse opiniões conflitantes e desentendimentos nos detalhes de suas execução. Obviamente a comunidade arcava com os custos da construção, e foi neste particular que se manifestava a generosidade. Não raro um colono doava uma área para a construção, um outro  fornecia as pedras ou providenciava gratuitamente um grande volume de frete. Um terceiro colaborava como pedreiro sem pedir remuneração. Aos padres cabia apenas conquistar os homens certos para as diferentes tarefas. Não raro, entretanto, participavam pessoalmente.
Informações pormenorizadas e mais abrangentes sobre o tipo de atividade pastoral exercida pelos jesuítas alemães na implantação e consolidação do projeto pastoral do qual nos ocupamos, podem ser encontradas no livro: “Jesuítas no sul do Brasil – projeto pastoral”. Arthur Bl. Rambo. Ed. Unisinos, 2013. Nele estão reproduzidos os relatos dos mais destacados missionários na segunda metade do século XIX e na primeira década do século XX, época em que a primeira e segunda geração dessas paróquias contavam em seus territórios os imigrantes italianos, poloneses, lituanos, teuto-russos e outros vindos da Europa Central e do Norte, além de luso-brasileiros e afrodescendentes.

Pe. Wilhelm Dörlemann –pároco de Dois Irmãos  Pe. Eugen Steinhart – pároco de Estrela 





A história completa do “Projeto Pastoral” implantado pelos jesuítas alemães no sul do Brasil, pode ser encontrada no livro: “Jesuítas no sul do Brasil – projeto pastoral. Arthur Bl. Rambo. Edit. Unisinos, 2013, 333 p.

Os jesuítas e a imigração alemã – o projeto pastoral


O Pe. Augustin Lipinski foi um silesiano austríaco nascido em 1809, dotado de um caráter enérgico, que entrara na Companhia de Jesus com 20 anos. O apaziguamento dos agricultores sublevados na revolução de 1848, rendera-lhe méritos especiais. Chegou ao Brasil com 40  anos, em pleno vigor físico.
O Pe. Josepf Sedlac nasceu, em 1812, na diocese de Budweis  na Boêmia. Ordenado sacerdote diocesano em 1837 trabalhou na cura de almas da diocese durante sete anos quando entrou na Companhia de Jesus.
O terceiro do grupo dos primeiros jesuítas de língua alemã foi o irmão Anton Sontag, descrito como modelo de bom irmão, inteligente e de grande versatilidade.
Os três embarcaram para o Brasil no dia 1º de fevereiro de 1849. Depois de passar por  uma tempestade no Mar do Norte e muitos perigos na travessia do Atlântico, pisaram finalmente terra firme em Rio Grande no dia 14 de julho. Chegaram ao cenário de trabalho no dia 14 de agosto. Este dia de agosto não foi um dia qualquer para o sul do Brasil. Significou um marco de repercussão histórica de difícil avaliação, não só para o futuro dos imigrantes alemães, como para a história das demais vertentes étnicas radicadas na região.
Na data em que os três jesuítas começaram as suas atividades na colônia alemã de São Leopoldo, a situação da organização eclesiásticas no Sul era, em resumo, esta. Até o ano de 1842 o Rio Grande do Sul estava sob a jurisdição da diocese do Rio de Janeiro. Em maio daquele anos Pio IX criou a diocese do Rio Grande do Sul. A posses do primeiro bispo, D. Feliciano José Rodrigues Pimenta, ocorreu somente em 30 de julho de 1853. O novo bispo não era nenhum intelectual de renome. Como pároco da cidade de Encruzilhada do Sul gozava de grande estima do povo. Ele próprio dedicava-se à agricultura e, ao ser convocado pelo papa para assumir e organizar a nova diocese, pode ser comparado a Cincinato, chamado para o serviço divino quando arava sua lavoura. A freguesia de Encruzilhada era na época uma exceção pela vida sacramental intensa, coisa rara nas demais.
Em 1849, ano da chegada dos três primeiros jesuítas de fala alemã, a região colonial estava sob a jurisdição de três paróquias: São José do Hortêncio, desmembrada da paróquia de Sant’Ana em 1848, Dois Irmãos, pertencente a São Leopoldo e toda a margem direita do Caí  sob a jurisdição de Triunfo. Ao tomar posse dos seus postos de trabalho encontraram as comunidades de colonos em vias de formação e não poucas já consolidadas em torno de suas capelas, escolas e cemitérios.  A Missão que começava a ser implantada encontrava-se sob a jurisdição da Província dos jesuítas da Espanha. Em 1861 passou para a Província Romana e em 1869 para a Província da Alemanha e, finalmente, em 1827 Província autônoma com jurisdição sobre Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso.
A situação religiosa dos colonos, privados durante um quarto de século de assistência religiosa regular, encontrava-se seriamente comprometida. Protestantes e católicos somavam aproximadamente a metade nas comunidades. Este estado de coisas oferecia sérios problemas para exercício da cura de almas. A consequência mais imediata foram os casamentos mistos e a indiferença religiosa. A prolongada  privação de uma cura de almas regular, generalizara entre os católicos uma espécie de embotamento religioso. Apesar  de tudo, porém, a necessidade religiosa estava viva debaixo das cinzas. Na falta de sacerdotes recorreram a um culto divino leigo e confiaram a sua condução a um colono escolhido do seu meio. Este, mais piedoso do que sensato, desgarrou-se pouco a pouco do caminho reto, permitindo-se os procedimentos mais inusitados. Para completar o cenário em que os missionários iriam trabalhar, temos as difíceis condições de locomoção na região. O cavalo ou a mula era a única opção para percorrer, além das grandes distâncias em trilhas abertas na mata, caminhos precários e estradas primitivas. Tudo isso tornava as cavalgadas solitárias por horas, cansativas, desgastantes e, não  raro, perigosas. Mais tarde houve casos fatais  em que padres  sofreram quedas sérias de suas montarias e três afogaram-se na travessia de rios.
Foi neste contexto social, religioso e físico-geográfico que os padres Lipinski e Sedlac e o irmão Sontag fixaram residência em Dois Irmãos e deram início a obra missionária que evoluiria nas décadas que se seguiram para uma autêntica obra civilizatória. Ainda no mês de agosto o Pe. Lipinski empreendeu uma cavalgada de reconhecimento pelo território povoado por imigrantes alemães. Partiu de Dois Irmãos fazendo a primeira escala em Bom Jardim (Ivoti), para depois visitar São José do Hortêncio. As três localidades polarizavam entre 3500 e 4000 almas.
O Pe. Lipinski fixou residência em Dois Irmãos e o Pe. Sedlac em  São José do Hortêncio. A fisionomia da colônia foi mudando pouco a pouco. Crescia a piedade e a observância do domingo e dias santificados, enquanto cediam na mesma proporção as diversões menos recomendadas, em especial a bebida e o jogo e os casamentos irregulares eram postos em dia. Logo no começo veio à tona quão inconveniente tinha sido a longa privação de uma assistência espiritual regular, somada à convivência  com os protestantes. A animosidade contra os padres tinha sua origem basicamente em duas questões nas quais o direito canônico os impedia  contemporizar: os casamentos mistos e os padrinhos protestantes em batizados católicos. Já pelo ano da chegada em 1849, o clima de hostilidade contra os padres atingira um nível crítico. O Pe. Lipinski encontrava-se em Hamburgo Velho por ocasião da festa da Imaculada Conceição, 8 de dezembro. Em tom provocador foi-lhe deixado claro de que, sem demora, os padres seriam obrigados a partir. Foi desenterrado o velho boato a respeito das fortunas, dos tesouros dos jesuítas que, afirmava-se, teriam a seu dispor navios para o transporte marítimo. Também não faltaram tentativas de denegrir moralmente os missionários, espalhando o boato de que mantinham mulheres em suas residências. Chegou-se ao ponto de tornar pública a notícia absurda de que os padres impunham como penitência às mulheres casadas com protestantes o envenenamento dos maridos. A situação ficou tão grave que o Pe. Lipinski sofre um atentado perto de “14 Colônias”. Felizmente nenhum dos três disparos o atingiu.
 De São Leopoldo, foco de todas as intrigas, foi mandado um libelo acusatório ao Presidente da Província. À essa altura  algumas senhoras do círculo de relações do Presidente, haviam tomado conhecimento do documento e alertaram o Pe. Martos, superior dos padres. Em vista desses acontecimentos o Pe. Martos, superior da Missão com residência em Porto Alegre, chamou o Pe. Lipinski. Partindo de Hamburgo Velho ouviu ofensas gritadas pelo povo e em São Leopoldo foi brindado com “gentilezas” nada agradáveis por parte do pároco. O Pe. Martos e o Pe. Lipinski foram dar explicações ao Presidente da Província (note-se que na época a autoridade civil também era autoridade religiosa). Este concluiu que não havia nada de errado no comportamento dos missionários e foi em pessoa no embarque do Pe. Lipinski, tirou o chapéu e despediu-se em voz alta para que todos ouvissem: “Boa viagem padre Agostinho!”

A tempestade mal acalmara quando um novo contratempo veio a perturbar a tranquilidade dos dois jesuítas. Desta  vez partiu do pároco de São Leopoldo. Este endereçou ao bispo um libelo acusatório, relatando tudo o que de desfavorável aos padres lhe tinha chegado aos ouvidos. O bispo mandou uma severa advertência aos dois padres. Nela alertava que se ativessem estritamente ao que dispunha o pároco e se abstivessem de ministrar os sacramentos sem a sua autorização. O Pe. Lipinski doente mandou o escrito do bispo ao superior da Missão em Porto Alegre. Este deslocou-se até Dois Irmãos para a avaliar os fatos. Constatou que, no fundo, tratava-se dos emolumentos. Depois de entender-se com o pároco, foi a Dois Irmãos buscar cópias autenticadas das respectivas autoridades, e voltou a Porto Alegre para encontrar-se com D. Feliciano. Este reconheceu a precipitação no envio da admoestação, reafirmou o reconhecimento e o apreço pelo trabalho dos padres e o desencontro estava superado.
Passados 10 anos o Pe. Verdugo, superior da Missão, percorreu as colônias alemãs de  Dois Irmãos, São José do Hortêncio e Bom Jardim. Deixou a seguinte avaliação do que viu: Entre uns preservou-se o espírito religioso, entre os outros os bons costumes e entre todos a bela harmonia, mérito depois de Deus, dos nossos Padres. Evitam propositadamente ocupar-se com as diferenças doutrinárias e religiosas. Em compensação insistem, para o bem de todos, numa vida de costumes puros. Desta maneira preserva-se a boa ordem e harmonia nas famílias. O jogo e as bebidas vão desaparecendo e o número de nascimentos extramatrimoniais diminuiu a tal ponto que entre os católicos se igualam a zero. Alimenta-se um verdadeiro horror aos casamentos mistos. Os costumes e hábitos alemães, alicerçados no amor, na vontade de trabalhar, na submissão dos filhos e na sua educação rigorosa, permanecem em pé.
O relato do Pe. Verdugo não deixa dúvidas de que no Rio Grande do Sul germinava a semente de uma obra que prometia frutos abundantes para o futuro do catolicismo não só daquela região como de todo o País. As décadas que se seguiram comprovaram à saciedade este prognóstico. O constante aporte de novas levas de imigrantes, o crescimento vegetativo dos já aqui radicados, somados à multiplicação e a intensificação das necessidades materiais e espirituais das comunidades coloniais, reclamavam reforços urgentes para auxiliar os dois primeiros jesuítas na monumental obra evangelizadora e civilizatória em gestação. Atentos aos fatos, os Superiores da Ordem, enviaram, em 1858, mais dois sacerdotes, os padres Bonifaz Klüber e Michael Kellner, acompanhados do irmão Franz Ruhkamp.

O texto completo sobreo Projeto Pastoral dos Jesuítas no Sul encontra-se no livro: Os Jesuítas no Sul do Brasil – o projeto pastoral. Arthur Blasio Rambo, Edit. Unisinos, 2013

Esquerda: igreja matriz de Tupandi e seu                              Direita: igreja matriz de Tupandí
Primeiro pároco: Pe.Mathias Pfluger, SJ                                  


Os jesuítas no sul do Brasil


Desde o descobrimento, a América Latina tornara-se o cenário  em que os jesuítas, mais do que os membros de qualquer outra ordem religiosa, implantaram e desenvolveram projetos de cristianização e de promoção humana. Universalmente  famosa e conhecida, foi a obra por eles edificada durante os séculos XVI, XVII e XVIII, tanto nas colônias espanholas quanto nas portuguesas. Podem ser encontrados no Chile liderando iniciativas no ensino e educação, na instalação de oficina, tipografias, artesanatos, farmacologia, além da catequese aos nativos e filhos dos espanhóis. Estão presentes no Chaco argentino civilizando os nativos e implantando colégios importantes em cidades como Córdova, Rosário e Tucumán. Sua obra mais conhecida foram as missões entre os nativos e o complexo de Reduções espalhadas pelo norte da Argentina, sul do Paraguai e sul do Brasil. A partir de 1549 os jesuítas foram presença obrigatória no Brasil. Duas atividades destacaram-se: a catequese entre os nativos e a implantação de colégios nos centros mais importantes  como São Paulo, Salvador, Recife, Rio de Janeiro e outros. A história do Brasil não pode ser escrita sem tomar em conta a contribuição dos filhos de Santo Inácio. Os nomes de Nóbrega e José de Anchieta são familiares a qualquer criança do ensino fundamental.
Depois da expulsão das colônias latino-americanas na década de 1750 e, mais ainda, depois da supressão da Ordem em 1773, as obras dos jesuítas foram entregues ao arbítrio, à cobiça, aos interesses escusos e à hostilidade para com a Igreja. Relatos chegados até nós, documentos históricos, correspondências da época, além das imponentes ruinas dos templos, reduçõe e aldeamentos testemunham o tamanho e a importância  da obra dos jesuítas daqueles quase dois séculos, tanto assim que as ruinas das reduções foram declaradas patrimônio da humanidade.
Restaurada a Ordem em 1914, em poucos anos, os filhos de Santo Inácio de Loyola, como que emergindo de um “retiro compulsório de 40 anos”, voltaram aos cenários apostólicos, para dar continuidade à obra interrompida. Retomaram o apostolado da educação, reassumiram as missões populares, recomeçara a conquista para o cristianismo dos povos autóctones e acompanharam os imigrantes europeus em busca de novas pátrias. Foi em meio a essa dinâmica que em 1842 chegaram ao sul do Brasil os primeiros jesuítas da Ordem restaurada. Agora sua missão consistiu, não em catequizar índios, mas em dar assistência religiosa aos núcleos  de povoamento em formação, cuidar da educação profana e religiosa e dar andamento a ambiciosos projetos de promoção humana.
Os primeiros jesuítas a trabalharem no sul do Brasil depois da restauração da Ordem, foram os espanhóis expulsos da Argentina pelo ditador Rosas em 22 de março de 1841. O superior da América Latina, Pe. Mariani Verdugo refugiou-se em Montevideo. O Pe. Verdugo e seu companheiro, Pe. Sadó, viajaram para o Rio de Janeiro onde contavam com um amigo e defensor dos jesuítas, na pessoa do internúncio apostólico Ambrósio Campodonico. Notícias da precária situação religiosa no Rio Grande do Sul levaram O Pe. Verdugo a mandar para lá seu companheiro, Pe. Sadó e, par auxiliá-lo, chamou o Pe. Coris de Montevideo. Resolvidas as questões burocráticas e dos subsídios aos quais os padres renunciaram, começaram a viagem para o Sul de navio. A viagem foi interrompida por uma tempestade na altura de Santa Catarina e a embarcação arrastada para a ilha do mesmo nome. Receando novas peripécias em viagem marítima, os padres optaram pela via terrestre, percorrendo por terra os 400 quilômetros até Porto Alegre, onde foram calorosamente recebidos, tanto pelas autoridades civis quanto eclesiásticas. O pároco da matriz fez questão de hospedá-los em sua casa até conseguirem moradia própria. Não demorou e uma rica dama, a Sra. Delfina Carlota Araújo Brusque, cedeu gratuitamente, junto com um escravo, uma casa para morarem e o pároco providenciou a mobília e gêneros alimentícios.
Os dois padres não perderam tempo e, sem tardar, começaram a pregar missões para a população luso-brasileira, primeiro em Pelotas, em seguida em Porto Alegre, para melhorarem a  fluência na  língua. Sobre o resultado das missões em Porto Alegre o Pe. Schupp registrou: “O afluxo do povo foi de todo extraordinário: a igreja estava repleta até o coro; participaram exatamente os cidadãos de maior destaque da cidade. Durante o sermão reinava um silêncio reverente. Os confessionários foram sitiados, de modo especial no dia da comunhão geral, oito padres atenderam às confissões da manhã até o entardecer, sem conseguir satisfazer a todos que se apresentaram para a confissão. Assistiu-se a uma maravilhosa movimentação que empolgava a população inteira de Porto Alegre. (Schupp, Ambros. A Missão dos jesuítas alemães no Rio Grande do Sul. Ed. Unisinos, São Leopoldo, p. 102).
Durante a década de 1840, a colônia alemã avançava em ritmo acelerado ente 30 a 50 quilômetros ao norte de Porto Alegre. A metade protestante contava com assistência religiosa regular, enquanto os católicos continuavam desassistidos. Costumavam reunir-se aos domingos para a “devoção”, para rezar e cantar, ler e comentar em comum a Sagrada Escritura. Mas a ausência de sacerdotes, a falta da missa, da confissão e dos sacramentos, terminariam, em questão de médio prazo, pondo em risco a fé, a disciplina e a doutrina religiosa, junto com a deterioração dos costumes e da perda da própria identidade. Contudo, a religiosidade dormitava debaixo das cinzas, à espera do momento para irromper com todo o vigor. E esse momento concretizou-se, quando em 1844, os padres Sadó e Coris atenderam ao convite para pregar uma missão em São Leopoldo, sede da Colônia Alemã. Um relato do Pe. Schupp descreveu  o evento: “A missão começou com uma procissão pelas ruas da cidade. Todos participaram com tamanha ordem e edificação, como não tinham sido observados em nenhuma missão anterior. O espetáculo em que os católicos caminhavam em grande número, em parte misturados com não poucos protestantes que, longe de ofender e ridicularizar, participaram com o maior respeito. Chegaram ao ponto de não poucos, entre eles um pastor e o comandante militar protestante, participarem do culto divino e persignando-se como se fossem católicos, rezaram e acompanharam a cerimônia em tudo”. (Schupp. Idem, p.103).
No ano seguinte, 1845, os mesmos padres Sadó e Coris retomara as missões, desta vez na colônia alemã propriamente dita. Pregaram missões, sucessivamente, em Bom Jardim (Ivoti), São José do Hortêncio e Dois Irmãos. Apesar de não entenderem nada do que os missionários  falavam nos sermões, a atenção dos colonos foi total, como que intuindo o que lhes era dito. O mais importante foi a ocasião que se lhes oferecia para porem dia as suas consciências pela confissão, apesar das dificuldades da língua, participarem da eucaristia e regularizarem os  matrimônios. Uma impressão toda especial deixaram as cerimônias das primeiras comunhões e o canto piedoso dos alemães, amantes do canto.
A passagem dos padres Sadó e Coris pelas colônias alemãs do Sul, além de porem em dia a vida sacramental dos colonos, teve uma outra consequência não menos importante. Já que a curto prazo não havia perspectiva concreta para uma assistência pastoral permanente e regular, por parte de sacerdotes que dominavam a língua alemã, os padres espanhóis recorreram a outros meios. Um deles consistiu em fornecer livros edificantes e instrutivos para, de alguma forma, suprir a falta de catequese, prédicas, instruções religiosas, ou simplesmente satisfazer o prazer de uma boa leitura. A ideia foi apresentada ao Pe. Roothan, geral da Ordem, que encarregou o Pe. Beckx para concretizar a proposta. Não demorou para ser descarregada em Porto Alegre uma enorme caixa com livros. O Pe. Sadó em pessoa levou-os até a colônia e confiou a tarefa de distribui-los aos fabriqueiros. Estes livros foram mais tarde passados de geração em geração, como preciosos objetos de herança. A outra providência consistiu em resolver a questão da assistência pastoral a longo prazo. O Pe. Morrey superior da província espanhola, encaminhou uma solicitação ao Superior Geral. O pedido teve pronto acolhimento. Os acontecimentos adversos aos jesuítas na Europa Central veio em benefício dos colonos alemães no sul do Brasil. A revolução de 1848 fizera seus estragos também na Áustria. Os jesuítas perderam propriedades, os colégios em grande parte fechados, liberando um apreciável número de religiosos para outras obras. O Geral solicitou então ao Provincial da Galícia que destacasse alguns jesuítas para enviá-los ao Brasil. Da lista que se ofereceram espontaneamente, foram escolhidos dois padres: Augustin Lipinski, Josepf Sedlac e o irmão Anton Sontag. (Continua na seguinte postagem).

O Sul muda com a imigração


Da América Latina, o Brasil é o país que ostenta o quadro étnico-cultural mais heterogêneo. Presentes estão grupos significativos representando diversas raças e culturas. Embora uns se concentrem mais numa região e outros noutra, encontramo-los em todo o território nacional. Para onde quer que se viaje, topa-se com o negro, o asiático, o branco e com todos os matizes de cor da pele e cabelos que a miscigenação foi capaz de  engendrar. Formas de vida  as mais diversificadas, costumes e cosmovisões divergentes, filosofia de vida às vezes exóticas, encontram guarida em solo brasileiro e, ao mesmo tempo, clima favorável para se manifestarem livremente. O que todos têm em comum é a esperança de que aqui, apesar de todas as dificuldades, existem condições reais e objetivas para construir um futuro melhor. Fiquemos apenas com a presença dos imigrantes alemães. A sua presença segue, em grandes linhas, a mesma lógica. A partir do século XIX, a administração colonial seguida da imperial, decidiu assegurar a soberania sobre as províncias do Sul. Esparsamente habitadas por estancieiros e alguns bolsões de colonos açorianos, esses territórios representavam uma tentação constante para as republicas castelhanas vizinhas. Por falta de súditos da Coroa Portuguesa para povoar essas regiões vazias o Conselho Ultramarino decidiu convidar migrantes do Centro e Norte da  Europa. A preferência caiu sobre alemães e italianos. Vários motivos pesaram: durante séculos vinham praticando a agricultura em pequenas propriedades: nunca tiveram problemas com a Coroa Portuguesa, como franceses, ingleses e holandeses e espanhóis. O casamento de D. Pedro I com a princesa austríaca D. Leopoldina, reforçou a preferência por alemães. Para os imigrantes um futuro promissor os esperava no sul do Brasil e para o Brasil ajudaria a resolver o vazio daqueles espaços, motivo de contínuas disputas e escaramuças  com os castelhanos do Paraguai, Argentina e Uruguai.
Se o elemento imigratório por si só já significou a presença de uma novidade étnico-cultural que marcaria para o futuro grandes extensões do Sul, outras novidades impor-se-iam para valer. Até então nos estados do centro e do norte do País predominavam os latifúndios concentrados na produção de açúcar, algodão e café , operados à base do trabalho escravo. e no Sul a criação de gado. Com a imigração alemã implantou-se o modelo da agricultura familiar diversificada em pequenas propriedades de 77 hectares no começo, diminuindo até 25 hectares cem anos depois do começo da imigração. A pequena propriedade resumia-se em última análise numa empresa familiar. Tinha como prioridade o sustento das famílias e, para tanto, era preciso praticar a diversidade de produção. Cultivava-se milho, feijão, batata, arroz, mandioca, aipim, trigo, cevada, etc. Os excedentes eram comercializados nas praças locais ou exportados para o Centro do País. Ao lado da produção agrícola os colonos criavam suínos, bovinos, equinos, galináceos, ovelhas e outros. A banha de porco rendia bons ganhos adicionais e não faltava colocação nos principais mercados locais, regionais e nacionais.
No Rio Grande do Sul, centro e oeste de Santa Catarina, oeste do Paraná, a pequena propriedade e a economia baseada na policultura, transformaram vastas regiões, numa paisagem humanizada inconfundível. As terras  foram repartidas sempre de acordo com o mesmo modelo. Um rio, um arroio, um dorso de morro, serviam como referência para  alinhar os lotes. Uma trilha no mato no começo, um caminho depois e, por fim, uma estrada,  permitiam  a circulação das pessoas, animais e produtos. As moradias dos colonos eram construídas próximas às estradas, cada qual no seu lote. No centro de uma unidade geográfica a igreja,  escola,  cemitério,  casa de comércio,  artesanatos e locais de lazer e diversão, tinham seu lugar garantido. Temos assim o perfil padrão das comunidades coloniais. As comunidades  organizavam-se com o tempo em unidades paroquiais, tendo como sede a maior e a mais estrategicamente localizada. Com o correr do tempo  essas sedes paroquias evoluíram para distritos e foram sendo contempladas com a infraestrutura necessária para o funcionamento da burocracia oficial: subprefeitura, subdelegacia e polícia, agência do correio, cartório de registros. A maioria das sedes das paróquias da época evoluiu para sedes de municípios.
A primeira providência pelos pioneiros ao atacarem uma nova fronteira de colonização consistia em abrir uma trilha de acesso aos lote, uma “picada”. Mais tarde a picada transformava-se em caminho, em estrada vicinal, em estrada municipal, dependendo do tamanho e da importância estratégica. Por terem sido as responsáveis pela circulação interna no espaço comunal e por isso serem o fator principal da sua integração, essas “picadas”, terminaram por significar a própria comunidade. Quando alguém usava a expressão “minha picada”, na verdade, referia-se à comunidade donde vinha ou morava. Uma lógica  semelhante aplicava-se às propriedades alinhadas ao longo de um arroio, falava-se em “linha” ou “lajeado”. Picada, Linha ou Lajeado indicam comunidades. Assim Picada Café, Linha Bonita ou Lajeado Grande, tem seus nomes consagrados pela lógica da evolução colonial.
A identidade geográfica das colonizações dos imigrantes vem acompanhada da consolidação das comunidades. Acontece que a comunidade, além da família, foi o eixo em torno do qual giravam os interesses e a vida dos colonos. Numa comunidade haviam nascido, nela encontrariam praticamente tudo do que precisavam no dia a dia, nela tinham o seu mundo de relacionamento humano, nela enfim, esgotava-se a existência da grande maioria. Importava, por isso, preservá-la de tudo quanto pudesse ameaçar a sua integridade.
Além da família cultivada como valor maior e educadora por excelência das novas gerações, outras providências não podiam faltar. Entre as mais importantes aparecem a Escola, a Religião, a Auto suficiência comunal e o Associativismo.
A Escola foi fundamental para afastar o perigo da decadência cultural e religiosa. Depois de se instalarem 15 ou 20 moradores numa nova Linha ou Picada, reuniam-se para criar uma escola, antes mesmo de pensar numa capela pois, a escola podia servir também para realizar os eventuais cultos ou missas, funcionando com “escola-capela”. Entre os membros da comunidade escolhia-se a Diretoria. Esta encarregava-se da construção do prédio, da instalação interna, do material didático, e o mais importante, escolher e contratar o professor, fiscalizar seu desempenho, vigiar-lhe a conduta e cuidar da sua remuneração e substituí-lo caso não satisfizesse. Conscientes da importância da escola e da formação básica, as comunidades canalizaram uma parcela significativa em seu favor. Fizeram dela uma instituição em que os filhos dos colonos, além de serem alfabetizados, familiarizavam-se com o manejo da língua falada e escrita. As crianças recebiam um sólido conhecimento de aritmética, cálculo de juros e porcentagens, além de informações sobre medidas, volumes e pesos e de tudo que fosse essencial para o bom andamento na administração da atividade produtiva. A escola supria a escassez de curas de alma ministrando aulas de Catecismo e Bíblia, assim como informações básicas sobre animais, plantas, manejo do solo, etc. A insistência na consolidação dos costumes, hábitos e valores culturais e éticos assim como as regras da boa convivência comunal. Neste contexto o professor, além das suas funções de ensinar na escola, assumia também a de líder comunitário, referência de comportamento, braço direito dos curas de almas, regente de coral, sacristão, etc. O resultado não podia ser outro. No final da década de 1930, ocasião em que Estado Novo e sua Campanha de Nacionalização, interveio no sistema e, em nome de um nacionalismo equivocado e xenófobo, truncou essa dinâmica, todas as comunidades contavam com sua escola, em torno de 1500, somando católicas e protestantes. Escola e Igreja, formação profana e religiosa, formaram dois dos pilares que conferiam um perfil inconfundível à região colonial. A eles veio somar-se um terceiro, para completar o tripé da identidade étnica dos imigrantes alemães: o Associativismo. Costumava-se afirmar: “onde se encontram dois alemães, funda-se uma associação”. No começo do século XX, quando as comunidades alemãs já somavam milhares, quando as fronteiras de colonização avançavam sobre as reservas de florestas virgens da Serra, Missões e Alto Uruguai, foi preciso pensar em organizações mais abrangentes. Surgiram então, em 1900 o “Bauernverein”  ou Associação de Agricultores” e, em 1912 o “Volksverein” ou “Sociedade União Popular”, duas associações com ambiciosos projetos de desenvolvimento social, econômico e cultural, para dar conta das demandas das comunidades rurais de que estamos falando.
A resultante humana dessa fórmula peculiar de que os imigrantes alemães se valeram, resultou no cidadão brasileiro, também peculiar: o “Teuto-Brasileiro”. Quem viaja pelos estados do sul do Brasil, encontra esse cidadão, perfeitamente integrado na vida nacional, cultivando ainda os valores e tradições dos seus antepassados, ancorado na família e comunidade e, não, raro utilizando na comunicação diária os dialetos falados nas províncias de origem da Alemanha, com forte incidência de vocábulos e expressões do português.
(NB. Maiores informações encontram-se no texto completo da matéria, indicado na bibliografia))


Esta matéria foi publicada originalmente  em “Etnia e Educação : a escola “alemã” do Brasil e estudos congêneres. Editora da UFSC/Edditora Unisul, Florianópolis/Tubarão, 2003


Religião e participação política


Jean Roche, na sua obra “A colonização alemã no Rio Grande do Sul”, tornada clássica e obrigatória para todo aquele que pretende compreender o significado da presença alemã no Estado, resumiu suas considerações  sobre a participação política dos imigrantes e seus descendentes, na constatação: “Durante todo  o século XIX e quase toda a primeira parte do século XX, o papel político  dos teuto-riograndense foi quase nulo”.
Vários foram os fatores que contribuíram para essa situação. Ente eles merecem atenção os seguintes. Primeiro, os grandes latifundiários, os estancieiros criadores de gado, controlavam, de fato, toda a política local, regional e por vezes também nacional. As estâncias  haviam-se transformado em autênticos  feudos dos quais emanava todo o poder político  e a partir delas, eram ditadas as regras e diretrizes da ação política. Ao colono alemão e aos demais imigrantes não restava outra saída a não ser entrar no jogo das oligarquias estancieiras ou permanecer à margem do jogo político. Segundo, na região colonial que na época estava confinada, grosso modo, nos vales do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí, assim como nas comunidades urbanas das cidades menores, os alemães preservavam a sua feição germânica. O contato e intercâmbio com o mundo luso-brasileiro não passava de episódico e superficial. Para os detentores do poder político, essa população praticava uma economia de baixo potencial de competição, comparada com a criação de gado nas estâncias. Falava alemão e não oferecia ameaça política embora pudesse contribuir com um precioso reforço eleitoral, quando seus interesses estivessem em jogo. O Pe. Schupp descreveu assim a situação:
“Nos primeiros tempos certamente nenhum alemão da colônia teria alimentado a veleidade de participar ativamente na vida oficial do Estado, pela simples razão de dificilmente encontrar-se alguém que compreendia português. Só era possível encontrar candidatos para determinadas funções que, pela sua natureza, podiam ser exercidas na própria colônia. De outra parte não faltavam os padres que por razões  muito ponderáveis defendiam esse isolamento. Tal situação foi superada com o correr do tempo. Generalizou-se a convicção de que o colono, caso quisesse fazer valer seus direitos, teria que apropriar-se da língua em nível suficiente”.

Um terceiro fator merece destaque. É conhecido que um dos propósitos para promover a colonização por imigrantes europeus  não lusos, consistiu em povoar  as regiões devolutas e estimular uma agricultura alternativa aos latifúndios monocultores. A intenção do governo foi convidar alemães para serem colonos e não servirem de fermento, com vistas a uma transformação do modelo político. Mas o nível de desenvolvimento e o volume da produção agrícola, o comércio, os artesanato e as indústrias incipientes, somados à organização comunal, educacional e eclesiástica, fizeram com que os alemães católicos não se contentassem mais em fazer o papel de meros espectadores do processo político. Aspiravam por uma participação política mais ativa e, desta forma, influir nas decisões do governo e da administração pública. A este terceiro fato somou-se um quarto, de importância decisiva para os católicos. A Monarquia, regime em que vigorava a união da Igreja e do Estado foi substituída pela República e a consequente implantação do Estado laico, sob muitos aspectos desfavorável e não raro hostil à Igreja Católica. A nova situação exigia dos católicos uma posição política mais definida e mais combativa. Foi preciso partir em busca de um caminho adequado para conviver com a nova realidade nacional.
No terreno da participação política, os católicos alemães do Rio Grande do Sul, buscaram inspiração no Partido Católico do Centro da Alemanha. Assim, em 1890 foi fundaram o Partido Católico do Centro, como agremiação política, da qual participariam também os católicos das outras etnias presentes no Estado,  para fazer frente a uma série de medidas republicanas que incomodavam os católicos: a obrigatoriedade do casamento civil antes do religioso, a legislação dos cemitérios, a inelegibilidade do clero, a proibição do ensino religioso nas escolas públicas e outras tantas. O Partido Católico do Centro participou da eleição dos integrantes da Constituinte Federal e Estadual. Na primeira não elegeu nenhum representante e na segunda três, mas em coligação com o Partido Republicano, aliança que lhe valeu a descaraterização e decretou seu fim prematuro. Constava das intenções do Partido do Centro um projeto de jornal no qual seriam publicados jornais nas três línguas mais importantes do Rio Grande do Sul: “A Época”, “Il Corrieri Cattolico” e “Deutsches Volksblaltt”. Este último estava sendo publicado pelos padres jesuítas em São Leopoldo desde 1871. Para dar maior solidez ao empreendimento editorial foi criada uma sociedade anônima que deu continuidade ao “Deutsches Volksblatt” e, a partir de maio de 1890 as edições semanais de “A Época” e a partir de meados de 1891 do “Il Corrieri Cattolico”. Os jornais defendiam como pontos programáticos (cf. Gertz): 1. Liberdade religiosa para o catolicismo, sem a intromissão do estado; 2. Isenção do serviço militar para clérigos e seminaristas;  3. Intangibilidade e garantia para as propriedades eclesiásticas, inclusive as das comunidades locais; 4. Fim das escolas ateias mantidas pelo Estado; 5. Fim da obrigatoriedade do casamento civil.
Diante da evidência de que um Partido Católico não era um bom caminho para  os católicos fazerem valer seus direitos e suas reivindicações, suas lideranças partiram para outras iniciativas de arregimentação. Testaram o modelo dos “Katholikentage” – “Congressos Católicos”, muito populares na Alemanha, Suíça e Áustria. A primeira experiência realizada em Bom Jardim (Ivoti) mostrou-se promissora e o programado 1898 para Harmonia, foi um sucesso. De ano em ano e mais tarde de dois em dois anos, esses Congressos repetiram-se até 1940, quando foram vítima da Campanha de Nacionalização e da Segunda Guerra Mundial. Foi em meio aos debates e  às análises das questões importantes que afetavam  as comunidades rurais e urbanas, que resultaram políticas comuns para solucionar os desafios que diziam respeito  a todos, como  Educação, Saúde, Abertura de novas fronteiras agrícolas, modernização da produção agrícola, Incentivo à cultura e não em último lugar o aprofundamento da religiosidade, com ênfase à vida sacramental e à instrução religiosa. No Congresso dos Católicos em 1900 em Santa Catarina da Feliz foi criada a Associação Rio-grandense de Agricultores, “O Riograndenser Bauernverein” e depois que esta foi transformada em Sindicato em 1909, foi substituída em 1912, no Congresso dos Católicos em Venâncio Aires, pela Sociedade União Popular, “O Volksverein”. Essas duas organizações cumpriram a dupla tarefa de concretizar os grandes projetos de desenvolvimento social e econômico propostos pelos Congressos e, ao mesmo tempo, atuar como uma poderosa força política informal que não podia ser ignorada pelos partidos convencionais, na primeira metade do século XX.










A Religiosidade no quotidiano dos imigrantes


A história da humanidade é uma história de migrações e seus efeitos. É assim que  Karl Fouquet começa o seu livro: “A contribuição alemã para a construção da nação brasileira”, por ocasião do sesquicentenário da imigração alemã no Brasil. Várias coisas merecem destaque  nesta colocação. Em primeiro lugar, o homem como sujeito e ator da história é, e sempre será, um eterno migrante, um forasteiro, um peregrino sempre a caminho. Em segundo lugar, a pergunta: porque afinal o homem migra? A resposta deve ser procurada  na própria natureza humana, em constante busca de realização, em busca do aperfeiçoamento. É por essa razão que o homem não se cansa em melhorar a segurança e o bem estar material; vai à procura da inserção num relacionamento social que lhe assegura um convívio frutífero com seus semelhantes; busca  aperfeiçoar-se culturalmente apropriando-se de sempre novos conhecimentos; procura o equilíbrio interno de suas demandas psicológicas; e, de modo especial, administrar  os mistérios e as incógnitas da vida, da natureza e do universo por meio de  crenças, rituais, atitudes e práticas religiosas. Os teóricos que se ocuparam com o fenômeno da migração, tentaram, cada qual a partir do ângulo em que analisou o fato, identificar os motivos, ou o motivo, porque o homem migra. Para o economista, o homem migra para prover as necessidades materiais do dia a dia; para o sociólogo, o homem migra para livrar-se de uma situação social que o impede de beneficiar-se com o convívio dos seus semelhantes. Mesmo que esses motivos e outros tantos, representem o momento da tomada de decisão para migrar, no fundo, no fundo, uma motivação permeia todas as outras. Resume-se na tendência, no instinto do homem em concretizar a sua realização existencial. Os romanos, na sua proverbial capacidade de formular máximas sábias, legaram uma que expressa na plenitude conceitual, a razão porque o homem migra: “Ubi bene, ibi patria”  - onde o homem se sente bem aí está a sua pátria.
Qualquer que seja a situação que leva o homem a migrar, implica em decisões acompanhadas de consequências mais ou menos traumáticas. Como ponto de partida cobra do migrante o abandono e a renúncia à terra natal e todo seu entorno humano e sua história. Trata-se sempre de um desenraizamento e de um transplante movido pela esperança de encontrar a realização, a segurança e a felicidade em outra parte. A nossa atenção centra-se nas migrações transoceânicas durante  o século XIX, período em que a Europa Central e do norte, expeliu  seus excedentes populacionais, para todos os quadrantes do planeta, de modo especial para as três Américas. Não é difícil imaginar o que significou na época e nas circunstâncias de então, uma viagem da Europa para o sul do Brasil. As viagens duravam meses dos portos alemães e holandeses até o Rio de Janeiro e, finalmente, para Rio Grande,  Porto Alegre e São Leopoldo. Era tarefa para homens e mulheres em grandes dificuldades, mas decididos em busca de uma saída, movidos por uma fé inabalável em si mesmos mas sobretudo uma profunda fé em Deus. Cristãos que eram, protestantes e católicos, encaravam o migrar como uma autêntica peregrinação em busca da terra prometida. Um canto entoado pelos emigrantes do Hunsrück, dizia:
Fomos chamados por Deus, caso contrário, a nossa peregrinação não teria sentido.
Acreditando Nele nos pomos a caminho.
Deus falou a Abraão: deixa a tua terra e parte para aquela que, com minha mão forte, te mostrarei. Também nós acreditamos na Sua poderosa voz. Por isso partimos daqui em busca do Brasil distante.
Os imigrantes serviram-se de duas armas para enfrentar o desconhecido e as transformaram em lema: “ora et labora” – “reza e trabalha”. Práticos como eram esses camponeses, sabiam muito bem que a oração sem o trabalho não passa de alienação e o trabalho sem a oração num fardo insuportável. E no seu quotidiano como é que os imigrantes concebiam a punham em prática o binômio “Reza e Trabalha”. Para responder a essa pergunta, é preciso entender a cosmovisão própria do camponês, do agricultor ou do colono. O contato diuturno com a natureza, com a “mãe terra”, ensina-lhe que entre ele e o mundo que o rodeia, há uma relação existencial. A vida e o bem estar dependem  dos animais, das plantas, do sol, da lua do calor, do frio, da alternância das estações, etc. E assim o sol e a lua com seus ciclos regulares, a cadência da natureza, deixam de ser apenas fenômenos naturais, para se transformar no palco  em que a existência do homem se torna possível. E nesta relação simbiótica o homem constrói sua cultura, sua história, seu imaginário, sua simbologia, sua mitologia, suas crenças, sua religião, sua religiosidade, seus rituais, seus princípios éticos. Tudo que o rodeia se anima e se personaliza, de acordo com o significado material, mágico ou religioso de que vem revestido. As realidades naturais e os fenômenos que as acompanham, assumem vida e importância pelo que representam no quotidiano e pelo que sugerem à imaginação. Essas observações aparentemente talvez não tenham nenhuma ou pouca relação com a religiosidade dos nossos antepassados. Na verdade, entretanto, suas vidas foram vividas e suas histórias  construídas, ressalvadas as peculiaridades históricas e geográficas.
A religiosidade dos indivíduos e das comunidades dos imigrantes identifica-se em dois níveis. O primeiro, o mais visível, a qual normalmente serve de termômetro para avaliar o grau e a profundidade  da religiosidade, são as práticas religiosas formais como a frequência às missas e cultos, novenas procissões, orações da manhã, nas refeições, antes de dormir, etc. Caracterizam à sua maneira, cada uma das tradições mais importantes de que nos ocupamos aqui: a luso-brasileira, a alemã evangélica e a alemã católica. O segundo, que poderíamos chamar  de respostas informais de natureza religiosa que costumam manifestar-se espontaneamente diante das situações mais inusitadas que costumam acompanhar o quotidiano das pessoas. Uma surpresa agradável, uma notícia triste, uma catástrofe natural, um espetáculo da natureza, a contemplação de uma flor, o caminhar por uma plantação amadurecendo, a satisfação com uma boa colheita. Esses cenários e dezenas de outros costumam ocasionar  momentos de irrupção da religiosidade na sua forma mais espontânea e, por isso mesmo, mais autêntica. É neste plano que se manifesta a verdadeira religiosidade. No momento em que a pessoa percebe que as fórmulas feitas, já não dão conta do que sente e intui, recorre à espontaneidade que tem na oração do silêncio a sua manifestação mais eloquente. Fórmulas e versos atrapalham e, tanto o homem simples quanto o colono com a enxada ou o machado na mão e quanto o sábio e o cientista, munido da pena e do computador, refugiam-se na reflexão silenciosa que os põe em sintonia com a natureza, e nas suas manifestações mais prosaicas e  mais grandiosas, escutam a voz de Deus. O Dr. Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, responsável pelo mapa  genético do homem, em seu livro “A Linguagem de Deus”, caracterizou o tipo de religiosidade de que estamos falando:
“Depois que passei a acreditar em Deus, empreguei um tempo considerável tentando apreciar as características Dele. Conclui que Ele deve ser um Deus que se preocupa com as pessoas. Também conclui que Deus deve ser santo e justo, já que a Lei Moral me chama nessa direção. Contudo isso me parecia uma abstração terrível. O fato de ser bom e amar as suas criaturas não significa, por exemplo, que tenhamos a habilidade de nos comunicar com Ele, ou que tenhamos um tipo de relacionamento com Ele. Descobri, porém, uma sensação crescente de anseio por essas coisas, e comecei a perceber que é para isso que sevem as orações. A oração não é, como alguns parecem sugerir, uma oportunidade para manipular Deus para que Ele faça o que você quer. Em vez disso, trata-se de uma forma de buscar uma afinidade com Deus, aprender com Ele e tentar perceber o ponto de vista Dele, sobre vários assuntos ao nosso derredor, que nos deixam confusos, em dúvida e em sofrimento”. (A linguagem de
Deus. Francis Collins, Edit. Gente, São Paulo, 2007)


Palestra proferida, da Associação das Comunidades Teuto-Brasileiras  do Litoral Norte, no Encontro em São Pedro de Alcântara.