Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul – 1824-1924




Com a aproximação do bicentenário da imigração alemã no sul do Brasil continuo apresentando obras referentes ao tema. Depois de oferecer obras da minha autoria exclusiva, sigo com outras também de referência traduzidas e editadas por mim, munidas com as notas necessárias para a compreensão do leitor de hoje. Começo com “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul-1824-1924”, no original “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul-1824-1924”. Essa obra vem a ser o resultado do esforço de um número não determinado de colaboradores, organizada por Theodor Amstad, SJ. Permito-me reproduzir o resumo do significado dessa obra da autoria do prof. Martin Dreher, para a edição em português. 

Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do sul (1824-1924), obra publicada pela “Federação de Associações Alemãs e impressa pela Typographia do Centro, em 1924 é, na realidade o fruto do esforço de Theodor Amstad, SJ. Amstad teve inúmeros colaboradores, cujos nomes não são conhecidos. O material coligido em 1924, no entanto, é de impressionante qualidade. Clássico indispensável para o estudo da imigração, o livro é novamente posto à disposição dos pesquisadores e estudiosos graças ao esforço do Prof. Arthur Blasio Rambo e da Editora Unisinos.

A produção do texto coligido por Amstad teve dois contextos. Num primeiro instante  e a partir do seu título, somos lembrados do centenário da imigração alemã no rio grande do Sul, iniciada em 1824. Depois, contudo, não podemos esquecer o ano de 1922, ano do centenário da Independência do Brasil e da realização da “Semana de Arte Moderna”.

Quando do final da primeira guerra mundial e da derrocada do Império alemão, no ano de1918, parecia que a imagem da Alemanha que  produzira entre os descendentes de alemães no Brasil estava destruída. Parecia, também, que se acentuava a perda da identidade. Logo após o final da guerra, porém, as autoridades brasileiras revogaram a proibição do uso da língua alemã, as escolas teuto-brasileiras puderam reabrir suas portas, os jornais teutos voltaram a ser publicados e, pouco a pouco, os valores da germanidade ressurgiram. Alijados da participação política desde os primórdios da República, quando se dera o afastamento e a eliminação do grupo liderado por Karl von Koseritz do cenário público, em sua grande maioria os teutos voltaram a se concentrar nos valores da sua etnia. Tal situação evidenciou-se especialmente nos de 1922 e 1924. Em 1922 comemorou-se a independência do Brasil e dois anos mais tarde o centenário da imigração alemã. As comemorações do ano de 1922 proporcionaram aos teuto-brasileiros a oportunidade de refletir sobre a participação dos imigrantes alemães e seus descendentes  no desenvolvimento do Brasil desde a chegada de Cabral à Terra de Santa Cruz. As comemorações relativas ao centenário à imigração alemã contribuiriam para “aumentar eficazmente a consciência étnica dos brasileiros de descendência alemã, atiçar o amor à índole tradicional, alimentar o orgulho em relação à origem e despertar e aguçar o sentimento de compromisso em manter a herança dos pais. O livro que ora está sendo reeditado em língua portuguesa é uma das principais testemunhas para as proporções e o eco das manifestações. Ao lado devem ser mencionados os monumentos à imigração em São Leopoldo e em Novo Hamburgo, bem como o estabelecimento do “dia do Colono”. Essas consciência de germanidade enfaticamente proclamada colidiria, em pouco temo, com o “Modernismo” que desde 1917 estava  iniciando sua caminhada, influenciando as artes e, posteriormente a política. Nele se faziam presentes traços nitidamente nacionalistas que rompiam  com o romantismo, o parnasianismo e o realismo. Negando ideias e ideais europeus, buscava a independência intelectual do Brasil. Acentuava a política de defesa do “espírito nacional”, cultivando as tradições do país e sublinhando o português como língua nacional. Todo esse movimento queria “abrasileirar o Brasil”. O termo chave para a época passa ser “Brasilidade”. A “Semana de Arte Moderna” de 1922, em São Paulo, foi a primeira grande expressão desse novo movimento.

Assim, “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul” pretendeu trabalhar a uto-estima dos descendentes de teutos do Rio Grande do Sul, mostrar a contribuição teuta na formação da nação brasileira e evidenciar aos alemães no além-mar europeu as conquistas de alemães e descendentes no Brasil.

Se foi este o contexto histórico do surgimento do livro comemorativo do centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul, nele não se esgota o valor da obra ora traduzida. Se considerarmos a ampla  destruição de fontes para o estudo da imigração, ocorrida nas décadas de 1930 e 1940, devemos ser gratos ao coletivo de autores da obra pela memória fixada em “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul. Esta memória nos conta da imigração, da expansão das áreas de colonização, do desenvolvimento dos imigrantes e descendentes nos principais acontecimentos políticos da região platina, de sua economia e de sua produção cultural e intelectual até o ano de 1924.

NB. Obra traduzida por Arthur Bl. Rambo e editada pela Editora Unisinos em 1999, seguida de duas reimpressões.



Bicentenário da Imigração - 66

Nas pgs. 425-467 do Relatório II, consta o registro de correspondências  apreendidas pela polícia. Trata-se quase que exclusivamente de cartas escritas por Erwin Becker, entre 1935 e o primeiro semestre de 1939. Apresentam uma boa radiografia sobre a natureza das atividades da Juventude Teuto-Brasileira, já que o missivista foi um integrante ativo da organização. Reforçam  o fato de que a Juventude Teuto-Brasileira gozava, até o advento do Estado Novo, ampla franquia legal para funcionar. É significativo o fato de a Rede Ferroviária ter colocado à disposição dos jovens uma composição a fim de leva-los a um acampamento em Neu Würtenberg (Panambi). Implantado o Estado Novo, a Juventude Teuto-Brasileira teve o mesmo tratamento que tiveram os partidos políticos. Foi extinta. Como qualquer outra agremiação, teve suas programações, reuniões, assembléias e acampamentos proibidos.

A correspondência confirma o conteúdo dos depoimentos de que acima se falou. A Juventude Teuto-Brasileira estava desarticulada. A tentativa de legalizar um sucedâneo no Ministério da Justiça sob a sigla UJTB, União da Juventude Teuto-Brasileira não logrou êxito. 

De toda a correspondência apresentada pelo Relatório II, não se consegue, a rigor, deduzir uma prova com peso suficiente para transformá-la num dos vilões responsáveis pela difusão  do quinta-colunismo nazista no Estado. Antes da sua interdição legal agiu abertamente como qualquer outra organização do gênero. Depois de proibida, deixou de representar  um perigo real por uma razão muito simples. A policia lacrou-lhe as portas, confiscou-lhe os arquivos e submeteu seus dirigentes e seus associados  a uma severa vigilância. Essas precauções  teriam sido mais do que suficientes para resolver a questão.

A sétima parte do Relatório II é dedicada à “Liga União Colonial do Reich” (Reichskolonialbund). A questão é apreciada  em apenas meia dúzia de páginas. Tudo o que a Policia achou de relevante para registrar, foram os estatutos da organização e a fotocópia  de uma carteira de sócio, pertencente a Adolf Reinhard Brandon, domiciliado em Cruz Alta. Pelos estatutos  a Liga Colonial do  Reich, propunha-se como finalidades: 

( ... ) vivificar e reformar a questão colonial entre o povo germânico na base da ideologia nacional-socialista. 

Neste empreendimento era parte da convicção, que a a Alemanha não pode abster-se  de uma atividade colonial, de acordo com as suas necessidades vitais e com sua capacidade industrial, e por isso necessita de colônias.

A devolução das colônias alemãs é encarada como uma questão de honra e direito germânico. A Liga quer converter a compreensão da política  nacional-socialista numa causa popular para todo o povo germânico, principalmente para as mulheres e a juventude alemã a ser o centro espiritual nessa tarefa. (Relatório II, 1942, p. 467).

Sob o aspecto organizacional apresenta-se  a Liga Colonial do Reich como um complemento importante do NSDAP ou do Partido Operário Nacional-socialista Alemão. Em princípio as sedes regionais e sua organização  localizavam-se no mesmo  local da sede do partido.

Os estatutos reproduzidos no Relatório, datam de 12 de junho de 1936. Pelo que parece legítimo deduzir a partir deles, na parte que fala das finalidades, a Liga Colonial do Reich, propunha-se a lutar antes de mais nada pela reconquista das colônias perdidas  quando do término da Primeira Guerra Mundial. Argumentam os estatutos com o direito que a Alemanha teria com relação à possessão  de colônias, para atender às exigências da industrialização e à conquista do espaço vital necessário para a expansão do germanismo. 

Embora os estatutos indiquem que a organização destinava-se, em primeiro lugar, para recuperar as colônias da África e as possessões marítimas do Índico e do Pacífico, fica implícita a defesa do direito de conquista do “espaço vital”, o “Lebensraum”, para a materialização do pangermanismo. 

O que interessa de perto aqui resume-se na questão se a Liga  Colonial do Reich significou objetivamente  aquela ameaça que os termos do Relatório lhe pretende atribuir. Analisando a questão hoje, tantos anos depois, parece haver também nisso uma boa dose de exagero. As razões são várias.

Primeiro. Os núcleos regionais da Liga, se existiram, foram postos fora da lei, como aconteceu com a JTB, com o NSDAP, com todas as outras associações teuto-brasileiras  e com partidos políticos brasileiros, quando foi implantado o Estado Novo. Com as sedes lacradas, os documentos apreendidos e os associados e líderes dispersos, proscritos, expulsos do País, encarcerados ou confinados, foi-se no mínimo noventa por cento da sua periculosidade. 

Segundo. Foi exagerado o potencial de a Liga representar o papel  de cabeça de ponte no esforço de submeter ao jugo nazista, em regime de dominação colonial, estados inteiros do Brasil, ou províncias inteiras da Argentina e do Chile. 

Terceiro. Uma organização do tipo “Liga Colonial do Reich” significava talvez alguma motivação  para grupos pequenos e restritos de pessoas de nacionalidade alemã ou com dupla nacionalidade. Para a grande massa de teuto-brasileiros  de terceira ou quarta geração, os apelos colonialistas nada significavam e por isso mesmo eram incapazes  de sensibiliza-los e menos ainda empolgá-los.

O último segmento do Relatório II ocupa-se com o boicote comercial praticado por firmas importadoras e exportadoras da Alemanha em relação a parceiros aqui no Brasil. Os critérios para que alguém ou alguma firma fosse boicotada podiam ser três: motivos raciais, especialmente quando envolviam judeus; firmas teuto-brasileiras que hostilizavam o nacional-socialismo; firmas luso-brasileiras pelos dois motivos. O caso mais emblemático aconteceu com a Editora Metzler Ltda. Seu proprietário, Franz Metzler, combatia publicamente o nazismo no seu jornal “Deutsches Volksblatt”, o jornal de maior prestígio entre os teuto-brasileiros católicos. Hostilizava  o nazismo por razões políticas e principalmente por motivos religiosos. Como jornal católico de grande penetração no meio católico, fustigava o lado antirreligioso e imoral do nacional-socialismo.

Um outro alvo do boicote foram os exportadores de fumo que de alguma maneira não seguiam à risca as exigências dos importadores alemães no que se referia  à manutenção de funcionários ética e ideologicamente  contrários ao nazismo. 

A Câmara de Comercio Brasil-Alemanha estava encarregada de fornecer as informações sobre a orientação político-ideológica  e a identidade étnica. Ao aceitar essa incumbência a Câmara de Comércio intrometeu-se em assuntos que, de forma alguma, condiziam com a sua função como intermediadora do comércio entre os dois países. Imiscuindo-se em assuntos político-ideológicos, descambou para o terreno da ilegalidade e a competência de interferir cabia à Policia Federal. 

O episódio da prática de boicote sugere duas reflexões.

A primeira relaciona-se com o boicote da exportação de fumo. Tratando com discriminação firmas brasileiras de exportação  por motivos étnicos, políticos  e ideológicos.  Pelo que dá  a entender o Relatório, o boicote comercial visava quase que exclusivamente o tabaco no Rio Grande do Sul. A ameaça que essa prática ilegal pudesse afetar substancialmente a capacidade brasileira de amealhar divisas via exportação, parece remota.

A segunda reflexão é sugerida pelo episódio da discriminação envolvendo a Editora Metzler Ltda. e seu jornal “Deutsches Volksblatt. Como consta no Relatório, a Editora foi perseguida  por se ter posicionado abertamente contra as pregações nacional-socialistas. Acontece que o “Deutsches Volksblatt”, quando da proibição das publicações em língua alemã, teve a sua circulação também interditada. O mesmo aconteceu com outros jornais, almanaques, periódicos, etc., de orientação religiosa, nas quais o nazismo sofria severas criticas devido ao seu discurso  e ação anti-religiosa. 

Analisando a questão, parece que os nacionalizadores assustados  com a penetração da ideologia nazista, cometeram um equívoco lamentável ao jogar na vala comum da proscrição um “Deutsches Volksblatt”, junto com panfletos, volantes, jornais e tablóides, abertamente a favor e a serviço da ideologia nacional-socialista. É mais um fruto da confusão em que língua, cultura, hábitos, valores, etc., eram considerados como sinônimos de ideologia política. Se, ao contrário, os agentes da nacionalização tivessem incentivado os responsáveis pelos jornais  e outras publicações  em língua alemã anti-nazistas, teriam a favor de si os aliados mais eficazes para imunizar de vez a grande massa de teuto-brasileiros contra a ideologia estranha. Em nome de um nacionalismo mal entendido, xenófobo e beirando as fronteiras da paranóia, jogaram fora uma das armas mais poderosas que tinham em mãos. O resultado não poderia ter sido outro. Provocaram uma animosidade  generalizada contra a nacionalização e deixaram as comunidades teuto-brasileiras  expostas à propaganda clandestina. A população de origem  alemã privada dos seus jornais e privada das suas pregações dominicais, tornara-se perigosamente  vulnerável  às investidas de qualquer um que lhes falasse numa língua que defendia seus valores e hábitos, mascarando ideologias estranhas.

Ressalvadas as proporções, aconteceu aqui um fenômeno semelhante àquele que se deu quando os exércitos alemães invadiram a Rússia. Os aldeões da Ucrância  foram a seu encontro, saudando-os como libertadores. Em vez de retribuir a disposição daquela gente de se ver livre do jugo bolchevista, os comandantes alemães ordenaram  a tática da terra arrasada. Cometeram assim o erro mais elementar  e, a longo prazo, fatal. Em vez de solidificar uma aliança espontânea  com os camponeses da Ucrânia, sem o menor motivo, fizeram deles um enorme potencial de  resistência e de sabotagem. Se as tropas alemãs tivessem acolhido a aliança oferecida pelos urcranianos, com muito  probabilidade não teriam amargado as derrotas que se seguiram.

Algumas conclusões
Concluímos com isso as breves  considerações sobre o Relatório II, elaborado pelo DOPS, sob a coordenação da Chefatura da Policia. Resumindo, creio que se pode registrar entre outras as seguintes constatações.

Primeiro. O Relatório ocupa-se, sem dúvida, com uma série de fatos que de forma alguma poderiam ter sido ignorados pelas autoridades tanto civis como policiais. Entre eles, destaca-se a tentativa de instalação de um radio transmissor de longo alcance no navio alemão “Rio Grande; a posição declaradamente favorável ao nazismo de certos lideres religiosos; o rumo que uma série de organizações teuto-brasileiras começavam a seguir; a orientação de setores da imprensa veiculando matérias favoráveis à ideologia nacional-socialista. Nenhuma dessas e de outras questões permitia qualquer tibubeio. Era preciso enfrentar com vigor o mal no seu nascedouro e, desta maneira, atalhar seus efeitos. 

Segundo. Outras questões, como foi a de legalizar União da Juventude Teuto-Brasileira, posta fora da lei; o episódio do boicote comercial; a acusação  contras os pastores  evangélicos como porta vozes disfarçados do nacional-socialismo, etc. parecem pouco relevantes quando encarados com seriedade e objetividade. 

Terceiro. Ao analista de hoje salta aos olhos o exagero no significado que se atribuiu indistintamente a todos esses fatos. As circunstâncias criadas pelo envolvimento progressivo do Brasil no conflito mundial explicam de alguma forma a reação das autoridades  municipais, estaduais e federais. Não justificam, porém, atmosfera de pânico e terror que espalharam entre as populações  de origem alemã.

Quarto. A consideração mais importante, entretanto, refere-se a outra faceta da questão. A maioria dos episódios continha, de fato, um potencial de periculosidade nada desprezível. Todos eles, contudo, limitavam-se a grupos e circunstâncias  localizadas e identificadas. A polícia dispunha de instrumentos para neutralizá-los na sua ação. De outra parte, oitenta a noventa por cento da população de teuto-brasileiros, encontrava-se fora do alcance e da influência exercida  pelos postos avançadas do nazismo. Listar qualquer teuto-brasileiro no rol  dos nazistas, constituiu-se num funesto equívoco. Essa grande massa  de cidadãos brasileiros de origem alemã nada mais ambicionava  do que pôr em prática a sua cidadania através do trabalho honesto, cumprindo assim suas obrigações cívicas e religiosas. O nazismo pouco, melhor dito, nada tinha a lhes oferecer. A maioria o rejeitava por causa do seu combate à religião e religiosidade. 

Com tudo isso não se pretende afirmar que não se desse importância  às organizações e aos indivíduos  comprometidos com a propaganda do nacional-socialismo. Seu número e, principalmente, sua virulência e fanatismo exigiam das autoridades responsáveis uma postura firme. Uma investigação inteligente, seguida de uma ação policial eficiente, os teria reduzido à inanição, dispensando esforços e  aparatos excepcionais. No País existiam leis suficientes e eficientes para o caso e, em tempo de guerra, acresciam ainda as regras próprias para a situação, fruto de tratados internacionais. O perigo alemão no Sul do Brasil foi exagerado e transformado num monstro que na realidade não passava de um caso de policia, um pouco mais complicado do que os do dia a dia.

Bicentenário da Imigração - 65

Cabem aqui as mesmas conclusões que foram válidas nos dois episódios que envolveram a instalação de um rádio-transmissor no cargueiro alemão “Rio Grande”  e todo o “affaire” relativo  à  sociedades alemãs acusadas de servirem de via de penetração ao nazismo. O problema existiu e ninguém vai nega-lo. Se o problema existia, era preciso leva-lo a sério e não perder tempo  para colocar em marcha as providências necessárias para fazer-lhe frente. Masm, nos casos já citados, tratava-se de um perigo localizado, envolvendo lideranças, grupos e indivíduos que não representavam a intenções da maioria. E, também aqui, o próprio Relatório da policia  fornece os melhores subsídios, para apoiar essa conclusão. Entre eles podem-se destacar as instruções e orientações que o Sínodo Riograndense fez chegar aos subalternos. O Relatório registra, no final do capítulo terceiro, um episódio que comprova  que, na própria Alemanha, atuavam lideranças evangélicas muito fortes contra o nazismo. O líder dessa reação foi o pastor Niemöller. Ele foi confinado no campo de concentração e, o próprio Hitler teria posto o seu confronto com  o pastor nos seguintes termos: “ou Niemöller ou eu”. Dele escreveu o secretario executivo do Conselho das Igrejas de Cristo na América, Dr. Henry Smith Laiper: 

No dia primeiro de julho os sinos das igrejas que ainda existem no Terceiro Reich, quando badalaram estavam lembrando o início do terceiro ano do reverendo dr. Martin Niemöller, um dos mais destemidos, mais notáveis e mais eficientes lideres da Igreja Evangélica Alemã, que se recusou a aceitar a liderança nazista nos assuntos internos da Igreja e, recusou-se também,  em consentir que ele mesmo fosse transformado em “Gleichgeschaltet” (coordenador) para fins políticos.
Naquela data, todos os ministros dos Estados Unidos e em outros países democráticos, uniram-se em espírito com os mártires da Alemanha, numa demonstração de solidariedade na luta contra os esforços para restringir a liberdade do espírito humano contra as suas tentativa de estabelecer o neopaganismo. (Relatório II, 1942, p. 207)

A observação final a esse capítulo poderia ser a mesma dos anteriores. O próprio material que foi apresentado  como prova da infiltração  generalizada do nazismo na Igreja Evangélica Luterana e a sua disseminação entre os fieis, foi exagerado. Na verdade, o número e, principalmente  o valor dos documentos registrados a favor da tese do Relatório, parecem bem menos convincentes do que se supunha.

O capítulo quinto do Relatório II procura analisar  a importância da União  Beneficente e Educativa Alemã (Bund der Schaffenden Reichsdeutschen) como difusora da ideologia nazista. A Sociedade foi  criada, segundo od Relatório, para tomar o lugar do DAF  (Deutsche Arbeiter Front) a qual, por sua vez, representava a mais importante das organizações, a NSDAP. Quando a NSDAP foi posta na ilegalidade, a União Beneficente e Educativa Alemã deveria substituí-la. Em substituindo uma entidade proscrita por lei, é obvio que lhe cabia operar como fachada  legal, um vez registrada no Ministério da Justiça, inclusive continuado as atividades consideradas fora da lei. Uma vez comprovada a verdadeira natureza da sociedade e identificadas suas intenções reais, era forçoso submetê-la a uma zelosa vigilância, o que foi feito como indicam os documentos. Conforme esses documentos, defrontamo-nos novamente com um problema real, porém, de repercussão modesta. 

O documento de nº 44, reproduzido no original e na sua tradução nas pgs. 212-215, apresenta as condições facilitadas de uma viagem de navio fretado para a Alemanha. Estipula condições e prazos para a inscrição e a duração da viagem. 

O documento de nº 45, pgs. 221-224, registra o regulamento para alemães  natos que queiram viajar para a Alemanha em visita ou com a intenção de se repatriarem. Especifica minuciosamente os documentos pessoais exigidos para a emissão do passaporte.

O comentário anexo aos dois documentos comprova que as autoridades haviam logrado total controle sobre as pretensas viagens, ao menos no que diz respeito ao Rio Grande do Sul:

No Rio Grande não lograram os agentes pardos o beneplácito da Policia para a prática de mais esse atentado contra as nossas leis. ( ... )
Uma cousa, no entanto, é certa: mau grado as refregas sofridas, os nazistas ainda se encontram acordados e não perderam de todo a esperança de um dia, encontrarem a forma maravilhosa que lhes permita reencetar a luta a salvo da opressão policial. (Relatório II, 1942, p. 224)

Nas ps. 225-230, fica registrado o depoimento prestado à Policia pelo Sr. Walter Nas, antigo dirigente da NSDAP. Residindo em Novo Hamburgo, não ocupava mais qualquer cargo na organização em 1938. A rigor, o depoimento não esclarece grande coisa, além de que a DAP ter sido filiada e subordinada à sua congênere na Alemanha; que funcionavam células dela em Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Estância Velha; que mantinha correspondência com o sr. Kurt Steffin, dirigente da entidade no Rio de Janeiro; que fora instruído pelo cônsul Ried, em Porto Alegre, no sentido  de que os assuntos referentes à  DAP tinham que ser intermediados pelo Consulado; que os sócios  pagavam mensalidades; como vários sócios da DAP, entre eles, ele próprio, se reuniam regularmente nas  terças e quintas feiras à noite para um jogo de cartas, na residência de um ou de outro no começo e, mais tarde, no café-bar de Paulo Banke; que costumavam  ouvir discursos de Hitler pelo rádio; que ele,  com seus companheiros participava da campanha de arrecadação de donativos para o inverno; que fora avisado pelo dr. Günther Schinke que a policia faria uma investigação e que, não acreditando na notícia, deixou de tomar certas providências; que no momento não exercia mais nenhum cargo na organização. Consta que o interrogatório foi encerrado neste ponto e devidamente datado e assinado.

Estamos diante de mais um documento que pouca coisa acrescenta em termos de prova a favor da infiltração nazista no Rio Grande do Sul. Torna-se muito difícil perceber no episódio o espantalho pintado pelo Relatório. 

Depois do exame dessa prova será ainda possível  acreditar-se na sinceridade dos propósitos testemunhados pela “Bund der Schaffenden Reischsdeutschen” ao Sr. Ministro da Justiça?
Certamente não. 
Está evidenciado que a verdadeira finalidade é política e não beneficente e que o objetivo não foi organizar uma sociedade dentro dos moldes da Constituição, e sim, incorporar um verdadeiro instituto, congregando todos os órgãos ativos do Partido Nacional-Socialista.

Um pouco mais adiante:

Com a publicação oficial do decreto conclamamo-nos na emergência de tomar uma decisão rápida, clara e exata para poder cumpri-lo pois, teremos dois caminhos a seguir: ou perder tudo o que foi construído durante longos anos de sacrifícios por mais de 1700 sócios, ou tentar um entendimento, que de qualquer modo, permita a possibilidade de defender e garantir os interesses dos sócios.
Mais claro não é possível. É a confissão  oficial. (Relatório II, 1942, p. 230)

“Ninguém seria tão ingênuo de acreditar que a Sociedade Beneficente, de que se acaba de falar, não tenha oferecido  para seus organizadores  a via legal para exercer as atividades necessárias para a finalidade que se havia proposto. O extrato dos estatutos registrados no Ministério da Justiça não fazem supor que se tratava de uma organização clandestina”. (Relatório II, 1942, p. 244-245). Pela fachada tratava-se de uma agremiação como tantas outras similares que se dedicavam ao auxílio mútuo. Ao conseguir o registro, passou a ser legalmente considerada e reconhecida como tal. Não fica muito claro se praticou atos ilegais. Nesta questão há todo um outro aspecto que merece certa atenção. A fundação e o registro da Associação Beneficente Alemã ocorreu em 1938. Um ano, portanto, antes  de começar a Segunda Guerra Mundial e quatro anos antes antes de o Brasil declarar guerra à Alemanha. As  relações diplomáticas  desenvolviam-se na mais perfeita normalidade. Não resta dúvida de que o nacional-socialismo alimentava o maior interesse para passar uma boa imagem para os imigrantes alemães radicados em outros países e consolidar com eles o intercâmbio mais estreito possível. Mas enxergar na associação  uma forma mascarada, com a finalidade única de servir de via de penetração para o nazismo, parece um exagero.

No capítulo V do Relatório II são apresentados os mecanismos de propaganda utilizados  pelo nazismo. Os  veículos mais visados foram o rádio e a imprensa. O Relatório mostra basicamente  como entrava no Brasil a propaganda  vinda da Alemanha e a natureza do material aqui oferecido e os agentes mais comprometidos. O papel do rádio  recebeu atenção especial. (cf. Relatório II, 1942, p. 247-281) No final do capítulo, foi reproduzido um questionário destinado a apurar a penetração da rádio alemã, sua aceitação e sua clientela. Registraram-se  ainda alguns nomes  com endereço de pessoas que mantinham correspondência com a emissora alemã.

A questão relacionada com a propaganda contem novamente aspectos parecidos com aqueles analisados  até aqui. Observe-se, por ex., a imprensa. Sem pretender diminuir seu poder e sua abrangência como veículo capaz de influir na opinião das pessoas, era possível que as autoridades exercessem um controle eficiente sobre ela.

Ainda no caso da imprensa, um outro detalhe não pode ser esquecido. As populações rurais que compunham a imensa maioria eram profundamente religiosas. Os jornais, as revistas, os almanaques que liam seguiam uma linha editorial confessional. Nessas publicações não havia espaço para a propaganda do nacional-socialismo com sua proposta arreligiosoa e anti-religiosa. Seria mais fácil encontrar referências  desabonadoras do que elogiosas  ao nazismo. Recorde-se  o que envolveu o mais importante jornal católico em língua alemã no Rio Grande do Sul, o Deutsches Volksblatt, já em 1931. 

No que se refere à propaganda pelo rádio, é permitido repetir a observação feita por ocasião do episódio do navio cargueiro alemão. Apenas grupos seletos, residindo quase sempre em centros urbanos, tinham acesso a essa fonte de informação. A grande massa  de “alemães” espalhados pela região colonial ficava fora do seu alcance.

O capítulo sexto do Relatório II ocupa-se com o papel da juventude Teuto-Brasileira ligada à Juventude Hitlerista. Parece fora de qualquer dúvida que aqui residiu um dos problemas mais preocupantes quando se pretende dimensionar as chances do projeto nacional-socialista em nosso meio. Pela sua própria natureza o jovem é propenso a novidades, e com facilidade passível de sedução por propostas grandiosas. A aventura, o companheirismo, o heroísmo o fascinam. Os estrategistas da propaganda nazista souberam manipular magistralmente todos esses fatores. Reuniões regulares, cantos, bandeiras, uniformes, emblemas, acampamentos, etc., faziam parte do aliciamento dos adolescentes e dos jovens. Na sua forma original a Juventude Teuto-Brasileira como organização não deixava dúvidas. Pautava toda a sua linha de conduta segundo os ditames da inspiradora alemã, a Juventude Hitlerista. Esse fato torna-se ainda mais evidente com a viagem de delegações da Juventude Teuto-Brasileira para a Alemanha e os acampamentos e programações conjuntas, realizadas em comum com a Juventude Hitlerista e com outras organizações similares procedentes de uma dúzia de países.

No estado do Rio Grande do Sul, a Juventude Teuto-Brasileira encontrava-se em plena expansão quando foi extinta por ordem do Ministério da Justiça. Em dezembro de 1937, havia ao todo 39  núcleos reunidos em sete grupos: Rio grande, Porto Alegre, Lajeado, Santa Cruz, Cachoeira, Ijuí e Erechim. (cf. Relatório II, 1942, p. 345-346).  As sedes desses núcleos  eram na maioria pequenas e médias cidades e alguns núcleos coloniais mais dinâmicos. 

A ação rápida das autoridades policiais  reduziu à inanição a Juventude Teuto-Brasileira e neutralizou o surgimento de qualquer outra organização que lhe tomasse o lugar. Tendo sido assim, a influência dessa Juventude foi passageira e limitada.

Em substituição à Juventude Teuto-Brasileira, surgiu em Porto Alegre, em agosto de 1937, a proposta para se criar uma entidade que deveria ter sido a verdadeira versão teuto-brasileira, desvinculada da tutela da Juventude Hitlerista. Examinando os objetivos propostos, não se encontra nenhum motivo sério para suspeitar da sinceridade das suas intenções. O que na época assustou muita gente foram duas questões apresentadas na proposta. A primeira  dizia respeito aos meios para promover a Juventude Teuto-Brasileira, como seria chamada. Propunha promover acampamentos, excursões, etc. Ora esse tipo de atividades estivera sempre na mira das autoridades como suspeita de mascarar uma educação para-militar; de ocasiões em que se praticava o nudismo e outras formas de lazer, no mínimo suspeitas. A segunda questão repetia e insistia num ponto de divergência irreconciliável. A Juventude Teuto-Brasileira propunha-se a transformar em bons brasileiros os descendentes, cultivando a língua e os hábitos  dos seus antepassados. De resto a  proposta poderia servir de paradigma para criar qualquer tipo de associação para fins educativos e cívicos. Parece pertinente reproduzir aqui, a declaração de objetivos que levaram à criação da UJTB.

Objetivos e Obra da União da Juventude Teuto-Brasileira. 
A União da Juventude Teuto-Brasileira é uma agremiação de jovens masculinos e femininos, filhos de alemães sediados no Brasil, fazendo assim parte da coletividade da grande nação brasileira. A suprema tarefa da JTB é a educação de seus membros  na base da camaradagem e da disciplina para o serviço da Pátria, cumprindo assim o dever de cada cidadão perante a nação brasileira.

Os  jovens aprendem que a obediência ao governo e às leis não é somente um dever patriótico, mas sim, que essa obediência é ditada pelo amor ao bem-estar da nação. Este amor os leva até a morte e nem um deles vacila em deixar a vida e o sangue no campo de batalha em defesa da querida Pátria.

Os ídolos desta juventude são os heróis da luta  da guerra do Paraguai, os valores bandeirantes e o pioneiros alemães, simples colonizadores, mas que, com esta simplicidade característica dos teutos, venceram as matas virgens dos estados sulinos, para transformá-as em terra férteis, fundando cidades, organizando indústria e comércio, sendo assim, em conjunto com os colonizadores  italianos, a base da prosperidade neste ramo, como o foram anos antes os gaúchos, valentes conquistadores do Brasil. Estes antepassados teutos não só souberam lidar com pá e machado, como também defenderam a Pátria com a arma na mão contra invasores estrangeiros e manifestaram a ordem nos tempos da revolução.

Estas razões levaram a UJTB a despertar nos jovens corações, a memória dos antepassados vindos da Alemanha, e lembrar que o sangue é o mesmo, e que este sangue os obriga a cultivar  e respeitar os costume e o idioma dos pais e avós.

Se na história brasileira surgem homens importantes de descendência lusa como germânica, é certo que cada um contribui com as qualidades de sua raça, qualidades estas que deram o valor para poderem servir desta forma extraordinária à nossa querida pátria. Bravura, fidelidade, camaradagem, modéstia, coragem, força de ação, tenacidade, solidez, veracidade e amor à pátria são objetivos que queremos inculcar nos jovens.

Acampamentos, raids, atletismo, educação teórica em reuniões semanais, cultivo de muúica e canto em geral, como a arte de ofícios, são os meios eficazes desta educação. Os acampamentos e raids nos fazem conhecer a grandeza do Brasil e sua magnífica natureza, nos levam ao interior para travar relações com a população dos campos, da serra, da colônia e conhecer seus costumes.  O atletismo torna juventude robusta e sadia, preparada para a luta das armas e da vida. Também temos em nossas fileiras alguns jovens alemães natos, cujo supremo dever é de formar um laço de amizade entre as duas grandes nações, e que, respeitando em todo as leis do nosso país, por gratidão à nação hospitaleira servem com o máximo prazer o nosso maior objetivo: trabalhar com ardor para a grandeza da nação brasileira. 

A UJTB compreende ser um dever natural comemorar festivamente as grandes datas de nossa pátria, como já tem dado provas de assistência social – nossos camaradas cooperam nos “Chás da pequena Cruzada” em favor da Santa Casa local, cooperam na colocação  de postes para a linha de alta tensão ao Sanatório Belém, socorreram os flagelados no arrabalde de São João/Navegantes, levando mantimentos aos que estavam cercados pelas águas, ou auxiliando as mudanças dos necessitados ou guardando as casas dos mesmos. 

A União da Juventude Teuto-Brasileira está organizada em quatro regiões: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo/Paraná  Rio de Janeiro. As corporações locais são divididas em grupos pequenos de 10 a 12 jovens, masculinos e femininos, nas idades  de 8 a 14 anos e 15 a 20 anos. 

O símbolo contido na nossa bandeira é para documentar a nossa amizade com a velha Pátria dos antepassados, um antigo emblema dos germanos, dos tempos de antes de Jesus Cristo e que significa “Vitória”. 

A UJTB é uma agremiação puramente brasileira. Não temos ligações com quaisquer grupos políticos ou sociedades e especialmente não é ligada a organizações alemãs. Como mantemos relações muito amistosas e cordiais com os “Escoteiros do Mar”, também mantemos com outras agremiações da juventude, entre outras com os escoteiros da Argentina, do Uruguai e da Alemanha. Temos aproveitado algumas experiências  destas corporações, mas nunca tentamos implantar em nossa estrutura cousas estranhas a o ambiente da nossa Pátria.

A UJTB espera de seus membros, que cultivem o idioma alemão, porém, exige que estudem e se dediquem à língua brasileira, porque é  um dever de cada cidadão conhecer a fundo o idioma de sua pátria. 

UJTB existe a 3 anos, restringindo-se sempre ao campo cultural, sem orientação política, pois sabe da responsabilidade perante a nação, que de preparar jovens cidadãos para os serviços da Pátria, tendo sempre em vista a grandeza da Nação. (Relatório II, 1942, p. 349-351).

O exame de hoje depois de  oito décadas da elaboração dos princípios que deveriam nortear a atividade da União da Juventude Teuto-Brasileira, sugere algumas reflexões. Uma delas poderia ser a seguinte. Na proposta não se observa nada de objetivo que possa por em dúvida a natureza e as intenções da organização com a finalidade de adestrá-la por meio dos mais variados instrumentos, para transformar os jovens em cidadãos úteis, conscientes e disciplinados. A celeuma em torno da fundação da UJTB somente se entende quando inserida  no contexto da época.

Há uma segunda reflexão complementar à primeira. Pelo que tudo indica, a organização não sugere o menor motivo para ser considerada clandestina. A suspeita que se lançou sobre ela é que ela deveria tomar o lugar da Juventude Teuto-Brasileira, posta fora da lei pelo Ministério da Justiça. No caso não significaria nada mais do que uma tentativa legal para perpetuar a organização proscrita. Mesmo sendo assim, não havia necessidade  para tamanho alarme. Na versão proposta, a UJTB não pretendia ser uma agremiação clandestina. Havia solicitado o competente registro ao Ministério da Justiça. Nada de errado se poderia imputar a ela após tal homologação. Mas um detalhe não pode ser ignorado. Caso a organização se desgarrasse da orientação aceita pelas autoridades competentes, a Policia e a Justiça teriam em mãos os nomes  dos responsáveis e, ao mesmo tempo, disporiam dos instrumentos para coibir abusos ou, em caso extremo, lacrar as portas da entidade e confiscar seus arquivos. Acrescente-se ainda o detalhe de que o número de regiões em que foi dividida a UJTB eram quatro. Subdivididas em pequenos núcleos de  10 a 12 jovens, assemelhando-se muito aos escoteiros. Fica difícil aceitar que essa organização, nos moldes e nas características em que foi apresentada, pudesse assumir o grau de periculosidade de que foi acusada. 

Há, ao que aprece, um outro elemento que não é de todo irrelevante.Trata-se da data em que veio ao público a proposta da criação da UJTB, setembro de 1937. Ora, não é segredo para ninguém que conhece a época que não poucos dos idealizadores do Estado Novo, na iminência de ser implantado, alimentavam uma simpatia mal disfarçada para como os nacionalismos totalitários da Europa. Faltavam, além disso, dois anos para a eclosão da Segunda Guerra Mundial. As relações diplomáticas, culturais e comerciais entre o Brasil e a Alemanha fluíam na total normalidade. Toda essa situação aconselhava  às autoridades responsáveis pelo funcionamento e o controle das associações, uma vigilância  diuturna, mas rotineira e normal, também no que se relacionava com  a UJTB. Transforma-la, dois anos mais tarde, num dos argumentos mais fortes para provar a sua condição de veículo de primeira linha na infiltração do nazismo entre os jovens, não passa de um exagero.

Mais uma consideração cabe aqui. Da maneira como se apresentou a proposta da UJTB, sem uma análise e sem comentários, pode-se transformar num contra argumento. A suspeita confirma-se com o que segue no relatório da policia. Nas pgs. 353-371, está reproduzida uma série de fotos, que deveriam documentar as atividades da Juventude Teuto-Brasileira e da Juventude Hitlerista. Exceto dois dos documentos, o de nº 84 e 85, que mostram fotografias da Juventude Hitlerista, os demais  referem-se a acampamentos e atividades diversas  da Juventude Teuto-Brasileira. Ao que se pode deduzir, falam de acontecimentos  ocorridos no ano e 1937 ou antes, pois a Juventude Teuto-Brasileira foi extinta durante o ano de 1937.  Fica de novo a interrogação: será que a Juventude Teuto-Brasileira, após dois anos com suas atividades encerradas, suas portas lacradas pela policia  e seus arquivos confiscados, significava ainda uma ameaça do tamanho que as autoridades pretendiam enxergar?

Nas pgs. 373-423, encontramos uma série de depoimentos  prestados na policia por dirigentes  da Juventude Teuto-Brasileira. Todos eles foram tomados  no decorrer do segundo semestre  de 1939. Examinando com atenção os documentos, conclui-se que também eles nada acrescentam além daquilo que já era conhecido pelas autoridades  interessadas. Reforça-se, portanto, também neste caso a sensação de que se extrapolou o  poder de sedução da Juventude Teuto-Brasileira,  de modo especial sobre as comunidades coloniais. Outra certeza que se tem, ao ler os documentos, é a evidência da desarticulação da organização. No segundo semestre de 1939, que coincidiu com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Juventude Teuto-Brasileira, se ainda atuava, tinha pouca ou nenhuma chance de se organizar e partir para uma ofensiva de alguma importância.

A Natureza como Síntese


Em dezembro de 2015, realizou-se em Paris a “Conferência Internacional do Clima”. Reunidos estavam os chefes, dos governos das grandes potências, dos emergentes, além de representações  de países do terceiro mundo. O show foi comandado  pelas estrelas dos primeiros. Nesse cenário, não deixaram de se fazer ouvir as vozes das organizações que pululam pelo mundo afora, com o propósito sincero ou nem tanto de salvar  o que sobrou da natureza, “a casa da humanidade”, o lar no qual nasceu a espécie humana, que a abriga e a sustenta. Desde o momento em que o primeiro dos seus representantes começou a respirar o ar das suas florestas e savanas e a servir-se das suas dádivas, essa “casa” foi seriamente maltratada com o andar dos séculos e milênios. O estrago causado é de tal ordem que, com razão, preocupa grandes e pequenos, pobres e ricos, poderosos e humildes, governantes e o povo em geral. Afinal, essa “casa” abriga a todos e a todos sustenta. Sua degradação termina atingindo indistintamente a todos. Primeiro e o mais cruelmente os menos favorecidos, mas é uma questão de tempo para que cobre seu preço também aos poderosos e aos magnatas. A prova está aí. A cúpula do poder político somada à do poder econômico encontrou-se em Paris para ouvir o grito de socorro da “nossa mãe e pátria” maltratada até o irracional pelo homem “racional”.

Chegou-se ao limite e tornou-se urgente uma tomada de posição, definir políticas globais e partir para ações  concretas e sérias, isentas e desinteressadas. O momento é de tomar decisões para valer e firmar compromissos objetivos e sérios para enfrentar  o problema. O debate não pode estagnar e esgotar-se  no nível de uma cortina de fumaça de belos e sonoros discursos; não se podem esperar as soluções via critérios geopolíticos, geoeconómicos ou geoestratégicos; não se avança na solução dos desafios ambientais turbinadas com iniciativas por toda a sorte de  ideologias e ou interesses  não confessados ou não confessáveis. Não há mais tempo a perder, pois a questão ambiental é urgente e complexa demais. No livro que aqui apresento com o título “A Natureza como Síntese” não pretendo refletir ou analisar políticas públicas, políticas de natureza geoeconómica  ou geoestratégica ou então analisar quais os aspetos concretos em que a natureza corre perigo. O aprofundamento desse lado da questão ambiental encontra-se detalhado, comentado e dimensionado num outro livro da minha autoria e em vias de publicação, intitulado “A Nossa Casa” – reflexões inspiradas  na Encíclica “Laudato Si”.

O que de fato interessa aqui é um pressuposto que deveria conferir uma bases sólida que, se não for tomado em consideração, mais, se não for colocado como fundamento, todo e qualquer iniciativa em favor da natureza não passa de um castelo construído sobre areia. É preciso responder à pergunta aparentemente singela e óbvia: “O que é a Natureza, qual a sua essência”. Será que ela se resume num conjunto aleatório e fortuito de elementos químicos, estruturas minerais, variáveis climáticas, a micro e nano fauna, as plantas e os animais superiores e no meio de tudo isso o homem? Quem sabe resume-se numa máquina finamente calibrada e de alta resolução, funcionando à maneira de um robô? Ou a natureza tem algo de tudo isso, mas sua essência ultrapassa o nível da mecânica para situar-se num patamar mais acima e mais além?

O avanço e os resultados das pesquisas científicas levou um número crescente de cientistas a conceber a natureza com o resultado de “engenhosa síntese”. O aprofundamento das pesquisas  da química, física, biologia, paleontologia, genética, fisiologia, botânica, zoologia, ecossistemas, astrofísica, os organismos e os sistemas, está a convencer um número sempre maior de cientistas e dos mais conceituados, a conceber a natureza como uma “grandiosa síntese”. Em poucas palavras. Essa síntese não se resume na soma dos elementos que a compõem, senão pela complementariedade funcional. 

A compreensão da natureza posta nessa perspetiva, entre muitas, uma conclusão  assume um significado todo especial. O esforço das ciências naturais centra-se na compreensão do “como” a natureza foi e se encontra estruturada e como funciona. Falando em síntese, essa é apenas uma face da questão. Falta responder “donde”, “para que” e “para onde”. Qualquer  esforço em busca de uma síntese, termina em frustração, no caso de se ignorar, pior desqualificar ou até negar essas três dimensões. Para responder ao “como”, as ciências naturais dispõem de métodos, ferramentas e competência. Quanto à resposta pelo “donde”, o “para que” e “para onde”, os métodos, as ferramentas e a competência cabe às ciências do espírito, das ciências humanas, inclusive das letras e artes. Sendo assim, a construção de uma síntese da natureza digna desse nome só então terá chances de sucesso, quando em seu edifício contribuírem proporcionalmente todas as áreas do conhecimento. É indispensável que as ciências todas, as naturais, as espirituais, as humanas, letras e artes se encontrem e se comprometem para realizar essa tarefa num esforço interdisciplinar honesto e isento. Para tanto pressupõe-se uma  linguagem que ambos os lados entendam e partir de questionamentos que em princípio interessam a todos: “Como começou tudo”, “como funciona”,  uma “teleologia comando ou não os processos? E qual o “destino final?”; enfim, a razão de ser ou não da natureza como “casa”,  “querência” ou “mãe e pátria” da humanidade.   

Nas reflexões que seguem depois, depois de um capítulo introdutório e se ocupa com a inserção  existencial do homem na natureza, dedicamos o restante do texto à compreensão da natureza de sete cientistas mundialmente  respeitados nas respetivas  especialidades. Três deles, Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Balduino Rambo, foram jesuítas. Sua compreensão da natureza leva, evidentemente as marcas dessa filiação. Hans Driesch biólogo e filósofo e o também biólogo Ludwig von Bertalanffy, cientista secular. Francis Collins e Theodosius Dobzjansky  alinham-se  entre os geneticistas mais importantes, o primeiro em genética médica e o segundo como um dos sistematizadores da genética como ciência. Não os limita  nenhum compromisso confessional. O último vem a ser Edward Wilson entomólogo dos mais respeitados e autoridade maior no conhecimento dos ecossistemas naturais e humanizados. Autodefine-se como “humanista secular”.



Bicentenário da Imigração - 64

A fim de se fundamentar as afirmações que se acabam de registrar, o Relatório consigna uma série de citações do mesmo periódico: “Der Deutsche Ansiedler”. Lendo com calma os textos citados, fica-se com a sensação de que eles se transformaram em contraprovas. Ou ao menos pouco provam de mais consistente em favor da ação nazista  na Igreja Evangélica. Ficaria muito longo enumerar aqui a série completa de “provas” registradas no Relatório II o extraídos do “Der Deutsche Ansiedler”.

Nessa publicação, depois de afirmar que a campanha contra os teuto-brasileiros fora inspirada e comandada a partir dos Estados Unidos, os articulistas  passam a falar  de uma matéria publicada no “Jornal do Brasil”, da autoria de Barbosa Lima Sobrinho. Foi desta matéria que pincelamos a citação acima registrada.

Barbosa Lima Sobrinho ao falar da Campanha de Nacionalização, ressalta entre outras coisas, o seguinte:

Primeiro. A Campanha discriminou os cidadãos de origem alemã, os teuto-brasileiros, apontando-os como integrantes  de uma “minoria alemã”. Apesar de a legislação brasileira desconhecer qualquer categorização  dos cidadãos do País, os teuto-brasileiros eram vistos como estrangeiros, como nazistas, como espiões. Essa campanha empenhou-se também em tentar apagar da história do Brasil a contribuição valiosa de inúmeros alemães e dos seus descendentes já no período colonial e ainda no tempo de Martim Afonso d Souza. 

Segundo. O autor exige no seu artigo que as queixas contra a discriminação sejam ouvidas e tomadas em consideração. E mais. Os méritos dos teuto-brasileiros, sua participação na vida nacional e sua contribuição positiva, tanto na paz como na guerra, fazem parte da nossa história e acrescenta:

O que os teuto-brasileiros produziram, devem eles à sua própria capacidade. O Brasil nada fez, para formar este elemento numa substância integral da nação. Eles construíram suas próprias escolas, porque da nossa parte não importamos disto. Nós deixamos sempre correr as cousas, até se formar daí um problema, pelo qual não podemos responsabilizar os teuto-brasileiros. (Relatório II, 1942, p. 162).

Terceiro. Barbosa Lima Sobrinho continua relatando que no Rio de Janeiro foram nacionalizados entre outros o “Germânia”,o mais antigo da cidade e o “Hospital Alemão”, em Santa Catarina foram fechados o “Urwaldsbote”, “Kolonie-Zeitung”,  “Volkszeitung”. O jornal “Blumenauer Zeitung” teve sua circulação permitida pelo Ministério da Justiça. O exagero na preocupação pelo “perigo alemão” chegou ao ponto de serem  mandados dois batalhões de caçadores para Blumenau.

Quarto. No Paraná e em Santa Catarina, os agentes da nacionalização chegaram se intrometer em questões religiosas, ferindo o princípio legal da liberdade de culto. O fato originou o envio de representação ao presidente da República da parte  da Associação das Comunidades Evangélicas de Santa Catarina e do Paraná.

Nós confiamos na continuação da liberdade de culto evangélico como um fator de ordem e de paz e garantimos, que vossa Excelência poderá  contar com o nosso apoio inabalável no caminho traçado para a grandeza do Brasil. (Relatório II, 1942, p. 163).

Quinto. No Rio Grande do Sul, a Campanha de Nacionalização demitiu da escola de Novo Hamburgo o pastor Th. Dietschi, riograndense nato e conhecido pelo seu amor à terra e que conseguiu elevar a escola, com um trabalho incansável de anos , a um nível muito elevado.

Ainda no Rio Grande do Sul foi fechado um número considerável de boas escolas. Essa atitude configura-se contraditória quando em todo o Brasil em torno de 80% das crianças em idade escolar ficam sem instrução. No Rio Grande do Sul, em torno de 400 a 600 escolas teuto-brasileiras cumpriram as formalidades legais e encontram-se  registradas e devidamente  reconhecidas pelo Estado. As autoridades respectivas concederam a essas escolas uma hora de aula por dia em alemão. Esse fato demonstra, conforme o jornal “Allgemeine Lehrezeitung” de São Leopoldo, um espírito positivamente flexível da parte dos responsáveis pela implementação da Campanha de Nacionalização. 

Sexto. O citado jornal lamenta o fato de as autoridades nacionalizadoras  terem conseguido gerar entre os teuto-brasileiros uma grande desconfiança em relação ao Estado. De outra parte, deplora também a ausência de objetividade na forma como era conduzida a nacionalização, nivelando, num mesmo plano, professores estrangeiros e brasileiros natos, professores cumpridores  de seus deveres patrióticos e professores relapsos. 

Sétimo. O jornal “Allgemeine Lehrerzeitung” reafirma mais uma vez que o uso da língua alemã e o  seu cultivo não visa nada além da preservação dos valores culturais. Os teuto-brasileiros  não vêm nessa  atitude nenhuma intenção de negar a sua condição de cidadãos brasileiros, nem de hostilizar a língua vernácula. 

Oitavo. O Relatório II continua citando o jornal “Der Deutsche Ansiedler” que, em resumo, defende a mesma posição do “Allgemeine Lehrerzeitung”. 

Nono. O jornal “Der Deutsche Ansiedler”  é novamente invocado para falar sobre  as atividades da Sociedade Evangélica Alemã na Diáspora, com sede em Hamburgo. Em síntese, a posição defendida  nessas atividades não apresenta nenhum dado novo relevante face a tudo que se acaba de  registrar.

Tentando, a essa altura, tirar uma conclusão sobre o valor real  dos argumentos enumerados nessas páginas, para provar o “perigo alemão” no Brasil, chega-se a uma conclusão um tanto paradoxal. Não poucas citações  registradas no Relatório parecem provar exatamente o contrario do que se pretende. Nessa linha situa-se, por ex., o depoimento do jornalista Barbosa Lima Sobrinho. Nas linhas  e, principalmente nas entrelinhas dos jornais arrolados,  contam-se mais provas a favor da sinceridade de intenções dos teuto-brasileiros como cidadãos, do que sinais de hostilidade ao País, ou pior, da iminência de atitudes e de atos de traição. Esses, se ocorreram, reduzem-se a fatos isolados, mantendo-se numa freqüência estatística esperável em tais circunstâncias. 

Entre os comentários que o documento citado sugere, podem-se destacar os seguintes:

Primeiro. Foi redigido como saudação de ano novo de 1937. Naquele momento histórico, final de 1936, vigoravam relações diplomáticas  normais entre o Brasil e a Alemanha. No País circulavam livremente jornais, revistas, almanaques, livros, etc., em língua alemã e nas demais línguas utilizadas  pelos diversos grupos étnicos. O nacional-socialismo, como o fascismo, contavam com muitos simpatizantes aqui no Brasil, também entre os luso-brasileiros. O próprio modelo de Estado em Gestação e, naquele ano implantado com o Estado Novo, apresentava não poucos pontos  em comum com nacional-socialismo e o fascismo. Nada havia, portanto, de surpreendente que um jornal de orientação  evangélico-luterana publicasse a mensagem de ano novo do coordenador das comunidades no estrangeiro. A rigor, significava a mesma coisa que se os jornais alemães  de orientação católica  tivessem publicado diretrizes doutrinárias, disciplinares ou pastorais, vindas de Roma.

Segundo. Se o fato de haver sido publicada a mensagem do bispo Heckel não significou nada de anormal há, contudo, um aspecto que explica e justifica a reação das autoridades nacionalizadoras. 

Apontamos para a expressa e aberta adesão à doutrina nacional-socialista e o reconhecimento explícito do “Führer”. Configura-se aí uma evidente aproximação da Igreja Evangélica não como um todo, mas de representantes oficiais seus, com a doutrina do nacional-socialismo. Fica difícil negar que, neste caso, religião e política não  se confundiram e é preciso dar  razão às autoridades policiais quando registram no Relatório: “Daí, forçosamente, resultou ter o nazismo procurado unificar o interesse político e o sentimento religioso”. (Relatório II, 1942, p. ).

Terceiro. O temor de utilizar a pregação  religiosa para mascarar um objetivo político, entretanto, foi exagerado. Serviu de pretexto para declarar a Igreja Evangélica, seus pastores e fieis, sem distinção, como os “mais  estrangeiros dos estrangeiros”. Onde quer que se realizasse um culto evangélico, onde quer que se ministrassem aulas  a alunos evangélicos e onde quer que se reunissem evangélicos, irrompiam os emissários da nacionalização. Vasculhavam documentos, apreendiam livros e periódicos, intimavam pessoas e prendiam lideres. Não se respeitava nem a privacidade, invadindo residências, nem o mais primário direito à dignidade, prendendo pastores em delegacias ao lado de delinqüentes comuns. A justificativa para   proceder com tamanho exagero perde a base de sustentação, quando se toma conhecimento da atitude oficial adotada em Santa Cruz pelo Sínodo Riograndense. Na ocasião foi posto em discussão se os  ministros evangélicos deveriam jurar sobre o Novo Testamento, ou como vinha sendo feito, sobre o Antigo Testamento também. Após um debate acalorado e habilmente conduzido pelo pastor Dohms, ficou decidido que o juramento continuaria sendo proferido sobre os dois Testamentos. 

Com esse resultado venceu implicitamente a corrente que seria a oficial do Sínodo e que não aceitava a intromissão da política na religião.

Quarto. Encontramo-nos de novo frente à mesma situação do qual já se  falou em diversas outras ocasiões. O Sínodo Riograndense, como instituição orientadora da  doutrina e da ação pastoral da Igreja Evangélica no  Estado, não aceitou a imposição de atuar como veículo de penetração do nazismo em nosso meio. Obviamente não adotou a postura  ostensivamente favorável à Campanha de Nacionalização, como o fez a Cúria Metropolitana sob o comando de D. João Becker. O  Sínodo optou por uma linha própria de defesa da propagação  do Evangelho. Sua lógica resumiu-se num raciocínio muito singelo. A fé sobrevive unicamente através da prédica. Ora, a prédica somente alcança o seu objetivo quando entendida pelos fieis. Portanto, não  faz sentido  pregar o Evangelho numa língua que os fieis não entendem. 

Coerente com essa lógica o pastor Hermann Dohms baixou normas  para os pastores do Sínodo, no dia 6 de novembro de 1939. Entre elas destacamos:

Considerando que as instruções baixadas pelo Senhor Chefe de Policia sobre o uso da língua estrangeira em prédicas religiosas, excluem a língua da nossa Igreja em prédicas e sermões; considerando que essa solução imperiosamente exige decisão dos dirigentes da Igreja, que terão o fim de garantir, após novos entendimentos com os poderes públicos, uma ordem uniforme da vida eclesiástica; 
a Diretoria do Sínodo Riograndense ordena que os pastores do Sínodo Riograndense não façam prédicas ou  sermões;
os cultos dominicais, dos quais, na Igreja Evangélica Luterana a prédica é pare integrante, não serão realizados a não ser que os pastores recebam novas instruções. (Relatório II, 1942, p. 196).

Ao mesmo tempo em que a diretoria do Sínodo mandou suspender  a realização dos cultos dominicais, enviou  um memornadum ao Chefe de Policia, no qual tenta  esclarecer a questão da língua e sua importância na celebração dos cultos. Nas ponderações  que se fazem no memorandum, não há vestígio de declarações de rebeldia contra as autoridades nacionalizadoras. Muito pelo contrário. Embora se constitua num documento fundamental, quando se quer formar um juízo correto sobre a posição oficial do Sínodo Riograndense na questão em foco, ficaria longo demais reproduzi-lo na íntegra. Quem se interessar pode encontrar o texto completo nas pgs. 106-107 do Relatório II.

O primeiro memorandum foi complementado por um segundo, datado em 13 de novembro de 1939. Nele o pastor Dohms especificou ainda mais a questão da importância vital da pregação como condição de fé. A íntegra do texto encontra-se também nas pgs. 200 a 202  do Relatório II.

No dia 17 de novembro de 1939, a diretoria do Sínodo, ainda sob  a presidência do pastor Dohms, enviou a todos os pastores uma circular para a orientação prática. É um documento que demonstra um equilíbrio e uma objetividade surpreendente. Tanto assim que, submetido à  chefia da policia, foi por ela aprovado. Fixemo-nos em alguns pontos.

Sobre os cultos diversos e atos solenes devem ser observadas as seguintes instruções, expedidas com conhecimento prévio e consentimento do chefe de policia.
1. Os senhores pastores  devem tomar devidamente em consideração o artigo 46 do decreto-lei 1545 e as instruções baixadas pelo Sr. Chefe de Policia no tocante à execução deste decreto, relativamente às prédicas ou sermões religiosos.
2. São prédicas ou  sermões todos os discursos dirigidos à comunidade presente na celebração do culto divino regulamentar.
As breves alocuções pronunciadas comumente por ocasião de atos solenes, como por exemplo pronunciação de palavras confortadoras no ato da encomendação dos mortos, nunca proferidos do púlpito, não chamamos de prédicas. Declarou-nos  Sr. Chefe de Polícia a respeito dessas alocuções que, em casa podem ser feitas na língua oficial da Igreja, vigorando quanto às alocuções feitas  na igreja ou em lugares públicos, as instruções do Sr. Chefe de Policia relativas às prédicas.
3. As autoridades estaduais não submetem o ritual da Igreja a restrição alguma, nem a respeito da língua original do ritual luterano. Os cultos litúrgicos, incluindo responsórios, hinos, cantados pela comunidade ou pelo coro, leitura do evangelho, da epístola e de textos clássicos dos patriarcas da Igreja, orações serão  celebradas conforme os textos originais do ritual.
Do mesmo modo serão usados formulários de agenda relativos aos atos solenes do batismo, confirmação, casamento, celebração da Santa Ceia, encomendação de mortos e outras solenidades regulamentares, tais como inaugurações de igrejas, ordenação de introdução de pastores, etc.
4. No tocante à prática dominical, o Sr. Chefe de Policia nos declarou que, excluídas as sedes de  municípios, em todos os outros lugares  a prédica em português podem ser repetida em alemão a juízo do pastor. (Relatório II, 1942, p. 199-200).

A esse memorandum foi acrescentado, como complemento comprobatório, a indissolubilidade entre a fé e a pregação. O documento fundamenta-se numa série extensa e rica de  citações extraídas do Novo Testamento, principalmente das cartas de São Paulo. A quem interessar, encontram-se reproduzidos nas pgs. 203-206  do Relatório II.

No presente capítulo, o terceiro do Relatório II, repete-se o mesmo equívoco dos dois anteriores. Ao introduzi-lo as autoridades policiais recorrem à tática de apontar para um cenário absolutamente assustador. A pregação religiosa e, de forma mais radical, a evangélico-luterana, é apresentada como uma via perversa de contrabandear a ideologia nazista para dentro das comunidades coloniais. Os pregadores são apresentados como agentes escolhidos pelo nacional¬socialismo, para infiltrar-se, através da pregação, nas mentes e corações da gente “alemã”. Sempre conforme  os autores do Relatório, o púlpito transformara-se  tribuna política, como ficou explícito nesta passagem:

Daí forçosamente resultou ter o nazismo procurado unificar  o interesse político e o sentimento religioso. 
No estrangeiro há mais um fator preponderante: a Igreja pelo respeito  que infunde, está mais ou menos colocada a salvo da ação vigilante das autoridades e, portanto, das restrições da censura.
Do púlpito é mais fácil predicar em idioma estranho à língua nacional. E disso muito se tem prevalecido os nazistas, que já o transformaram em tribuna política. (Relatório II, 1942, p. 158).

Os argumentos enumerados para a generalização da ameaça nazista, mascarada pela pregação religiosa, foram as diretrizes emanadas  de autoridade evangélico-luterana em Bremen, o bispo Heinz Weidemann, e publicadas no jornal “Kommende Kirche”, em 6 de agosto de 1939. A passagem mais inequívoca, demonstrando o comprometimento da religião com a política, é esta:

A Igreja cristã terá que se recristianizar  novamente. Onde nela viva a verdadeira cristandade, será anti-judaica. A verdadeira cristandade está em posição de vanguarda contra qualquer pretensão vaticana que joga política e religião na mesma panela e deriva daí, exigências de poder. Isto é político mas não cristão. 
Entre o fogo cerrado da falsa Igreja, que se pós anti-cristã em forma de confissões, deverá traspassar a Futura Igreja, para a cristandade verdadeira, que não poderá ser  separada da questão de um Deus alemão. (Relatório II, 1942, p. 180)

Avaliando os dois textos, fora do contexto geral dominante entre as igrejas teuto-brasileiras evangélico-luteranas, sem a menor dúvida assustam e chocam. Não há como não admitir que se trata de formulações inequívocas de uma religiosidade comprometida com uma ideologia política. Compreende-se assim  a reação de quase pavor das autoridades a serviço da nacionalização, ao delas tomarem conhecimento. Sem a menor  margem de erro, haviam-se defrontado com um problema sério e, ao mesmo tempo, de extrema  delicadeza. Em extremo delicado porque envolvia  a Igreja e os pregadores. Num país conhecidamente respeitoso para com a religiosidade  do seu povo e, cuja constituição consagrara a liberdade de religião e de culto, a aliança espúria  de uma ideologia política exótica com uma religião legalmente reconhecida, transformara-se num sério complicador a ser enfrentado.

Na pratica, tomando como base a realidade objetiva que dominava as intenções dos ministros evangélico-luteranos, em parceria com suas comunidades, desenhava-se  um quadro muito menos assustador. A ameaça da infiltração nazista via pregação, via catequese, foi exagerada. As razões que podem ser invocadas são, entre outras. 

O fato de as afirmações acima mencionadas terem emanado de autoridade eclesiástica da Alemanha, a repercussão prática entre os pastores e fieis das comunidades evangélico-luteranas no Brasil parece ter sido muito diluída. Abraçaram a causa pastores isolados e defenderam-na grupos de leigos localizados e não muito representativos  na totalidade dos fieis. Essa dedução fica clara frente à posição oficialmente assumida pelo Sínodo Riograndense. Um exame  superficial das orientações assinadas pelo  pastor Dohms, na qualidade de presidente do Sínodo, não deixa dúvidas. Os decretos governamentais foram aceitos, procurou-se harmonizar a prática pastoral com as regulamentações dos decretos oficiais e desenvolveu-se um esforço inequívoco em traçar uma linha de convivência e entendimento, com os responsáveis para por em prática  a Campanha de Nacionalização. Existindo, como de fato existiu, uma ameaça  de infiltração nazista via pregação religiosa, essa parece ter sido exagerada. Armou-se um aparato ostensivo de repressão, traduzido numa retórica agressiva, e propôs-se também uma estratégia de terra arrasada. Os problemas  e os impasses que se seguiram, terminaram em resultados nada convincentes e mergulharam o relacionamento dos executores da nacionalização e as lideranças da Igreja Evangélico-Luterana, numa zona de turbulência inútil e contraproducente.

Bicentenário da Imigração - 63

Depois de haver relatado o episódio, envolvendo a tentativa de instalação de uma emissora de rádio no navio mercante alemão “Rio Grande”, o Relatório passa  a comentar a relação entre as sociedades e associações alemãs  e o Consulado. O que  essa questão tenta demonstrar é como a simples relação de interesses mútuos evoluiu, aos poucos, para um domínio total do Consulado e do cônsul sobre essas entidades. O Relatório fala em protetorado expresso na forma de verbas e material necessário para a implementação das sociedades. A situação tornou-se possível porque um número grande de sociedades filiara-se à Federação Alemã de Sociedades” – o “VDV” – “Verband Deutscher Vereine”. 

Em seguida o Relatório passa a apresentar o que foi e o que pretendia  a “Federação das Associações Alemãs – VDV”. Cabia-lhe a tarefa de concentrar todas as informações sobre as milhares de sociedades alemãs no estrangeiro, filiadas  à “VDV”, a única que de fato une a pátria com as sociedades alemãs existentes no estrangeiro. A “VDV” se encarrega de promover a união dos alemães no estrangeiro, conservando a seu instinto alemão e repelindo as influências da cultura  de outros povos. Interessa-se pelos institutos, colégios e igrejas; põe à disposição dos associados e das  bibliotecas, peças de teatro, filmes, revistas e livros alemães, em grande  parte gratuitamente; protege os associados em questões comerciais e particulares. Todo o alemão no estrangeiro, de qualquer profissão, deve ter a convicção de que a “VDV” é para ele, na prática, uma organização que o auxilia e que por ele trabalha.

Quando se oferece ocasião, a VDV a aproveitará para auxiliar as sociedades no estrangeiro, remetendo o material necessário, o do nacional-socialismo. O alemão no estrangeiro, deve ter o espírito voltado para a pátria que lhe mostra claramente o caminho a seguir ou ele se inspira na reivindicação, da qual a pátria está imensamente  compenetrada, ou ele a despreza, perdendo a ligação íntima com a Alemanha correspondendo-se com povos estrangeiros.

Em vista destes conhecimentos no curto espaço de tempo em que existe a VDV (fundado em 11  de abril de 1934) até 15 de outubro de 1936, já se associaram cerca de 1.150 associações, sociedades beneficentes, escolas e comunidades no estrangeiro. (Relatório II, 1942, p. 124-125).

Foi, sem dúvida, correta, oportuna e necessária a preocupação das autoridades responsáveis pela segurança nacional ao submeterem a VDV a uma severa vigilância. A preocupação impunha-se, de um  lado, pelo momento histórico de uma Alemanha em guerra. Mas impunha-se por uma razão adicional ainda mais forte e complementar à primeira: a indisfarçada intenção dos condutores  da política expansionista  do nacional-socialismo em consolidar nos países de maior presença alemã, cabeças de ponte, encarregadas de assegurar a implantação a idéia do pangermanismo. Sendo assim, toda a cautela era pouca e necessário todo o rigor.

Examinando com maior atenção os registros e os comentários consignados no Relatório II, chega-se à mesma conclusão daquela do episódio envolvendo a estação de rádio transmissão. O alcance da propaganda através da VDV visava, em primeiro lugar, municiar com material de propaganda, livros, revistas, etc., os núcleos da NSDAP, atuando nos centros urbanos maiores em todos os estados do Centro-Sul do Brasil. A VDV fora criada, portanto, para garantir a pureza das idéias e dos ideais raciais e culturais nas células do NSDAP. Ora é um fato conhecido das pessoas mais ou menos conhecedoras da situação, que essas células achavam-se novamente restritas a centros urbanos médios e grandes. Entre a população das comunidades rurais, que somavam a imensa maioria do universo de alemães no Brasil, não lograram êxito, foram ignoradas e, em não poucos casos, hostilizadas. As razões desse fato já foram arrolados mais acima.

O perigo, portanto, que a propaganda nazista representava para os estados do Sul de fato existiu. Era preciso levá-lo a sério. Tratou-se, contudo, mais uma vez de algo limitado, restrito, confinado com chances reais de empolgar politicamente núcleos muito ativos, mas bem identificados e conhecidos pelas autoridades responsáveis. Essa afirmação torna-se óbvia quando se procede a um exame dos documentos comprobatórios reproduzidos no Relatório. Os documentos de nº 23 e 24, das páginas 129 e 130, reproduzem a carteira de filiação à NSDAP de Günther Schinke, de Novo Hamburgo. Nos documentos 25 e 26, às páginas 133-135 Consulado Alemão Participa à Sociedade de Ginástica de Montenegro a concessão de  duas cotas de 1.000 marcos alemães para os anos de 1936 e 1937. O documento de nº 27, página 137, reproduz, sem comentários, uma fotocópia de capa do livreto que contem os estatutos e a relação das sociedades filiadas ao VDV. O documento de número 28, página, 139, reproduz apenas a fotocópia da primeira página dos estatutos, contendo, também, o início dos objetivos e da finalidade do VDV. Também a respeito deste documento, além de incompleto, não consta nenhuma interpretação, nenhuma apreciação ou comentário. Nos documentos de nº de 29 a 33 correspondentes às páginas 141 a 149, segue a relação fotocopiada das associações filiadas ao VDV em diversos países. De todo o Brasil constam ao todo em torno de 170 sociedades filiadas. Verificando agora quantas delas se localizam nos três estados do Sul, aparece o seguinte: 23 eram do estado do Paraná, 22  de Santa Catarina, 45 do Rio Grande do Sul. Dessas 45, três eram de Neu Würtenberg, hoje Panambi, 19 de Santa Cruz do Sul, de Porto Alegre constavam apenas  duas de importância secundária: a Sociedade de Ginástica Navegantes e  o Clube de Esgrima Harmonia. As grandes sociedades como o Turnerbund (Sogipa), a Leopoldina e outras, pelo que consta, não se haviam filiado  ao VDV. De São Leopoldo consta apenas a Sociedade  de Ginástica. Constam ainda as Sociedades de Ginástica de Novo Hamburgo, Hamburgo Velho, Sapiranga, Campo Bom, Canela, São Sebastião do Cai, Montengro, Maratá. As demais  sociedades filiadas encontravam-se em localidades menores e se dedicavam a atividades diversas. Dentre essas últimas , a mais importante e a mais  abrangente, foi a Associação dos Professores Teuto-brasileiros  Evangélicos do Rio Grande do Sul, com sede em São Leopoldo.

A localização  geográfica das sociedades filiadas ao VDV no Rio Grande do Sul, como no Paraná e em Santa Catarina, confirma o que foi assinalado acima. Na sua quase totalidade atendiam a clientelas de centros urbanos de certo porte. Raras foram as sociedades filiadas em núcleos tipicamente coloniais e, mais raro ainda, em picadas no interior. Um dado até certo ponto surpreendente oferecem as 19 sociedades filiadas em Santa Cruz, contra apenas duas em Porto Alegre, uma em São Leopoldo, uma em Novo Hamburgo e uma em Hamburgo Velho. Das duas centenas de sociedades, associações, clubes, etc. em plena atividade, uma porcentagem quase irrisória havia-se filiado ao VDV até o começo da Segunda Guerra Mundial. Sendo assim, a periculosidade dessas sociedades era muito relativa. Já que a policia estava de posse dos seus nomes, nada mais fácil do que enquadrá-las nas regras e leis vigentes. O erro nessa história foi listar todas as demais entidades do gênero sob a rubrica de quinta-colunismo ou de traição.

A segunda parte do Relatório II termina com a apresentação de mais dois documentos. Nenhuma dos dois acrescenta qualquer prova substantiva relativa à atividade  de propaganda nazista no Estado. No máximo podem ser considerados como indícios mais ou menos sérios. No primeiro deles, o de nº 34, o cônsul alemão pede esclarecimentos ao sr. Wilhelm Daumer sobre a Academia de Artes e Ofícios (Handwerker Akademie), solicitando para tanto a sua presença no consulado. O outro documento, o de nº 35, apresenta sem comentários e sem explicações uma coleção de distintivos, pregadores, insígnias, etc., utilizados  pelos nacional-socialistas. Da forma como se encontra no Relatório poderia tratar-se até de um documento fabricado, por ex., a foto de uma coleção de museu. 

Como conclusão final desta segunda parte, pode-se dizer que fica a impressão de que o tamanho do perigo nazista no Rio  Grande do Sul foi exagerado além do necessário e do sensato. O escritor Barbosa Lima Sobrinho, citado no Relatório, dá a dimensão correta ao problema ao escrever:

Errôneo também é, destacar alguns casos excepcionais, nos quais teuto-brasileiros se esqueceram de seu dever como cidadãos brasileiros e se puseram contra as leis do País, para agora suspeitar de todos os cidadãos de sangue alemão, denunciando-os sem exceção como inimigos do País e espiões. (Relatório II, 1942, p. 162)

A terceira parte do Relatório II ocupa-se com a relação entre a política e a religião. A primeira questão que chama a atenção  é o fato de que nas mais de cento e cinqüenta páginas que se ocupam com o tema, procura-se mostrar como a Igreja e os pastores evangélicos serviram de propagadores  da ideologia nazista no Rio Grande do Sul. Não se arrolam provas que envolvem os católicos e seus sacerdotes. É de se supor que as autoridades policiais ocuparam-se muito pouco com os católicos por lhes parecer que eles não ofereciam problemas maiores.

Aliás essa quase despreocupação para com os católicos de descendência alemã encontra explicação  na tomado de posição oficial da hierarquia católica  do Rio Grande do Sul em relação para com  a Campanha de Nacionalização. O arcebispo metropolitano de Porto Alegre, D. João Becker e seus sufragâneos não tardaram em assumir uma atitude declaradamente favorável à nacionalização e seus promotores. Basta conferir  as declarações a respeito divulgadas na revista “Unitas”, órgão oficial do arcebispado.

Sendo a orientação oficial das autoridades eclesiásticas solidária com o programa de nacionalização, as resistências ostensivas ou simplesmente passivas não causavam maiores preocupações. O apoio da Igreja mereceu, aliás, seguidas referencias elogiosas do Secretario da Educação e Cultura, Dr. Coelho de Souza. Referindo-se aos grupos de alemães que  denominou  de “tradicionalistas”, isto é, as populações coloniais  que convencionamos chamar  de teuto-brasileiros e seus curas de alma, assim se expressou:

Dirigem-nos os padres de ordens religiosas, valendo-se da sua relativa autonomia que lhes permite  opor uma resistência passiva à ação dos bispos que – justiça lhes seja feita – têm colaborado com o Governo na obra da nacionalização e, dos setores públicos; no setor luterano, orientam-nos os pastores dissidentes da Igreja Alemã. (Relatório II, 1942).) 

Entre os católicos, portanto, a preocupação dos nacionalizadores reduzia-se a fatos, grupos ou pessoas isoladas. Da parte da hierarquia, a aceitação era oficial, inclusive com o apoio formal à Campanha.

O autor do Relatório  começa afirmando que o nazismo procurou harmonizar a religião e a política, no caso a protestante. Uma razão muito plausível consistia  no fato de em países com uma população tradicionalmente religiosa, a ação da censura e da vigilância das autoridades costumava ser menos diuturna e muito menos severa. Ficava assim, até certo ponto, fácil utilizar o púlpito como tribuna política e o Evangelho e a Sagrada Escritura como disfarce.

Depois da análise  da vinculação da religião com a propaganda política, temos a transcrição da mensagem de ano novo do bispo protestante Dr. Heckel, dirigida às comunidades sob sua jurisdição no estrangeiro. 

A passagem que segue dever ter causado a maior espanto:

Na época em que passa pelo mundo o temporal espiritual e a dissolução, nós, homens e mulheres evangélicos, deixamo-nos ficar mais unidos, fieis à fé de nossos pais, fieis para com a nossa Igreja, que sempre anuncia um novo evangelho, fieis ao nosso povo e prontos para a nossa missão.

Permaneçamos, embora longe de isolados da nossa Pátria Alemã, fieis na oração para com a nossa comunidade, nossa Igreja, nosso povo e o  nosso Führer.

Firmemo-nos sobre o fundamento que serviu de base à nossa fé: Jesus Cristo, ontem, hoje e por toda a eternidade.

Quais são as forças que hoje mantém a Alemanha. Deve-se mencionar em primeiro lugar – a família de origem e conhecimento que traz consigo a cultura alemã, que será transmitida de geração em geração. Vemos, porém, que os filhos de famílias alemãs afundam-se na cultura alheia (ao País).

Para evitar isso, temos o colégio alemão, com os fundamentos da educação alemã.

Esta foi a diretriz do colégio colonial alemão através dos tempos: educar os filhos dos alemães como alemães.

Reconhecemos que, antes de 1933, foi esta a orientação da Alemanha. E, como é natural, essa educação, para sentir seus efeitos benéficos, deve ser iniciada na juventude e na  maturidade. 

A maior ajuda dos círculos alemães  para a cultura germânica é o trabalho das diversas Sociedades Alemãs, visando esta sociabilidade e o estreitamento dos vínculos que unem e convocam a comunidade. O indiscutivelmente reconhecido trabalho, com seus objetivos esclarecidos, ganhou uma nova arma com as irradiações, cujo barateamente veio com o NSDAP. 

Quando o governo alemão reunir a força de todos os alemães esparsos pelo mundo, levantar-se-á um eco de agradecimentos de alemães no estrangeiro pois, nós sem adjutório algum, representamos no mundo o povo alemão. (Relatório II, 1942, p.1558-161).

O autor do Relatório reagiu assim à posição do bispo Heckel:

A este ponto é licito indagar: que  mais se comete aqui, política ou religião?
É a palavra do chefe da Igreja Evangélica para o exterior, contida em um dos órgãos oficiais do protestantismo. 
Que fonte originaria, quer o veículo de divulgação, não podem ser mais autorizados.
Diante disso, pode-se afirmar que a Igreja Evangélica Alemã se transformou em ala do NSDAP, ocupando lugar saliente em sua formação.
E foi completa a transformação.
O sacerdote vai perdendo aos poucas todas as características de sua missão apostolar.
A serenidade de espírito  que lhe emprestou a fé para distingui-lo entre os mortais foi trocada pelo fanatismo violento. (Relatório II, 1942, p. 161).