Depois dessa contextualização, vamos à instalação do laboratório no quarto que nos foi cedido. Para começar dispúnhamos do microscópio, do micrótomo e da lupa que Pe. Hauser trouxera, mais alguns ingredientes necessários para preparar as lâminas. Mas, para começar o trabalho científico propriamente dito foi preciso providenciar por água destilada. A saída foi recorrer à criatividade. O irmão cozinheiro cedeu uma panela de ferro fora de uso. Na sua tampa adaptamos uma serpentina que passava por uma vasilha pela qual circulava água fria e assim o vapor vindo da panela condensava e dispúnhamos da água destilada, porém, em quantidade insuficiente. Acontece que, a pouca distância o Colégio mantinha uma série de instalações, entre elas uma marcenaria, uma ferraria, garagem para caminhão e um destilaria para extrair o óleo das folhas do eucalipto que formava uma floresta onde hoje fica o campus da Unisinos. Um dos subprodutos da destilação era água destilada que fluía de uma tubulação da caldeira. Depois dessa descoberta dispúnhamos de água destilada mais do que o necessário. Tudo instalado o trabalho científico pôde começar. O Pe. Hauser que há anos se vinha especializando na regeneração de Planárias, retomou suas pesquisas nessa área, e eu sob sua orientação aprendi as técnicas de preparação de lâminas para observação microscópica. Não é aqui o momento para descrever essas técnicas. Como matéria prima fui capturar alguns preás que povoavam a vegetação rasteira em torno da horta e da lagoa nas proximidades. Amostras de músculos, vísceras, cérebro e outras partes serviram para a preparação das minhas primeiras lâminas. Lembro-me como se tivesse sido ontem, quando num domingo de tarde, observei no microscópio uma dessas primeiras lâminas e contemplei com entusiasmo o maravilhoso, misterioso e complexo mundo de cromossomos do interior de uma célula. Daí para frente passava todos os momentos disponíveis naquele laboratório improvisado. Não me imaginava que, sob a batuta do Pe. Hauser e em parceria com ele acabávamos de dar vida ao embrião do qual evoluiriam poucos anos depois (1958) os laboratórios de biologia do curso de História Natural da Unisinos.
O episódio que acabo de lembrar consolidou em mim a convicção de, na etapa seguinte da minha formação acadêmica, depois do bacharelado em filosofia, partir para o bacharelado em História Natural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Neste meio tempo o Pe. Hauser já fizera contato com os docentes daquele curso e com eles mantinha um ativo intercâmbio de informações. No segundo semestre de 1956, último dos três anos da filosofia, levou-me até as instalações da História Natural da UFRGS, na época na rua Paulo Gama no prédio vizinho da Reitoria, na esquina da Av. Osvaldo Aranha. O objetivo foi conhecer os laboratórios e as possibilidades de pesquisa que ofereciam. Conversamos um bom tempo com o Prof. Antônio Cordeiro titular da disciplina de Genética, uma área que despontava como um campo de pesquisas promissor sob o ponto de vista teórico e, de modo especial, na sua aplicação prática em muitas áreas, com por ex., na medicina. Um segundo motivo dessa visita foi colher informações e orientações sobre os conteúdos e a preparação do vestibular que iria enfrentar em fevereiro de 1957. Saí daquela visita mais do que nunca determinado a mergulhar fundo no fantástico universo da Natureza. Obviamente não tinha condições de, naquela altura, decidir em que área específica iria me especializar. É verdade que percebia em mim uma inclinação especial pela genética. Num encontro posterior com o Pe. Balduino, meu irmão, o pus à par da minha decisão e ele, sem mais nem menos, observou que pensasse seriamente de me especializar em genética pois, no seu entendimento entre o grupo de cientistas jesuítas que, em 1956 fundaram o “Instituto Anchietano de Pesquisas”, um especialista em genética acrescentaria muito. Mais abaixo volto ao assunto para explicar o motivo por que não evolui para um especialista em genética como aliás, não terminei me especializando em nenhum dos muitos campos da História Natural.
Mas, não terminaram aí as atividades paralelas ao estudo da filosofia. Já falei da catequese, das aulas para os “afonsinos” e da instalação do laboratório de pesquisas. No mesmo período traduzi para o português o livro do Dr. Wolfram Metzler “Retten wir unsere Kolonien” - “Salvemos as nossas Colônias”. Essa obra teve como foco os problemas que enfrentavam os agricultoresfamiliares na década de 1950, com destaque para o manejo correto dos solos, adubação orgânica, renovação e melhoria genética dos animais domésticos e por vai. Essa obra faz parte de uma série de providências que estavam sendo implementadas pela Sociedade União Popular. Incluíam, além das já mencionadas, o estágio de um ano ou mais de filhos de colonos em estabelecimentos modelo de produção agrícola e criação de aves, gado leiteiro, suínos e outros, na Alemanha, Suíça e Áustria,
Por um bom tempo viajava todos os domingos de manhã para Porto Alegre para encontrar-me com meu irmão o Pe. Balduino a fim de fotografar as dezenas de milhares de espécies de plantas colhidas durante mais de duas décadas e devidamente acondicionadas em caixas de madeira. Para esse trabalho tinha à disposição um aparelho fotográfico Laica devidamente montada num tripé, operando com filme preto e branco. Ao mesmo tempo ele me pediu para fazer uma cópia datilografada do fichário da coleção de plantas. Para tanto cedeu-me uma máquina de escrever Erika portátil mecânica, as elétricas eram praticamente desconhecidas no país naqueles idos de 1950. Levei a máquina e uma caixa de fichas para São Leopoldo. Nos espaços de tempo disponíveis no intervalo entre as outras tarefas, copiei milhares de fichas. Quantas exatamente não me recordo. Guardo como uma lembrança preciosa desse meu irmão mais velho essa máquina “Erika”, ainda em perfeito estado de conservação e funcionamento, trazida por ele da Alemanha no começo da década de 1930, depois de concluído o curso de Filosofia em Pullach, perto de Munique.
Das minhas vivências dos três anos do bacharelado de Filosofia falta ainda registrar a conclusão com um exame final oral incluindo todos os conteúdos básicos do currículo dos três anos, excluindo as “questões seletas”. Fui examinado, evidentemente em latim, por uma banca composta pelos docentes das disciplinas-tronco. Os questionamentos levaram praticamente uma manhã inteira. Fui aprovado com folga e com isso declarado em condições de mais tarde entrar na licenciatura de Teologia na categoria de “Teologia Maior”. O significado do termo já deixei explicado mais acima.