O Projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.
Haviam-se passado 13 anos da oficialização de Filosofia e Letras Clássicas, 10 anos da criação do curso de Pedagogia, oito anos da criação dos cursos de Ciências Sociais e História Natural, o acréscimo às Línguas Clássicas das Línguas Anglo Germânicas e Néo Latinas, 3 anos da criação dos cursos de Matemática, Física e História, 7 anos da criação da Faculdade de Ciências Econômicas e um ano da Faculdade de Direito. Além da consolidação acadêmica foram unificadas as secretarias das diversas faculdades numa central, como também a unificação e racionalização da administração com a criação do Centro Administrativo das Faculdades, o CAF .
Com o número de candidatos ao ensino superior em alta e os impasses financeiros sob controle, a lógica sinalizava para um passo ousado: Implantar uma Universidade. Nesse meio tempo o Geral dos Jesuítas Pe. Pedro Arrupe em visita à província Meridional do Brasil não deixou de fazer uma visita às Faculdades de São Leopoldo. Numa reunião da comunidade dos jesuítas que nelas atuavam foi posto a par das perspectivas promissoras para elaborar um projeto a ser submetido aos superiores da Ordem em Roma e ao Ministério da Educação.
Com a bênção do Superior Geral o projeto de universidade começou a ser discutido primeiro no âmbito dos jesuítas diretamente envolvidos. Em linhas gerais, aqueles mais comprometidos na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras defendiam uma universidade de tamanho mais modesto. Argumentavam que esse formato favorecia a qualidade ao passo que uma massificação de alunos e criação de sempre mais cursos corria o risco de sacrificar a qualidade em favor da quantidade. Argumentavam também que tanto a administração acadêmica, quanto a administrativa mais enxutas exigiam um aparato administrativo mais leve e menos complicado. Argumentavam ainda que a universidade assim dimensionada permitia também que a maioria do corpo docente e administrativo permanecesse nas mãos de membros da ordem, os já ativos e uma dezena ou mais em formação, um bom número no exterior, destinados a atuar em questão de pouco tempo, nos diversos cursos e programas de pesquisa em andamento ou a serem criados. Um efeito colateral de não pouca importância consistia em diminuir em muito as despesas com professores não jesuítas. Resumindo permite-se concluir que os defensores desse paradigma universitário sonhavam com uma instituição de dimensões limitadas pelo potencial de recursos humanos basicamente sob a responsabilidade de jesuítas. Aqui cabe uma observação que a curto prazo levaria a inviabilidade dessa proposta. O Concílio Vaticano II acabara de concluir seus trabalhos e, entre outras novidades, facilitava-se a redução ao estado laico de religiosos mesmo já sacerdotes ordenados. O previsível aconteceu. Um número considerável, para não dizer a maioria, dos ainda em formação no Brasil e em outros países saiu da ordem e com isso o recurso a docentes e pesquisadores jesuítas ficou seriamente prejudicado.
Uma segunda ala dos jesuítas fortemente incentivados e apoiados pelos professores leigos, especialmente da Faculdade de Ciências Econômicas, acalentava o projeto de uma universidade capaz de se equiparar à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e quem sabe até à da Federal do Rio Grande do Sul e a Federal de Santa Maria. Correspondia ao sonho do Pe. Thiesen que deixara claro a sua preferência pela Universidade de Oxford como referência, como já foi lembrado mais acima. É preciso lembrar que naquela remota segunda metade da década de 1960, só existiam no Rio Grande do Sul as três universidades há pouco mencionadas. Caxias e Ijuí começavam a delinear seus projetos. Nem o vale do Caí, nem do Taquari, nem do Pardo, nem do Jacuí contavam com instituições de ensino superior. Como consequência São Leopoldo, com suas faculdades reconhecidas pelo nível de excelência, transformara-se num polo de ensino superior que atraía alunos de todo estado e de fora dele, de modo especial, porém, dos vales dos rios que formam a bacia do Guaíba e que abrigava uma grande concentração humana, industrial e comercial. Para maiores detalhes sugiro o meu livro “Um Sonho e uma Realidade” publicado em 2009 pela Edit. Unisinos. Sobre esse pano de fundo como argumento a ala defensora de um projeto ambicioso, possibilitando um leque amplo para criação de novas faculdades, cursos, centros de pesquisa etc., contou com o apoio e suporte da Associação Antônio Vieira – (ASAV), mantenedora das Faculdades.
Depois de um consenso entre os defensores dos dois modelos de universidade pela proposta de uma instituição mais ambiciosa, formou-se um grupo encarregado da formulação do projeto. A equipe básica contou com o Pe. Marcus Bach que entregara a direção da Faculdade de Ciências Econômicas ao prof. Olívio Koliver, grande entusiasta do empreendimento. O Pe. Marcus atuoucomo “arquiteto chefe” da equipe. Contava como apaixonados pela obra com Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alexandre Vertes, Antenor Wink Brum, Joaquim Blessmann, o Pe. João Oscar Nedel, diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Lenine Nequette, diretor da Faculdade de Direito, Rui Rubem Ruschel, juiz da Comarca de São Leopoldo e docente na Faculdade de Direito.
Consolidada a equipe o prof. Alexandre e o prof. Olívio Koliver providenciaram uma primeira reunião de estudos num jantar no Restaurante do João em Porto Alegre. Ao que me consta não se redigiu nenhuma ata das conversações e propostas apresentadas. Não se falou em conveniência de fundar uma universidade pois, esse assunto estava resolvido, mas o seu perfil. Em resumo concluiu-se planejar um projeto de universidade ambicioso e de longo alcance, atenta para que direção sopravam os ventos da história, aberta para acolher as mais diversas correntes do pensamento e incentivar o diálogo entre os muitos “ismos” que invadiam o ambiente das academias. Um projeto, portanto, aberto disposto a acompanhar, participar e interagir com os avanços culturais, sociais, econômicos, técnicos e tecnológicos presentes e futuros. Para mim aquela noite, participando da concepção de um projeto de universidade com parceiros todos igualmente entusiasmados e cônscios do que se tratava, representou um daqueles momentos que a memória fixou nos mínimos detalhes, e isto há mais de 50 anos passados. Semanas mais tarde aconteceu uma reunião em que o documento condensando as conclusões daquela noite no Restaurante do João, foi levado ao Superior Provincial, Pe. Edvino Friderichs na rua Marquês de Pombal, também presidente da ASAF, autoridade para dizer sim ou não ao projeto. Integraram a comissão o Pe. Marcus Bach, Pe, Oscar Nedel, Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alxandre Vertes, Olívio Koliver, Lenine Nequette, Heinz Kliemann e outros. O Pe. Friderichs aprovou sem restrições o documento e prometeu enviá-lo aos superiores maiores em Roma para a devida chancela. Orgulho-me pela oportunidade de ter dado o melhor de mim para um empreendimento que tão bem expressava a tradição jesuíta, isto é, fazer da educação em todos os níveis um instrumento da missão evangelizadora. Se anos mais tarde tomei a decisão de me desligar da Ordem tem muito a ver com o rumo, melhor desvio, tomado pela Ordem na sua Congregação Geral em 1965, permitindo diálogos e contaminações com “ismos” condenados pela Igreja antes do Concílio Vaticano II. Essa decisão custou-me um preço muito alto e o prognóstico do meu sempre amigo Pe. Marcus Bach, ao informa-lo da minha decisão, não deixou de revelar-se uma dura realidade: “vais engolir pregos com essa decisão”! No momento oportuno retornarei a esse assunto.
A comissão constituída para a formulação do projeto a ser enviado ao Ministério da Educação foi presidida pelo Pe. João Oscar Nedel assessorado pelo Pe. Marcus Bach, Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alexandre Vertes, Lenine Nequette, José Cinel, Sérgio C. Gomes, Olívio Koliver, Rui Rubem Ruschel e outros mais. A justiça manda registrar que ao Pe. Marcus Bach coube o papel de “cabeça pensante”. Nas muitas reuniões formais e informais que se seguiram o projeto foi sendo referenciado e delineado de acordo com as linhas mestras que deveriam constituir-se no cerne da “alma mater” da universidade a ser implantada. Em primeiro lugar a universidade deveria destacar-se pela excelência e o rigor científico, uma “Casa de Sabedoria” com que sonhara o Pe. Thiesen já em 1957. Em segundo lugar, o saber, o conhecimento de alto nível somado às pesquisas avançadas e o desenvolvimento de tecnologias de ponta a serem produzidas, deveriam ter, de alguma forma, uma destinação social, isto é, reverter de alguma forma em benefício do público direta ou indiretamente influenciado pela instituição. Aliás as iniciativas como a remoção dos moradores da Xácara da Prefeitura, da Pesquisa Sócio Econômica em Dois irmãos e de modo especial, o projeto da “Valorização do Vale do Rio dos Sinos” acima descritos, demonstraram na prática a vontade e a capacidade de reverter para a sociedade em geral do que vinha sendo ensinado e aprendido nas salas de aula. Em terceiro lugar, a universidade deveria fazer o papel de caixa de ressonância sensível aos apelos dos diversos momentos históricos. Na sua proposta organizacional e institucional foi preciso prever caminhos capazes de atender as demandas a se apresentarem no andar do tempo.
Na formulação do perfil da universidade um outro fator não podia ser ignorado. Uma porcentagem considerável de candidatos que se apresentavam, procedentes do interior do Estado e de fora dele, muitos de pouca idade, falta de maturidade, carentes de formação intelectual, egressos de instituições de formação média de qualificação que deixava muito a desejar, não tinham clareza sobre a carreira a seguir no futuro. Outros mudariam de rumo durante os primeiros semestres, o que representava uma preciosa perda tempo além do desperdício de recursos financeiros normalmente escassos. Nesse sentido a Reforma universitária, prevista na Lei 5.540 para entrar gradualmente em vigor na Unisinos a partir do primeiro semestre de 1970, garantiu o suporte legal do projeto sem, entretanto, comprometer o perfil do ideal de instituição de ensino superior, que evoluiu a partir de 1954 com a implantação do Curso de Filosofia oficializado. Numa série de matérias na época publicadas no jornal Vale do Sinos, o público foi informado sobre o tipo de formação acadêmica e profissional que teria à disposição frequentando a Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Todos os alunos, independentemente do curso profissional futuro pretendido passariam obrigatoriamente pelo Ciclo Básico contando 20 créditos. Esses se somariam mais tarde ao número de créditos exigidos pelo respectivo curso profissional. Por ex., de um curso de 240 créditos, 20 eram obrigatoriamente do Ciclo Básico comum a todos os cursos em andamento ou a serem criados no futuro. Na versão original, portanto, os 20 créditos do Ciclo Básico eram pré-requisito obrigatório para matricular-se em algum curso profissional. Contava com 4 disciplinas obrigatórias e uma opcional. Obrigatórias foram: Antropologia, História do Pensamento Humano, Lógica e Metodologia e Realidade Brasileira, somando 16 créditos. Os 4 outros critérios resultavam da opção pelo Português, Inglês ou Matemática. Com esse formato o aluno entrava “na” universidade e não num curso específico “da” universidade. Essa proposta perseguia vários objetivos. Dentre os que me parecem mais importantes destaco em primeiro lugar a familiarização dos futuros profissionais tanto da área humanística, das Letras, e Artes, quanto da Comunicação, Direito, Ciências Naturais, e todas as essencialmente tecnológicas, com uma cosmovisão da realidade antropológica, histórica, geográfica e cultural no sentido amplo. Pretendia-se alertar que os futuros profissionais em todas as modalidades imagináveis tivessem consciência que não se resumiam em excelentes manipuladores de instrumentos, leis, ou inventores de métodos e tecnologias de ponta, mas, de alguma forma lidando com pessoas humanas e suas circunstâncias. Só para exemplificar. Um economista com essa formação básica entenderia que o fato econômico fundamenta-se em última análise numa pressuposto antropológico, o jurista lidaria com os códigos e legislações como fenômenos históricos criados pela necessidade de os agrupamentos humanos se fundamentarem na regulamentação dos direitos e deveres mútuos. O mesmo valia de algum forma para toda e qualquer profissão pois, o homem vem e ou deveria vir a ser, no final das contas, a razão de ser e o destino das suas conquistas em todos os níveis e áreas.
A opção pelo Ciclo Básico obrigatório para todos os alunos da Unisinos contou com um outro motivo. O universo dos alunos que confluíam para São Leopoldo costumavam ser egressos de escolas de ensino médio, muitas delas, devido às circunstância, de um nível de ensino discutível. Oferecia-se a eles, por isso, três disciplinas optativas de importância fundamental para futuramente exercerem sua profissão: português, matemática e inglês.
Aos dois objetivos citados cabia ao Ciclo Básico uma terceira tarefa, isto é, a convivência durante um semestre ou mais de alunos candidatos às mais variadas opções profissionais. Futuros engenheiros colegas de futuros filósofos; futuros sociólogos frequentando com colegas de História do Pensamento Humano; futuros arquitetos ou jornalistas assistindo preleções sobre Antropologia com colegas que mais tarde seriam historiadores ou sociólogos. Esse convívio evitaria em grande parte a fragmentação e as bolhas herméticas, que infelizmente caracterizam em inúmeros casos a formação acadêmica da juventude tanto nas universidades públicas, quanto nas particulares de hoje. O resultado resumia-se no estímulo de um clima favorável à prática da troca de conhecimentos, respeito à diversidade de opiniões, complementariedade dos conhecimentos, a prática do método interdisciplinar e assim evitar a praga da tirania da hegemonia do politicamente correto, para não dizer a tirania do pensamento único, ou da ideologia dominante, arquivando nos museus da história o autentico conhecimento. Os alemães diriam que as universidades, nem todas, entregam ao mercado profissional técnicos até de alta qualidade - “Kenner” mas pouco se empenham para formar autênticos sábios – “Weise”.
Acrescento mais um motivo da razão de ser do Ciclo Básico. O testemunho de alunos que ainda o frequentaram a lembram. As turmas eram formadas por candidatos aos mais diversos cursos profissionais. Futuros estudantes de Engenharia, Direito, Letras, Filosofia, História, Economia, Arquitetura e outras. Esse contato favorecia a troca de ideias sobre as diversas carreiras acadêmicas, clareava dúvidas sobre a escolha dos cursos e, em não poucos casos, alunos mudavam de opção sem risco de perderem tempo ou dinheiro pois, os 20 créditos faziam parte da soma dos créditos dos respectivos cursos profissionais. Esse convívio numa perspectiva interdisciplinar, foi apontado por ex-alunos da Unisinos como mais uma das justificativas da existência do Ciclo Básico. Num caderno especial publicado no dia 9 de março de 1970 a Zero Hora divulgou o conteúdo curricular e o significado de cada uma das disciplinas do Ciclo Básico no todo da concepção da universidade. Vale a pena deixar registrado um resumo daquele caderno especial da Zero Hora. O excesso de disciplinas e de especialização prematura compromete o sentido unitário da forma dos estudantes do ensino superior. Para de alguma forma evitar que tal aconteça a Unisinos colocou como obrigatória a Antropologia no formato de “Uma Introdução ao Estudo do Homem”, pressupondo que a espécie humana insere-se ontologicamente na natureza mas destaca-se das demais espécies vivas por ser portadora de “inteligência reflexa” e, por issomesmo, em condições de desenvolver culturas e construir uma história em constante renovação, adaptação e evolução. Em outras palavras a compreensão da humanidade no tempo e no espaço. Para uma Introdução ao Estudo do Homem como aqui proposta, os aspectos mais importantes a serem abordados com os alunos resumem-se nos seguintes: A história da vida sobre a terra; O homem e o meio físico; A genética humana, eugenia e evolução; O homem um ser à parte; o homem na era da tecnologia; ética e moral na era tecnológica. A fim de facilitar o acesso a esses conteúdos os professores Reinholdo Ullmann e Arthur Rambo compuseram um manual para subsidiar os alunos.
A segunda disciplina obrigatória do Ciclo Básico vem ser a “História do Pensamento Humano”. A carência de uma perspectiva histórica objetiva, bem estruturada e bem conhecida, causa constantemente nos estudantes desvios e falhas no julgamento dos fatos históricos e deficiência na discriminação dos valores de uma civilização ou de uma cultura. Foi para propiciar uma visão histórica ampla, objetiva, um conhecimento seguro dos fatores que construíram as civilizações e dos fatores negativos que causaram sua destruição, a Unisinos optou por tornar obrigatória no Ciclo Básico a disciplina “História do Pensamento Humano”. Obviamente num semestre não se dispõem nem de espaço nem de tempo para familiarizar os alunos com uma visão a história do pensamento de todas as culturas e civilizações mais importantes. Na prática, dada a extensão da matéria haverá limitação dos tópicos a serem tratados. Na verdade pretende-se oferecer um grande painel da Cultura Ocidental, causas que impulsionaram os ciclos de progresso, estagnação e decadência que se alternaram nos últimos três milênios. Sobre esse pano de fundo forampropostos os conteúdos da disciplina “História do Pensamento Humano”, dividida em 4 partes, começando pela “Civilização Clássica” com a presença do Pensamento Greco-Romano na composição da cultura Ocidental; a “Civilização Medieval” e seu perfil, e o papel da Igreja na Civilização Medieval, a civilização urbana e a formação das nacionalidades modernas;“Renascsença”; “A Civilização Moderna” com suas características econômicas, Revolução Industrial e Comercial, características sociais como o crescimento da burguesia, características políticas, como o absolutismo, características religiosas como a quebra da unidade religiosa europeia e o significado da Reforma; “A Civilização Contemporânea”: Revolução Francesa e seu significado político-social, o Liberalismo político e econômico, o desenvolvimento cultural dos séculos XIX e XX.
Seguindo o exemplo da Antropologia, os professores José Antônio G. Tavares e Maurílio Ártico organizaram uma coletânea de textos históricos – um ensaio de interpretações através de textos. A primeira edição foi retrabalhada e ampliada numa segunda edição pelos professores Beatriz V. Franzen, Elmar J. M. da Silva, Maurílio Ártico, Miriam Fialkow, Olímpio Remussi e Werner Altmann.
A terceira disciplina obrigatória do Ciclo Básico vinha a ser a Lógica e Metodologia. Tratava-se de uma disciplina familiarizando o estudante com dois conteúdos complementares de importância fundamental para o futuro do exercício de uma profissão qualquer que fosse.
Na Lógica oferecia-se ao futuro profissional a oportunidade de testar a solidez de uma argumentação; técnicas para aprofundar argumentação em concatenações de raciocínios apresentando-os de forma simples e inteligível; métodos para definir e dividir qualquer conteúdo e analisar criticamente as definições e divisões existentes em livros ou compêndios escolares; métodos para inferir a veracidade de afirmações a partir de outras informações apresentadas pela ciência. Todo programa pretende aprofundar os aspectos práticos, funcionais, operacionais do conceito, juízo e raciocínio, com a finalidade de facilitar aos alunos um caminhar rápido e seguro no campo das ciências.
A Metodologia tem como objetivo familiarizar o estudante com práticas para orientá-lo no estudo facilitando uma a leitura proveitosa, anotações em sala de aula e nos estudos pessoais, preparar- se para os exames de conteúdos objetivos, ou ensaios e dissertações, o discurso, a organização de horários de estudo, como estudar matemática, línguas, ciências, etc. Pela Reforma Universitária o Português e a Metodologia do Trabalho Científico, no Ciclo Básico da Unisinos, desempenham um papel de grande importância. A par de uma revisão crítica de todo o processo da expressão, procura-se desenvolver a capacidade de elaborar relatórios, trabalhos científicos, dissertações, teses e por aí vai.
A quarta disciplina obrigatória vinha ser Moral e Cívica exigida como obrigatória pela reforma do ensino. No Ciclo Básico da Unisinos constava como “Realidade Brasileira”. Também para essa disciplina foi elaborado um texto básico para os alunos coordenado pelo prof. Pe. Odelso Schneider.
Somadas às quatro disciplinas obrigatórias contando 16 créditos. O Ciclo Básico oferecia três optativas: Português, Matemática e Inglês. A elas cabia a função de servirem de auxiliares e de preencherem lacunas e deficiências na formação do nível médio. Na formulação do programa pensou-se seriamente em incluir a Matemática entre as disciplinas obrigatórias. E por estranho que possa parecer um dos defensores mais insistentes dessa inclusão foi um prof. de Literatura, argumentando que a Matemática era tão indispensável quanto a Lógica, o Latim e o Grego na formação em cursos de Letras. Por fim a Matemática terminou entre as disciplinas optativas contando 4 créditos para os 20 previstos para completar o Ciclo Básico.
A maioria dos alunos, ao entrar na universidade, imaginaram seguir uma tal ou qual profissão. O período que chamamos acima de “vestibular estendido”, fez com que não poucos tomassem consciência que não era bem aquela opção. Tomaram conhecimento de outras alternativas profissionais subsidiados com o serviço de orientação profissional oferecido pela universidade, decidiram por outra modalidade profissional.
Avaliado sob a ótica desses parâmetros o Ciclo Básico, fez na verdade também o papel de um vestibular estendido, podendo até se prolongar por dois semestres de acordo com as conveniências dos alunos. Muitos alunos, de acordo com suas disponibilidades financeiras e ou disponibilidade de tempo, davam conta dos 20 créditos no primeiro semestre para em seguida ingressar no curso profissional escolhido. Muito poucos foram obrigados a levar dois semestres para completar os 20 créditos obrigatórios do Ciclo Básico. Para tanto foram oferecidos cursos intensivos de todas disciplinas nas férias de verão e no mês de julho. Dessa forma alguém que cursara três disciplinas no primeiro semestre tinha a oportunidade de cursar uma nas férias de verão e outra em julho e no segundo semestre matricular-se no curso profissional de sua preferência.
Não se pode esquecer que o Ciclo Básico atendia também a uma demanda financeira. A procura da nova universidade foi se multiplicando de ano para ano e obrigava os candidatos a obter 20 créditos antes de entrar no curso profissional, garantia uma matrícula maciça e, com isso, um dado importante para o planejamento econômico financeiro da instituição.
No todo da elaboração do projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos a consolidação do Ciclo Básico com seu formato original coube-me a mim, em parceria com o prof. Reinholdo Ullmann, sob a orientação do Pe. Marcus Bach. Na reunião do Conselho Universitário reunido para analisar e aprovar a proposta, coube-me a tarefa de detalhar para os presentes o significado de um Ciclo Básico e a proposta das disciplinas para atende-lo. Devida a importância no contexto da formação acadêmica propus que o Ciclo Básico fosse considerado como uma unidade acadêmica com status das então “escolas” ou “institutos” profissionais. A proposta foi aprovada acompanhada da decisão que, sob o aspecto acadêmico, fosse implantado como uma unidade praticamenteautônoma, confiada à responsabilidade de um “coordenador” para cuja função fui indicado. Exerci por pouco tempo a função de Coordenador do Ciclo Básico pois, continuava como chefe do Departamento de História e Ciências Sociais além de ser nomeado Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas na composição da alta cúpula da universidade pelo Presidente da Mantenedora (ASAV) , e superior provincial, Pe. Leopoldo Adami. Passei a coordenação da Ciclo Básico para prof. Reinholdo Ullmann. A justiça manda registrar uma homenagem póstuma a esse professor que desempenhou a tarefa por mais de uma década com um autêntico espírito missionário.
Em resumo. O Ciclo Básico foi concebido para oferecer aos estudantes uma visão interdisciplinar abrangente das realidades históricas e circunstanciais em geral, em meio à qual exerceriam futuramente a sua profissão, fosse qual fosse, e, paralelamente evitar uma visão estreita e precocemente bitolada da sua função dentro de um mundo plural, base da diversidade de opções profissionais à disposição no mercado de trabalho. Foi por isso que Unisinos gozava da fama de “universidade funil”, fator que a destacava como fora do padrão das demais instituições de nível superior. A estratégia resumia-se em facilitar o acesso à universidade e depois submeter os estudantes a exigências crescentes na medida que se aproximavam da conclusão do curso escolhido. E o acerto por esse formato rendeu aos egressos dela uma alta vantagem competitiva no mercado de trabalho profissional. Há registros, por ex., de anúncios em jornais do centro do País oferecendo vagas para recém formados em Economia, com a observação, “de preferência da Unisinos”.
Pela sua natureza interdisciplinar no rigoroso sentido do termo, isto é, servir de instrumento de formação de uma cosmovisão colocando a diversidade dos caminhos fundamentados na unidade ontológica do todo, ou então a consciência de que a perenidade perpassa como fio condutor a transitoriedade dos fatos históricos. Ou ainda chamando a atenção que o conhecimento é um só enquanto as doutrinas são múltiplas – “doctrina multiplex, veritas una”. Pela sua própria natureza, portanto, o Ciclo Básico configurava-se como uma unidade que servia de fundamento a todas as demais da universidade.
Mais acima já lembrei que o decreto do presidente Costa e Silva criando a Universidade do Vale dos Sinos foi publicado em 31 de julho de 1969. Nos 4 meses que seguiram a Comissão encarregada do formato acadêmico e administrativo trabalhou, por assim dizer, dia e noite para dar o perfil definitivo, tanto acadêmico, quanto administrativo da instituição. Incontáveis reuniões, não poucas noites praticamente em claro foram dedicadas à estrutura da universidade em seus mínimos detalhes. As reuniões de trabalho não raro terminavam pelas 4h da madrugada, para às 7h. retomar o mesmo ritmo. Numa quarta feira, dia dos meus compromissos com a UFRGS, depois de dormir duas horas embarquei no meu fusca para chegar a tempo em Porto Alegre. Na época não fora construído ainda o viaduto que dá aceso à Av. D. João Becker. O acesso a Br.116 dava- se por um retorno no nível da própria estrada. Depois de uma noite praticamente em claro não percebi um caminhão que vinha de Novo Hamburgo. A colisão foi inevitável. Fui jogado com meu fusquinha no acostamento. Felizmente o resultado resumiu-se na lataria amassada e alguns arranhões sem maior importância. O caminhão sofreu estragos insignificantes e o motorista sem um arranhão. Resolvemos o incidente na maior tranquilidade no Detran onde assumi a responsabilidade e me comprometi pagar o conserto do caminhão. Foi o único acidente de proporções maiores que sofri nos 50 anos que circulei regularmente entre Porto Alegre, o Vale do Sinos, para Santa Catarina e até o Matogrosso do Sul, até resolver não renovar minha carteira de habilitação em 2017.
Em meados de novembro de 1969 o perfil da universidade devidamente alinhavado e burilado estava pronto para ser implantado. A instalação oficial foi programada para o dia 12 de dezembro. O cerimonial contou com a presença do governador do Estado Perachi de Barcelos e alguns secretários com todo o aparato de segurança. Foi presidido pelo superior provincial dos jesuítas, Pe. Leopoldo Adami, no pátio interno dos prédios antigos da Unisinos no centro de São Leopoldo. Na ocasião tomaram posse o reitor Pe. João Oscar Nedel, o vice reitor acadêmico Pe. Marcus Bach, o vice reitor administrativo, prof. José Cinel e os diretores das faculdades e institutos centrais. Concluído o cerimonial da instalação propriamente dito, os convidados dirigiram-se até a Sociedade Orfeu para uma janta solene abrilhantada sem ônus pela Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) convidada pelo Prof. Alexandre Vertes. O Pe. Urbano Thiesen, o idealizador responsável, infelizmente pouco lembrado em toda a trajetória da realização do seu grande sonho, não participou da instalação da universidade. Encontrava-se hospitalizado com câncer terminal e veio a falecer 3 dias depois, 15 de dezembro. Se há alguém que merece um monumento num lugar de destaque no Campus da Unisinos é o Pe. Urbano Thiesen. Da minha parte, rendo-lhe a minha homenagem póstuma pelo que ele foi como meu professor de História da Filosofia, responsável pelo primeiro curso de filosofia oficializado e embrião da universidade, pela visão do significado do que é uma universidade como polo de produção do conhecimento, geração de tecnologias postas a serviço do desenvolvimento econômico e promoção humana na realidade em que se acha inserida e, por isso mesmo, comprometida.