Cabem aqui as mesmas conclusões que foram válidas nos dois episódios que envolveram a instalação de um rádio-transmissor no cargueiro alemão “Rio Grande” e todo o “affaire” relativo à sociedades alemãs acusadas de servirem de via de penetração ao nazismo. O problema existiu e ninguém vai nega-lo. Se o problema existia, era preciso leva-lo a sério e não perder tempo para colocar em marcha as providências necessárias para fazer-lhe frente. Masm, nos casos já citados, tratava-se de um perigo localizado, envolvendo lideranças, grupos e indivíduos que não representavam a intenções da maioria. E, também aqui, o próprio Relatório da policia fornece os melhores subsídios, para apoiar essa conclusão. Entre eles podem-se destacar as instruções e orientações que o Sínodo Riograndense fez chegar aos subalternos. O Relatório registra, no final do capítulo terceiro, um episódio que comprova que, na própria Alemanha, atuavam lideranças evangélicas muito fortes contra o nazismo. O líder dessa reação foi o pastor Niemöller. Ele foi confinado no campo de concentração e, o próprio Hitler teria posto o seu confronto com o pastor nos seguintes termos: “ou Niemöller ou eu”. Dele escreveu o secretario executivo do Conselho das Igrejas de Cristo na América, Dr. Henry Smith Laiper:
No dia primeiro de julho os sinos das igrejas que ainda existem no Terceiro Reich, quando badalaram estavam lembrando o início do terceiro ano do reverendo dr. Martin Niemöller, um dos mais destemidos, mais notáveis e mais eficientes lideres da Igreja Evangélica Alemã, que se recusou a aceitar a liderança nazista nos assuntos internos da Igreja e, recusou-se também, em consentir que ele mesmo fosse transformado em “Gleichgeschaltet” (coordenador) para fins políticos.
Naquela data, todos os ministros dos Estados Unidos e em outros países democráticos, uniram-se em espírito com os mártires da Alemanha, numa demonstração de solidariedade na luta contra os esforços para restringir a liberdade do espírito humano contra as suas tentativa de estabelecer o neopaganismo. (Relatório II, 1942, p. 207)
A observação final a esse capítulo poderia ser a mesma dos anteriores. O próprio material que foi apresentado como prova da infiltração generalizada do nazismo na Igreja Evangélica Luterana e a sua disseminação entre os fieis, foi exagerado. Na verdade, o número e, principalmente o valor dos documentos registrados a favor da tese do Relatório, parecem bem menos convincentes do que se supunha.
O capítulo quinto do Relatório II procura analisar a importância da União Beneficente e Educativa Alemã (Bund der Schaffenden Reichsdeutschen) como difusora da ideologia nazista. A Sociedade foi criada, segundo od Relatório, para tomar o lugar do DAF (Deutsche Arbeiter Front) a qual, por sua vez, representava a mais importante das organizações, a NSDAP. Quando a NSDAP foi posta na ilegalidade, a União Beneficente e Educativa Alemã deveria substituí-la. Em substituindo uma entidade proscrita por lei, é obvio que lhe cabia operar como fachada legal, um vez registrada no Ministério da Justiça, inclusive continuado as atividades consideradas fora da lei. Uma vez comprovada a verdadeira natureza da sociedade e identificadas suas intenções reais, era forçoso submetê-la a uma zelosa vigilância, o que foi feito como indicam os documentos. Conforme esses documentos, defrontamo-nos novamente com um problema real, porém, de repercussão modesta.
O documento de nº 44, reproduzido no original e na sua tradução nas pgs. 212-215, apresenta as condições facilitadas de uma viagem de navio fretado para a Alemanha. Estipula condições e prazos para a inscrição e a duração da viagem.
O documento de nº 45, pgs. 221-224, registra o regulamento para alemães natos que queiram viajar para a Alemanha em visita ou com a intenção de se repatriarem. Especifica minuciosamente os documentos pessoais exigidos para a emissão do passaporte.
O comentário anexo aos dois documentos comprova que as autoridades haviam logrado total controle sobre as pretensas viagens, ao menos no que diz respeito ao Rio Grande do Sul:
No Rio Grande não lograram os agentes pardos o beneplácito da Policia para a prática de mais esse atentado contra as nossas leis. ( ... )
Uma cousa, no entanto, é certa: mau grado as refregas sofridas, os nazistas ainda se encontram acordados e não perderam de todo a esperança de um dia, encontrarem a forma maravilhosa que lhes permita reencetar a luta a salvo da opressão policial. (Relatório II, 1942, p. 224)
Nas ps. 225-230, fica registrado o depoimento prestado à Policia pelo Sr. Walter Nas, antigo dirigente da NSDAP. Residindo em Novo Hamburgo, não ocupava mais qualquer cargo na organização em 1938. A rigor, o depoimento não esclarece grande coisa, além de que a DAP ter sido filiada e subordinada à sua congênere na Alemanha; que funcionavam células dela em Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Estância Velha; que mantinha correspondência com o sr. Kurt Steffin, dirigente da entidade no Rio de Janeiro; que fora instruído pelo cônsul Ried, em Porto Alegre, no sentido de que os assuntos referentes à DAP tinham que ser intermediados pelo Consulado; que os sócios pagavam mensalidades; como vários sócios da DAP, entre eles, ele próprio, se reuniam regularmente nas terças e quintas feiras à noite para um jogo de cartas, na residência de um ou de outro no começo e, mais tarde, no café-bar de Paulo Banke; que costumavam ouvir discursos de Hitler pelo rádio; que ele, com seus companheiros participava da campanha de arrecadação de donativos para o inverno; que fora avisado pelo dr. Günther Schinke que a policia faria uma investigação e que, não acreditando na notícia, deixou de tomar certas providências; que no momento não exercia mais nenhum cargo na organização. Consta que o interrogatório foi encerrado neste ponto e devidamente datado e assinado.
Estamos diante de mais um documento que pouca coisa acrescenta em termos de prova a favor da infiltração nazista no Rio Grande do Sul. Torna-se muito difícil perceber no episódio o espantalho pintado pelo Relatório.
Depois do exame dessa prova será ainda possível acreditar-se na sinceridade dos propósitos testemunhados pela “Bund der Schaffenden Reischsdeutschen” ao Sr. Ministro da Justiça?
Certamente não.
Está evidenciado que a verdadeira finalidade é política e não beneficente e que o objetivo não foi organizar uma sociedade dentro dos moldes da Constituição, e sim, incorporar um verdadeiro instituto, congregando todos os órgãos ativos do Partido Nacional-Socialista.
Um pouco mais adiante:
Com a publicação oficial do decreto conclamamo-nos na emergência de tomar uma decisão rápida, clara e exata para poder cumpri-lo pois, teremos dois caminhos a seguir: ou perder tudo o que foi construído durante longos anos de sacrifícios por mais de 1700 sócios, ou tentar um entendimento, que de qualquer modo, permita a possibilidade de defender e garantir os interesses dos sócios.
Mais claro não é possível. É a confissão oficial. (Relatório II, 1942, p. 230)
“Ninguém seria tão ingênuo de acreditar que a Sociedade Beneficente, de que se acaba de falar, não tenha oferecido para seus organizadores a via legal para exercer as atividades necessárias para a finalidade que se havia proposto. O extrato dos estatutos registrados no Ministério da Justiça não fazem supor que se tratava de uma organização clandestina”. (Relatório II, 1942, p. 244-245). Pela fachada tratava-se de uma agremiação como tantas outras similares que se dedicavam ao auxílio mútuo. Ao conseguir o registro, passou a ser legalmente considerada e reconhecida como tal. Não fica muito claro se praticou atos ilegais. Nesta questão há todo um outro aspecto que merece certa atenção. A fundação e o registro da Associação Beneficente Alemã ocorreu em 1938. Um ano, portanto, antes de começar a Segunda Guerra Mundial e quatro anos antes antes de o Brasil declarar guerra à Alemanha. As relações diplomáticas desenvolviam-se na mais perfeita normalidade. Não resta dúvida de que o nacional-socialismo alimentava o maior interesse para passar uma boa imagem para os imigrantes alemães radicados em outros países e consolidar com eles o intercâmbio mais estreito possível. Mas enxergar na associação uma forma mascarada, com a finalidade única de servir de via de penetração para o nazismo, parece um exagero.
No capítulo V do Relatório II são apresentados os mecanismos de propaganda utilizados pelo nazismo. Os veículos mais visados foram o rádio e a imprensa. O Relatório mostra basicamente como entrava no Brasil a propaganda vinda da Alemanha e a natureza do material aqui oferecido e os agentes mais comprometidos. O papel do rádio recebeu atenção especial. (cf. Relatório II, 1942, p. 247-281) No final do capítulo, foi reproduzido um questionário destinado a apurar a penetração da rádio alemã, sua aceitação e sua clientela. Registraram-se ainda alguns nomes com endereço de pessoas que mantinham correspondência com a emissora alemã.
A questão relacionada com a propaganda contem novamente aspectos parecidos com aqueles analisados até aqui. Observe-se, por ex., a imprensa. Sem pretender diminuir seu poder e sua abrangência como veículo capaz de influir na opinião das pessoas, era possível que as autoridades exercessem um controle eficiente sobre ela.
Ainda no caso da imprensa, um outro detalhe não pode ser esquecido. As populações rurais que compunham a imensa maioria eram profundamente religiosas. Os jornais, as revistas, os almanaques que liam seguiam uma linha editorial confessional. Nessas publicações não havia espaço para a propaganda do nacional-socialismo com sua proposta arreligiosoa e anti-religiosa. Seria mais fácil encontrar referências desabonadoras do que elogiosas ao nazismo. Recorde-se o que envolveu o mais importante jornal católico em língua alemã no Rio Grande do Sul, o Deutsches Volksblatt, já em 1931.
No que se refere à propaganda pelo rádio, é permitido repetir a observação feita por ocasião do episódio do navio cargueiro alemão. Apenas grupos seletos, residindo quase sempre em centros urbanos, tinham acesso a essa fonte de informação. A grande massa de “alemães” espalhados pela região colonial ficava fora do seu alcance.
O capítulo sexto do Relatório II ocupa-se com o papel da juventude Teuto-Brasileira ligada à Juventude Hitlerista. Parece fora de qualquer dúvida que aqui residiu um dos problemas mais preocupantes quando se pretende dimensionar as chances do projeto nacional-socialista em nosso meio. Pela sua própria natureza o jovem é propenso a novidades, e com facilidade passível de sedução por propostas grandiosas. A aventura, o companheirismo, o heroísmo o fascinam. Os estrategistas da propaganda nazista souberam manipular magistralmente todos esses fatores. Reuniões regulares, cantos, bandeiras, uniformes, emblemas, acampamentos, etc., faziam parte do aliciamento dos adolescentes e dos jovens. Na sua forma original a Juventude Teuto-Brasileira como organização não deixava dúvidas. Pautava toda a sua linha de conduta segundo os ditames da inspiradora alemã, a Juventude Hitlerista. Esse fato torna-se ainda mais evidente com a viagem de delegações da Juventude Teuto-Brasileira para a Alemanha e os acampamentos e programações conjuntas, realizadas em comum com a Juventude Hitlerista e com outras organizações similares procedentes de uma dúzia de países.
No estado do Rio Grande do Sul, a Juventude Teuto-Brasileira encontrava-se em plena expansão quando foi extinta por ordem do Ministério da Justiça. Em dezembro de 1937, havia ao todo 39 núcleos reunidos em sete grupos: Rio grande, Porto Alegre, Lajeado, Santa Cruz, Cachoeira, Ijuí e Erechim. (cf. Relatório II, 1942, p. 345-346). As sedes desses núcleos eram na maioria pequenas e médias cidades e alguns núcleos coloniais mais dinâmicos.
A ação rápida das autoridades policiais reduziu à inanição a Juventude Teuto-Brasileira e neutralizou o surgimento de qualquer outra organização que lhe tomasse o lugar. Tendo sido assim, a influência dessa Juventude foi passageira e limitada.
Em substituição à Juventude Teuto-Brasileira, surgiu em Porto Alegre, em agosto de 1937, a proposta para se criar uma entidade que deveria ter sido a verdadeira versão teuto-brasileira, desvinculada da tutela da Juventude Hitlerista. Examinando os objetivos propostos, não se encontra nenhum motivo sério para suspeitar da sinceridade das suas intenções. O que na época assustou muita gente foram duas questões apresentadas na proposta. A primeira dizia respeito aos meios para promover a Juventude Teuto-Brasileira, como seria chamada. Propunha promover acampamentos, excursões, etc. Ora esse tipo de atividades estivera sempre na mira das autoridades como suspeita de mascarar uma educação para-militar; de ocasiões em que se praticava o nudismo e outras formas de lazer, no mínimo suspeitas. A segunda questão repetia e insistia num ponto de divergência irreconciliável. A Juventude Teuto-Brasileira propunha-se a transformar em bons brasileiros os descendentes, cultivando a língua e os hábitos dos seus antepassados. De resto a proposta poderia servir de paradigma para criar qualquer tipo de associação para fins educativos e cívicos. Parece pertinente reproduzir aqui, a declaração de objetivos que levaram à criação da UJTB.
Objetivos e Obra da União da Juventude Teuto-Brasileira.
A União da Juventude Teuto-Brasileira é uma agremiação de jovens masculinos e femininos, filhos de alemães sediados no Brasil, fazendo assim parte da coletividade da grande nação brasileira. A suprema tarefa da JTB é a educação de seus membros na base da camaradagem e da disciplina para o serviço da Pátria, cumprindo assim o dever de cada cidadão perante a nação brasileira.
Os jovens aprendem que a obediência ao governo e às leis não é somente um dever patriótico, mas sim, que essa obediência é ditada pelo amor ao bem-estar da nação. Este amor os leva até a morte e nem um deles vacila em deixar a vida e o sangue no campo de batalha em defesa da querida Pátria.
Os ídolos desta juventude são os heróis da luta da guerra do Paraguai, os valores bandeirantes e o pioneiros alemães, simples colonizadores, mas que, com esta simplicidade característica dos teutos, venceram as matas virgens dos estados sulinos, para transformá-as em terra férteis, fundando cidades, organizando indústria e comércio, sendo assim, em conjunto com os colonizadores italianos, a base da prosperidade neste ramo, como o foram anos antes os gaúchos, valentes conquistadores do Brasil. Estes antepassados teutos não só souberam lidar com pá e machado, como também defenderam a Pátria com a arma na mão contra invasores estrangeiros e manifestaram a ordem nos tempos da revolução.
Estas razões levaram a UJTB a despertar nos jovens corações, a memória dos antepassados vindos da Alemanha, e lembrar que o sangue é o mesmo, e que este sangue os obriga a cultivar e respeitar os costume e o idioma dos pais e avós.
Se na história brasileira surgem homens importantes de descendência lusa como germânica, é certo que cada um contribui com as qualidades de sua raça, qualidades estas que deram o valor para poderem servir desta forma extraordinária à nossa querida pátria. Bravura, fidelidade, camaradagem, modéstia, coragem, força de ação, tenacidade, solidez, veracidade e amor à pátria são objetivos que queremos inculcar nos jovens.
Acampamentos, raids, atletismo, educação teórica em reuniões semanais, cultivo de muúica e canto em geral, como a arte de ofícios, são os meios eficazes desta educação. Os acampamentos e raids nos fazem conhecer a grandeza do Brasil e sua magnífica natureza, nos levam ao interior para travar relações com a população dos campos, da serra, da colônia e conhecer seus costumes. O atletismo torna juventude robusta e sadia, preparada para a luta das armas e da vida. Também temos em nossas fileiras alguns jovens alemães natos, cujo supremo dever é de formar um laço de amizade entre as duas grandes nações, e que, respeitando em todo as leis do nosso país, por gratidão à nação hospitaleira servem com o máximo prazer o nosso maior objetivo: trabalhar com ardor para a grandeza da nação brasileira.
A UJTB compreende ser um dever natural comemorar festivamente as grandes datas de nossa pátria, como já tem dado provas de assistência social – nossos camaradas cooperam nos “Chás da pequena Cruzada” em favor da Santa Casa local, cooperam na colocação de postes para a linha de alta tensão ao Sanatório Belém, socorreram os flagelados no arrabalde de São João/Navegantes, levando mantimentos aos que estavam cercados pelas águas, ou auxiliando as mudanças dos necessitados ou guardando as casas dos mesmos.
A União da Juventude Teuto-Brasileira está organizada em quatro regiões: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo/Paraná Rio de Janeiro. As corporações locais são divididas em grupos pequenos de 10 a 12 jovens, masculinos e femininos, nas idades de 8 a 14 anos e 15 a 20 anos.
O símbolo contido na nossa bandeira é para documentar a nossa amizade com a velha Pátria dos antepassados, um antigo emblema dos germanos, dos tempos de antes de Jesus Cristo e que significa “Vitória”.
A UJTB é uma agremiação puramente brasileira. Não temos ligações com quaisquer grupos políticos ou sociedades e especialmente não é ligada a organizações alemãs. Como mantemos relações muito amistosas e cordiais com os “Escoteiros do Mar”, também mantemos com outras agremiações da juventude, entre outras com os escoteiros da Argentina, do Uruguai e da Alemanha. Temos aproveitado algumas experiências destas corporações, mas nunca tentamos implantar em nossa estrutura cousas estranhas a o ambiente da nossa Pátria.
A UJTB espera de seus membros, que cultivem o idioma alemão, porém, exige que estudem e se dediquem à língua brasileira, porque é um dever de cada cidadão conhecer a fundo o idioma de sua pátria.
UJTB existe a 3 anos, restringindo-se sempre ao campo cultural, sem orientação política, pois sabe da responsabilidade perante a nação, que de preparar jovens cidadãos para os serviços da Pátria, tendo sempre em vista a grandeza da Nação. (Relatório II, 1942, p. 349-351).
O exame de hoje depois de oito décadas da elaboração dos princípios que deveriam nortear a atividade da União da Juventude Teuto-Brasileira, sugere algumas reflexões. Uma delas poderia ser a seguinte. Na proposta não se observa nada de objetivo que possa por em dúvida a natureza e as intenções da organização com a finalidade de adestrá-la por meio dos mais variados instrumentos, para transformar os jovens em cidadãos úteis, conscientes e disciplinados. A celeuma em torno da fundação da UJTB somente se entende quando inserida no contexto da época.
Há uma segunda reflexão complementar à primeira. Pelo que tudo indica, a organização não sugere o menor motivo para ser considerada clandestina. A suspeita que se lançou sobre ela é que ela deveria tomar o lugar da Juventude Teuto-Brasileira, posta fora da lei pelo Ministério da Justiça. No caso não significaria nada mais do que uma tentativa legal para perpetuar a organização proscrita. Mesmo sendo assim, não havia necessidade para tamanho alarme. Na versão proposta, a UJTB não pretendia ser uma agremiação clandestina. Havia solicitado o competente registro ao Ministério da Justiça. Nada de errado se poderia imputar a ela após tal homologação. Mas um detalhe não pode ser ignorado. Caso a organização se desgarrasse da orientação aceita pelas autoridades competentes, a Policia e a Justiça teriam em mãos os nomes dos responsáveis e, ao mesmo tempo, disporiam dos instrumentos para coibir abusos ou, em caso extremo, lacrar as portas da entidade e confiscar seus arquivos. Acrescente-se ainda o detalhe de que o número de regiões em que foi dividida a UJTB eram quatro. Subdivididas em pequenos núcleos de 10 a 12 jovens, assemelhando-se muito aos escoteiros. Fica difícil aceitar que essa organização, nos moldes e nas características em que foi apresentada, pudesse assumir o grau de periculosidade de que foi acusada.
Há, ao que aprece, um outro elemento que não é de todo irrelevante.Trata-se da data em que veio ao público a proposta da criação da UJTB, setembro de 1937. Ora, não é segredo para ninguém que conhece a época que não poucos dos idealizadores do Estado Novo, na iminência de ser implantado, alimentavam uma simpatia mal disfarçada para como os nacionalismos totalitários da Europa. Faltavam, além disso, dois anos para a eclosão da Segunda Guerra Mundial. As relações diplomáticas, culturais e comerciais entre o Brasil e a Alemanha fluíam na total normalidade. Toda essa situação aconselhava às autoridades responsáveis pelo funcionamento e o controle das associações, uma vigilância diuturna, mas rotineira e normal, também no que se relacionava com a UJTB. Transforma-la, dois anos mais tarde, num dos argumentos mais fortes para provar a sua condição de veículo de primeira linha na infiltração do nazismo entre os jovens, não passa de um exagero.
Mais uma consideração cabe aqui. Da maneira como se apresentou a proposta da UJTB, sem uma análise e sem comentários, pode-se transformar num contra argumento. A suspeita confirma-se com o que segue no relatório da policia. Nas pgs. 353-371, está reproduzida uma série de fotos, que deveriam documentar as atividades da Juventude Teuto-Brasileira e da Juventude Hitlerista. Exceto dois dos documentos, o de nº 84 e 85, que mostram fotografias da Juventude Hitlerista, os demais referem-se a acampamentos e atividades diversas da Juventude Teuto-Brasileira. Ao que se pode deduzir, falam de acontecimentos ocorridos no ano e 1937 ou antes, pois a Juventude Teuto-Brasileira foi extinta durante o ano de 1937. Fica de novo a interrogação: será que a Juventude Teuto-Brasileira, após dois anos com suas atividades encerradas, suas portas lacradas pela policia e seus arquivos confiscados, significava ainda uma ameaça do tamanho que as autoridades pretendiam enxergar?
Nas pgs. 373-423, encontramos uma série de depoimentos prestados na policia por dirigentes da Juventude Teuto-Brasileira. Todos eles foram tomados no decorrer do segundo semestre de 1939. Examinando com atenção os documentos, conclui-se que também eles nada acrescentam além daquilo que já era conhecido pelas autoridades interessadas. Reforça-se, portanto, também neste caso a sensação de que se extrapolou o poder de sedução da Juventude Teuto-Brasileira, de modo especial sobre as comunidades coloniais. Outra certeza que se tem, ao ler os documentos, é a evidência da desarticulação da organização. No segundo semestre de 1939, que coincidiu com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Juventude Teuto-Brasileira, se ainda atuava, tinha pouca ou nenhuma chance de se organizar e partir para uma ofensiva de alguma importância.