Da Enxada à Cátedra [ 68 ]

O Projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos.

Haviam-se passado 13 anos da oficialização de Filosofia e Letras Clássicas, 10 anos da criação do curso de Pedagogia, oito anos da criação dos cursos de Ciências Sociais e História Natural, o acréscimo às Línguas Clássicas das Línguas Anglo Germânicas e Néo Latinas, 3 anos da criação dos cursos de Matemática, Física e História, 7 anos da criação da Faculdade de Ciências Econômicas e um ano da Faculdade de Direito. Além da consolidação acadêmica foram unificadas as secretarias das diversas faculdades numa central, como também a unificação e racionalização da administração com a criação do Centro Administrativo das Faculdades, o CAF .

Com o número de candidatos ao ensino superior em alta e os impasses financeiros sob controle, a lógica sinalizava para um passo ousado: Implantar uma Universidade. Nesse meio tempo o Geral dos Jesuítas Pe. Pedro Arrupe em visita à província Meridional do Brasil não deixou de fazer uma visita às Faculdades de São Leopoldo. Numa reunião da comunidade dos jesuítas que nelas atuavam foi posto a par das perspectivas promissoras para elaborar um projeto a ser submetido aos superiores da Ordem em Roma e ao Ministério da Educação.

Com a bênção do Superior Geral o projeto de universidade começou a ser discutido primeiro no âmbito dos jesuítas diretamente envolvidos. Em linhas gerais, aqueles mais comprometidos na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras defendiam uma universidade de tamanho mais modesto. Argumentavam que esse formato favorecia a qualidade ao passo que uma massificação de alunos e criação de sempre mais cursos corria o risco de sacrificar a qualidade em favor da quantidade. Argumentavam também que tanto a administração acadêmica, quanto a administrativa mais enxutas exigiam um aparato administrativo mais leve e menos complicado. Argumentavam ainda que a universidade assim dimensionada permitia também que a maioria do corpo docente e administrativo permanecesse nas mãos de membros da ordem, os já ativos e uma dezena ou mais em formação, um bom número no exterior, destinados a atuar em questão de pouco tempo, nos diversos cursos e programas de pesquisa em andamento ou a serem criados. Um efeito colateral de não pouca importância consistia em diminuir em muito as despesas com professores não jesuítas. Resumindo permite-se concluir que os defensores desse paradigma universitário sonhavam com uma instituição de dimensões limitadas pelo potencial de recursos humanos basicamente sob a responsabilidade de jesuítas. Aqui cabe uma observação que a curto prazo levaria a inviabilidade dessa proposta. O Concílio Vaticano II acabara de concluir seus trabalhos e, entre outras novidades, facilitava-se a redução ao estado laico de religiosos mesmo já sacerdotes ordenados. O previsível aconteceu. Um número considerável, para não dizer a maioria, dos ainda em formação no Brasil e em outros países saiu da ordem e com isso o recurso a docentes e pesquisadores jesuítas ficou seriamente prejudicado.

Uma segunda ala dos jesuítas fortemente incentivados e apoiados pelos professores leigos, especialmente da Faculdade de Ciências Econômicas, acalentava o projeto de uma universidade capaz de se equiparar à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e quem sabe até à da Federal do Rio Grande do Sul e a Federal de Santa Maria. Correspondia ao sonho do Pe. Thiesen que deixara claro a sua preferência pela Universidade de Oxford como referência, como já foi lembrado mais acima. É preciso lembrar que naquela remota segunda metade da década de 1960, só existiam no Rio Grande do Sul as três universidades há pouco mencionadas. Caxias e Ijuí começavam a delinear seus projetos. Nem o vale do Caí, nem do Taquari, nem do Pardo, nem do Jacuí contavam com instituições de ensino superior. Como consequência São Leopoldo, com suas faculdades reconhecidas pelo nível de excelência, transformara-se num polo de ensino superior que atraía alunos de todo estado e de fora dele, de modo especial, porém, dos vales dos rios que formam a bacia do Guaíba e que abrigava uma grande concentração humana, industrial e comercial. Para maiores detalhes sugiro o meu livro “Um Sonho e uma Realidade” publicado em 2009 pela Edit. Unisinos. Sobre esse pano de fundo como argumento a ala defensora de um projeto ambicioso, possibilitando um leque amplo para criação de novas faculdades, cursos, centros de pesquisa etc., contou com o apoio e suporte da Associação Antônio Vieira – (ASAV), mantenedora das Faculdades.

Depois de um consenso entre os defensores dos dois modelos de universidade pela proposta de uma instituição mais ambiciosa, formou-se um grupo encarregado da formulação do projeto. A equipe básica contou com o Pe. Marcus Bach que entregara a direção da Faculdade de Ciências Econômicas ao prof. Olívio Koliver, grande entusiasta do empreendimento. O Pe. Marcus atuoucomo “arquiteto chefe” da equipe. Contava como apaixonados pela obra com Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alexandre Vertes, Antenor Wink Brum, Joaquim Blessmann, o Pe. João Oscar Nedel, diretor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, Lenine Nequette, diretor da Faculdade de Direito, Rui Rubem Ruschel, juiz da Comarca de São Leopoldo e docente na Faculdade de Direito.

Consolidada a equipe o prof. Alexandre e o prof. Olívio Koliver providenciaram uma primeira reunião de estudos num jantar no Restaurante do João em Porto Alegre. Ao que me consta não se redigiu nenhuma ata das conversações e propostas apresentadas. Não se falou em conveniência de fundar uma universidade pois, esse assunto estava resolvido, mas o seu perfil. Em resumo concluiu-se planejar um projeto de universidade ambicioso e de longo alcance, atenta para que direção sopravam os ventos da história, aberta para acolher as mais diversas correntes do pensamento e incentivar o diálogo entre os muitos “ismos” que invadiam o ambiente das academias. Um projeto, portanto, aberto disposto a acompanhar, participar e interagir com os avanços culturais, sociais, econômicos, técnicos e tecnológicos presentes e futuros. Para mim aquela noite, participando da concepção de um projeto de universidade com parceiros todos igualmente entusiasmados e cônscios do que se tratava, representou um daqueles momentos que a memória fixou nos mínimos detalhes, e isto há mais de 50 anos passados. Semanas mais tarde aconteceu uma reunião em que o documento condensando as conclusões daquela noite no Restaurante do João, foi levado ao Superior Provincial, Pe. Edvino Friderichs na rua Marquês de Pombal, também presidente da ASAF, autoridade para dizer sim ou não ao projeto. Integraram a comissão o Pe. Marcus Bach, Pe, Oscar Nedel, Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alxandre Vertes, Olívio Koliver, Lenine Nequette, Heinz Kliemann e outros. O Pe. Friderichs aprovou sem restrições o documento e prometeu enviá-lo aos superiores maiores em Roma para a devida chancela. Orgulho-me pela oportunidade de ter dado o melhor de mim para um empreendimento que tão bem expressava a tradição jesuíta, isto é, fazer da educação em todos os níveis um instrumento da missão evangelizadora. Se anos mais tarde tomei a decisão de me desligar da Ordem tem muito a ver com o rumo, melhor desvio, tomado pela Ordem na sua Congregação Geral em 1965, permitindo diálogos e contaminações com “ismos” condenados pela Igreja antes do Concílio Vaticano II. Essa decisão custou-me um preço muito alto e o prognóstico do meu sempre amigo Pe. Marcus Bach, ao informa-lo da minha decisão, não deixou de revelar-se uma dura realidade: “vais engolir pregos com essa decisão”! No momento oportuno retornarei a esse assunto.

A comissão constituída para a formulação do projeto a ser enviado ao Ministério da Educação foi presidida pelo Pe. João Oscar Nedel assessorado pelo Pe. Marcus Bach, Alcides Giehl, Arthur Rambo, Alexandre Vertes, Lenine Nequette, José Cinel, Sérgio C. Gomes, Olívio Koliver, Rui Rubem Ruschel e outros mais. A justiça manda registrar que ao Pe. Marcus Bach coube o papel de “cabeça pensante”. Nas muitas reuniões formais e informais que se seguiram o projeto foi sendo referenciado e delineado de acordo com as linhas mestras que deveriam constituir-se no cerne da “alma mater” da universidade a ser implantada. Em primeiro lugar a universidade deveria destacar-se pela excelência e o rigor científico, uma “Casa de Sabedoria” com que sonhara o Pe. Thiesen já em 1957. Em segundo lugar, o saber, o conhecimento de alto nível somado às pesquisas avançadas e o desenvolvimento de tecnologias de ponta a serem produzidas, deveriam ter, de alguma forma, uma destinação social, isto é, reverter de alguma forma em benefício do público direta ou indiretamente influenciado pela instituição. Aliás as iniciativas como a remoção dos moradores da Xácara da Prefeitura, da Pesquisa Sócio Econômica em Dois irmãos e de modo especial, o projeto da “Valorização do Vale do Rio dos Sinos” acima descritos, demonstraram na prática a vontade e a capacidade de reverter para a sociedade em geral do que vinha sendo ensinado e aprendido nas salas de aula. Em terceiro lugar, a universidade deveria fazer o papel de caixa de ressonância sensível aos apelos dos diversos momentos históricos. Na sua proposta organizacional e institucional foi preciso prever caminhos capazes de atender as demandas a se apresentarem no andar do tempo.

Na formulação do perfil da universidade um outro fator não podia ser ignorado. Uma porcentagem considerável de candidatos que se apresentavam, procedentes do interior do Estado e de fora dele, muitos de pouca idade, falta de maturidade, carentes de formação intelectual, egressos de instituições de formação média de qualificação que deixava muito a desejar, não tinham clareza sobre a carreira a seguir no futuro. Outros mudariam de rumo durante os primeiros semestres, o que representava uma preciosa perda tempo além do desperdício de recursos financeiros normalmente escassos. Nesse sentido a Reforma universitária, prevista na Lei 5.540 para entrar gradualmente em vigor na Unisinos a partir do primeiro semestre de 1970, garantiu o suporte legal do projeto sem, entretanto, comprometer o perfil do ideal de instituição de ensino superior, que evoluiu a partir de 1954 com a implantação do Curso de Filosofia oficializado. Numa série de matérias na época publicadas no jornal Vale do Sinos, o público foi informado sobre o tipo de formação acadêmica e profissional que teria à disposição frequentando a Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Todos os alunos, independentemente do curso profissional futuro pretendido passariam obrigatoriamente pelo Ciclo Básico contando 20 créditos. Esses se somariam mais tarde ao número de créditos exigidos pelo respectivo curso profissional. Por ex., de um curso de 240 créditos, 20 eram obrigatoriamente do Ciclo Básico comum a todos os cursos em andamento ou a serem criados no futuro. Na versão original, portanto, os 20 créditos do Ciclo Básico eram pré-requisito obrigatório para matricular-se em algum curso profissional. Contava com 4 disciplinas obrigatórias e uma opcional. Obrigatórias foram: Antropologia, História do Pensamento Humano, Lógica e Metodologia e Realidade Brasileira, somando 16 créditos. Os 4 outros critérios resultavam da opção pelo Português, Inglês ou Matemática. Com esse formato o aluno entrava “na” universidade e não num curso específico “da” universidade. Essa proposta perseguia vários objetivos. Dentre os que me parecem mais importantes destaco em primeiro lugar a familiarização dos futuros profissionais tanto da área humanística, das Letras, e Artes, quanto da Comunicação, Direito, Ciências Naturais, e todas as essencialmente tecnológicas, com uma cosmovisão da realidade antropológica, histórica, geográfica e cultural no sentido amplo. Pretendia-se alertar que os futuros profissionais em todas as modalidades imagináveis tivessem consciência que não se resumiam em excelentes manipuladores de instrumentos, leis, ou inventores de métodos e tecnologias de ponta, mas, de alguma forma lidando com pessoas humanas e suas circunstâncias. Só para exemplificar. Um economista com essa formação básica entenderia que o fato econômico fundamenta-se em última análise numa pressuposto antropológico, o jurista lidaria com os códigos e legislações como fenômenos históricos criados pela necessidade de os agrupamentos humanos se fundamentarem na regulamentação dos direitos e deveres mútuos. O mesmo valia de algum forma para toda e qualquer profissão pois, o homem vem e ou deveria vir a ser, no final das contas, a razão de ser e o destino das suas conquistas em todos os níveis e áreas.

A opção pelo Ciclo Básico obrigatório para todos os alunos da Unisinos contou com um outro motivo. O universo dos alunos que confluíam para São Leopoldo costumavam ser egressos de escolas de ensino médio, muitas delas, devido às circunstância, de um nível de ensino discutível. Oferecia-se a eles, por isso, três disciplinas optativas de importância fundamental para futuramente exercerem sua profissão: português, matemática e inglês.

Aos dois objetivos citados cabia ao Ciclo Básico uma terceira tarefa, isto é, a convivência durante um semestre ou mais de alunos candidatos às mais variadas opções profissionais. Futuros engenheiros colegas de futuros filósofos; futuros sociólogos frequentando com colegas de História do Pensamento Humano; futuros arquitetos ou jornalistas assistindo preleções sobre Antropologia com colegas que mais tarde seriam historiadores ou sociólogos. Esse convívio evitaria em grande parte a fragmentação e as bolhas herméticas, que infelizmente caracterizam em inúmeros casos a formação acadêmica da juventude tanto nas universidades públicas, quanto nas particulares de hoje. O resultado resumia-se no estímulo de um clima favorável à prática da troca de conhecimentos, respeito à diversidade de opiniões, complementariedade dos conhecimentos, a prática do método interdisciplinar e assim evitar a praga da tirania da hegemonia do politicamente correto, para não dizer a tirania do pensamento único, ou da ideologia dominante, arquivando nos museus da história o autentico conhecimento. Os alemães diriam que as universidades, nem todas, entregam ao mercado profissional técnicos até de alta qualidade - “Kenner” mas pouco se empenham para formar autênticos sábios – “Weise”.

Acrescento mais um motivo da razão de ser do Ciclo Básico. O testemunho de alunos que ainda o frequentaram a lembram. As turmas eram formadas por candidatos aos mais diversos cursos profissionais. Futuros estudantes de Engenharia, Direito, Letras, Filosofia, História, Economia, Arquitetura e outras. Esse contato favorecia a troca de ideias sobre as diversas carreiras acadêmicas, clareava dúvidas sobre a escolha dos cursos e, em não poucos casos, alunos mudavam de opção sem risco de perderem tempo ou dinheiro pois, os 20 créditos faziam parte da soma dos créditos dos respectivos cursos profissionais. Esse convívio numa perspectiva interdisciplinar, foi apontado por ex-alunos da Unisinos como mais uma das justificativas da existência do Ciclo Básico. Num caderno especial publicado no dia 9 de março de 1970 a Zero Hora divulgou o conteúdo curricular e o significado de cada uma das disciplinas do Ciclo Básico no todo da concepção da universidade. Vale a pena deixar registrado um resumo daquele caderno especial da Zero Hora. O excesso de disciplinas e de especialização prematura compromete o sentido unitário da forma dos estudantes do ensino superior. Para de alguma forma evitar que tal aconteça a Unisinos colocou como obrigatória a Antropologia no formato de “Uma Introdução ao Estudo do Homem”, pressupondo que a espécie humana insere-se ontologicamente na natureza mas destaca-se das demais espécies vivas por ser portadora de “inteligência reflexa” e, por issomesmo, em condições de desenvolver culturas e construir uma história em constante renovação, adaptação e evolução. Em outras palavras a compreensão da humanidade no tempo e no espaço. Para uma Introdução ao Estudo do Homem como aqui proposta, os aspectos mais importantes a serem abordados com os alunos resumem-se nos seguintes: A história da vida sobre a terra; O homem e o meio físico; A genética humana, eugenia e evolução; O homem um ser à parte; o homem na era da tecnologia; ética e moral na era tecnológica. A fim de facilitar o acesso a esses conteúdos os professores Reinholdo Ullmann e Arthur Rambo compuseram um manual para subsidiar os alunos.

A segunda disciplina obrigatória do Ciclo Básico vem ser a “História do Pensamento Humano”. A carência de uma perspectiva histórica objetiva, bem estruturada e bem conhecida, causa constantemente nos estudantes desvios e falhas no julgamento dos fatos históricos e deficiência na discriminação dos valores de uma civilização ou de uma cultura. Foi para propiciar uma visão histórica ampla, objetiva, um conhecimento seguro dos fatores que construíram as civilizações e dos fatores negativos que causaram sua destruição, a Unisinos optou por tornar obrigatória no Ciclo Básico a disciplina “História do Pensamento Humano”. Obviamente num semestre não se dispõem nem de espaço nem de tempo para familiarizar os alunos com uma visão a história do pensamento de todas as culturas e civilizações mais importantes. Na prática, dada a extensão da matéria haverá limitação dos tópicos a serem tratados. Na verdade pretende-se oferecer um grande painel da Cultura Ocidental, causas que impulsionaram os ciclos de progresso, estagnação e decadência que se alternaram nos últimos três milênios. Sobre esse pano de fundo forampropostos os conteúdos da disciplina “História do Pensamento Humano”, dividida em 4 partes, começando pela Civilização Clássica” com a presença do Pensamento Greco-Romano na composição da cultura Ocidental; a Civilização Medieval” e seu perfil, e o papel da Igreja na Civilização Medieval, a civilização urbana e a formação das nacionalidades modernas;“Renascsença”; “A Civilização Moderna” com suas características econômicas, Revolução Industrial e Comercial, características sociais como o crescimento da burguesia, características políticas, como o absolutismo, características religiosas como a quebra da unidade religiosa europeia e o significado da Reforma; “A Civilização Contemporânea”: Revolução Francesa e seu significado político-social, o Liberalismo político e econômico, o desenvolvimento cultural dos séculos XIX e XX.

Seguindo o exemplo da Antropologia, os professores José Antônio G. Tavares e Maurílio Ártico organizaram uma coletânea de textos históricos – um ensaio de interpretações através de textos. A primeira edição foi retrabalhada e ampliada numa segunda edição pelos professores Beatriz V. Franzen, Elmar J. M. da Silva, Maurílio Ártico, Miriam Fialkow, Olímpio Remussi e Werner Altmann.

A terceira disciplina obrigatória do Ciclo Básico vinha a ser a Lógica e Metodologia. Tratava-se de uma disciplina familiarizando o estudante com dois conteúdos complementares de importância fundamental para o futuro do exercício de uma profissão qualquer que fosse.

Na Lógica oferecia-se ao futuro profissional a oportunidade de testar a solidez de uma argumentação; técnicas para aprofundar argumentação em concatenações de raciocínios apresentando-os de forma simples e inteligível; métodos para definir e dividir qualquer conteúdo e analisar criticamente as definições e divisões existentes em livros ou compêndios escolares; métodos para inferir a veracidade de afirmações a partir de outras informações apresentadas pela ciência. Todo programa pretende aprofundar os aspectos práticos, funcionais, operacionais do conceito, juízo e raciocínio, com a finalidade de facilitar aos alunos um caminhar rápido e seguro no campo das ciências.

A Metodologia tem como objetivo familiarizar o estudante com práticas para orientá-lo no estudo facilitando uma a leitura proveitosa, anotações em sala de aula e nos estudos pessoais, preparar- se para os exames de conteúdos objetivos, ou ensaios e dissertações, o discurso, a organização de horários de estudo, como estudar matemática, línguas, ciências, etc. Pela Reforma Universitária o Português e a Metodologia do Trabalho Científico, no Ciclo Básico da Unisinos, desempenham um papel de grande importância. A par de uma revisão crítica de todo o processo da expressão, procura-se desenvolver a capacidade de elaborar relatórios, trabalhos científicos, dissertações, teses e por aí vai.

A quarta disciplina obrigatória vinha ser Moral e Cívica exigida como obrigatória pela reforma do ensino. No Ciclo Básico da Unisinos constava como “Realidade Brasileira”. Também para essa disciplina foi elaborado um texto básico para os alunos coordenado pelo prof. Pe. Odelso Schneider.

Somadas às quatro disciplinas obrigatórias contando 16 créditos. O Ciclo Básico oferecia três optativas: Português, Matemática e Inglês. A elas cabia a função de servirem de auxiliares e de preencherem lacunas e deficiências na formação do nível médio. Na formulação do programa pensou-se seriamente em incluir a Matemática entre as disciplinas obrigatórias. E por estranho que possa parecer um dos defensores mais insistentes dessa inclusão foi um prof. de Literatura, argumentando que a Matemática era tão indispensável quanto a Lógica, o Latim e o Grego na formação em cursos de Letras. Por fim a Matemática terminou entre as disciplinas optativas contando 4 créditos para os 20 previstos para completar o Ciclo Básico.

A maioria dos alunos, ao entrar na universidade, imaginaram seguir uma tal ou qual profissão. O período que chamamos acima de “vestibular estendido”, fez com que não poucos tomassem consciência que não era bem aquela opção. Tomaram conhecimento de outras alternativas profissionais subsidiados com o serviço de orientação profissional oferecido pela universidade, decidiram por outra modalidade profissional.

Avaliado sob a ótica desses parâmetros o Ciclo Básico, fez na verdade também o papel de um vestibular estendido, podendo até se prolongar por dois semestres de acordo com as conveniências dos alunos. Muitos alunos, de acordo com suas disponibilidades financeiras e ou disponibilidade de tempo, davam conta dos 20 créditos no primeiro semestre para em seguida ingressar no curso profissional escolhido. Muito poucos foram obrigados a levar dois semestres para completar os 20 créditos obrigatórios do Ciclo Básico. Para tanto foram oferecidos cursos intensivos de todas disciplinas nas férias de verão e no mês de julho. Dessa forma alguém que cursara três disciplinas no primeiro semestre tinha a oportunidade de cursar uma nas férias de verão e outra em julho e no segundo semestre matricular-se no curso profissional de sua preferência.

Não se pode esquecer que o Ciclo Básico atendia também a uma demanda financeira. A procura da nova universidade foi se multiplicando de ano para ano e obrigava os candidatos a obter 20 créditos antes de entrar no curso profissional, garantia uma matrícula maciça e, com isso, um dado importante para o planejamento econômico financeiro da instituição.

No todo da elaboração do projeto da Universidade do Vale do Rio dos Sinos a consolidação do Ciclo Básico com seu formato original coube-me a mim, em parceria com o prof. Reinholdo Ullmann, sob a orientação do Pe. Marcus Bach. Na reunião do Conselho Universitário reunido para analisar e aprovar a proposta, coube-me a tarefa de detalhar para os presentes o significado de um Ciclo Básico e a proposta das disciplinas para atende-lo. Devida a importância no contexto da formação acadêmica propus que o Ciclo Básico fosse considerado como uma unidade acadêmica com status das então “escolas” ou “institutos” profissionais. A proposta foi aprovada acompanhada da decisão que, sob o aspecto acadêmico, fosse implantado como uma unidade praticamenteautônoma, confiada à responsabilidade de um “coordenador” para cuja função fui indicado. Exerci por pouco tempo a função de Coordenador do Ciclo Básico pois, continuava como chefe do Departamento de História e Ciências Sociais além de ser nomeado Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas na composição da alta cúpula da universidade pelo Presidente da Mantenedora (ASAV) , e superior provincial, Pe. Leopoldo Adami. Passei a coordenação da Ciclo Básico para prof. Reinholdo Ullmann. A justiça manda registrar uma homenagem póstuma a esse professor que desempenhou a tarefa por mais de uma década com um autêntico espírito missionário.

Em resumo. O Ciclo Básico foi concebido para oferecer aos estudantes uma visão interdisciplinar abrangente das realidades históricas e circunstanciais em geral, em meio à qual exerceriam futuramente a sua profissão, fosse qual fosse, e, paralelamente evitar uma visão estreita e precocemente bitolada da sua função dentro de um mundo plural, base da diversidade de opções profissionais à disposição no mercado de trabalho. Foi por isso que Unisinos gozava da fama de “universidade funil”, fator que a destacava como fora do padrão das demais instituições de nível superior. A estratégia resumia-se em facilitar o acesso à universidade e depois submeter os estudantes a exigências crescentes na medida que se aproximavam da conclusão do curso escolhido. E o acerto por esse formato rendeu aos egressos dela uma alta vantagem competitiva no mercado de trabalho profissional. Há registros, por ex., de anúncios em jornais do centro do País oferecendo vagas para recém formados em Economia, com a observação, “de preferência da Unisinos”.

Pela sua natureza interdisciplinar no rigoroso sentido do termo, isto é, servir de instrumento de formação de uma cosmovisão colocando a diversidade dos caminhos fundamentados na unidade ontológica do todo, ou então a consciência de que a perenidade perpassa como fio condutor a transitoriedade dos fatos históricos. Ou ainda chamando a atenção que o conhecimento é um só enquanto as doutrinas são múltiplas – “doctrina multiplex, veritas una”. Pela sua própria natureza, portanto, o Ciclo Básico configurava-se como uma unidade que servia de fundamento a todas as demais da universidade.

Mais acima já lembrei que o decreto do presidente Costa e Silva criando a Universidade do Vale dos Sinos foi publicado em 31 de julho de 1969. Nos 4 meses que seguiram a Comissão encarregada do formato acadêmico e administrativo trabalhou, por assim dizer, dia e noite para dar o perfil definitivo, tanto acadêmico, quanto administrativo da instituição. Incontáveis reuniões, não poucas noites praticamente em claro foram dedicadas à estrutura da universidade em seus mínimos detalhes. As reuniões de trabalho não raro terminavam pelas 4h da madrugada, para às 7h. retomar o mesmo ritmo. Numa quarta feira, dia dos meus compromissos com a UFRGS, depois de dormir duas horas embarquei no meu fusca para chegar a tempo em Porto Alegre. Na época não fora construído ainda o viaduto que dá aceso à Av. D. João Becker. O acesso a Br.116 dava- se por um retorno no nível da própria estrada. Depois de uma noite praticamente em claro não percebi um caminhão que vinha de Novo Hamburgo. A colisão foi inevitável. Fui jogado com meu fusquinha no acostamento. Felizmente o resultado resumiu-se na lataria amassada e alguns arranhões sem maior importância. O caminhão sofreu estragos insignificantes e o motorista sem um arranhão. Resolvemos o incidente na maior tranquilidade no Detran onde assumi a responsabilidade e me comprometi pagar o conserto do caminhão. Foi o único acidente de proporções maiores que sofri nos 50 anos que circulei regularmente entre Porto Alegre, o Vale do Sinos, para Santa Catarina e até o Matogrosso do Sul, até resolver não renovar minha carteira de habilitação em 2017.

Em meados de novembro de 1969 o perfil da universidade devidamente alinhavado e burilado estava pronto para ser implantado. A instalação oficial foi programada para o dia 12 de dezembro. O cerimonial contou com a presença do governador do Estado Perachi de Barcelos e alguns secretários com todo o aparato de segurança. Foi presidido pelo superior provincial dos jesuítas, Pe. Leopoldo Adami, no pátio interno dos prédios antigos da Unisinos no centro de São Leopoldo. Na ocasião tomaram posse o reitor Pe. João Oscar Nedel, o vice reitor acadêmico Pe. Marcus Bach, o vice reitor administrativo, prof. José Cinel e os diretores das faculdades e institutos centrais. Concluído o cerimonial da instalação propriamente dito, os convidados dirigiram-se até a Sociedade Orfeu para uma janta solene abrilhantada sem ônus pela Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) convidada pelo Prof. Alexandre Vertes. O Pe. Urbano Thiesen, o idealizador responsável, infelizmente pouco lembrado em toda a trajetória da realização do seu grande sonho, não participou da instalação da universidade. Encontrava-se hospitalizado com câncer terminal e veio a falecer 3 dias depois, 15 de dezembro. Se há alguém que merece um monumento num lugar de destaque no Campus da Unisinos é o Pe. Urbano Thiesen. Da minha parte, rendo-lhe a minha homenagem póstuma pelo que ele foi como meu professor de História da Filosofia, responsável pelo primeiro curso de filosofia oficializado e embrião da universidade, pela visão do significado do que é uma universidade como polo de produção do conhecimento, geração de tecnologias postas a serviço do desenvolvimento econômico e promoção humana na realidade em que se acha inserida e, por isso mesmo, comprometida.

Da Enxada à Cátedra [ 67 ]

Planisinos

O bem sucedido projeto de Valorização do Rio dos Sinos, iniciativa da Faculdade de Ciências Econômicas e executado em parceria com a equipe de especialistas na área e bancada pela RFA, entre outras iniciativas inspirou a ideia de criar uma empresa de planejamento e assessoria junto à universidade. O formato escolhido foi de uma Sociedade Anônima, autônoma e independente da estrutura administrativa da universidade. Os sócios fundadores quanto me lembro foram todos docentes da Faculdades de Ciências Econômicas como também da de Filosofia e Ciências Humanas. Orgulho-me de ter integrado essa equipe fundadora e participado efetivamente na montagem do projeto em parceria com os diretores das duas faculdades, Pe. Oscar Nedel e Olívio Koliver, os professores Pe. Marcus Bach, Alcides Guiehl, Alexandre Vertes, Eliseu Mascarello e outros mais. O projeto previa todo o tipo de planejamento como áreas urbanas, planejamento regional, infra estrutura, assessoria a empresas, municípios, etc. O corpo docente das Faculdades dispunha de recursos humanos devidamente habilitados para coordenar os projetos de todos os tamanhos e formatos: economistas, contabilistas, administradores de empresa, arquitetos, engenheiros, médicos, enfermeiros, sociólogos, historiadores, geógrafos, biólogos, botânicos, ambientalistas e por aí vai.

Para começar foi preciso apresentar e oferecer aos mais diversos possíveis clientes a marca da Planisinos e seu potencial de planejamento e assessoria. Como eu tinha percorrido o Vale do Sinos de alto a baixo com a equipe alemã em visita às prefeituras, entidades de classe e formado uma visão de conjunto da geomorfologia, edafologia, cobertura vegetal e as potencialidades de desenvolvimento econômico e promoção humana, fui encarregado para apresentar o que de útil para ações concretas que a Planisinos tinha a oferecer. Foi nesses termos que, no período das férias acadêmicas de 1969 e começos de 1970 planejamos percorrer o vale do Sinos e parte do Caí a fim de oferecer os préstimos da empresa. Não me recordo em detalhes de todos os lugares e instituições visitadas. Cito apenas as prefeituras de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula, Três Coroas, Montenegro além de algumas empresas. Em Santo Antônio da Patrulha acertamos praticamente a urbanização de uma grande área devoluta na margem da BR101. Em companhia do Pe. Nedel, então Reitor da universidade recém instalada fomos oferecer nossos préstimos à Secretaria de Obras do Estado, a agência responsável pela implantação de projetos habitacionais, o Banco Regional de Desenvolvimento e outros mais. Por razões que pretendo apresentar mais abaixo, em meados de 1971 pedi exoneração do cargo de Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e demais cargos sob minha responsabilidade até aquele momento, também da Planisinos. A justiça manda registrar que seu presidente o prof. Alexandre Vertes garantiu um futuro promissor para a empresa, até que em 1978 o novo Reitor da Unisinos, ordenou o encerramento da mesma. Aliás aquele reitorado - 1978 a 1982 foi marcado por uma série de decisões discutíveis que, por assim dizer, estagnaram a instituição, com muita competência superadas em parte pelo Pe. Evaldo Wetzel empossado para o quadriênio de 1982 a 1986.

Extensão da Filosofia para Taquara.

Como se pode deduzir pelos quatro projetos que acabamos de lembrar, as Faculdades de São Leopoldo em meados da década de 1960 encontravam-se em pleno processo de evolução e aperfeiçoamento tanto no plano acadêmico quanto no da inserção na realidade regional. A recomendação do Pe. Thiesen ao anunciar na Câmara de Vereadores em 1957 que as Faculdades abertas ao público em geral a partir de 1958 pretendiam evoluir para uma “Casa de Sabedoria” e, ao mesmo tempo servir de instrumento para o desenvolvimento regional, contaria com mais uma iniciativa nesse sentido. As quatro ações acima lembradas visavam, pela sua natureza colaborar com o desenvolvimento regional. Faltava uma iniciativa que servisse de impulso para ampliar e facilitar a oferta de Ensino Superior para os egressos do segundo grau do médio e alto Rio dos Sinos e regiões vizinhas. Se os projetos anteriores devem ser creditados à Faculdade de Ciências Econômicas, a oferta de formação acadêmica superior partiu da direção da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Para encurtar a história o Conselho Técnico Administrativo, do qual eu fazia parte como chefe do Departamento de História e Ciências Sociais, em reunião no segundo semestre de 1966, decidiu abrir uma extensão do Curso de Filosofia em Taquara. Não houve consenso entre os conselheiros. Eu próprio votei contra por duas razões. Em primeiro lugar porque entendi que a decisão era prematura e, segundo lugar, ficara claro nos arrazoados apresentados que caberia a mim assumir na prática todo o ônus do empreendimento. A extensão evidentemente ficaria sob à autoridade da Faculdade de São Leopoldo. Na prática, porém, tanto a coordenação acadêmica quanto a administrativa ficaria sob minha responsabilidade. O compromisso com a preleções na UFRGS, nos cursos de Ciências Sociais, História, Pedagogia, Ciências Econômicas, além da chefia de dois departamentos, somados ao comprometimento com o Projeto de Valorização do Rio dos Sinos, estava no limite das minhas possibilidades de tempo e tarefas a dar conta. De qualquer forma o Projeto de Extensão foi aprovado e implantado no ano seguinte. Para sede provisória foram cedidas as dependências do Colégio Sta. Teresinha. Os alunos da primeira turma obviamente residiam em Taquara ou procediam das localidade vizinhas como Igrejinha, Rolante, Três Coroas, Parobé e um número significativo desciam de São Francisco de Paula. A noite da solenidade da instalação da extensão e, ao mesmo tempo, o início do primeiro semestre no começo de março de 1968, com a presença do Pe. Oscar Nedel, diretor da Faculdade da matriz em São Leopoldo, autoridades e lideranças locais, ficou gravada em detalhes na minha memória. A solenidade aconteceu na sala em que seriam dadas as aulas. Depois da fala do Diretor declarando instalada a extensão do curso de Filosofia, ficamos até altas horas da noite confraternizando com os alunos e as alunas. Na mesma semana tive o privilégio de ministrar a primeira aula, isto é, há 56 anos passados, naquele embrião que mais tarde deixaria de ser uma extensão da Unisinos para ser tornar autônoma e evoluir para a hoje FACAT.

Além das aulas regulares que me cabiam ministrar deslocava-me uma ou duas vezes por semana de São Leopoldo a Taquara. Na época o asfalto terminava em Sapiranga. De lá em diante chão batido sujeito às circunstâncias e o humor do tempo: poeira e pedras soltas quando seco e uma sequência de lodaçais quando chovia. Para enfrentar o trajeto de 50 quilômetros de São Leopoldo a Taquara dispunha de um fusquinha de terceira mão, modelo 1951, três marchas para frente, motor de 25 HP, caixa seca, importado quando no Brasil ainda não havia montadora da VW. Ao dono ou motorista desses modelos antigos aconselhava-se levar um alicate e um rolinho de fio. Com eles resolvia-se qualquer problema mecânico numa viagem. Nas idas e vindas a Taquara enfrentei três contratempos que me poderiam ter causado problemas sérios. O primeiro deles aconteceu no topo da subida na saída de Sapiranga. Deparei-me com uma manada de vacas cruzando a estrada. Freei e desviei para a esquerda. Nessa manobra um tanto brusca caiu a barra de direção e fui parar no valo na beira da estrada. Felizmente no bati no barranco. Em vez de culpar as vacas agradeci a sua providencial travessia naquele momento pois, se falhasse a direção numa outra circunstância poderia ter acontecido um acidente bem mais sério. Só para explicar. A barra de direção soltou-se porque, antes de viajar a Taquara busquei meu fusca na oficina de revisão e o mecânico distraído tinha esquecido colocar o pino que prendia a barra no eixo. O socorro veio de uma oficina lá perto. Colocaram o pino e como já passava das 20h. resolvi voltar a São Leopoldo. Numa outra ocasião, voltando de Taquara pelas 22,30h, na reta na altura de Nova Hartz, despovoada na época, percebi de longe dois indivíduos um à direita, outro à esquerda da estrada. Como na época tinha registro e porte de arma levava no porta luva um Smith Weson 38. Ao me aproximar dos dois indivíduos um pulou no meio da pista fazendo sinal para parar. Resolvi no momento deixar a arma onde estava e acelerei o carro. O indivíduo na estrada jogou- se no acostamento e pelo retrovisor vi os dois sumir na vegetação na beira da estrada. Cheguei São Leopoldo são e salvo mas com a decisão de não viajar mais sozinho para Taquara. Combinei com meu amigo o irmão Anselmo Engel para me levar de Combi. Pagava para ele uma cerveja enquanto esperava para dar aula e depois voltarmos. Lembro que naquele remoto ano de 1968 leis regulamentando bebidas alcoólicas para motoristas eram muito mais permissivas. Pois, foi numa dessas voltas, também pelas 22,30 h. que sofri com o irmão Engel o terceiro acidente quepoderia ter sido fatal para ambos. Na descida para a “ponte sem nome” em Sapiranga, final do trajeto não asfaltado. Nos deparamos com um caminhão parado no meio da pista. Ele tinha sido roubado e interceptado pelos policiais que estavam fazendo a sinalização para advertir a quem se aproximava. Policiais correndo para cá e para lá e o obstáculo inesperado ocupando praticamente toda a largura da estrada de chão coberta de saibro seco e escorregadio fez com que o motorista freasse bruscamente guinando a combi para o lado. O resultado não podia ser diferente. O veículo tombou terminando com o lado direito no valo ao lado da estrada. No lado do carona e com o vidro aberto terminei com o braço direito mergulhado no valo cheio de água. O motorista segurou- se no volante. De pronto dois policiais acorreram e ouvi um deles dizendo: estes estão mortos! Um deles abriu a porta esquerda da combi e sem maiores problemas colocaram-na sobre as quatro rodas. Nós dois tripulantes sofremos apenas alguns arranhões sem maior importância. O carro um pouco amassado no lado direito estava em condições para seguirmos viagem até São Leopoldo e os policiais nos liberaram para continuar a viagem.

Lá pelo final do segundo semestre os alunos promoveram um encontro de confraternização na propriedade do pai de uma aluna em São Francisco de Paula. Foi um domingo memorável com as mesas do churrasco preparadas num galpão rústico sob a copa de araucárias centenárias na sombra do mato branco característico da borda do planalto. Participei de mais um desses encontros, dessa vez na propriedade de um aluno a meio caminho entre Taquara e Parobé. Mais tarde tive ocasião de visitar algumas das alunas na cidade de São Francisco de Paula quando recordamos aqueles semestres tranquilos e marcados pela nostalgia de termos participado de uma iniciativa pioneira de significado duradouro para aquela região. A FACAT tem naquele remoto ano de 1968 o seu embrião. Na formatura daquela primeira turma em 1970, no pátio interno dos antigos prédios da Unisinos em São Leopoldo o Pe. Nedel, então Reitor da nova universidade, delegou-me a função de lhes conferir o grau de licenciados em Filosofia. Não participei da posterior emancipação da extensão da Unisinos em Taquara dando origem a FACAT.

Da Enxada à Cátedra [ 66 ]

Valorização do Vale do Rio dos Sinos. Acontece que as contribuições a serem oferecida pelas Faculdades de São Leopoldo até 1963 não estavam esgotadas com as há pouco lembradas. Durante aquele ano, novamente em sintonia com o Conselho Comunitário do município de São Leopoldo, do prefeito Clodomiro Martins, da Câmara de Vereadores, do engajamento da Associação Comercial e Industrial, da Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos, a Faculdade de Ciências Econômicas assumiu e liderou um audacioso projeto de “Valorização do Vale do Rio dos Sinos. Em ressumo tratava-se de um “Projeto de Desenvolvimento Regional e de Promoção Humana”. A primeira etapa consistiu em proceder a um diagnóstico da situação geográfica e sócio econômica, destacando as potencialidades da região, os problemas acumulados por uma história de 150 anos e as iniciativas a serem tomadas e postas em prática a fim de evitar um desenvolvimento errático da região. Só para chamar a atenção. Uma situação em linhas gerais idêntica à bacia do Sinos podia ser estendida para as demais bacias do Gravataí, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí, todos confluindo para formar o lago Guaíba. O Projeto de valorização regional, objeto dessa parte das minhas memórias, ajustado às peculiaridades de cada uma das bacias mencionadas, poderia servir de protótipo para todas. Aliás iniciativas nesse sentido foram tentadas uma década mais tarde para o Caí e o Taquari não passando, porém, de esboços que não foram levados em frente. Depois dessa observação voltemos ao projeto da bacia do Sinos.

Guardo como uma preciosidade a cópia do texto original que serviu de base para conquistar o apoio das autoridades locais, estaduais, federais e que motivou a assinatura do convênio de Apoio Técnico” entre o Governo Brasileiro e a RFA (então República Federal da Alemanha).

O primeiro passo de um projeto regional consiste em delimitar a sua abrangência geograficamente. No projeto interessava a bacia fluvial do rio dos Sinos. Com uma superfície de aproximadamente 4.000 quilômetros quadrados, situado no Rio Grande do Sul entre a latitude sul entre os paralelos 29o e 30 min e 29o 56min e entre os meridianos entre os 50o20min e 51o18min latitude oste de Gr. No momento da elaboração do projeto entre 1962 e 1963 a bacia do Sinos contava com 13 municípios formando a Associação dos Municípios do Vale do Rio dos Sinos. Os municípios surgiram de distritos emancipados de quatro “matrizes” históricas: Santo Antônio da Patrulha, São Leopoldo, Taquara e Canoas.

O clima, tomando a média anual de 19,9oC como base, enquadra-se no conceito de clima subtropical e temperado, com uma média de 25oC no verão e 15oC no inverno. As chuvas são mais ou menos uniformemente distribuídas durante o ano todo. Não se notam diferenças muito acentuadas entre os meses do verão e do inverno, outono e primavera. Observa-se uma boa diferença na média da precipitação entre as três regiões em que o rio dos Sinos pode ser dividida. No alto Rio dos Sinos fica em torno de 2.000 mm, na região média 1.600 e na baixa cerca de 1.00mm.

A densidade demográfica, baseada no recenseamento geral de 1960 apresenta os seguintes números. Nos municípios no Alto Rio dos Sinos: Santo Antônio com 1292 quilômetros quadrados – 54.738 habitantes; Rolante com 415 quilômetros quadrados – 16.381 habitantes; Três Coroas com 163 quilômetros quadrados – 6.041 habitantes; Taquara com 594 quilômetros quadrados – 33.010 habitantes. Total da região: 2.464 quilômetros quadrados – 110.170 habitantes.

Municípios do Médio do Rio dos Sinos. Sapiranga com 190 quilômetros quadrados – 11.984 habitantes; Campo Bom com 56 quilômetros quadrados – 8.541 habitantes; Dois Irmãos com 301 quilômetros quadrados – 11.717 habitantes; Estância Velha com 198 quilômetros quadrados – 11.493 habitantes; Novo Hamburgo 2111 quilômetros quadrados – 53.916 habitantes. Total da região: 956 quilômetros quadrados – 97.653 habitantes. Municípios do Baixo Rio dos Sinos: São Leopoldo com Sapucaia do Sul: 175 quilômetros quadrados – 82.238 habitantes; Esteio: 40 quilômetros quadrados – 22.217 habitantes; Canoas 313 quilômetros quadrados – 104.257 habitantes. Total da região: 528 quilômetros quadrados – 208.712 habitantes.

Total geral da região geopolítica do Vale do Rio dos Sinos: 3.948 quilômetros quadrados – 416.535 habitantes.

Quanto à distribuição da população urbana e rural os números somam: Para o Alto Rio dos Sinos: Urbana 30.993 – Rural 79.177; para o Médio Rio dos Sinos: Urbana 68.373 – Rural 29.280; para o Baixo Rio dos Sinos: Urbana 167.653 – Rural 41.080. À população urbana cabem apenas 35,9%, enquanto a população rural cobre 64,1%.

Outro dado importante cabe à densidade populacional. No Alto Rio dos Sinos correspondem 44,71 habitantes por quilômetro quadrado, no Médio Rio dos Sinos 102,14 e no Baixo Rio dos Sinos 395,29. Esses dados mostram que a densidade populacional média da região fica em 105,5 habitantes por quilômetro quadrado. Percebe-se, portanto, um expressivo adensamento populacional na medida em que a região converge para Porto Alegre com seu complexo industrial em acelerado crescimento, expandindo-se para dentro do vale do Sinos, favorecendo a formação de núcleos e bairros urbanos que reclamavam as devidas providências para enfrentar as enchentes periódicas, o saneamento básico, abastecimento de água, vias de circulação, disciplinamento da instalação de distritos industriais e por aí vai.

Com os dados acima em mãos foi constituído no segundo semestre de 1963 um grupo de trabalho com a tarefa de elaborar um projeto de “Valorização do Vale do Sinos”, nos moldes a ser apresentado às instâncias municipais, estaduais e federais com o objetivo, em primeiro lugar do apoio oficial e, em segundo lugar, buscar suporte técnico e financeiro para executá-lo. Foi nessa fase que entrei de corpo e alma no projeto. Compuseram o grupo de trabalho o Pe. Marcus Bach, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, o coordenador da mesma, Alcides Giehl, o chefe do Departamento de Economia prof. Arthur Rambo, o Prof. Lenine Nequete e o aluno Reinaldo Adams. O grupo contou com a assessoria do sr. Georg Berensen, na época chefe do Escritório da Ferrostal do Brasil em Porto Alegre, empenhada na implantação da Aços Finos Piratini. A colaboração de Berensen foi de fundamental importância na fase da apresentação do Projeto ao Governo da República Federal da Alemanha em busca de financiamento para a realização do empreendimento.

O grupo de estudos constatou de saída que a solução para contornar os problemas causados pelas enchentes implicava envolver o conjunto de desafios envolvidos no desenvolvimento da bacia do rio como um todo. A solução para as cheias, portanto, deveria ser encarado como uma parte de uma situação regional e neste contexto outros aspetos não podiam deixar de fazer parte do Projeto. A “Valorização” deveria necessariamente ser compreendida como um projeto de desenvolvimento regional, tomando em consideração o controle das enchentes, abastecimento de água, saneamento básico, planejamento urbano, localização de distritos industriais, malha rodoviária, florestamento e reflorestamento das encostas, navegação fluvial, modernização da agricultura e animais domésticos, fomento da horticultura e fruticultura, criação de gado leiteiro, implantação de aviários e tantas outras potencialidades viáveis nas variações climáticas locais e características geomorfológicas e edafológicas da região. Ainda em 1963 o projeto foi concluído.

De outra parte, impunha-se obviamente que um projeto dessa natureza não podia ser levado em frente sem o conhecimento e o apoio das autoridades públicas e privadas nele interessadas. Foi preciso expor o projeto para a Associação dos Prefeitos do Vale do Sinos assim como conquistar a parceria de cada legislativo e executivo municipal. Ao mesmo tempo o Projeto foi apresentado aos órgãos públicos estaduais e federais, órgãos de classe, conselhos comunitários sem o apoio dos quais a execução seria inviável. Esse relacionamento entre a Faculdade de Ciências Econômicas e os parceiros que acabamos de mencionar, contou com um poderoso facilitador. Um bom número dos professores da Faculdade eram profissionais ligados a entidades de classe, repartições e órgãos públicos. Assim, por ex., o prof. Ary Burger ocupava a presidência do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, o prof. José Cinel ligado à Associação Comercial de Porto Alegre e outros ainda, além de exercerem profissões liberais, lecionavam na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Universidade Católica de Porto Alegre. Em todas as instâncias o projeto teve um inesperado bom acolhimento. No plano estatual o Governador Ildo Meneguetti pôs à disposição o aparato da burocracia e infraestrutura técnica. No plano federal o apoio foi igualmente favorável. Os resultados dessas múltiplas tramitações nas diversas esferas públicas e privadas acham-se condensadas na ata da Congregação da Faculdade de Ciências Econômicas de 29 de junho de 1963

Neste sentido, por iniciativa da Faculdade, está em estudo um Plano de Retificação do Rio dos Sinos, que deverá ser realizado com a ajuda do Governo Alemão no que se refere ao setor técnico e financeiro que ora se encontra no Itamarati. Este plano terá duas facetas: Uma a retificação do rio dos Sinos. De caráter técnico que será elaborado pelos técnicos alemães; outra socio- antropológico-cultural-econômica em que trabalharão os nossos professores e alunos cujas equipes já estão constituídas. O Projeto já passou pelo Itamarati com parecer favorável e apresentado por Egydio Michaelsen ao Governo alemão e por ele aprovado. Para fevereiro de 1964 está anunciada a chegada de um perito do Governo Alemão para definir a colaboração com a Faculdade de Economia.

Seguiram meses de contatos, entendimentos e acertos como preparação para receber a equipe de técnicos alemães. No ofício 001 de 1964, dirigido ao sr. Valnir Chagas, conselheiro do Conselho Federal de Educação consta o comunicado da aprovação com elogios do Projeto Rio dos Sinos pelo Itamarati e o Governo Alemão, informando também a vinda de um técnico do Governo Alemão em fevereiro de 1964. O técnico anunciado, entretanto, não chegou em fevereiro mas, no mês de julho, como consta no Diário de Notícias, edição de 14 de julho ao noticiar a presença do técnico alemão Leo Büttner, representante do governo daquele país acompanhado pelo engenheiro Rolf Ramm, representando a firma Agrar und Hydrotechnik, especializada em planejamento regional, empresa a ser contratada pelo Governo Alemão para elaborar o projeto definitivo.

Como o mês de julho coincidia com as férias de inverno tanto na UFRGS quanto nas Faculdades de São Leopoldo onde lecionava, assumi a tarefa de acompanhar os dois técnicos nas suas visitas pelo vale do Rio dos Sinos principalmente as prefeituras e tomando contato com a características geomorfológicas, hidrológicas, edafológicas, a realidade agrária, a expansão urbana, as condições e meios de circulação etc. Como base das observações “in loco” os dois técnicos elaborariam seu parecer sobre a viabilidade ou não do projeto apresentado. Um acerto com a Secretaria de Obras Públicas do Estado e a Faculdade de Ciências Econômicas, resultou na disponibilização de uma viatura com motorista para percorrer a região. Naquele mês de julho dediquei-me em tempo integral circulando pela região em companhia dos dois técnicos fazendo o papel de intérprete e guia na visita às prefeituras, a empresas, associações de classe, repartições estaduais e federais. Muito úteis foram também os conhecimentos históricos, a realidade social, além da formação geológica da região que havia estudado a fundo no meu bacharelado em História Natural, já mencionado mais acima. Munidos com os dados colhidos durante o mês de julho, os dois técnicos elaboraram um parecer recomendando que o Governo Alemão assumisse o patrocínio financeiro da sua execução. Este contratou a empresa de planejamento regional Agrar und Hydrotechnik para assumir a tarefa.

Foi assim que a Faculdade de Ciências Econômicas, criada há escassos 5 anos, já conquistara credibilidade internacional bancando financeira e tecnicamente um projeto de desenvolvimento regional, elaborado por professores e alunos da jovem instituição. Nos dois anos que se seguiram até a vinda da equipe técnica alemã foram feitos os contatos e acertos para que não ocorresse algum percalço maior quando da chegada da equipe da Alemanha. Tudo foi acertado com a Secretaria das Obras Públicas sob a responsabilidade do Secretário Pergher. Com ele foram acelerados os detalhes de quem assumiria as despesas de moradia e o transporte da equipe pela região em estudo. Seu apoio logístico, político e moral foram determinantes para o sucesso da obra. Visitas também foram programadas e efetuadas com a CORSAN, Metroplan e o sétimo distrito do Ministério de Minas e Energia com sede em Porto Alegre. Entidades de Classe, Associações Comerciais e Industrias, empresários, etc., foram informados do que estava acontecendo.

Todo esse trabalho de preparação e intermediação foi conduzido pela Faculdade de Ciências Econômicas. Participei de um número sem conta de reuniões com o Banco de Desevolvimento Econômico, Associações Comerciais, Prefeituras, Secretarias do Estado, Empresários, Conselhos Comunitáriosetc. Participei de um número sem conta também de contatos e preparação dos subsídios para facilitar e orientar a equipe técnica que chegaria em meados de 1967. No acordo firmado entre o Governo do Estado e República Feral da Alemanha, ficou acertado que o Estado arcaria com as despesas de moradia e o combustível e a manutenção das duas viaturas que vinham na bagagem dos técnicos. Ficou ainda acertado que, concluídos os trabalhos, as viaturas e todo equipamento técnico trazido, seriam incorporados ao patrimônio da Secretaria de Obras Públicas.

Nesse meio tempo a Secretaria da Agricultura designou o prof. Edgar Írio Simm como interlocutor entre o Estado e a Faculdade de Ciências Econômicas na qual era também professor. Caracterizava-se pela personalidade jovial, sempre disposto, avesso a complicações burocráticas e sempre carregava na manga uma solução.

Com a aproximação data da chegada da equipe técnica, prevista para julho de 1967 o coordenador da Faculdade Alcides Giehl, o prof. Simm e eu, providenciamos as moradias. A previsão da permanência da equipe era de cerca de um ano ou talvez um pouco mais. Foi acertado o aluguel de uma sala para a sede das atividades, mais dois apartamentos no edifício na esquina da Primeiro de Março e João Neves da Fontoura, duas casas no Morro do Espelho, uma casa em Novo Hamburgo e para o chefe da equipe um apartamento na Av. Independência em Porto Alegre.

De fato, em meados de julho de 1967, como previsto, a equipe técnica apresentou-se em São Leopoldo. Chefiava-a o eng. Otfried Schneider acompanhado do eng. Lemmer, do eng. Especialista em barragens Flach, o geólogo Hoffmann, um eng. Agrônomo, o topógrafo Verhoeven, o economista Berg e o desenhista Schmechel. À equipe veio somar-se o eng. Alemão Kurt Koch, radicado em São Paulo. Com a presença do sr. Mohrmann, Diretor Presidente da empresa alemã, foi celebrado um acordo entre a Agrar und Hydrotechnik e a Faculdade de Ciências Econômicas. Nele foram acertadas as competências e as obrigações das duas partes. Coube-me o papel de intermediário, credenciado pela equipe técnica entre as repartições públicas, as prefeituras e demais instâncias envolvidas e interessadas no projeto. Foi assim que, durante pouco mais do que um ano vi-me na condição de prestador de serviços ao Governo Alemão. Como na época eu era jesuíta a remuneração a mim paga pela equipe de técnicos, se não me falha a memória foi de 70.000 marcos foi depositada no caixa da Faculdade de Ciências Econômicas.

A Agrar und Hydrotechnik municiou a equipe técnica com duas viaturas: uma “variant”, na época não fabricada no Brasil, um “mungo”, viatura fabricado pela DKW, usado pelo exército alemão para transpor terrenos alagados e pântanos, passar por rios e cursos de água maiores. Além das viaturas a equipe trouxe equipamentos completos de última geração, para confeccionar mapas topográficos, desenhos, tabelas, etc. Como já lembrei mais acima, terminado o trabalho, todos esses equipamentos e as duas viaturas foram incorporados no patrimônio da Secretaria de Obras Publicas do Estado.

A equipe desenvolveu seu trabalho durante o segundo semestre de 1967 e o primeiro de 1968. Como naquele período ainda atuava no regime de 12 horas na UFRGS todo o tempo que sobrava das aulas e outros compromissos em São Leopoldo, cabia-me servir de intérprete e contato com as instâncias públicas e privadas envolvidas no projeto. O prof. Simm desempenhou o mesmo papel mas como representante do governo do Estado. Foi nessas condições que nós dois acompanhamos os integrantes da equipe alemã. Carrego boas lembranças dessas andanças pelo Vale do Sinos. De um lado foram prazerosas pela companhia do sempre jovial prof. Simm. De outro foi uma escola de vida e tanto que esses contatos diretos com as realidades, os problemas e potencialidades da região proporcionaram.

O contato com as prefeituras e câmaras de vereadores foi, aos poucos, revelando as características do comportamento político local, assim como os interesses e o perfil dos prefeitos, seus funcionários e os vereadores. Todos foram receptivos ao projeto, de modo especial no que tocava às enchentes periódicas. Não se percebeu má vontade no fornecimento de dados, nem sonegação de informações importantes. Merece destaque o prefeito de São Leopoldo, Clodomiro Martins, pelo comprometimento com a causa e pelo suporte logístico prestado. Pôs à disposição da equipe dos técnicos uma das poucas viaturas da prefeitura na época, além do espaço para reuniões técnicas. Destacaram-se também pela disponibilidade do pessoal e da infraestrutura os prefeitos Santini de Novo Hamburgo; Oscar Petry de Sapiranga; Lehnart de Taquara; Timmen de Rolante; Lagranha de Canoas; o prefeito de Santo Antônio da Patrulha, São Francisco de Paula, Três Coroas, Campo Bom, Esteio. O interesse deles e de outros prefeitos foi óbvio pois, as cheias do Sinos afetavam de alguma forma a todos.

Não se pode esquecer, entretanto, que se tratava de um projeto de valorização da bacia do Sinos como um todo. A questão das cheias periódicas fazia parte, portanto, de um conjunto de desafios a serem enfrentados, sem dúvida o mais visível e de maior impacto político. Em se tratando, porém, de um diagnóstico acompanhado de sugestões mutuamente complementares, outras questões de não menor importância não podiam se deixadas de lado. Sem pretender estabelecer prioridades ou categorias de importância, passo a enumerar algumas delas que considero mais urgentes. Acontece que foi nessas questões que a receptividade de não poucos prefeitos deixou a desejar. Não vou citar nem municípios nem prefeitos onde a resistência foi mais ostensiva e houve até sonegação de dados e informações. Considerando as circunstâncias de mais de 50 anos passados é preciso admitir que esse tipo de reação era esperável.

Às enchentes vieram associar-se problemas básicos de infraestrutura como o abastecimento de água, o saneamento básico, circulação de pessoas e mercadorias, disciplinamento da expansão urbana, educação básica e instituições de formação técnica, modernização do setor agropecuário, incentivo ao florestamento e reflorestamento cientificamente conduzido e por aí vai. Destaco alguns desses desafios para os quais a equipe técnica propôs soluções concretas e viáveis.

Depois das enchentes o abastecimento de água figurava entre as maiores necessidades. Na década de 1960 , o parque industrial do Vale do Sinos em pleno crescimento atraia um afluxo desordenado de migrantes vindos de todo o Rio Grande do sul e do leste de Santa Catarina. Na época, a CORSAN estava implantando estações de tratamento de água em diversos municípios. Outros, como São Leopoldo dispunham há décadas de instalações próprias, outras ainda, como Campo Bom, acalentavam a perspectiva de um projeto municipal de tratamento e abastecimento de água próprio ao modelo de São Leopoldo. Não é complicado entender que a sensibilização para um proposta nova, cobrindo a demanda de todo Vale do Sinos se deparasse com oposições de peso. Feitos os levantamentos dos dados hidrológicos e topográficos, as conclusões técnicas apontavam para recomendação de uma solução global. Projetando-se para os próximos anos uma população de 1.500.000 habitantes para o Vale do Sinos, excluindo Porto Alegre e, calculando-se o consumo de 300 litros dia por pessoa, havia uma solução técnica viável. A ampliação de uma represa já existente no rio Paranhana, na altura de Três Coroas, estaria em condições de formar um reservatório com capacidade suficiente para cobrir a demanda acima estimada. Bastaria, portanto, uma única estação de tratamento para cobrir as necessidades de Três Coroas, Igrejinha, Taquara, Parobé, Sapiranga, Campo Bom Novo Hamburgo São Leopoldo até Canoas. A segunda grande vantagem oferecia o declive contínuo da estação central de tratamento até Canoas. Uma tubulação devidamente dimensionada levaria por declive a água tratada para toda região média e baixa do Sinos. No momento em que a demanda superasse o volume estimado restaria ainda o recurso de uma estação de tratamento no Rolante e ou no curso superior do próprio rio dos Sinos na altura em que os morros de ambos as margens se aproximam. Argumentos como autonomia municipal, projetos e sistemas de abastecimento já existentes ou em curso, o envolvimento da política da CORSAN em nível estadual, falaram mais alto. A proposta não passou do papel.

Uma segunda sugestão feita pelos técnicos alemães também não passou de uma proposta, acompanhado de estudos de viabilidade. Considerando a demanda crescente da circulação de pessoas e mercadorias na região, somado à confluência do norte e nordeste do Estado em direção a Porto Alegre, a médio prazo a BR 116 não suportaria tamanho tráfego, especialmente de Novo Hamburgo a Porto Alegre. Como o custo do alargamento dessa rodovia seria proibitivo por causa das desapropriações em áreas urbanas, a proposta foi uma rodovia alternativa fora dos aglomerados urbanos. A sugestão da equipe técnica resumia-se na combinação do controle das cheias do rio com a implantação de uma rodovia. Os diques de proteção projetados a partir de Campo Bom a Porto Alegre, se dimensionados, poderiam servir a partir de São Leopoldo, como leito de uma rodovia de via dupla. A proposta previa o prolongamento dessa rodovia até Estância Velha, passando pela Scharlau. Acontece que os diques de São Leopoldo a Porto Alegre foram abandonados e com eles a ideia de uma rodovia alternativa caiu no esquecimento. Mais de 40 anos depois, com a Br 116 irremediavelmente sobrecarregada uma solução parecida à dos técnicos alemães foi concluída com a entrega ao tráfego da Br 448 de Sapucaia a Porto Alegre. E, quanto consta, o prolongamento dessa rodovia até Portão deve acontecer no futuro. De qualquer maneira a combinação de contenção das cheias com uma rodovia de desafogo da Br 116 parece ter sido uma boa ideia.

Esse assunto foi objeto de uma longa matéria no Correio do Povo de 10 de abril de 1970. Naquela data os técnicos alemães já haviam concluído o Relatório de suas atividades do Vale do Sinos, acrescidos das propostas tecnicamente viáveis junto com propostas de enfrentamento e solução dos desafios diagnosticados. O diagnóstico da expansão urbana somada à industrialização em plena aceleração acendeu a luz amarela de alerta para um outro problema: a contaminação dos lençóis freáticos e a poluição dos rios e seus afluentes avançava num ritmo preocupante. Na época ainda se pescavam peixes nobres como dourados na altura do Zoológico e a água do rio fervida podia ser usada tranquilamente. A recomendação dos técnicos alertou que se não fossem tomadas medidas urgentes e para valer no prazo de 40 ou 50 anos o Sinos não passaria de uma cloaca. Infelizmente as recomendações não foram levadas devidamente a sério. Nem as autoridades públicas, nem as empresas como curtumes, indústrias químicas e outras fontes poluidoras tomaram providências para valer. O problema foi-se agravando pelo tratamento precário dos dejetos ou o lançamento puro e simples em terrenos baldios ou cursos de água terminando no rio. O prognóstico dos técnicos alemães confirmou-se a num nível assustador. O rio no qual há 60 anos ainda se pescavam dourados, a cada passo aparece nos noticiários até nacionais, por causa da mortandade de peixes em grande escala, prova que o alerta de 5 décadas passadas, continua mofando nas gavetas da burocracia oficial e a sua execução atropelada pela voragem de uma industrialização e urbanização predatória. Além de amenizar o problema cíclico das enchentes, desafogar o tráfego, resolver o desafio do saneamento básico, abastecimento de água, outras questões não puderam ser ignoradas. Convém não esquecer que no final da década de 1960 o milagre brasileiro” começava a esboçar- se. Regiões como o Vale do Sinos viraram cenários de grande efervescência. Migrantes de todos os rincões do Rio Grande do Sul e o leste de Santa Catarina convergiam para o Vale. Urgia um planejamento urbano voltado para o zoneamento e a infraestrutura condizente com as características da região. A multiplicação e o crescimento de vilas e bairros periféricos, loteamentos clandestinos, simples ocupações, muitas em localização imprópria, reclamavam um disciplinamento legal adequado. Faziam-se urgentes políticas públicas e legislações adequadas para a localização de distritos industrias, urbanização de vilas, zoneamento de áreas residenciais, e outras questões relacionadas com esse setor.

Outro setor que reclamava uma atenção toda especial no Vale do Sinos era o setor agrícola e pastoril. Como é do conhecimento geral essa região foi o cenário, foi o berço da imigração alemã no Rio Grande do Sul. De São Leopoldo a colonização avançou em poucas décadas, até o extremo norte e noroeste da bacia do rio. O modelo de agricultura diversificada praticada nas pequenas propriedades familiares deixaram suas marcas, umas positivas, outras nem tanto e outras ainda preocupantes. O avanço da industrialização acompanhada pela urbanização pediam uma reorientação do modelo agrícola praticado até então na região. No lugar da tradicional policultura de subsistência, recomendava-se um espaço cada vez maior para a produção de hortifrutigranjeiros. O mercado consumidor da urbanização demandava volumes crescentes de hortaliças, frutas, leite e derivados, criação racional de aves. Para satisfazer essa demanda não faltavam solos adequados e em grande quantidade. Para a fruticultura e pastagens permanentes nos declives de 25% ou um pouco mais ou um pouco menos, das encostas inferiores dos morros ofereciam condições climáticas e edafológicas favoráveis para a produção de cítricos, abacate, figos, pêssegos e outras variedades de frutíferas. Os invernos curtos e irregulares com temperaturas que descem raramente abaixo dos 4 ou 5 graus desaconselham o cultivo de frutíferas que prosperam num mínimo de horas próximas a 0° graus, como maçãs, peras, ameixas, cerejas e outras. Tanto as áreas planas ao longo do rio e de seus afluentes e as encostas prestam- se muito bem para a formação de pastagens e criação de gado leiteiro.

Todo o norte e nordeste da bacia do Rio dos Sinos termina no planalto em altitudes que variam de 800 a 1.000 metros. Da meia encosta até o alto predominam declives de mais de 25%. Apesar das dificuldades para a prática da agricultura nessas encostas, elas foram em grande parte desmatadas. Devido à erosão e ao trabalho penoso para cultivá-las, estavam sendo abandonadas. Nada mais racional do que devolvê-las à sua vocação natural, isto é, servirem de reserva de uma das riquezas mundialmente mais disputadas: a madeira e seus derivados. Para tanto dispunham- se de duas alternativas. A primeira consistia em entregar aos mecanismos inerentes à própria natureza de se restaurar pelo florestamento espontâneo que evolui de uma forma muito semelhante ao que acontece na natureza, terminando em ecossistemas secundários muito parecidos com os originais. Foi por essa via que nas últimas décadas, grande parte das encostas, depois de abandonadas pelos agricultores, foram sendo tomadas pela vegetação original, chamando de volta também aves, mamíferos, répteis, batráquios e muitas espécies de outros animais e vegetais. A vasão das fontes duplicou ou triplicou, fontes que haviam secado tornaram a brotar. Muitas dessas encostas abandonadas exibem hoje uma exuberante floresta secundária, muito próxima da mata virgem que os imigrantes encontraram há 200 anos passados. As faixas de mata virgem intocadas confundem-se com a floresta secundária em expansão horizontal e vertical.

A segunda alternativa para recompor a cobertura vegetal permanente acontece pelo plantio de espécies de interesse econômico e ou prático. Destacam-se entre elas o eucalipto para madeira de construção, lenha e celulose e a acácia negra fornecedora de lenha, celulose e tanino. O pinus fornecedor de madeira vai ocupando cada vez mais espaço. Para um reflorestamento a mais longo prazo e mais diversificado poderiam entrar em questão o carvalho europeu e norte americano, nogueiras, castanheiras, álamos e outras mais somadas as muitas espécies de madeiras nativas como louro, canjerana, cabriúva, batinga, canela, araucária, canafístula, mata-olho, guajuíra e tantas outras.

Como se pode deduzir, o Projeto de Valorização do espaço geoeconômico, social e cultural, concebido e incrementado pela Faculdade de Ciências Econômicas, previa um conjunto integrado e um complexo de medidas complementares de natureza técnica, de iniciativas práticas que implicavam em políticas públicas e ações do setor privado para otimizar o potencial do Vale do Sinos como uma unidade regional. Fica claro também que os dirigentes da Faculdade de Ciências Econômicas desde o começo sonhavam com uma futura universidade, concebida como organicamente inserido na realidade regional. Uma instituição superior, mais ainda uma universidade, não podia permitir-se o luxo de encastelar-se numa torre de marfim. Além da excelência acadêmica, da produção de conhecimento e desenvolver métodos e tecnologias de ponta, tem a obrigação para voltar-se para seu entorno, diagnosticar problemas e oferecer soluções e dessa forma colaborar com o desenvolvimento social, econômico e da promoção do bem estar da sua população. Imbuídos dessa autêntica missão, os responsáveis dessa jovem instituição conceberam e levaram a bom termo o projeto da “Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. E o Projeto foi de tal envergadura e formulado de forma técnica tal que República Federal da Alemanha (RFA) aceitou bancar a viabilidade técnica e econômica da proposta, contratando a “Agrar und Hydrotechnick”, empresa especializada em projetos nessa área.

Em resumo. Os resultados e as conclusões que a equipe técnica chegou resultaram num Relatório traduzido para o português que contou com minha participação, distribuído às repartições públicas envolvidas. Um exemplar foi entregue na biblioteca central da Unisinos e outro na biblioteca municipal de São Leopoldo.

Os técnicos alemães, tendo presente as causas das inundações: primeiro as fortes precipitações pluviais na porção montanhosa; segundo o fraco declive do rio nos cursos médio e inferior, além do refluxo do Guaíba pelo vento, onde desembocam; terceiro o represamento no baixo rio dos Sinos até Campo Bom, e a área de expansão da Grande Porto Alegre, propôs um sistema de diques na Região, visando quatro objetivos básicos: primeiro a conquista de novas áreas utilizáveis, considerando a expansão da Grande Porto Alegre; segundo, defesa das áreas habitadas e instalações industriais situadas dentro das áreas sujeitas a inundações; terceiro, entrosamento com o sistema de diques do DNOS; quarto, traçado mais apropriado para conseguir um escoamento mais rápido das águas em casos de inundação; quinto, fornecimento de água potável para essa região hoje já intensamente habitada.

Vale acrescentar que, por um acordo posterior celebrado entre o Governo Alemão e Brasileiro, foi concretizado apenas o tocante aos diques de contenção das cheias na área de São Leopoldo. E, diga-se ainda de passagem, demonstraram sua viabilidade e eficiência na cheia provocada pelo ciclone extratropical de maio de 2008 e 2023.

Da Enxada à Cátedra [ 65 ]

Diagnóstico sócio econômico de Dois Irmãos.

Na verdade esse projeto não foi iniciativa do Curso de Ciências Sociais de São Leopoldo. Sua origem veio do Instituto de Pesquisas Econômicas da UFRGS junto à Faculdade de Ciências Econômicas em convênio com a universidade de Wissconsin nos USA, com a qual mantinha um ativo intercâmbio no plano da formação acadêmica, da formação de pesquisadores e da pesquisa propriamente dita. Acontece que nesse intercâmbio pesquisadores de Wissconsin escolheram Dois Irmãos como protótipo da implantação, desenvolvimento e consolidação histórica, social e econômica de uma comunidade de imigrantes alemães. Pode parecer estranho que pesquisadores americanos fossem procurar uma comunidade típica desse perfil no sul do Brasil e escolhessem como amostra Dois Irmãos, quando os USA contavam com cerca de 7 milhões de imigrantes alemães e o Rio Grande do Sul aproximadamente 350000. A explicação encontra-se, pelo menos em grande parte, na legislação que disciplinava a imigração tanto num quanto no outro dos dois países. Nos Estados Unidos vigoravam regras mais explícitas que visavam em última análise uma inserção mais rápida do imigrante e seus descendentes na nova Pátria ou, se preferirmos, na realidade da nacionalidade americana. Assim, por ex., a primeira geração nascida na América obrigatoriamente tinha que aprender o inglês. Isso não significou que o alemão ou outras línguas estrangeiras fossem proibidas nem forçava a abandonar as tradições familiares e sociais trazidos no momento da imigração. Nem vigorava algo parecido como no Brasil durante a Campanha de Nacionalização no período do Estado Novo implantado por Getúlio Vargas em 1937. As regras vigentes disciplinando a imigração nos Estados Unidos resultaram numa assimilação mais rápida e, principalmente, sem os traumas causados por medidas draconianas, atropelando a dinâmica histórico-antropológica que comanda os processos de inserção numa nova realidade como no Brasil. Aqui no Brasil inexistiam leis e regulamentos nesse sentido pelo menos nos primeiros 100 anos. Os imigrantes continuaram falando o alemão (normalmente algum dialeto com destaque para o Hunsrückisch e o Westfaliano, até a quarta e quinta geração dos aqui nascidos. Eu próprio, da quarta geração, fui aprender a falar português aos 12 anos. Essas circunstâncias foram determinantes na formação das comunidades, na preservação da língua e tradições, no desenvolvimento econômico, inclusive na postura como cidadãos brasileiros. Com raras exceções os descendentes de imigrantes alemães assumiam-se como cidadãos brasileiros obedecendo a todos os rituais que a legislação lhes exigia como tais. Como Dois Irmãos representava um paradigma da organização histórica das comunidades teuto-brasileiras por ter sido uma das primeiras e mais emblemáticas nesse processo peculiar de inserção na nacionalidade, os pesquisadores da universidade de Wissconsin envolvidos no intercâmbio com o Instituto de Pesquisas Econômicas da UFRGS, escolheram esse município como protótipo da dinâmica sócio economia e histórica válida, em grandes linhas, para todos os imigrantes alemães no sul do Brasil.

Acontece que, em começos de 1960 para realizar o levantamento dos dados e informações na sua fonte, isto é, entrevistando os colonos em suas propriedades, exigia-se o conhecimento do alemão, de modo especial o dialeto falado por eles e além disso ter familiaridade com os costumes, as circunstâncias e a história dessa população. Não havia como recrutar esses profissionais entre os pesquisadores do Instituto de Pesquisas da UFRGS. Entre os alunos das Ciências Sociais de São Leopoldo estudavam no curso vários procedentes do meio rural e no convívio familiar se falava o dialeto. Foi por isso que a direção do IEPE entrou em contato comigo para localizar dois ou três entrevistadores entre os alunos do curso de Ciências Sociais. Não me lembro exatamente se foram dois ou três os escolhidos, todos eles de famílias residentes em Dois Irmãos. Como se pode concluir, uma mão de obra ideal para entrevistar os proprietários e famílias escolhidos para a amostragem. Nessa colaboração com o instituto de pesquisas da universidade federal não foi firmado nenhum convênio formal, estipulando compromissos mútuos. Eu pessoalmente acompanhei os pesquisadores de Wissconsin na fase da escolha da amostragem e acompanhei de longe os entrevistadores destacados entre os alunos do meu departamento. As etapas posteriores da pesquisa, como tabelamento, análise e interpretação dos dados foi toda executada pelos especialistas do IEPE. Um belo exemplo de como diferentes centros e institutos de pesquisa, em vez de competirem, se unem e se dão as mãos para somar os resultados obtidos pela competência peculiar própria a cada uma das instituições envolvidas nos mesmos campos do conhecimento e ou em objetivos afins dos seus pesquisadores. Esse princípio, para não dizer política acadêmica, deveria valer para as faculdades isoladas, os centros universitários e mais ainda para as universidades publicas e privadas. Em vez da pulverização dos conhecimentos dentro e entre as instituição de pesquisa e ensino superior, hoje uma regra com poucas exceções, a retomada do velho princípio “Doctrina multiplex – Veritas uma” – “As Doutrinas são muitas, porém, a Verdade é uma”, multiplicaria por 10, senão por 100 ou mais vezes o resultados dos recursos investidos.

Cooperativa Agropecuária Piá. Antes de lembrar a participação na criação da Cooperativa Piá cabe um esclarecimento como fui envolvido no nascedouro desse projeto, já que a iniciativa não partiu da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, mas da Faculdade de Ciências Econômicas. Ao assumir a chefia do departamento de História e Sociologia e as aulas de Antropologia oferecida como optativa, contando créditos, também na Pedagogia, nas Letras e Ciências Econômicas, meu envolvimento nessa nova realidade me afastou da História Natural. As disciplinas de Geologia e Paleontologia, de Mineralogia e Petrografia foram confiados a professores leigos dessas especialidades procedentes de outras instituições. A aproximação sempre maior com a Faculdade de Ciências Econômicas aconteceu em primeiro lugar devido à amizade e do perfil do projeto de universidade que seu diretor, o Pe. Marcus Bach e seu coordenador Alcides Giehl em sintonia com um grupo de professores leigos daquela Faculdade. Assumi as aulas de Antropologia Cultural oferecida como optativa, contando créditos, aos futuros economistas. A aceitação superou todas as espectativas, chegando ao ponto de em alguns semestres organizarem-se turmas de alunos até em sábados à tarde. Dedicava os dois turnos do dia aos cursos da Faculdade de Filosofia somadas às 12 horas da UFRGS e o turno da noite à Faculdade de Ciências Econômicas. Nessa situação participava dos Conselhos Técnico Administrativos das duas faculdades. Aconteceu então que ao ser criado o Departamento de Economia o Conselho indicou meu nome para chefiá- lo. Nas circunstâncias de hoje confiar a chefia de departamentos de unidades acadêmicas aparentemente tão distantes entre si, com certeza seria visto no mínimo com estranheza. Mas vamos ao que interessa mais de perto, isto é, às iniciativas para enfrentar a situação nada animadora da população rural de Nova Petrópolis. A estagnação econômica acompanhada pelos reflexos negativos sobre os demais atividades dos colonos fazia-se notar a cada dia que passava. Foi então que o prefeito o Sr. Albano Hansen decidiu ir em busca de medidas de médio e longo prazo para atalhar esse processo de deterioração da situação dos pequenos agricultores. Como nas demais regiões em que predominava a agricultura familiar diversificada, também no município de Nova Petrópolis esse modelo esgotara seu potencial de crescimento. A fuga dos jovens para centros urbanos em busca de oportunidades mais promissoras para melhorar as condições de vida, de formação profissional diversificada e a conquista de títulos acadêmicos para abrir espaço nas profissões liberais, no magistério, no serviço público e por aí vai. Métodos ultrapassados, culturas de baixa produtividade, exaustão dos solos, fracionamento exagerado dos lotes coloniais, além de outras consequências negativas levaram os colonos ao empobrecimento e à beira da falência. Para aqueles que continuaram na atividade de produtores rurais apresentavam-se duas saídas: ou sobreviver penosamente e sem grande futuro plantando o que durante gerações garantiu a subsistência das famílias, ou partir para culturas seletivas com colocação garantida no mercado, viáveis nas peculiaridades topográficas, climáticas e edafológicas da região. A solução do problema implicava em iniciativas capazes de reverter radicalmente o “ser colono tradicional” em “ser um produtor rural” moderno centrando sua atividade em culturas e criação de animais com aceitação no mercado.

Com a entrada da década de 1960 a comunidade de Nova Petrópolis começou a movimentar-se para encontrar uma saída para o impasse. Os líderes comunitários aliaram-se às lideranças políticas Prefeitura e Câmara de vereadores em busca de uma solução global e de longo prazo. Escolheram como referência estrutural o modelo implantado no Brasil exatamente a partir de Nova Petrópolis. Em 1902 o padre jesuíta Theodor Amstad pôs em prática a ideia de uma cooperativa de crédito naquela localidade. Mais tarde foram sendo criadas cooperativas de produtores de leite, de suinocultura, além de um respeitável número de outras modalidades. Os organizadores da comissão fundadora da Cooperativa Agropecuária Piá convidaram o Pe. Marcus Bach, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas de São Leopoldo para a reunião fundadora. Coube-me a honra de representá-lo naquele encontro. O prefeito Albano Hansen, presidente da reunião e grande entusiasta da forma cooperativa como solução para esse tipo de problemas, pôs os presentes ao par do objetivo do encontro. No andar dos debates foram traçados os principais passos a serem dados para se chegar a um projeto de longo prazo viável na forma de uma cooperativa. Para começar seria indispensável fazer um diagnóstico objetivo da real situação a fim de municiar com dados reais e confiáveis um projeto com a devida consistência. Levei para a reunião um esboço dos passos a serem dados na formulação de um diagnóstico preliminar e um modelo de questionário a ser aplicado entre os colonos. O que de mais significativo aconteceu naquela reunião foi a opção pela via cooperativa para recuperar e redinamizar a economia rural do município. Não cheguei a participar dos passos e procedimentos posteriores que fundamentaram o projeto que resultou na implantação da Cooperativa Agroindustrial Piá.

Da Enxada à Cátedra [ 64 ]

Antes de me concentrar exclusivamente nas obrigações acadêmicas inerentes à chefia do Departamento, chamo a atenção ao fato de que tanto as Ciências Sociais quanto a Educação e a História davam o tom na Missão de um século dos jesuítas alemães sul do Brasil. O resultado foram três grandes projetos abarcando, por assim dizer, todas as iniciativas e atividades por eles postas em prática. Não entro aqui em detalhes pois, como já lembrei em outro parte, publiquei pela Edit. Unisinos três livros cada um deles centrado em um dos três projetos.

Retomo as recordações das tarefas que me esperavam como chefe do duplo departamento de História e Sociologia. Como já referi mais acima, como em 20 de setembro, um mês depois da instalação do Curso de História, submeti-me ao exame ad gradum” como conclusão da minha formação acadêmica como jesuíta, fui residir na comunidade dos jesuítas no centro de São Leopoldo. A primeira tarefa foi preparar a prova do exame vestibular da primeira turma de candidatos ao Curso de História. Paralelamente assumi as aulas de Antropologia Cultural no Curso de Ciências Sociais substituindo o Pe. I. Schmitz que viajara para a Áustria para os 10 meses de “Terceira Provação”. O significado desse estágio na formação do jesuíta também foi devidamente explicado mais acima. Já em meio ao andamento do semestre fui recebido com uma ou tal desconfiança pelos alunos de Ciências Sociais. Uma aluna deixou claro que me aguardava um esforço e capricho todo especial para preencher a lacuna deixada por meu antecessor, considerado uma sumidade na matéria pelos alunos e eu quase como que um desconhecido, além de bacharelado e licenciado em outras áreas, embora professor de Antropologia Física na universidade federal. O primeiro “abacaxi” a descascar foi avaliar uma prova bimestral aplicada pelo Pe. Schmitz. Pelo que me lembro ninguém contestou a minha avaliação. Pelo que posso concluir levei o semestre a contento. Passo agora a comentar o que me aguardava naquele segundo semestre de 1963

Instituto Anchietano de Pesquisas.

O Instituto Anchietano de Pesquisas fundado em 1956 pelo grupo de cientistas jesuítas lideradas pelo Pe. Balduino Rambo, Luiz G. Jaeger, Arnaldo Bruxel, Luiz Sehnem, Inácio Schmitz, Arthur Bohnen, Milton Valente, Ernesto Maurmann e outros, tinha a sua sede no Colégio Anchieta, na rua Duque de Caxias em fase de transferência para a Av. Nilo Peçanha. Este Instituto estava subordinado diretamente à Província Sul Brasileira dos jesuítas. “As joias da coroa” vinham a ser o monumental acervo de documentação reunida pelo Pe. Arnaldo Bruxel sobre as Missões dos Jesuítas da Província do Paraguai entre começos do século XVII e meados do século XVIII, guardado no Colégio Cristo Rei. A não menos monumental de cerca de 90.000 itens de fanerógamos do Herbário Anchieta do Pe. Rambo somada a uma preciosa coleção de fungos do Pe. Rick, encontrava-se no Colégio Anchieta. O Pe. Luiz Sehnem com sua importante coleção de criptógamos, seu orquidário com dezenas de espécies instalara seu gabinete de pesquisa nas dependências das Faculdades de São Leopoldo no centro da cidade. Também o Pe. Milton Valente instalara seu recinto de pesquisas históricas centradas na antiga Roma num dos recintos daquelas Faculdades. Considerando essas circunstâncias somadas ao Curso de História Natural, Ciências Sociais, História, a tendência óbvia recomendava como sede definitiva do Instituto Anchietano de Pesquisas junto às Faculdades de São Leopoldo. O falecimento do Pe. Rambo em setembro de 1961 acelerou essa transferência por duas razões. Em primeiro lugar porque os professores de botânica da UFRGS argumentando que os jesuítas não tinham como conservar adequadamente o enorme volume de amostras de plantas coletadas pelo falecido, pretendiam fazer com que o governo o declarasse de utilidade pública e sua incorporação no setor de botânica daquela universidade. Em segundo lugar o Colégio Anchieta em fase de transferência para o novo endereço na Av. Nilo Peçanha não dispunha nem de espaço, nem de especialistas para não comprometer aquela coleção única em todo País, senão uma das mais ricas em todo mundo. O superior provincial ordenou então que o Herbário Anchieta fosse transferido para São Leopoldo e administrado pelo Curso de História Natural. Isso implicou numa série de iniciativas e tomada de decisões importantes.

Em primeiro lugar essa transferência não se resumiu numa simples mudança de endereço de Porto Alegre para São Leopoldo. Foi preciso disponibilizar um espaço para acomodar convenientemente as mais de 400 caixas da coleção de fanerógamos colecionadas pelo Pe. Rambo além da coleção de fungos do Pe. Rick. A direção das Faculdades de São Leopoldo cedeu o prédio de dois andares da esquina de rua Brasil com a Gonçalves. Com isso coube-me o primeiro desafio. Aquele prédio não passava de um semi ruina. No térreo havia alguns quartos ocupados por estudantes todos eles ex-alunos do Colégio Santo Inácio de Salvador do Sul e a outra metade um espaço com o assoalho irrecuperável minado de cupim. O assoalho do segundo andar encontravam-se nas mesmas condições. Sem uma reforma não havia condições mínimas para abrigar as preciosas coleções científicas do Instituto Anchietano de Pesquisas. A direção das faculdades deixou claro que não havia recursos para a reforma do prédio. O recado dava a subentender mais ou menos o seguinte: “Vire-se, faz das tripas coração”. Foi o que fiz. Pedi autorização do diretor das faculdades para usar a remuneração de um mês da UFRGS para comprar o material necessário para renovar os pisos dos dois andares. Não se deve esquecer que na época eu era jesuíta e com voto de pobreza entregava os proventos da universidade federal no caixa comum. Com esse recurso mandei vir de Farroupilha uma carga de tábuas de pinho prontas e aplainadas para renovar os assoalhos dos dois pisos. Assumi o trabalho de remover o assoalho antigo minado de cupins com o auxílio e orientação do marceneiro Lino Blume. No dia 23 de novembro de 1963, enquanto arrancávamos o assoalho antigo fomos surpreendidos com a notícia do assassinato do Presidente Kennedy. Colocados os novos assoalhos seguiu a instalação do laboratório de arqueologia para acomodar a equipe de pesquisas nessa área comandada pelo Pe. Schmitz, além do espaço necessário para abrigar o Herbário Anchieta. Vale lembrar um detalhe. Com a ordem do Provincial em mãos meu primo Odilo, ainda jesuíta na época foi buscar o Herbário no Colégio Anchieta na rua Duque de Caxias. Passou um bom trabalho e teve que ouvir algumas qualificações menos simpáticas antes que o superior da comunidade liberasse a transferência.

A remoção da Xácara da Prefeitura.

Em 11 de junho de1957 o Pe. Urbano Thiesen, diretor da Faculdade de Filosofia Cristo Rei, até então restrita aos estudantes jesuítas, anunciou num discurso na Câmara de Vereadores de São Leopoldo, a decisão dos seus superiores, de abrir as portas para o público leigo a partir de 1958. Os prédios do Seminário Central no centro de São Leopoldo estavam desocupados desde o final de 1956, com a transferência do Seminário para Viamão. Durante o ano de 1957 foram devidamente adaptados para as novas funções. Essa decisão veio acompanhada da troca do nome de Faculdade de Filosofia Cristo Rei para Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo. A história mais completa dessa fase de consolidação da futura Unisinos encontra-se detalhada no meu livro “Um Sonho e uma Realidade”, já mencionado mais acima. Mas há um detalhe importante que não posso deixar de mencionar. No discurso do Pe. Thiesen aos Vereadores ele resumiu o cerne do projeto por ele imaginado e posto em andamento ao oferecer o ensino superior para o grande público, não só do Vale do Sinos, mas para um público de âmbito regional e nacional. Conforme ele os cursos e faculdades em fases de implantação e as que fossem criadas de acordo com as necessidades e oportunidades, deveriam evoluir para uma “Casa de Sabedoria”, portanto, um centro de referência de excelência acadêmica além de um centro de pesquisa de ponta. De outra parte, entretanto, essa “Casa de Sabedoria” não deveria encapsular-se sobre si mesma, mas comprometer-se com a região sob sua influência e reverter os conhecimentos e tecnologias saídos dos laboratórios e gabinetes de pesquisa em favor do desenvolvimento econômico e promoção humana. Manifestou, para tanto a intenção de criar um Instituto de Sociologia e que a Sociologia constasse em todos os cursos já em funcionamento e nas faculdades e cursos a serem implantados com o correr do tempo. Como ele mesmo deixou claro em outro momento a Universidade de Oxford foi a sua inspiradora maior. Sobre esse pano de fundo explicam-se as iniciativas de ação em benefício do bem estar da população na região geográfica imediatamente sob a influência do centro universitário de São Leopoldo.

Como chefe do Departamento de História e Sociologia coube-me a formulação e implementação do primeiro projeto de ação social beneficiando os moradores da Xácara da Prefeitura, sob constante risco de inundação. Localizada na área de banhados nos fundos da sede da Gedore abrigava uma população predominantemente de migrantes oriundos do interior do Rio Grande do Sul e do sul da região carbonífera de Criciúma e Tubarão e arredores, em condições desumanas sob todos os aspetos como saneamento básico, abastecimento de água potável, pobreza e tudo isso agravado pelas frequentes inundações do rio dos Sinos. O objetivo central resumia-se na remoção daqueles moradores para uma área livre de enchentes e com uma infraestrutura decente. Para tanto naturalmente foi preciso o entendimento com a Prefeitura. Uma vez configurado o projeto houve várias reuniões com o Conselho Comunitário do Município, com o prefeito e os secretários diretamente envolvidos na questão. Lembro-me com satisfação daquelas reuniões na antiga sede da Prefeitura numa época em que fatores de ordem ideológica e política não costumavam viciar iniciativas e projetos direcionados para a assistência social e ou o desenvolvimento e promoção humana.

O primeiro passo a ser dado consistiu obviamente num levantamento sócio econômico seguido de um diagnóstico sob a responsabilidade de especialistas na área. Coube-me a responsabilidade de formular o questionário a ser utilizado no levantamento e identificação da situação sócio econômica dos moradores da Xácara. Realizamos esse trabalho de campo nos sábados à tarde. Quatro alunos voluntários do curso de Ciências Sociais ofereceram-se para a aplicação do questionário visitando e entrevistando os moradores da Xácara. Não me lembro quantos sábados à tarde, apertados no meu fusca modelo 1951, foram necessários para completar essa fase do projeto. As Faculdades de São Leopoldo começavam cumprir a promessa do Pe Thiesen e envolver-se para valer na solução dos problemas humanos reclamando solução logo do lado de fora dos seus muros. Sentíamos, os alunos pesquisadores em começo de carreira e eu um jovem pesquisador, também em começo de carreira, uma sensação estranha mas desafiante ao tomar conhecimento dos dramas e traumas de uma comunidade vivendo, melhor sobrevivendo, nas piores condições. Concluída a fase do levantamento de dados de campo, reunimos os questionários preenchidos. A tabulação e o diagnóstico foram confiados a especialistas nesse tipo de pesquisa. Ficou mais do que evidente que a situação dos moradores daquela área, em constante ameaça de inundação, exigia a remoção para uma área fora do alcance das cheias periódicas do Sinos. A partir desse momento o comprometimento da prefeitura e câmara de vereadores foi decisiva. Essas autoridades ofereceram para a remoção dos moradores, a área do atual bairro Vila Esperança. Aliás esse nome foi sugerido pelo prefeito da época inspirado no significado da remoção. Por não me ter envolvido na fase da transferência dos moradores para o novo bairro pois, a responsabilidade cabia à administração pública, não tenho nada a comentar. Só para concluir. Os dados colhidos no campo, sua posterior análise e o diagnóstico sócio econômico, foram mais tarde condensados num livro pelo Pe. Roque Lauschner (in memoriam) que na fase da execução do projeto concluía sua formação em Ciências Econômicas na UFRGS. O Pe. Pedro Beltrão, doutor em Ciências Políticas e Sociais, pouco se envolveu no projeto da Xácara da Prefeitura pois, lecionava um semestre nas Faculdades de São Leopoldo e o outro na Universidade Gregoriana em Roma.